Os Impactos da Nova Lei de Terceirização
Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de tecer uma análise sobre as alterações introduzidas pela Nova Lei de Terceirização.
Em 31 de março de 2017, foi sancionada a Lei da Terceirização. Em contexto de crise econômica, essa nova lei traz para a nova ordem de flexibilização das relações de trabalho a possibilidade de terceirização ampliada e irrestrita, assim como a redução de garantias reais e de procedimentos compensatórios para os trabalhadores terceirizados.
A terceirização vem se difundindo como fenômeno mundial e vem se instalando de forma progressiva, apresentando-se como alternativa irreversível na economia global. Por outro lado, tem sido apontada como meio responsável pela precarização e pulverização de estruturas sindicais por categorias.
O que no passado era protegido mediante restrições judiciais, como estabelecido na Súmula 331 do TST, ou por meio da imposição de regras garantidoras, passa a expor as fragilidades da segurança de direitos trabalhistas das novas organizações de terceirização.
Alterações na Lei de Terceirização e seus Impactos
No Brasil, o processo de terceirização teve origem com a Lei 6.019/1974, que tratava da normatização do trabalho temporário em empresas urbanas e dispunha sobre as relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros. Esse normativo destacava que a empresa prestadora de serviços a terceiros era a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
Por essa lei, no curso dos contratos temporários, caso a empresa prestadora de serviços falisse, a tomadora seria solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e pelo pagamento da remuneração e indenizações previstas na lei. O trabalho temporário era previsto para, no máximo, três meses. A empresa contratante era subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorresse a prestação de serviços.
O desenvolvimento da lógica da terceirização tornou-se mais intensificada e disseminada com a reestruturação do sistema produtivo que passou a fazer parte do novo paradigma dos anos 90, que trazia em seu bojo a orientação para a redução de custos de produção, a elevação do padrão de qualidade, o aumento da eficiência e a flexibilização dos sistemas produtivos de bens e de serviços (DELGADO, 2015).
Ao mesmo tempo, esse processo também seria acompanhado pela precarização das condições de trabalho, pela redução de direitos garantidos aos trabalhadores não terceirizados e pelo enfraquecimento dos sindicatos.
No dia 23 de março de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4.302/1998, alterando dispositivos da Lei 6.019, de 1974. O projeto foi sancionado no dia 31 de março com três vetos pela presidência da República, tornando-se a Lei 13.429/2017.
A Lei 13.429/2017 traz alterações substanciais para a contratação de trabalhos terceirizados, com destaque para os pontos que serão comentados a seguir (DIEESE, 2017).
A nova lei modifica o conceito de trabalho temporário, expandindo a aplicação dessa modalidade de contratação e retirando o caráter de contratação para situações extraordinárias. Pelo texto, essas condições de trabalho são direcionadas para o atendimento de serviços com demandas relacionadas a fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal. De acordo com o novo texto, o trabalho temporário pode ser utilizado tanto nas atividades-fim como nas atividades-meio da empresa contratante.
O novo normativo também amplia o prazo de duração dos contratos temporários de 90 para 180 dias consecutivos, com possibilidade de extensão por mais 90 dias. Se não fosse o veto presidencial, o projeto original aprovado ainda permitiria a alteração do prazo por meio de acordo ou convenção coletiva, possibilitando a extensão do prazo do contrato por esses instrumentos.
Com as novas regras, um mesmo trabalhador poderá ser colocado novamente à disposição da mesma empresa tomadora após 90 dias de intervalo entre o término do contrato anterior e o novo contrato, permitindo a prática dos chamados rodízios de contratos.
Com as mudanças, ocorreu a substituição da responsabilidade solidária pela responsabilidade subsidiária, fragilizando ainda mais as garantias de direitos dos trabalhadores terceirizados. Pela responsabilidade subsidiária, os trabalhadores credores apenas poderão cobrar dívidas da empresa contratante após esgotarem todas as tentativas e possibilidades legais de receberem os recursos diretamente da empresa prestadora de serviços (parágrafo 5º, artigo 5º-A).
De acordo com a lei sancionada, a empresa terceira é uma pessoa jurídica de direito privado que presta serviços determinados e específicos a terceiros. A falta de maior controle sobre a contratação de serviços terceirizados, possibilita o crescimento da chamada “pejotização”, por meio da prestação de serviço por empresa de uma só pessoa, como meio de escapar aos deveres estabelecidos pela legislação trabalhista na contratação direta.
O novo instrumento jurídico abre espaço também para a expansão da quarteirização e da cadeia de subcontratação, uma vez que a realização da atividade poderá ocorrer mediante pessoal próprio da empresa contratada ou de subcontratação (parágrafo 1º, art. 4º-A), dificultando, desse modo, a fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, fiscal e previdenciária.
Com o aumento permissividade para a realização de subcontratações, juntamente com a previsão de que a contratante possa ser pessoa física (art. 5º), eleva-se ainda mais o risco de fragmentação excessiva dos processos de trabalho, a ocorrência de fraudes e de sonegação, dentre outros prejuízos ao processo produtivo de trabalho.
Além disso, pelo novo normativo, não foram estabelecidas garantias contratuais para o trabalhador terceirizado, como a comprovação periódica da quitação de obrigações previdenciárias e trabalhistas, assim como a falta de mecanismos para assegurar a quitação mensal da folha de pagamentos. Ademais, limita a penalidade por descumprimento de cláusulas contratuais ao pagamento de multa pela prestadora de serviços, sem, no entanto, estabelecer os parâmetros para fixação da penalidade (art. 19-A).
