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Responsabilidade civil e penal do perito.

O profissional de contabilidade na nova legislação civil e falimentar

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Agenda 26/03/2005 às 00:00

4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

Nos primórdios da civilização, período que antecedeu a instalação da fase contratual da convivência humana, inexistia qualquer previsão que regulasse as relações entre os indivíduos, bem como não se tinha noção da divisão das responsabilidades em civil e penal.

A Bíblia veio em determinar, inicialmente que "cada um respondesse pelos seus atos" ( Deuteronômio, 24, 16), constituindo em seguida, a lei do talião uma limitação da responsabilidade, pois restringia a reparação ao valor do dano causado, como se verifica na Lei das Doze Tábuas, que vigorou na primeira fase do direito romano.

Assim sendo, prevalecia a lei do mais forte através da "justiça com as próprias mãos", posteriormente denominada como vingança privada. De acordo com Alvino Lima[xiv], citado por Carlos Roberto Gonçalves "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, de reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal"[xv].

4.1. TÁBUA DE NIPPUR. Seguindo-se a esse período, tem-se a Tábua de Nippur vigente em 2.050 a.C., podendo ser apontada como o primeiro texto legal que apresentava indícios de uma provável indenização aos danos causados à pessoa, através de sua prévia fixação. Nos primeiros tempos do direito romano, a responsabilidade era objetiva, ou seja, satisfazia-se apenas com o dano e o nexo de causalidade, apresentando-se como uma reação da vítima contra a causa aparente do dano; era o direito de vingança privada reconhecida à vítima do dano.

Logo após, passa a existir a figura da composição, espécie de resgate da culpa, pela qual o ofensor conquista o perdão de sua vítima através de uma contraprestação pecuniária, calculada de acordo com o prejuízo causado e sua condição econômica, ficando a vingança como Segunda opção. A composição econômica deixa de ser uma opção faculdade para ser a regra, ficando proibido ao lesado fazer justiça com suas próprias mãos. Temos o Código de Ur-Nammu, Código de Manu e Lei das XII Tábuas.

4.2. CÓDIGO DE HAMURABI E A LEI DE TALIÃO. Numa segunda fase consagrou-se a pena de Talião, que facultava ao ofendido, ou aos seus parentes a reação contra os atos danosos ou criminosos. É a fase da vingança privada. Tais idéias foram desenvolvidas pelo Código de Hamurabi, no ano 1750 a.C., que instituiu algumas noções de indenização.

Posteriormente, com a edição da Lei das XII Tábuas houve uma superação do período marcado pela vingança, por um novo, que se caracterizou pela composição a critério da vítima, conforme dispõe Alvino Lima: "Dessa primitiva forma de responsabilidade, passou-se à composição voluntária, pela qual o lesado, podendo transigir, entra em composição com o ofensor, recebendo um resgate (poena), isto é, uma soma em dinheiro, ou entrega de objeto. A vingança é substituída pela composição a critério da vítima, subsistindo, portanto como fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido".[xvi]

4.3. LEI DE MOISÉS E AS TÁBUAS DE BOGNAZKENI. A Lei de Moisés abrange um período muito amplo, que vai do ano 1500 até o ano 600 a.C. A Lei de Moisés, compreende os cinco primeiros livros do "Velho Testamento"; Os Profetas, são todos os livros escritos advindos através de mensagens guiadas e inspiradas por Deus, cujos escritos trazem os seus nomes; e Os Salmos, são os agioágrafos (ou, Ketubim). Ela contém em seu capítulo XXI do Êxodo, v. 18 e seguintes, espaço dedicado especificamente à reparação do dano corporal, através do procedimento conhecido como a Lei de Talião. No Código de Hamurabi, já que praticamente coexistentes em países vizinhos, que durante mais de cinco séculos mantiveram em comum, guerras, compra e venda de escravos, práticas cotidianas corriqueiras, etc., e até aproximadamente o ano 1000 a.C. não conheceram a indenização fixada por juiz, em quantidade determinada.

4.4. DIREITO ROMANO E A LEX AQUILIA. Nos primeiros tempos do direito romano, a responsabilidade era objetiva, ou seja, satisfazia-se apenas com o dano e o nexo de causalidade, apresentando-se como uma reação da vítima contra a causa aparente do dano; era o direito de vingança privada reconhecido à vítima do dano.

No Direito Romano foram desenvolvidas as primeiras idéias no sentido de se construir uma estrutura jurídica para a responsabilidade contratual, com a Lex Aquiliae, que vinculou a noção de indenização ao poder punitivo do Estado. Mas foi com a Lex Aquilia de damno, que no século III a.C. se introduziu no Direito a idéia de culpa.

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Como pressuposto da obrigação de indenizar, embora em termos bastante restritos, que se construíram os primeiros alicerces da reparação civil em bases mais lógicas e racionais na medida em que se começa procurando um princípio geral que seja fundamento da imputação da obrigação de indenizar.

Apesar da importância da Lex Aquilia, o direito romano manteve suas convicções, intervindo o legislador apenas nos casos de espécie, admitindo-se a responsabilidade civil somente nesses casos. Todavia, houve um aumento significativo dos casos particulares, o que resultou na abrangência da maior parte dos prejuízos materiais, mas também, dos danos morais. Somente no final da República insurgiu a visão da culpa aquiliana, que foi enunciada por Gaius. Em que pese todo o conhecimento histórico, enorme controvérsia divide os autores: de um lado, os que alegam, com fulcro nos textos, que a idéia de culpa era alheia à Lei Aquiliana[xvii]; do outro lado, há os que afirmam a sua presença como primordial na responsabilidade civil[xviii].

