POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA NA PRÁTICA
Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) [21] em 2015 revelou que, não obstante a intenção vantajosa representada na lei, o fato é que, na prática, não foram desenvolvidas plenamente as medidas no sentido de priorizar o transporte não motorizado sobre o motorizado, tampouco os serviços de transporte público sobre o transporte individual.
A priorização do pedestre, do ciclista e do transporte público é uma questão que merece atenção imediata do Poder Público, bem como da população. É notório que a manutenção do mesmo paradigma e modo de pensar não refletirá em qualquer mudança substancial que altere as condições nocivas à otimização da mobilidade urbana nos municípios brasileiros.
Para que a população possa priorizar o transporte público e os modos não motorizados, é necessário que os ambientes designados para tanto apresentem qualidade e as condições mínimas para seu uso, que deve considerar, inclusive, a necessária reorganização do espaço das cidades, de modo a desenvolver uma nova forma de pensar, que possibilite a expansão e o fortalecimento referente a quantidade e a diversidade de formas de deslocamento no meio urbano.
O direito ao transporte passou a ser considerado direito fundamental, por força da Emenda Constitucional nº 90, promulgada em 2015. Desse modo, as políticas públicas relacionadas às cidades precisam considerar a mobilidade urbana como um fator inevitável para o acesso democrático a todos seus habitantes.
O preceito constitucional que assegura a solidez dos direitos concernentes à mobilidade no espaço urbano estabelece que essas prerrogativas devam ser garantidas a todos pelo sistema de transporte. Desse modo, torna-se indispensável que sejam oportunizadas as devidas condições de acessibilidade a esse bem social protegido pela Constituição, como uma forma de promover a efetivação da participação democrática e do pleno exercício da cidadania[22].
PLANEJAMENTO E CAPACITAÇÃO TÉCNICA
Conforme demonstrado através dos estudos com gastos de congestionamento nas áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, o montante de recursos direcionado para a mobilidade urbana é insuficiente para promover o desenvolvimento urbano de deslocamento de pessoas e bens com maneira eficiente e adequada.
Além da insuficiência de recursos, outro problema comumente apontado para a implantação das medidas suscitadas com a promulgação da Política Nacional de Mobilidade Urbana é a dificuldade de ultrapassar o estágio de planejamento, por insuficiência de capacitação técnica.
O desenvolvimento de projetos e soluções na elaboração de planos municipais de mobilidade urbana é condição necessária para acessar os recursos específicos disponibilizados pelo governo federal através do Programa de Mobilidade Urbana e Trânsito, o que só pode ser realizado com o auxílio de profissionais devidamente capacitados para tanto.
Uma análise do Orçamento Geral da União (OGU)[23] demonstrou que, de 2012 a 2014, a somatória disponibilizada pelo governo federal para o programa totalizou R$ 6,8 bilhões. Entretanto, desse valor, apenas R$ 956 milhões foram, de fato, utilizados para a execução dessas ações. O maior percentual executado do orçamento autorizado foi relativo ao ano de 2002, quando foi empregado um valor de aproximadamente 30%.
Vale ressaltar que a baixa execução orçamentária está relacionada, principalmente, à ausência de condições técnicas e operacionais na maioria dos municípios. A escassez de mão-de-obra qualificada para a elaboração de projetos executivos de engenharia, além da pouca flexibilidade dos programas, que por vezes não levam em conta as realidades locais, são fatores que prejudicam sobremaneira o desenvolvimento das medidas instituídas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana. Os próprios gestores apontam, entre os principais problemas enfrentados pelos municípios na elaboração dos planos de mobilidade urbana a precariedade da estrutura de pessoal em termos de capacitação.
Esse deve ser, portanto, um dos pontos de partida para que os órgãos municipais da Administração Pública tenham condições de cumprir o que o Política Nacional de Mobilidade Urbana propõe e garante a todos os usuários do sistema viário brasileiro, uma vez que, caso contrário, só estaria o Poder Público reforçando o antigo padrão de planejamento de mobilidade urbana: o do não planejamento a longo prazo, visando a satisfação de uma parcela minoritária da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As medidas concernentes ao implemento das determinações trazidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana devem considerar, previamente, o papel dos veículos automotores no sistema viário brasileiro, seus custos e, sobretudo, a percepção que a população tem do automóvel como método de transporte predominante.
Esforços em resgatar as formas urbanas mais compactas, para privilegiar o pedestre e o contato entre as pessoas, passam pela necessidade de construir o senso de comunidade nas cidades, reforçando a identidade local e o sentido de pertencimento da população[24].
Para isso, uma solução necessária é a incorporação, pelos governos municipais, dos recursos disponibilizados pelo governo federal, através da elaboração de planos concisos e objetivos para a construção de ciclovias, ciclofaixas e sinalização correspondentes com o ambiente urbano, bem como o estudo da viabilidade de disponibilização de bicicletários e pontos de aluguel de bicicletas em pontos capitais da cidade.
