Resumo: A investigação de acidentes aeronáuticos realizada pelo SIPAER – Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – tem como finalidade precípua a prevenção de novos acidentes e, como consectário lógico, a proteção da vida humana. Devido a isso, tal investigação segue princípios específicos, em consonância com a Convenção de Chicago, da qual o Brasil é signatário. Tais disposições conferem especial sigilo a informações fornecidas voluntariamente e às análises e conclusões do SIPAER, por conterem dados relevantes à manutenção da segurança do espaço aéreo. Com o advento da Lei nº. 12.970/14, as sugestões da Convenção de Chicago foram internalizadas de forma mais rigorosa, o que gerou maior distinção entre a investigação aeronáutica e o processo judicial, ao impor limites à aplicação da primeira neste último. Essas barreiras devem-se aos objetivos que diferem cada uma dessas esferas e à forma como são consolidadas as informações. Enquanto a investigação aeronáutica visa, unicamente, à prevenção de futuros sinistros aéreos, o processo judicial tem como finalidade a imputação de responsabilidade a determinado agente. Destarte, partindo de princípios norteadores diferentes, a utilização da investigação do SIPAER teria o condão de contaminar o processo penal com provas ilícitas e informações imprecisas para o procedimento persecutório. Por esse motivo, a Lei nº. 12.970/14 internalizou no ordenamento pátrio as medidas necessárias para impedir a utilização inadequada e inoportuna da investigação aeronáutica. Pelo exposto, o estudo pretende esclarecer as diferenças entre a investigação aeronáutica e o processo penal, de forma a justificar a existência da Lei precitada, ao passar pelos pontos necessários à elucidação do tema, dentre eles a breve análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5667, proposta contra determinados dispositivos da Lei nº. 12.970/14.
Palavras-chave: Acidentes aéreos. Investigação aeronáutica. SIPAER. Convenção de Chicago. Processo Penal. Lei nº.12.970/14. ADI 5667.
INTRODUÇÃO
O Sistema de Prevenção e Investigação de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), conforme disposto no art. 25. do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), é um sistema integrante da infraestrutura aeronáutica brasileira, estando sob a Autoridade Aeronáutica Militar, mesmo após a edição da Lei nº. 11.182. de 2005, na qual se criou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Assim, competem ao SIPAER as atividades de prevenção e de investigação de acidentes e incidentes aeronáuticos. Esta investigação levada a cabo pelo SIPAER possui como finalidade exclusiva a averiguação das causas do sinistro a fim de evitar novos acidentes e proteger vidas. Depreende-se, portanto, que a investigação do SIPAER foca em causas técnico-operacionais que podem, uma vez sanadas, evitar novos acidentes aéreos.
Em direção diferente do SIPAER, existe a investigação penal. A qual tem início, em muitos dos casos, com um inquérito policial, onde se realizam diligências com o propósito de coletar provas quanto à autoria e à materialidade de uma infração penal. Através do inquérito, pode-se iniciar uma persecução penal, que, segundo Renato Brasileiro de Lima2, é o instrumento através do qual o Estado impõe uma sanção penal ao possível autor do fato delituoso. Tendo isto em mente, percebe-se a importância de respeitar as condições impostas pela Constituição Federal e pelo próprio Código de Processo Penal no tocante à boa aplicação dos direitos e garantias, visando tornar o processo justo e permitir o contraditório daqueles que se veem no polo passivo da ação penal.
Diante do exposto, salta aos olhos a diferença entre a finalidade precípua da investigação aeronáutica feita pelo SIPAER, que busca prevenir sinistros e, assim, tutelar o direito de ocupantes de uma aeronave e de terceiros no solo não serem vítimas de acidente aeronáutico no futuro, e o propósito da investigação penal. Enquanto a primeira, sempre voltada para o futuro, aloca seus esforços em encontrar os fatores contribuintes de um acidente, sem se preocupar com a imputação de dolo ou culpa em determinado agente; a segunda, olhando para o passado e norteada por princípios como contraditório, ampla defesa, busca da verdade real, nemo tenetur se detegere, etc., busca averiguar indícios da ocorrência de delitos, para que os possíveis responsáveis possam ser processados e, ao final, caso provadas a autoria e materialidade, sejam penalizados nos termos da Legislação Penal.
O embate entre as duas pode ocorrer, destarte, ao se utilizar a investigação aeronáutica como prova no processo penal. A distinção entre os princípios basilares de cada uma ocasiona conflito de interesses e interpretações inadequadas dos materiais produzidos pelo SIPAER no bojo da investigação aeronáutica. Por não ter como propósito o apontamento de culpados para que se possa penalizá-los, a investigação aeronáutica não obedece a requisitos essenciais do processo penal. Ao SIPAER é permitida a utilização de hipóteses não comprovadas/comprováveis na busca pelas condições inseguras que contribuíram ou que poderiam ter contribuído para o incidente ou acidente investigado, uma vez que, repise-se, não se procuram indícios de autoria.