Apesar de ser uma tendência do Mercado de trabalho mundial, a terceirização aos moldes apresentados pela Nova Lei de Terceirização, apresenta riscos potenciais que já tem sido identificados (MELO, 2017).
Com o estímulo à contratação de trabalhadores terceirizados, aumenta a inserção de trabalhadores com esse tipo de vínculo, porém sob a condição de colaboradores de segunda classe, os quais realizam as mesmas tarefas, mas com contratos de trabalho mais desvantajosos, com a redução de salários e de benefícios trabalhistas.
Além disso, em razão da insuficiência de normas regulamentadoras, aumenta-se a probabilidade de as empresas terceirizadas não se comprometerem com as exigências estabelecidas pelas normas básicas de segurança do trabalho, retirando investimentos fundamentais em segurança, higiene e saúde do trabalhador.
Do ponto de vista do direito coletivo do trabalho, a aceleração do processo de terceirização e quarteirização, por meio da pulverização de subgrupos associados a cada tomador de serviço, promove o enfraquecimento das categorias profissionais sindicais. Como resultado, dificulta-se a mobilização dos trabalhadores para a reivindicação de questões relacionadas aos processos de trabalho de determinada categoria, com a redução do poder coercitivo para a realização das negociações coletivas.
Como consequências do fenômeno da terceirização, também podem ser apontados o aumento das taxas de rotatividade (podendo corresponder ao dobro das contratações diretas), assim como o aumento da ruptura de vínculos empregatícios, em razão da menor estabilidade e continuidade nos postos de trabalho das empresas (DIEESE, 2017).
Os vínculos nas atividades terceirizadas perduram, em média, 2 anos e 10 meses, enquanto nas atividades diretamente contratadas, a duração média dos vínculos é de cerca de 5 anos e 10 meses (DIEESE, 2017).
Os prejuízos para o trabalhador terceirizado também podem ser percebidos pela redução de cerca de 23 a 27% das remunerações em relação às atividades com contratação direta (DIEESE, 2017). Pode-se notar ainda que as atividades tipicamente terceirizadas tendem a se deslocar para as faixas de concentração de renda mais baixas.
Quanto à precarização das condições de trabalho, também pode-se evidenciar maior proporção de acidentes de trabalho típicos em contratos terceirizados que nos contratos diretos, apontando para um cenário de fragilização dos cuidados com as normas de segurança, higiene e saúde do trabalho.
Conclusões
A atual conjuntura econômica e social de fato tem demandado soluções específicas para os contratos de trabalho tradicionais, o que, contudo, não deveria servir de justificativa para redução indiscriminada de direitos da parte mais frágil da relação de trabalho.
No caso das modificações na lei de terceirização, as alterações normativas que ampliam o uso dessa forma de contratação, para além de situações extraordinárias, podem resultar, na verdade, em abusos na utilização dessa modalidade pelas empresas, intensificando a precarização das condições de vida e de trabalho.
Em relação às demais alterações trazidas pela reforma trabalhista, a maior abertura para as negociações individuais, com a perda de garantias respaldadas pelo Estado ou pelas negociações coletivas, pode vir a prejudicar futuros acordos individuais de trabalho com a imposições de condições de trabalho prejudiciais pelas empresas.
Os contratos de trabalho atípicos deveriam ser protegidos com a extensão dos direitos previstos no contrato por prazo indeterminado, principalmente em consideração ao caráter de eventualidade e de menor segurança aos trabalhadores. Em que pese a necessidade de alterações adaptativas da legislação trabalhista, as reformas implementadas não podem se reduzir apenas à redução de custos trabalhistas, às custas da precarização das condições de trabalho.
Em consideração ao processo de alteração das normas trabalhistas, deve-se ressaltar ainda o caráter pouco democrático do debate instaurado, com a participação limitada e pouco representativa dos trabalhadores na elaboração do processo legislativo.
Assim, a aprovação da Lei 13.429/2017, juntamente com as propostas apresentadas pelo Projeto de Lei 6.787/2016, de alteração da CLT, podem vir a comprometer as condições de vida dos trabalhadores brasileiros, com a promoção de alterações na estrutura do mercado de trabalho, com aprofundamento das desigualdades de direitos entre os trabalhadores e com reflexos no aumento da rotatividade de postos de trabalho e da precarização das condições laborais já existentes.
Bibliografia
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BRASIL. Leis e Decretos. Lei 13.429, de 31 de março de 2017: Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Brasília, DF, mar. 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm.> Acesso em: jun. 2017.
BRASIL. Leis e Decretos. Projeto de Lei 6.787/2016: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1550864&filename=Tramitacao-PL+6787/2016> Acesso em: jun. 2017.
BRASIL. Leis e Decretos. Decreto-Lei 5.452 de maio de 1943: Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: jun. 2017.
DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho – 14 ed. – São Paulo; LTr 2015.
DIEESE. Nota Técnica 175. Impactos da Lei 13.429/2017 (antigo PL 4.302/1998) para os trabalhadores. Contrato de trabalho temporário e terceirização. Abril, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec175TerceirizacaoTrabalhoTemporario.pdf.>. Acesso em: jun 2017.
DIEESE. Nota Técnica 172. Terceirização e precarização das condições de trabalho. Condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. Março, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.pdf.> Acesso em: jun 2017.
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