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Mobilidade urbana e o uso da bicicleta como método alternativo de locomoção

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O presente estudo, por meio de pesquisa bibliográfica, tem como objetivo realizar uma análise sobre a falta de diversidade na mobilidade urbana do Brasil e a propositura de soluções viáveis para a democratização do espaço público.

RESUMO: A intensidade com que os problemas oriundos do processo de desenvolvimento urbano têm atingido as cidades, notadamente, não foi seguida por um acompanhamento proporcional das ações que garantissem o devido desenvolvimento da mobilidade urbana. O presente estudo, por meio de pesquisa bibliográfica, tem como objetivo realizar uma análise sobre a falta de diversidade na mobilidade urbana do Brasil e a propositura de soluções viáveis para a democratização do espaço público. Utilizou-se o método dedutivo, através do qual foram analisadas pesquisas especializadas e dados oficiais, bem como a atual legislação vigente.

Palavras-chave: Mobilidade Urbana. Bicicleta. Planejamento Urbano. Políticas Públicas.


INTRODUÇÃO:

Sabe-se que no Brasil, a exemplo de outros países em desenvolvimento, a facilitação e o incentivo ao uso de meios de transporte alternativos poucas vezes foi alvo de planejamento efetivo. Quando muito, as medidas em benefício de uma mobilidade urbana equilibrada se mostram presentes em discursos políticos para, posteriormente, não raro acabarem imobilizadas em razão da falta de quaisquer esforços significativos.

Fruto de um acelerado processo de urbanização, marcado pela ausência de planejamento urbano adequado e constante incentivo ao transporte motorizado individual em detrimento do transporte coletivo e do transporte não motorizado, o contexto viário brasileiro tem demonstrado um incessante alargamento dos problemas de mobilidade urbana no país, que trazem consigo inegáveis prejuízos econômicos somados a uma sensível redução da qualidade de vida nos centros urbanos.

Embora atualmente seja perceptível a manifestação do desenvolvimento da responsabilidade e da consciência geral diante dos elevados custos sociais, econômicos e ambientais advindos de um sistema de trânsito não planejado, especialmente por consequência do uso excessivo e inconsciente do veículo motorizado individual, nota-se, igualmente, que este modelo insustentável se conserva como padrão de mobilidade urbana enraizado culturalmente.

Não se ignora que o uso do veículo motorizado também deva estar incluído nas medidas de melhoria do trafego urbano. Entretanto, é indispensável que sejam tomadas medidas de conscientização no sentido de elucidar os usuários das vias urbanas, de modo a positivar a percepção de que o veículo motorizado é elemento integrante da rede de transportes, e não dominante.

De modo a modificar o defasado paradigma do sistema de trânsito, foi promulgada em 2012 a Lei nº 12.587/12, denominada Política Nacional de Mobilidade Urbana, que tem por finalidade melhorar a infraestrutura para ciclistas e pedestres, assim como impulsionar o processo de desenvolvimento dos sistemas de transporte público coletivo nos municípios brasileiros.

A efetivação das medidas trazidas pela nova lei, entretanto, encontrou entraves que dificultam sua execução, uma vez que o modelo de trânsito adotado no Brasil ao longo dos anos acabou por criar um padrão comportamental que reflete tanto nas ações da Administração Pública como dos usuários das vias urbanas.

Não obstante os impedimentos de ordem econômica para a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, percebe-se, assim, que uma significante parcela da dificuldade para a fixação de um novo modo de pensar a mobilidade urbana recai, especialmente, sobre o modo como a população brasileira e seus representantes políticos entendem os modos de transporte e o sistema viário.


PROBLEMAS DA MOBILIDADE URBANA

Além das consequências ambientais causadas pelos resíduos lançados na atmosfera e a questão da poluição sonora, o uso crescente e desordenado de veículos motorizados denota outro problema que pouco é apontado: o acúmulo cada vez maior de automóveis nos centros urbanos. Esse excesso de veículos em movimento tende a causar uma sobrecarga para o aspecto econômico da cidade, devido à alta complexidade e custo financeiro que seu planejamento exige para a circulação urbana.