Desta forma, ao final da investigação do SIPAER é emitido um relatório contendo recomendações de segurança, no qual não se encontra a determinação de culpa ou responsabilidade, mas tão somente recomendações a pessoas ou órgãos que possam eliminar ou mitigar as condições inseguras detectadas. Cumpre frisar que este não possui força jurisdicional, tampouco é vinculante. Desta forma, não há sanções previstas em caso de descumprimento.
O processo penal, por outro lado, chega ao fim com o trânsito em julgado. O resultado de uma ação penal pode ser favorável ou desfavorável ao réu, a depender da conclusão que o magistrado chegar após a análise detida dos autos, nos quais devem constar provas (obtidas de maneira lícita) que associem o réu à conduta tida como criminosa.
Procurando adequar os dois institutos, bem como enquadrar o Brasil nos termos da Convenção de Chicago, foi sancionada a Lei nº. 12.970. de 08 de maio de 2014. Através dessa Lei, foram feitas alterações ao Código Brasileiro de Aeronáutica no tocante à investigação do SIPAER (Seção I), da competência para tal investigação (Seção II), do sigilo profissional e da proteção à informação (Seção III) e do acesso aos destroços da aeronave (Seção IV).
A Lei nº. 12.970/14 foi editada após o período popularmente conhecido como Apagão Aéreo. Iniciado após o acidente com o voo 1907 da GOL, em 29 de setembro de 2006, o Apagão Aéreo representou uma grande crise aeroviária nacional, onde se evidenciou um sistema com problemas estruturais, assim como a incompetência e a inércia das autoridades para resolvê-los.
Assim, a nova lei internalizou no ordenamento jurídico brasileiro as recomendações da Convenção de Chicago que já eram aplicadas no Brasil em caráter de soft law. Tais diretrizes mantêm determinados aspectos da investigação aeronáutica independente de uma possível investigação judicial, bem como estabelece restrições que possibilitam o resguardo dos princípios da investigação da SIPAER e, de forma reflexa, dos princípios processuais penais.
Dentre as inovações trazidas pela Lei nº. 12.970/14, uma das mais controversas é a disposição de que as contribuições voluntárias, análises e conclusões da investigação SIPAER não podem ser aplicadas com finalidade probatória em processos judiciais (art. 88-I, §2º), a exemplo de um processo criminal. Essa vedação decorre da necessidade de se proteger as informações que são obtidas através do princípio da confiança (colaborador – SIPAER), sem o risco de que sejam utilizadas para penalizar quem quer que seja, inclusive o próprio colaborador (Princípio da Não Autoincriminação).
Nesse passo, o presente estudo pretende analisar os institutos envolvidos nessa controvérsia, pontuar suas diferenças e a importância de se conferir determinadas garantias, a fim de manter as esferas independentes e em regular funcionamento, permitindo que os resultados pretendidos por cada uma das investigações, em uma complementariedade sinergética, venham a beneficiar a sociedade.
Para isso, o primeiro capítulo destina-se à análise da Investigação Aeronáutica. Será feita uma explanação do propósito do SIPAER e da investigação aeronáutica através de sua legislação – além do Código Brasileiro de Aeronáutica, a Convenção de Chicago e seu Anexo 13. Ademais, e como principal ponto do capítulo, serão delineados os Princípios norteadores da Investigação Aeronáutica, onde será possível vislumbrar as diferenças com o Processo Penal.
O Capítulo 2, por sua vez, foi reservado ao Processo Penal. Nele será aprofundado o estudo de alguns dos Princípios do Processo Penal (pertinentes à análise), bem como serão abordados conceitos necessários à compreensão do conceito de prova no processo penal. Sempre que necessário, serão feitas regressões ao Capítulo 1, de modo a preparar o leitor para o conteúdo do Capítulo 3.
O último capítulo deste estudo pretende realizar o cotejo entre os dois primeiros capítulos. Nele, há um breve histórico da Lei nº. 12.970/14, seguido por uma abordagem sucinta da ADI 5667 – a qual visa à declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei nº. 12.970/14. Seguindo-se a isso, são trazidas, a título de exemplo, duas interpretações constitucionais que podem ser aplicadas à análise da ADI, mostrando-se, em ambas, resultados favoráveis à Lei. Em um terceiro momento, confrontaremos as disposições da nova Lei com o processo penal, a fim de demonstrar a importância e pertinência das alterações feitas ao Código Brasileiro de Aeronáutica, para resguardar a segurança do espaço aéreo, ao mesmo tempo em que se garante a efetividade dos princípios basilares do processo penal.
1. INVESTIGAÇÃO DO SIPAER
A Força Aérea Brasileira (FAB) – enquanto elemento das Forças Armadas – possui a atribuição de cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma definida pelo Presidente da República. Desta forma, a FAB assume como missão o dever de “manter a soberania do espaço aéreo e integrar o território nacional, com vistas à defesa da pátria” 3 .
