5. A SANÇÃO A TÍTULO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Diante dos aspectos processuais, o legislador foi taxativo quanto à previsão das hipóteses de litigância de má-fé, onde foi mais evidente na proibição de tais comportamentos conforme o art. 80. do CPC.
É possível identificar expressamente as circunstâncias da constatação da litigância de má-fé elencadas pelo rol taxativo do artigo 80 e as sanções previstas no art. 81. e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.
O litigante é responsável pelos prejuízos que causar, além de despesas e honorários, aplicando cumulativamente multa superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e quando irrisório, podendo chegar até dez vezes o salário mínimo, fixado pelo juízo competente ao funcionamento do judiciário. Gazdovich (2013) disciplina que se reputa “[...] litigante de má-fé a parte que se aproveita, maliciosamente, de deficiências processuais para opor resistência injustificada ao andamento dos processos, deixando de proceder, como de seu dever, com lealdade e boa-fé”.
Exercitar o mero comportamento protelatório acoimado de má-fé seria obstruir a ordem processual demandada pelas partes de se chegar ao resultado útil do processo, afrontando-se a segurança jurídica processual indicada no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988.
Taxar os comportamentos desleais importa a sua tipificação positiva no âmbito processual. Quer dizer, que se pretende sancionar os comportamentos ilegais conforme o princípio da legalidade, não se permitindo margem de dúvidas ou incertezas quanto à prática desleal, eis que, é preciso ter ciência de como são constituídas, a adequação a este princípio legal, e a disposição nas demais normas processuais.
Com a exposição das condutas processuais consiste que o litigante tenha consciência da reprovabilidade de seus atos frente à responsabilidade que lhe é atribuída, permitindo-se verificar a consequência do fato ilícito resultante do dano causado, daquele que atua em juízo convencido de não ter razão, com animus de prejudicar a parte adversa ou terceiro, ou criar entraves ao exercício do seu direito de ação, desvirtuando a finalidade do processo.
5.1. A CARACTERIZAÇÃO DAS HIPÓTESES DE MÁ-FÉ
Afigura-se equivocado limitar o conceito de litigância de má-fé às hipóteses elencadas do art. 80. do CPC. Embora, a caracterização da litigância de má-fé está muito mais relacionada ao abuso do direito processual, por afrontar ao princípio da boa-fé e da lealdade processual, do que às restritas situações taxadas pelo legislador.
Quanto à taxatividade o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná nesse sentido, tem entendido quanto à vigência do antigo CPC de 1973:
DECISÃO: ACORDAM os Magistrados integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo, nos termos do voto relatado. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - RECONHECIMENTO DO INSTITUTO DA COISA JULGADA - AUTORA QUE PRETENDE NOVA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA - ROL TAXATIVO DO ARTIGO 17 DO CPC - HIPÓTESES DOS INCISOS II, III e V - PRECEDENTES DA CORTE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1355664-6 - Bandeirantes - Rel.: Fabian Schweitzer - Unânime - - J. 24.06.2015).
(TJ-PR - APL: 13556646 PR 1355664-6 (Acórdão), Relator: Fabian Schweitzer, Data de Julgamento: 24/06/2015, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1600 07/07/2015). (grifo nosso) (PARANÁ, 2015).
Ante a relevância, não há duvidas que o legislador não poderia se atentar apenas as condutas descritas pelo art. 80. do CPC, sob pena de restringir o campo da hermenêutica jurídica aos demais atos atentatórios a dignidade da Justiça.
Segundo Cardoso (2001, p. 40):
O campo de aplicabilidade do instituto da litigância de má-fé é ilimitado, de modo que, ocorrendo qualquer resquício de exercício anormal de defesa e recurso, mediante prática e uso de argumentos manifestamente inadequados, com deslealdade processual e conduta temerária e prejuízo, aí estará aberta a porta para a aplicação, mesmo reconhecendo os casos clássicos da litigância de má-fé.
O entendimento jurisprudencial possui uma pequena divergência contra a doutrina majoritária limitando-se a taxatividade da litigância de má-fé pelo rol previsto pela legislação processual, que na verdade, pode ser tratada como forma exemplificativa, sendo o entendimento mais coerente em conformidade com o ordenamento jurídico, posto que a limitação impediria o combate efetivo aos demais abusos de direito processual, sobretudo às transgressões aos princípios processuais de boa fé e lealdade processual, deixando impunes condutas consideravelmente ímprobas.
Descrever as hipóteses de má fé regularizou a matéria, porém, não retira a possibilidade de se identificar demais atos de outras situações previstas pela lei, permitindo uma escala de apreciação a hermenêutica extensiva, de maneira que indicar as atuações desleais, assumiria uma natureza processual em virtude da sua prática de atos com identidade processual.