Em virtude da crescente evolução em busca de desenvolvimento econômico e social, paradigma mundial durante o século XX, pouco se preocupou com questões como planejamento de mobilidade urbana, e esse crescente avanço econômico e social trouxe consigo outros fatores, como a diminuição na taxa de mortalidade e um significativo crescimento populacional.

Estas consequências, embora predominantemente benéficas, contribuíram e seguem contribuindo sobremaneira para o aumento do número de veículos em circulação, o que favorece as condições que resultam na lentidão do trânsito e aumentam os fatores de risco de acidentes.

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Muito embora esses problemas sejam resultado de um crescimento econômico favorável, que permitiu que cada vez mais pessoas tivessem acesso ao transporte individual, atualmente é necessário considerar que, diante dos problemas contemporâneos emergentes e cada vez mais perceptíveis, o produto desse crescimento trouxe implicações que se tornaram intoleráveis para a manutenção de um ambiente urbano equilibrado a longo prazo.

Como consequência desse desequilíbrio é que decorrem os altos índices de gases poluidores, barulho excessivo e a necessidade da construção de um traçado físico complexo que consiga atender o trânsito, mas que poucas vezes satisfaz o fluxo de movimentação de veículos que a cidade comporta[3].

Deve-se ressaltar, contudo, que o crescente número de automóveis não é o único responsável pelos problemas de mobilidade urbana, e que a melhoria das condições para o uso do veículo individual são igualmente necessários, conforme assinalado anteriormente. Diante disso, é necessário ter em mente que é fundamental que seja incentivado seu uso de maneira racional.

O USO EXCESSIVO DO AUTOMÓVEL E OS GASTOS DE CONGESTIONAMENTO

A tomada de decisões relativas às políticas de incentivo deve levar em consideração a participação da indústria automobilística no PIB brasileiro, estimada em 5% pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)[4], e os custos das externalidades produzidas por essa indústria através das elevadas despesas públicas, como infraestrutura viária, acidentes, poluição e congestionamento.

Segundo o Banco Mundial[5], a quantidade de veículos por habitante aumenta cerca de 15% a 20% ao ano em países em desenvolvimento. Países como Brasil, Argentina e México chegam a apresentar taxas de motorização maiores que a dos países industrializados. Entretanto, por falta de infraestrutura, condições econômicas e capacitação profissional, essa taxa crescente somente contribui para um dos problemas maiores problemas de trânsito: o congestionamento.

Fonte considerável de variados prejuízos econômicos, os custos de congestionamento remontam não somente aos valores provenientes de atrasos, mas também em decorrência do desconforto da superlotação e do impacto que incertezas quanto ao tempo de chegada de pessoas e de mercadorias causam no mercado. Há que se considerar ainda o aumento da poluição atmosférica e o consumo de combustíveis, bem como o acréscimo de tempo para estacionar veículos, contratempo demasiadamente comum nos grandes centros urbanos.

Deve-se ressaltar, também, que os custos de congestionamento impactam consideravelmente o valor das tarifas de ônibus, devido aos gastos relativos ao aumento do consumo de combustível e o número de horas extras pagas aos funcionários do transporte público. Esse aumento reflete no aumento das tarifas, elevando o preço das passagens para os usuários do transporte público coletivo.

Segundo levantamento realizado na região metropolitana do Rio de Janeiro[6], estima-se que, em 2013, o custo relativo aos congestionamentos tenha atingido R$ 29 bilhões, o que equivale a 8,2% do PIB metropolitano. O estudo também previu que, caso não surjam alternativas e novos investimentos, o custo dos congestionamentos na região metropolitana pode chegar a R$ 40 bilhões em 2022.

Em São Paulo, o mesmo estudo demonstrou que os custos dos congestionamentos chegaram a R$ 69,4 bilhões, o que equivale a 7,8% do PIB metropolitano. A previsão para esta região, em razão do crescimento populacional e econômico, é que no ano de 2022 este custo possa alcançar o valor de R$ 120 bilhões, com até 357 quilômetros de congestionamentos por dia.