Para conseguir que tal missão seja cumprida, Frederico Alberto Marcondes Felipe afirma que é preciso disponibilizar e aperfeiçoar os recursos humanos e materiais existentes. Nesse passo, o trabalho realizado pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SIPAER insere-se como elemento essencial para a consecução dos objetivos da Força Aérea4.
O SIPAER foi instituído pelo Decreto nº. 69.565, de 19 de novembro de 1971, e reestruturado pelo Decreto nº. 87.249, de 07 de junho de 19825. Nos moldes definidos pelo art. 25, V do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº. 7.565. de 19 de dezembro de 1986)6, o SIPAER é um sistema formado por órgãos e elementos relacionados entre si por finalidade específica, ou por interesse de coordenação, orientação técnica e normativa, não implicando em subordinação hierárquica. Por isso, compõem o SIPAER elementos distintos como o Comando da Aeronáutica (COMAER), a EMBRAER, as empresas aéreas, sindicatos de aeronautas, etc., sempre com a finalidade de contribuir para a prevenção de acidentes aeronáuticos.
Para isso, foi delegada ao SIPAER a missão de planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e de prevenção de acidentes aeronáuticos7. Frise-se que, mesmo com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) – Lei nº. 11.182/05 – a competência do SIPAER permaneceu inalterada, visto que a Lei, além de excetuar as atividades que já eram realizadas pelo SIPAER, determinou que a ANAC passasse a integrá-lo8.
A investigação levada a cabo pelo COMAER é realizada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), órgão central do SIPAER, criado em 1971, por meio do Decreto nº. 69.565. O artigo 1º do referido Decreto dispõe que a finalidade do CENIPA seria a de organizar as atividades necessárias ao funcionamento e ao desenvolvimento do então “Serviço” de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER)9.
A criação do CENIPA representou uma mudança na filosofia adotada no Brasil: trocou-se a palavra “inquérito” e as investigações passaram a ter como único objetivo a prevenção de acidentes aeronáuticos, em concordância com normas internacionais das quais o Brasil é signatário10.
Patente conceituar, nesse ponto, o que configuraria um acidente aeronáutico. De acordo com o sítio do CENIPA, acidente aeronáutico é qualquer ocorrência relacionada à operação de uma aeronave, que aconteça entre o momento em que uma pessoa embarca em uma aeronave com a intenção de realizar um voo, até o ponto em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual pelo menos uma destas situações ocorra:
a)qualquer pessoa sofra lesão grave ou morra como resultado de estar na aeronave, em contato direto com qualquer uma de suas partes, incluindo aquelas que dela tenham se desprendido, ou submetida à exposição direta do sopro de hélice, rotor ou escapamento de jato, ou às suas consequências. Exceção é feita quando as lesões resultem de causas naturais, forem auto ou por terceiros infligidas, ou forem causadas a pessoas que embarcaram clandestinamente e se acomodaram em área que não as destinadas aos passageiros e tripulantes;
b) a aeronave sofra dano ou falha estrutural que afete adversamente a resistência estrutural, o seu desempenho ou as suas características de voo; exija a substituição de grandes componentes ou a realização de grandes reparos no componente afetado. Exceção é feita para falha ou danos limitados ao motor, suas carenagens ou acessórios; ou para danos limitados a hélices, pontas de asa, antenas, pneus, freios, carenagens do trem, amassamentos leves e pequenas perfurações no revestimento da aeronave;
c) a aeronave seja considerada desaparecida ou o local onde se encontre seja absolutamente inacessível (CENIPA, 2017).
Extrai-se, portanto, que a investigação aeronáutica constitui-se como uma investigação puramente técnica, procurando encontrar as causas técnico-operacionais que podem ter contribuído para o acidente. Frise-se o emprego da palavra “pode”, uma vez que o CENIPA não descarta as hipóteses não comprovadas, visto que seu propósito é evitar novos acidentes aeronáuticos, a possibilidade de todo e qualquer fator contribuinte enseja sua inclusão no Relatório Final11.
É importante ressaltar, contudo, que a investigação aeronáutica não impede a realização de nenhuma outra investigação ou procedimento. Esta se reveste de independência e pode ocorrer concomitantemente a outros procedimentos12, a exemplo da investigação policial que tem como finalidade a responsabilização penal, como veremos mais adiante no presente trabalho.
A título ilustrativo, cumpre transcrever o conceito de investigação de acidente aeronáutico trazido pelo CENIPA13:
É o processo realizado com o propósito de prevenir novos acidentes e que compreende a reunião e a análise de informações e a obtenção de conclusões, incluindo a identificação dos fatores contribuintes para a ocorrência, visando a formulação de recomendações sobre a segurança. O Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) não trabalha com "causa" de acidente, mas com fatores contribuintes. "Causa" se refere a um fator que se sobressai, que seja preponderante, e a investigação SIPAER não elege um fator como o principal. Ao contrário, trabalha com uma série de fatores contribuintes que possuem o mesmo grau de influência para a culminância do acidente (CENIPA, 2017).