5.2. A NATUREZA JURÍDICA DA SANÇÃO DE MÁ-FÉ
Diante das diversas espécies sancionatórias que são elencadas pela legislação processual, o legislador optou ao litigante de comportamento temerário, por incrementar os deveres de cuidado exigidos aos litigantes frente aos meios de tutela, bom seria que, também neste caso, tivesse equiparado responsabilidade de sua natureza ao processo.
Em prol das garantias processuais relacionadas à conduta ética do participante, houve a imposição de multa e indenização, ou até mesmo a cumulação de ambos, aos danos acarretados ao lesionado da prática dos atos desleais conforme a determinação do art. 81. e seguintes do Código de Processo Civil atual.
Alvim Neto (1996, p. 647) conceitua a aplicação da multa:
Sanção pecuniária prevista em lei, aplicada pelo Estado-juiz de ofício ou a requerimento, contra qualquer sujeito que participe do processo em virtude da inobservância dos deveres processuais”, como “consequência de ordem pecuniária, decorrentes do inadimplemento, com má-fé, de determinados deveres expressos nestes artigos e em outros do Código.
Assim, quando a conduta no processo estiver coadunada com alguma das hipóteses do art. 80, tendo em vista a expressa previsão legal, será condenado nos efeitos previstos no art. 81. (multa de 1 a 10%). Trata-se de uma indenização com caráter sancionatório. Semelhante a uma conduta típica do Código Penal (por exemplo: CP 121 - matar alguém, pena de 6 a 20 anos). Aqui, litigar de má-fé, multa de 1 a 10% sobre o valor da causa, caso o mesmo tenha o valor irrisório ou inestimável, poderá o magistrado discricionariamente aplicar a multa no valor de até 10 vezes o valor do salário mínimo vigente, também ressaltando o custeio das despesas processuais e honorários advocatícios a serem fixados.
Por outro lado, tem o art. 79. do CPC que diz que "responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé". Correspondem à responsabilidade subjetiva, dependendo da comprovação do ato (litigância de má-fé), os danos que a parte sofreu (quantificação e liquidação destes danos) e o nexo causal (se os danos que foram suportados possuem origem na litigância de má-fé) e isso são feito em ação autônoma de indenização pelos danos acarretados.
A multa, indiretamente, possui um condão de exercer um caráter punitivo. Logo, a sanção, impõe de forma coercitiva à adequação da norma jurídica, uma função que se enseja ao ver, de natureza compulsória, reparatória, preventiva e punitiva.
Primeiramente, diz-se compulsória pela a destinação ao litigante que infringiu a norma jurídica, fazendo que, coercitivamente se faça ao retorno do cumprimento de suas obrigações no processo, para que cumpra seu mandado, decisão ou instrução, que possui a capacidade de compelir a infração processual.
Cumulativamente, também é de caráter reparatório, pois os danos resultantes da prática de má-fé a título indenizatório irão ressarcir a vítima, que fica privada da efetiva prestação jurisdicional, onde se mede pela extensão do dano.
De fato, uma das indagações sobre as penalidades seria a comunicação da multa e a indenização e a inaplicabilidade de ambas pelo termo bis in idem, eis que suas naturezas não se confundem, admitindo-se perfeitamente a cumulação de ambas.
Nesse sentido, tem entendido pacificamente a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIROS. EXECUÇÃO FISCAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535. DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRAPETITA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS. ATAQUE VIA RECURSO PRÓPRIO. OFENSA AO ART.1.660, INC. I, DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211. DESTA CORTE SUPERIOR. CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NA ORIGEM. REVISÃO PELO STJ. SÚMULA N. 7. DA CORTE. CARÁTER PROTELATÓRIO DO RECURSO ESPECIAL. NOVA CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, POR OUTRO FUNDAMENTO. ART. 17, INCS. III e V, DO CPC.
[...] 12. É possível a cumulação da multa cominada pelas instâncias ordinárias com aquela que aqui se aplica, pois a razão de ser da primeira penalidade é diferente da razão de ser da segunda. A primeira penalidade relembre-se, guarda relação com o fato de que, "consoante nem flagrado pelo ilustre magistrado, os embargantes estão sendo usados como testa-de-ferro ou 'laranjas' dos demais credores que levantaram o dinheiro, dentre eles a própria advogada, a fim de que, por caminho escuso, seja detonada - se me permitem o termo - a decisão desta corte que ordenou a devolução" (fl. 245. - destaque acrescentado).[...]