As despesas provenientes dos congestionamentos das duas regiões metropolitanas, somadas, atingem o valor de R$ 98 bilhões, equivalente a 2% do PIB nacional. Atente-se ao fato de que esse valor é aproximadamente 2,3 vezes maior que o investimento previsto na área para os 25 anos subsequentes, segundo o Programa de Investimento em Logística[7].

Nesse mesmo sentido, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU)[8] realizada em 2015 revelou que, por conta das condições atuais e devido ao constante apoio do governo para aquisição de veículos, estima-se que as frotas de automóveis e motos deverão dobrar até 2025.

Contudo, cumpre ressaltar que o progressivo aumento na compra de veículos automotores não pode ser o único sintoma do atual déficit na infraestrutura viária a responder pelos problemas de congestionamento, danos ambientais e falta de segurança para pedestres e ciclistas.

Conforme aponta o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) [9], em 2014 trafegavam cerca de 45 milhões de automóveis pelo Brasil. Ainda assim, o Brasil ocupava somente o 57º lugar no ranking mundial de quantidade de carros por habitantes, o que indica que não é a quantidade de carros o principal problema, mas o seu uso.

A falta de reflexão e conhecimento quanto ao impacto que o uso excessivo dos automóveis provoca no âmbito coletivo é, portanto, um dos principais pontos a serem tratados, o que só pode ser feito mediante o incentivo de medidas educacionais de conscientização que visem uma mudança comportamental nesse sentido, combinados com as medidas estruturais necessárias.

Como forma de mitigar esses danos, a Política Nacional de Mobilidade Urbana instituiu, como uma de suas diretrizes fundamentais, a priorização dos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados, e a priorização dos serviços de transporte público coletivo sobre o individual.

Em 2012, ano de promulgação da referida lei, foi realizada uma pesquisa pela Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP[10] nos 438 maiores municípios de todo o país, para levantar qual o modo de viagem mais utilizado diariamente.

A pesquisa revelou que 40% das viagens foram realizadas nos modos não motorizados (a pé ou bicicleta), seguido pelo transporte individual motorizado (carros e motos), com 31%, e pelo transporte público coletivo (ônibus, trens e metrô), com 29%. Em contrapartida, entre os anos de 2003 e 2012, o número de automóveis em movimento aumentou 70%, e o de motocicletas em 209%.

Assim, de modo a buscar melhoria na qualidade de vida das cidades, com vistas à valorização do direito à circulação para todos e a redução dos efeitos negativos provenientes do uso excessivo de automóveis, nota-se que já há no Brasil uma intenção de se implementar ações que priorizem o sistema coletivo e beneficiem as condições para pedestres e ciclistas, não somente com o propósito de recuperar o espaço público para atividades de lazer, mas também com a intenção de trazer alternativas para resolver as necessidades da atual conjuntura da mobilidade urbana nos municípios brasileiros.

Percebe-se que, não obstante os números indiquem uma propensão pelo uso de transportes não motorizados e revelem a existência de uma parcela significante da sociedade usuária do transporte público coletivo, o uso excessivo do transporte individual motorizado acaba dominando o contexto viário brasileiro e, por conseguinte, protagoniza a disseminação dos problemas relacionados ao seu uso inconsciente e desordenado.


A BICICLETA COMO MEIO DE TRANSPORTE ALTERNATIVO

Dentre os fatores que favorecem o uso da bicicleta pode-se mencionar justamente o fato de que ajudam a evitar congestionamentos em horários de pico em médios e grandes centros urbanos, além de ocupar menos espaço para seu estacionamento, visto que em uma vaga para estacionamento de automóveis podem caber até seis bicicletas[11].

Não obstante a bicicleta seja também uma alternativa mais vantajosa em comparação ao veículo motorizado, por contar com custos e manutenção mais acessíveis, outro benefício comumente apontado é o fato de que o uso da bicicleta, naturalmente, consiste em um exercício físico, além de ser um meio de transporte que não polui o meio ambiente.

Contudo, é importante atentar ao fato de que o desenvolvimento de políticas públicas que incentivem os meios de transporte não motorizados deve considerar a realidade apontada por muitos usuários como um fator impeditivo fundamental no momento de circular em meio ao tráfego urbano: a falta de segurança para locomoção[12].