Ao SIPAER, compete, portanto, primordialmente, zelar pela segurança da atividade aérea desenvolvida no país, através de planejamento, organização, coordenação e controle das atividades de segurança de voo no país14. Assim, a investigação de acidentes aeronáuticos é realizada pelo órgão com a finalidade única de prevenir novos acidentes e sinistros aéreos, diferentemente da investigação criminal, que possui como finalidade precípua a responsabilização penal.
Sobre esse cotejo, autores concluem que “a investigação aeronáutica olha para o futuro (prevenção), enquanto a investigação penal olha para o passado (responsabilização)” 15.
Esse conceito de investigação aeronáutica, o qual exclui da investigação a análise de responsabilização cível ou criminal, encontra guarida em acordo internacional do qual o Brasil é signatário, a Convenção de Chicago.
1.1. Convenção de Chicago e ICAO
A Convenção de Chicago ocorreu em 1944, na cidade de mesmo nome, nos Estados Unidos. Promovida pelas Nações Unidas, a Convenção teve como meta estabelecer regras relativas à aviação16. O Brasil, de acordo com Fábio Anderson de Freitas, foi representado por uma delegação de especialistas, que participaram de todos os debates com o propósito comum de chegar a um consenso na matéria relativa à segurança da aviação mundial.
Ao se tornar signatário da Convenção de Chicago, coube ao Brasil incorporar os compromissos assumidos no Tratado, o que de fato ocorreu em 27 de agosto de 1946, através da ratificação do Decreto nº. 21.71317.
Composta por um texto básico geral e temas técnicos agrupados em anexos específicos, a Convenção de Chicago foi responsável pelo estabelecimento da Organização da Aviação Civil Internacional (International Civil Aviation Organization – ICAO). Formada por um Secretariado e três órgãos principais (a Assembleia, o Conselho e a Comissão de Navegação Aérea – ANC), a ICAO é responsável pela promoção do desenvolvimento seguro e ordenado da aviação civil no mundo, contando com a colaboração de toda a comunidade internacional18, através de medidas como estratégias, monitoramento, implementação de programas, etc19.
É função da ICAO, dentre outras, elaborar diretrizes conhecidas como SARPs (Standard and Recommended Practices), responsáveis por unificar, internacionalmente, requisitos operacionais relativos à navegação aérea e serviços aeronáuticos20. Ou seja, tratam sobre aspectos técnicos e operacionais da aviação civil internacional, dentre eles, a de investigação de acidentes21.
Assim como as SARPs, os artigos22 e os Anexos da Convenção de Chicago buscam uniformizar aspectos variados da aviação internacional: investigação, cooperação internacional, organização do espaço aéreo etc.
Dentre os vários Anexos da Convenção de Chicago, imperioso destacar o Anexo 13, o qual dispõe sobre a investigação de acidentes e baliza os elementos necessários para a prevenção de novos acidentes.
O Anexo 13 à Convenção de Chicago, intitulado “Investigação de Acidente e Incidente com Aeronave”, encontra seus fundamentos nos artigos 26 e 37 da Convenção e é o responsável por estabelecer as diretrizes de investigação de acidentes aéreos entre os países signatários da Convenção. É no Anexo 13 que se encontra a disposição de que o objetivo da investigação aeronáutica é unicamente o de prevenção de acidentes e incidentes23, e não determinar culpa ou responsabilização24.
No capítulo 5 deste Anexo, visando à prevenção de novos acidentes, ficou determinado o sigilo de determinadas informações ao argumento de que, se divulgadas informações de cunho pessoal, fornecidas voluntariamente e/ou espontaneamente, estas poderiam ser utilizadas no bojo de processos disciplinares, administrativos, civis e penais, o que poderia, no futuro, dificultar o trabalho dos investigadores de acidentes aeronáuticos e representar um obstáculo à investigação e afetar a segurança de voo25.
Isso nos remete à finalidade precípua da investigação do SIPAER, qual seja, a prevenção de acidentes aeronáuticos. O órgão conta com a confiança de colaboradores que, sabendo que não serão penalizados por quaisquer erros (Princípio da Não Autoincriminação), se prestam a contribuir com a investigação, fornecendo informações essenciais à prevenção de novos acidentes e, consequentemente, à segurança da atividade aérea.
Frise-se que, além de obrigatória a realização de investigação em casos de acidentes, o Anexo 13 dispõe que é necessário que o órgão responsável por tal apuração – no caso do Brasil, o CENIPA – forneça recomendações de segurança, direcionada a entidades que tenham a competência e poder de modificar os fatores contribuintes para o acidente, a fim de evitar novos sinistros envolvendo aeronaves (art. 5.4. do Anexo 13)26.