No mesmo sentido, deve-se priorizar o sistema público de transporte coletivo, que hoje é visto pela sociedade como um mal necessário, visão construída culturalmente devido ao pouco esforço desempenhado no sentido da sua melhoria.
É necessário compreender, portanto, que o conceito de mobilidade urbana abrange mais do que a simples noção de deslocamento de veículos ou do conjunto de serviços existentes nas cidades. Para que se possa repensar a mobilidade urbana é imprescindível que se faça não somente a análise do sistema de trânsito, mas também que se incentive a busca por recursos e capacitação técnica aptos a promover um desenvolvimento sustentável a partir do uso racional dos espaços urbanos.
REFERÊNCIAS
ANFAVEA – Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores. Anuário da Indústria Automobilística Brasileira. 2016. Disponível em < http://www.automotivebusiness.com.br/abinteligencia/pdf/Anfavea_anuario2016.pdf>. Acesso em 2017-05-16.
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP. Relatório Comparativo 2003/2012. Sistemas de Informações de Mobilidade Urbana. Julho/2014. Disponível em: < http://www.antp.org.br/_5dotSystem/userFiles/SIMOB/Relatorio%20Comparativo%202013.pdf>. Acesso em 2017-05-15.
BANCO MUNDIAL. Cidades em movimento: estratégia de transporte urbano do Banco Mundial. São Paulo: Sumatra Editorial, 2003.
BARCELONA. Prevenció, Seguretat i Mobilitat. Bicing: public bikes in Barcelona. Barcelona, 2009. Disponível em <edoc.difu.de/edoc.php?id=5124px6g>. Acesso em 2017-05-16
BARCZAK, Rafael; DUARTE, Fábio. Impactos ambientais da mobilidade urbana: cinco categorias de medidas mitigadoras. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 4, n. 1, p. 13-32, jan./jun. 2012.
BENEDET, Ronaldo; OLIVEIRA, Antônia Maria de Fátima (coord.). O desafio da mobilidade urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.430/2015. Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes. Sessão de 30/09/2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 set. 2015.
BUENOS AIRES. Sistema de Transporte Publico em Bicicletas de Buenos Aires: analisis estadístico de demanda y operaciones. Buenos Aires, 2013.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Orçamento Geral da União. Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. 2014. Disponível em <http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-2014/arquivos-PLOA/volumeI_PLOA2014.pdf>. Acesso em 2017-05-16.
CASTAÑON, Ugo Nogueira. Uma Proposta de Mobilidade Sustentável: o uso da bicicleta na cidade de Juiz de Fora. 2011. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Transportes) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.
CROW. Design manual for bicycle traffic. Netherlands: National Information and Technology Platform for Infrastructure, Traffic, Transport and Public Space, 2007.
FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Os custos da (i)mobilidade nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo. Nota Técnica nº 3. Julho 2014. Disponível em <http://www.firjan.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileld=2C908A8F4EBC426A014EC051E736421F&inline=1>. Acesso em 2017-05-14.
GEIPOT. Manual de Planejamento Cicloviário. Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, Brasília, 2001.
HERRSTEDT, Lene. Safety of Cyclists in Urban Areas: Danish Experiences. Danish Road Directorate, 1994.
MONDIN-GOMIDE, Paulo Roberto. Acessibilidade: Uma questão que diz respeito a todos. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES PÚBLICOS – ANTP. Série Cadernos Técnicos, vol. 4. Acessibilidade em Transportes. Brasília: ANTP, out/2006. pp. 103-107.
NADAL, Luc. Velib one year later. Sustainable Transport, n. 20, Institute for Transportation and Development Policy – ITDP. 2008.
REITVELD, Piet; DANIEL, Vanessa. “Determinantes of bicycle use: do municipal policies matter?”. Transportation Research Part A: Policy and Practice, vol. 38, issue 7, pp. 531-550. 2004.
Ribeiro, Édelis Alves. Sistema Cicloviário no Município de São Paulo. 18º Congresso Brasileiro de Transportes e Trânsito. 2011. Disponível em: <http://www.antp.org.br/biblioteca>. Acesso em 2017-05-14.
RIBEIRO, Édelis Alves. Sistema Cicloviário no Município de São Paulo. 18º Congresso Brasileiro de Transportes e Trânsito. 2011. Disponível em: <http://www.antp.org.br/biblioteca>. Acesso em 2017-05-14.
SILVA, Ana Bastos; SILVA, João Pedro. A bicicleta como modo de transporte sustentável. Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006. Disponível em <http://w3.ualg.pt/~mgameiro/aulas_2006_2007/transportes/bicicletas.pdf>. Acesso em 2017-05-15.