(Resp 1102194/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) (BRASIL, 2009).
Quanto a ser preventiva, seria voltada a antecipar ao sujeito a não descumprir a obrigação nem cometer qualquer ilicitude, normalmente, prevenir contra exercício antijurídico, impossibilitando a pratica em si, ou reiteração, podendo incorrer no mesmo ilícito.
E por último, a sanção de natureza punitiva, seja para a reprovabilidade dos atos, uma imposição de pena de caráter educativo, resultando em um castigo, uma correção à parte, onde representa um meio coercitivo, destinado a preservação da identidade do Poder Judiciário, molde a deliberação de permanecer atendendo a ordem jurídica, sendo sua incidência pautada em um plano equilibrado, a ponto de não ser insignificante, e por outro lado, tornar-se excessivamente onerosa.
5.3. A REPARAÇÃO PELOS DANOS DA MÁ-FÉ
Determina o art. 81. do atual CPC, que a parte que litigar de má-fé acarretar prejuízos a outrem, deverá indenizá-la, acrescido dos honorários advocatícios e despesas que esta efetuou.
O referido dispositivo fixou a condenação de natureza reparatória, uma vez que reconhecida a consequência obrigatória aos prejuízos pela prática da deslealdade processual, tanto a título indenizatório moral, quanto material.
Assim aduz (RODRIGUES, 1998, p.28/31):
O que se percebe na maioria dos casos é que a atitude desleal do litigante de má-fé causa transtornos processuais, mas que não importa em prejuízo patrimonial de fácil comprovação pela parte lesada. Como é cediço, não existe presunção de prejuízo, devendo este ser cabalmente demonstrado.
Como bem salientado por Iocohama (2008, p. 226):
Estando o direito à indenização garantida, resta observar que qualquer dano poderá ser seu objeto, mesmo porque a lei não apresenta qualquer limitação sobre a natureza do bem a ser indenizado. Disso resulta que tanto um prejuízo material como o moral poderá ser passível de reparação.
Não sendo possível mensurar o percentual indenizatório conforme o art. 81. §3º será liquidado por arbitramento (art. 510. do CPC) ou pelo procedimento comum (arts. 511. e 521), processado nos próprios autos processuais, sendo o valor será fixado pelo próprio juízo ou tribunal competente.
A responsabilidade das partes pelo dano processual responde tanto o autor, quanto o réu, além do terceiro interveniente que ingresse na relação jurídica, podendo até mesmo os sujeitos que figuram diretamente e indiretamente no processo, incluindo o magistrado, Ministério Público, o advogado e os auxiliares de justiça que podem praticar atos processuais desleais, e que venham ocasionar perdas e danos pela litigância de má-fé.
6. CONCLUSÕES
O processo não pode ser encontrado como um ramo jurídico vulnerável às ocorrências da deslealdade deve ser resguardado a manutenção e a regulamentação da jurisdição civil, com imperatividade absoluta, impondo um dever na forma de agir em prol da ordem jurídica.
Em meio à ineficiência do antigo sistema, as novas mudanças apresentadas, propõe-se um necessário agravamento da condenação, tendente a desestimular a resistência e reincidência das hipóteses desleais injustificadas.
Efetivamente combatido os atos ímprobos, é comum deparar-se com a má-fé no decurso processual, mesmo que, presentes os deveres de cooperação, lealdade e probidade, onde, conceitos como estes, constituem pilares de sustentação do sistema jurídico-processual, consagrando em último plano o devido processo legal.
A consagração da lealdade no processo como padrão de conduta ética e moral, transcreve valores constitucionalmente assegurados, conceito apto à vinculação dos escopos processuais que possam figurar o verdadeiro acesso à justiça, uma vez que, a tutela jurisdicional é exercida de forma a obter um resultado útil do processo.
Em que pese, a responsabilidade processual da boa conduta são dirigidas a todos aqueles que são consagrados, em um panorama processual a lealdade torna-se um benefício às partes e também a identidade do Judiciário, em uma tutela estatal mais adequada para que não sofra entraves, atribuindo maior eficácia as normas processuais. A consolidação da boa-fé encontra-se dependente ao emprego dos meios de repressão adequados para quem, na sua atuação em juízo, transgrida as suas diretrizes.
Por fim, O legislador, em prol da responsabilidade das partes, zela pelo bom comportamento processual voltado ao interesse coletivo e social na regulamentação da tutela jurisdicional com respeito à dignidade da Justiça. Se houver o descumprimento, haverá sanção, medida que é exigida em benefício de todos; postura que está intrinsecamente ligada à violação da ética processual, sendo que, agir de forma leal é um dever jurídico de todos.
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