Conclui-se, portanto, que o Anexo 13 fornece as diretrizes necessárias para a atuação do SIPAER, bem como foi a existência desta soft law que ensejou a redação da Lei nº. 12.970/14, da qual trataremos com mais profundidade no Capítulo 3 do presente estudo.
1.2. Relatório Final SIPAER e as Recomendações de Segurança
O Relatório Final do SIPAER, fruto da investigação realizada pelo órgão aeronáutico, é o documento emitido ao final da investigação aeronáutica, no qual se encontram as recomendações de segurança, bem como as conclusões e análises do SIPAER, relativas ao caso. Ressalte-se que, após a conclusão das investigações, os relatórios finais e as recomendações de segurança são disponibilizados no sítio do CENIPA, na rede mundial de computadores, podendo ser acessados por qualquer interessado.
Nos termos do protocolo de investigação de ocorrências aeronáuticas da aviação civil conduzidas pelo Estado brasileiro – NSCA 3-13/2014 – o objetivo do Relatório Final é “divulgar a conclusão oficial do SIPAER relativa a um acidente aeronáutico, incidente aeronáutico grave ou incidente aeronáutico, visando exclusivamente à prevenção de novas ocorrências” 27.
Além de dados concretos do caso em investigação, os relatórios do CENIPA levam em consideração relatórios prévios ao acidente, como por exemplo, o relatório de prevenção.
O relatório de prevenção tem como finalidade “prover informações para que os Elos-SIPAER possam adotar ações mitigadoras adequadas frente a situações de risco para a segurança de vôo” 28 . Os Elos- SIPAER, segundo Pompeo de Sousa Brasil, representam uma estrutura composta por todos os agentes que atuam na “fabricação, manutenção, operação e circulação de aeronaves, e com as atividades de apoio da infraestrutura aeronáutica no território brasileiro” 29 .
De acordo com o CENIPA, o Relatório de Prevenção (RELPREV) é uma ferramenta de reporte voluntário, o qual pode ser preenchido por qualquer pessoa que identificar uma situação de risco, encaminhando-o a algum Elo-SIPAER. Esse reporte pode ser anônimo ou não, e deve ser utilizado somente para relatar situações pertinentes à segurança de voo, não sendo admitido seu uso para denúncia de atos ilícitos e violações, o que deve ser feito pelos instrumentos apropriados.
Desta forma, conteúdos de RELPREV podem, eventualmente, ser considerados no processo de investigação que redunda nos relatórios finais de acidentes aeronáuticos, bem como para propor recomendações de segurança.
A emissão de recomendações de segurança é o meio pelo qual a investigação aeronáutica do SIPAER contribui para evitar que novos acidentes ocorram sob as mesmas condições, contendo juízo de valor sobre as condições de segurança sem se ater, contudo, a qualquer forma de responsabilização, punição ou sanção30.
No mesmo sentido, encontra-se o NSCA 3-13, litteris:
7.6 O Relatório Final não tem por objetivo estabelecer o grau de contribuição de cada fator na investigação.
7.7 O Relatório Final não decorre do contraditório e da ampla defesa, e não recorre a qualquer procedimento de prova para apuração de responsabilidade civil ou criminal; estando em consonância com o item 3.1 do Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº 21.713, de 27 de agosto de 1946.
7.8 O uso do Relatório Final para qualquer propósito que não o de prevenção de futuros acidentes aeronáuticos, incidentes aeronáuticos graves e incidentes aeronáuticos poderá induzir a interpretações e conclusões errôneas (COMANDO DA AERONÁUTICA, 2014).
Pelo acima transcrito é possível extrair características do Relatório Final e das recomendações de segurança, dentre elas a inserção de causas não comprovadas, a falta de nexo causal entre os fatores verificados e o elemento subjetivo, dentre outros, que impedem sua aplicação no processo judicial, visto o conflito de propósitos, metodologia e princípios entre as esferas (penal e aeronáutica).
1.3. Princípios da Investigação Aeronáutica
Conforme supracitado, o SIPAER possui princípios próprios, fundados em tratados, leis e legislação complementar, destinados exclusivamente à garantia de um espaço aéreo seguro, não se confundindo, portanto, com as premissas do processo penal.
Desta forma, a formação deste “microssistema jurídico” 31 deve-se à necessidade de proteger as informações colhidas durante a investigação de um acidente aeronáutico, com o propósito de gerar confiança entre os operadores aéreos, resultando no repasse de informações ao próprio SIPAER32.