Diante disso, é profundamente necessário que a Administração Pública, ao desenvolver as políticas públicas necessárias, deva levar em consideração a importância de um planejamento eficiente para que as ações de priorização do transporte não motorizado obtenham resultado. É fundamental que os espaços destinados aos ciclistas apresentem as condições mínimas necessárias para incentivar as pessoas a utilizá-lo, uma vez que a existência de uma alternativa não planejada e não projetada dificilmente será vista como atrativa para os potenciais usuários.

EXEMPLOS DE ÊXITO NA PRIORIZAÇÃO DA BICICLETA

Há diversos exemplos de como o planejamento no sentido de otimizar as vias cicloviárias pode ser benéfica à mobilidade urbana. Sabe-se que em diversos países europeus, mesmo nos menos desenvolvidos, há um incentivo maior para o deslocamento urbano através da bicicleta. Isso se deve, principalmente, pela participação de intensas políticas públicas voltadas para o ciclismo.

Em países como a Dinamarca[13], após a implantação do planejamento de ciclovias, registrou-se uma redução de 35% no número de acidentes de trânsito, de um modo geral. Em áreas específicas, onde as medidas de melhoramento de transporte cicloviário foram executadas de maneira mais ampla, essa redução ficou entre 70% e 80%, e não se registrou qualquer prejuízo ao comércio local.

Além da construção de ciclovias e ciclofaixas, outra medida comumente adotada é o aluguel de bicicletas públicas em pontos específicos da cidade que já contam com a estrutura viária necessária.

Em 2005, a cidade de Lyon, na França[14] implantou o sistema de aluguel de bicicletas públicas. Um ano depois, foi registrado um número superior a 22 mil aluguéis por dia para mais de 52 mil usuários cadastrados. A mesma medida foi implementada em Paris, em 2007 e, de maneira semelhante, um ano depois já contava com 24 mil bicicletas disponíveis em 1.750 estações de aluguel.

Em 2007 a cidade de Barcelona[15], na Espanha, passou a utilizar do mesmo modelo, assim como Buenos Aires[16], na Argentina, e ambas também registraram um considerável aumento no número de ciclistas e consequente diminuição no fluxo de trânsito.

A cidade do Rio de Janeiro (RJ), a partir de 2011, foi o primeiro município brasileiro a inaugurar o sistema de aluguel de bicicletas e, devido ao grande uso e a quase ausência de acidentes, outras cidades, como Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP), também passaram a usar[17].

Uma das características comuns a todas essas cidades, e condição essencial para o desenvolvimento e incentivo ao transporte cicloviário como método de redução de problemas de trânsito, é a presença de vias com geografia amena, uma vez que se trata de uma forma de locomoção impulsionada pela força do seu condutor[18]. Essa condição se mostra bastante favorável em municípios como Itajaí e Balneário Camboriú, por serem cidades de topografia plana.

Entretanto, para que haja um aumento satisfatório no número de usuários, é imprescindível a implantação de uma infraestrutura que ofereça condições adequadas de conforto e segurança para o uso da bicicleta, de modo a consolidar a bicicleta como alternativa efetiva de locomoção urbana[19].

Somado a isso, tem-se que alguns dos motivos ligados ao reduzido número de usuários da bicicleta no Brasil como meio de transporte, além do sentimento de insegurança, consistem em fatores como a questão da aceitação social, a imagem de marca, e o não reconhecimento da bicicleta como meio de transporte para adultos[20].

É necessário ultrapassar essa visão limitada do uso da bicicleta, e isso requer uma mudança de mentalidade a partir da conscientização das necessidades atuais do meio urbano, de convivência econômica sustentável e da integração social democrática de uma parcela significativa das comunidades urbanas.

Sobre os autores
Alexandre dos Santos Priess

Advogado e Professor Universitário. Mestrando em Ciência Jurídica no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Direito Público. Presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB (Itajaí). Professor de Direito Administrativo dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do TRT12. Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Empresarial (IOB). Email: alexandrepriess@hotmail.com.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAVOLDI, Pedro Adolfo; PRIESS, Alexandre Santos. Mobilidade urbana e o uso da bicicleta como método alternativo de locomoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5490, 13 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64941. Acesso em: 22 nov. 2024.

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