Marcelo Honorato exemplifica aspectos particulares da investigação SIPAER, que se mostram opostos aos verificados nos âmbitos da persecução penal e administrativa, litteris:
A título de exemplo, podemos destacar como aspectos especiais da investigação SIPAER: a busca de condições inseguras e não de indícios de autoria; conclusão investigativa concretizada na emissão de recomendações de segurança e não na determinação de culpa ou responsabilidade; direcionamento das recomendações a pessoas ou órgãos que possam eliminar ou mitigar as condições inseguras detectadas e não a pessoas que tenham relação direta com o caso concreto; e sopesamento valorativo de hipóteses e probabilidades com a mesma relevância de fatos concretos (HONORATO, 2012).
No mesmo sentido, Regis Vinicius Silva Barreto afirma que a investigação aeronáutica tem “sua forma e estrutura baseada em uma racionalidade lógica e ampla, distinta das investigações cíveis ou criminais que se vinculam ao fato-objeto do dissídio” 33.
1.3.1. Princípio da Preservação da Vida Humana
O princípio da preservação da vida humana, nas palavras de Marcelo Honorato, é o princípio-matriz do SIPAER, ao concentrar o principal esforço das atividades do órgão. É possível perceber a importância dada a este princípio logo no art. 1º do Decreto 87.249 de 1982 – o qual instituiu o SIPAER, quando este dispõe:
Art. 1º. O Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), instituído pelo Decreto nº 69.565, de 19 de novembro de 1971, tem a finalidade de planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos. § 1º. Para efeito deste Decreto, as atividades de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos são as que envolvem as tarefas realizadas com a finalidade de evitar perdas de vidas e de material decorrentes de acidentes aeronáuticos.
Sobre a preservação da vida, Regis Barreto pondera que, não obstante não haver hierarquia entre os direitos fundamentais, é incontroversa a importância do direito à vida, uma vez que sem ela, todos os outros direitos perderiam sentido34.
O princípio da preservação da vida humana não se restringe aos tripulantes das aeronaves acidentadas (profissionais da aviação e passageiros), mas também toda a coletividade que, porventura, possa ser afetada em casos de acidentes aeronáuticos.
Para atingir esse propósito, o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu art. 87, estabelece que todos os envolvidos na aviação brasileira (Elos-Sipaer) são responsáveis pela prevenção de acidentes aeronáuticos, reforçando a importância do Relatório de Prevenção, como já visto.
1.3.2. Princípio da Neutralidade Jurisdicional e Administrativo-Disciplinar
Conforme já foi possível se extrair do analisado até o momento, a investigação aeronáutica é um procedimento administrativo investigativo que possui a finalidade precípua de evitar novos acidentes aeronáuticos, obtida através de análises especulativas, diferentemente do que se espera de um sistema persecutório, como o processo penal.
Por essa razão, a neutralidade jurisdicional se torna imperiosa, a fim de evitar que as conclusões especulativas do órgão aeronáutico sejam aplicadas em processos com a finalidade sancionadora.
Honorato pondera que caso fosse exigido da investigação SIPAER juízo de certeza, como ocorre com perícias científicas, o procedimento do órgão perderia sua capacidade preventiva, na medida em que deixaria de considerar hipóteses e probabilidades (art. 88-A) – comuns em casos de acidentes aeronáuticos que muitas vezes resulta no falecimento dos tripulantes e destruição da aeronave, fatores que dificultam a análise precisa do que levou ao sinistro35.
Ademais, por não contar com a presença de partes – litigantes –, as conclusões do procedimento de investigação do SIPAER resumem-se na prolação de recomendações de segurança que, conforme já foi visto, não estabelece relação causal entre os destinatários das recomendações e a autoria delitiva de determinado acidente, tampouco respeita o contraditório e a ampla defesa. Por essa razão, é seguro afirmar que os efeitos da investigação aeronáutica devem restringir-se à esfera operacional, a fim de evitar sua aplicação indevida em processos sancionadores e, com isso, gerar efeito negativo a terceiros36.
Outro ponto essencial dentro do princípio da neutralidade jurisdicional e administrativa é o disposto no art. 88-C do CBA (alterado pela Lei nº. 12.970/14), no qual se afirma que a investigação aeronáutica não suprirá a necessidade de outras investigações, tampouco impedirá a instauração de outros procedimentos. Para Paulo Murillo Calazans, essa alteração na legislação aeronáutica, adéqua o Brasil às recomendações do Anexo 13 da Convenção de Chicago, com a pretensão de “otimizar o trabalho necessariamente coordenado entre órgãos estatais diversos, cada um com função igualmente importante” 37 .
Isso se deve, novamente, aos interesses opostos de cada investigação e a forma como cada uma deve ser levada, a fim de evitar ilicitudes probatórias. Ressalte-se, contudo, que a vedação de suplementação presente no art. 88-C, diz respeito apenas ao disposto no art. 88-I, § 2º, isto é, as análises e conclusões do SIPAER e das informações fornecidas voluntariamente por terceiros. Assim, na prática, ocorre repasse de informações entre os procedimentos, desde que não envolvam as exceções feitas pela legislação aeronáutica38.
Quanto à neutralidade jurisdicional da investigação aeronáutica, ainda se pode citar legislações diversas, as quais dispõem sobre a finalidade da investigação aeronáutica – qual seja, a prevenção de novos acidentes – e o desvirtuamento que pode ser gerado se não for respeitada sua neutralidade. Nesse sentido, podemos citar: a Mensagem de Veto 805, a Norma de Sistema do Comando da Aeronáutica 3-13/2014 (NSCA 3-13), o Anexo 13 e a própria Lei 12.970/14, em seu art. 88-B.
O último ponto abordado por Marcelo Honorato ao conceituar o princípio da neutralidade jurisdicional e administrativo-disciplinar, é o dever de comunicação de indícios de crime detectados pelo profissional do SIPAER no curso da investigação aeronáutica (art. 88-D). Dever esse que não se restringe à delatio criminis referente apenas a crimes relacionados com a cadeia causal do acidente aéreo (art. 261, §§1º e 3º do Código Penal), mas também de outros delitos, exemplo: transporte de drogas em aeronave acidentada, evitando que ocorram prejuízos à esfera criminal39.
Honorato pondera, ainda, que a comunicação de indícios da ocorrência de crime (dolosos ou culposos), não afeta a investigação aeronáutica, tanto por não exigirem do SIPAER um juízo de valor mais aprofundando, mas somente a constatação de indícios, quanto porque o art. 88-A, §2º, afasta da competência do SIPAER essa classe de condutas, não trazendo, portanto, quaisquer efeitos prejudiciais à confiança entre os operadores aéreos e os investigadores do SIPAER, até mesmo devido ao fato de que os reportes voluntários não podem conter delações de condutas criminosas (conforme disposto no tópico 1.2 do presente estudo).
Ressalte-se que as condutas relatadas pelo sistema de reporte voluntário (as quais não podem ser utilizadas em procedimentos criminais), descrevem erros humanos e falhas procedimentais que representam fatos destituídos de resultado naturalístico, logo, atípicos e, portanto, afastados do dever legal de comunicação.40
1.3.3. Princípio da Proteção e Sigilo da Fonte, Princípio da Confiança e Princípio da Participação Voluntária
O Princípio da Participação Voluntária aplica-se nas entrevistas e análises de dados coletados do reporte voluntário, com os quais a investigação do SIPAER tem acesso e, portanto, assegura sua aplicação exclusivamente a fins preventivos (princípio da proteção e sigilo da fonte), com o fito de garantir a confiança dos colaboradores (princípio da confiança), de que sua colaboração não poderá ser usada em processos judiciais e administrativos sancionadores.
Essa proteção garantida às informações voluntárias e, por vezes, espontâneas (não confundir os dois termos), está calcada na política de segurança da aviação, que vislumbra na confiança gerada entre colaboradores uma de suas fontes mais importantes de informação, e, com isso, uma peça fundamental na manutenção da segurança da atividade aérea, indo de acordo com o item 5.12 do Capítulo 5 do Anexo 13 da Convenção de Chicago41.
Assim, a Lei 12.970/14 alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica para definir que todas as fontes SIPAER dispostas no art. 88-I, ressalvadas as hipóteses do art. 88-I, §2º 42, podem ser empregadas com fins probatórios, desde que atendido ao requisito do art. 88-K da Lei 12.970/14, no qual se exige a requisição judicial, bem como à oitiva de autoridade do SIPAER, previamente ao compartilhamento de informações.
Nesse ponto, Honorato explica que, para quaisquer outros fins, que não os probatórios, as informações dispostas no art. 88-I (ressalvadas, novamente, as hipóteses do §2º, que sempre exigirão requisição judicial), podem ser fornecidas sem a devida requisição judicial. Para melhor elucidação do exposto, tabela sobre a divulgação das informações à luz da Lei 12.970/14:
O que pode ser compartilhado sem requisição judicial (sem fins probatórios) ou com requisição judicial (para fins probatórios) |
O que pode ser compartilhado, mediante requisição judicial, mas nunca com fins probatórios |
Elementos fáticos, isentos de valoração (art. 88-I, exceto inciso III). I - gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II - gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; (...); IV - gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; V - gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos; VI - dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e VII - demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação. |
Art. 88-I, §2º III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; § 2o A fonte de informações de que trata o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o art. 88-K desta Lei. |
Não se pode olvidar, ademais, que a oitiva da autoridade aeronáutica, prévia ao compartilhamento de informações do art. 88-I, resguarda o Princípio da Verdade Real. Isso se dá visto que a investigação aeronáutica se utiliza de hipóteses não comprovadas e possui caráter especulativo, desta forma, o investigador do SIPAER possui autoridade para explicar os dados a serem fornecidos, bem como evitar a inserção de informações especulativas no processo judicial, evitando a violação de princípios tanto aeronáuticos como processuais penais.
Outro detalhe que merece destaque é o fato de que as informações do art. 88-I (sigilosas), uma vez que passem a constar em processos judiciais, fazem com que este tramite sob segredo de justiça, a fim de continuar garantindo a segurança das informações (art.88-J, Lei 12.970/14).
Todo esse sigilo garantido às informações colhidas pelo SIPAER tem respaldo não apenas na legislação aeronáutica (CBA, NSCA 3-13/2014) e na Convenção de Chicago (Anexo 13), mas como também na Lei 12.527/2011 – Lei de Acesso a Informações43.
Sobre a Lei é importante discorrer que, nos termos do art. 23, é possível garantir sigilo de determinadas informações da Administração Pública, sem que com isso, viole-se o direito constitucional ao acesso à informação. Nesse passo, com a análise do supracitado, é possível perceber que a divulgação de informações de contribuição voluntária enfraquece a confiança dos operadores de vôo e, com isso, prejudica o andamento da investigação aeronáutica, refletindo diretamente, no direito constitucional à segurança do transporte público. Tais informações, portanto, encontram claro respaldo no art. 23, III da Lei 12.52744.
Não obstante a aparente “inacessibilidade” dos dados da investigação SIPAER, é imperioso ressaltar, por fim, que o sigilo se refere, principalmente, às investigações não concluídas, pois o Relatório Final emitido pelo CENIPA é documento público, disponibilizado na rede mundial de computadores, sem qualquer grau de sigilo. Ressalve-se, contudo, que nos Relatórios Finais divulgados na internet, os nomes das pessoas entrevistas e que colaboraram com as investigações são omitidos com o fito de resguardar o sigilo da fonte e a confiança deposita na autoridade aeronáutica45.
1.3.4. Princípio da Máxima Eficácia Preventiva: a conditio sine qua non
O princípio da Máxima Eficácia Preventiva, para Regis Barreto é o princípio que melhor estabelece a distinção necessária entre a investigação do SIPAER e aos processos que visam à imputação de responsabilidade46.
Marcelo Honorato explica que este princípio decorre da busca por quaisquer elementos que possam ter contribuído para o acidente aéreo, inclusive hipóteses, causas indiretas com o sinistro e condições de “(in)segurança” que serão todos tratados como fatos e receberão a mesma atenção da autoridade aeronáutica responsável pela investigação47.
Desta forma, todas essas hipóteses (comprovadas ou não) classificadas como fatores contribuintes, poderão ensejar a emissão de recomendações de segurança (artigos 88-A, §1º e 88-H da Lei 12.970/14).
Nessa toada, importante definir a classificação de fator contribuinte dada pela NSCA 3-13/2014 (Protocolos de investigação de ocorrências aeronáuticas da aviação civil conduzidas pelo Estado brasileiro):
1.5.12 FATOR CONTRIBUINTE Condição, ação, omissão ou a combinação delas, que se eliminadas, ou mitigadas, podem reduzir a probabilidade do acontecimento de uma ocorrência aeronáutica, ou reduzir a severidade das consequências dessa ocorrência. A identificação do fator contribuinte não implica em uma presunção de culpa ou responsabilidade civil ou criminal (COMANDO DA AERONÁUTICA, 2014).
Marcelo Honorato explica que o Princípio da Máxima Eficácia Preventiva realiza uma regressão causal ampla, adotando a teoria da conditio sine qua non, em uma verdadeira abstração causal: busca da “causa da causa” 48.
Para isso, o investigador aeronáutico, ao prolatar de recomendações de segurança, emprega hipóteses, indícios e qualquer outro fator que possa ter influenciado no acidente aéreo, a fim de atingir a finalidade máxima da investigação realizada pelo SIPAER: prevenir novos acidentes e proteger a vida humana.
Desta maneira, Regis Barreto arremata afirmando que o Princípio da Máxima Eficácia Preventiva tem como finalidade impedir novos acidentes, através do:
(...) levantamento de vários fatores contribuintes e mera abordagem hipotética ou especulativa, pois assim é possível a prolação de Recomendações de Segurança, ferramentas hábeis a interromper ou corrigir problemas em potencial relativos à segurança da aviação (BARRETO, 2015, Pg. 40).
É possível concluir, da leitura do presente capítulo, que a investigação aeronáutica é norteada por princípios e legislação diversas da investigação penal. Acrescido a essa diferença, os dois institutos possuem finalidades igualmente distintas. Enquanto para a investigação realizada pelo SIPAER o objetivo é prevenir novos acidentes e, com isso, salvar vidas. O processo penal volta sua atenção à responsabilização de agentes.
Por essa razão, torna-se imperioso analisar, em um próximo momento, os princípios e conceitos basilares do processo penal, com o intuito de enriquecer o cotejo aqui proposto.