4.5. CÓDIGO DE NAPOLEÃO E A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL.. Muitos historiadores costumam demarcar a Revolução Francesa entre o período de 14.7.1789 e o 18 Brumário do ano VIII, data em que Napoleão Bonaparte a si mesmo atribuiu-se o Consulado. O Código, que tomaria o seu nome, é produto da Revolução Francesa, uma conseqüência daquele movimento, como conseqüência haveria de ser também da personalidade marcante do Primeiro Cônsul.

O historiador Octave Aubry acrescenta que "Napoleão não poderia ser considerado em si, como um herói isolado". E acrescenta : "Il ne participe seulement à l’esprit de son époque, il l’incarne et c’est par là abord qu’il est grand. On ne peut le séparer de la Revolution Française. Il em sort, il la continue est l’accroit, il projette à travers le monde ses mirages et ses principes".

Diante do pluralismo político e do fracionamento do Direito, para casos idênticos, apresentava diversas soluções, que podiam ser aplicadas por normas variadas de acordo com ordenamento jurídicos das ordenações jurídicas das regiões francesas e isso propiciava a incerteza e insegurança jurídica, o Código Civil Francês de 1904 (Código de Napoleão) foi o primeiro grande feito do movimento de codificação, entre 1804 e 1811 vários códigos foram promulgados.

É importante ressaltar que o código não é apenas exclusiva vontade de Napoleão ou de grupo de juristas incumbidos de sua redação, como apresentamos este é fruto de uma evolução histórica do Direito Francês.

O código surgiu da necessidade de existir um sistema fechado, de uma unificação de Direito Francês, como meio de garantir a segurança jurídica. A Revolução Francesa em muito contribui para modificar vários setores do Direito Civil. Como exemplo teremos o sistema de direito de propriedade, o direito das sucessões, o regime do estado civil, do casamento e do divórcio, o da adoção e do poder paternal e o do estatuto dos filhos naturais. Enfim, a Revolução acelerou as modificações no plano jurídico que, desde muito tempo, se apregoavam.

Prosseguindo na obra legislativa da Revolução Francesa, de que Napoleão Bonaparte "se sente, e se diz herdeiro direto", o Primeiro Cônsul incumbe a uma comissão de juristas eminentes como Tronchet, Bigot de Préameneu, Portalis, fundir em um Código Civil o todos os textos relativos ao estado das pessoas e à suas relações sociais. Por conseguinte, conforme José de Aguiar Dias[xix]: "Depois veio o Código Napoleão que se baseou nas lições de Domat e Pothier, para em seus arts 1382 e 1383, construir a teoria da responsabilidade civil fundada na culpa, responsabilidade subjetiva, partindo daí as definições que se inseriram nas legislações de todo mundo".

Com o Código Civil francês de 1804, ou Código Napoleão, engendrado pelos civilistas de maior peso na época, Domat e Pothier, a noção de culpa como fundamento da responsabilidade civil inseriu-se no direito moderno, disseminando-se posteriormente para as legislações de todo o mundo. Foram os conceitos e ensinamentos do Direito romano sobre a responsabilidade aquiliana que serviram de ponto de partida e alicerce inabalável, por longo tempo, das legislações modernas no que tange à responsabilidade civil.

A partir do século XVIII se produz um importante desenvolvimento, tanto legislativo quanto regulamentar, relativo à matéria. Ainda assim, apesar de todos os avanços, em países como a França, ainda foi necessário aguardar até fins do século XVIII, com a eclosão da Revolução Francesa. Promulgado o Código Civil Francês, foi adotado como Direito Positivo na Bélgica. Devido as circunstâncias políticas foi direito vigente na Província de Quebec no Canadá e no Estado da Luisiânia no Estados Unidos, onde até hoje subsiste como uma ilha dentro do sistema de Common Law do Direito Anglo-Americano. Foi praticamente absorvido pelo legislador italiano, como base do Código Civil de 1865, contemporâneo da unificação política da Itália. Influiu no Código Espanhol de 1889. Influenciou o Código Civil de 1867 de Portugal.

O historiador Ernesto Cordeiro Alvares aponta a influência do Código de Napoleão no Código Civil Argentino e no do Paraguai, da Venezuela, do México que posteriormente sofreu o impacto em 1928 do BGB e do Peru. Na Alemanha, as conquistas napoleônicas levaram o Código Civil de 1804, mas a influência limitou-se a Baden e a Renânia. O Direito Moderno segue, preponderantemente, o conceito de responsabilidade civil calcada na noção de culpa.

Nestes termos dispõe o Código Civil Italiano, em seu artigo 2.043 onde diz que "todo o fato delituoso ou culposo, que ocasione a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano. As únicas exceções são a legítima defesa e o estado de necessidade, que mesmo assim concede ao Juiz o poder de fixar indenização equânime para o prejuízo sofrido".

No Direito Brasileiro, a teoria da responsabilidade civil no Código de 1916 é totalmente subordinada ao Código Napoleão. O artigo 1382 deste último reza que "Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui um dommage oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer". O artigo 1383 estabelece: "Chacun est responsable du dommage quíl a causé non seulement par son fait, mais encore par as negligence ou par son imprudence".

Portanto, os princípios do Código de Napoleão foram consagrados no artigo 159 do antigo Código Civil Brasileiro, de 1916, que envolve a teoria da culpa, ao prescrever que fica compelido a reparar o dano causado aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem. Finalmente, é de observar que a evolução da teoria da responsabilidade no Direito Francês, a partir de Josserand na sua famosa obra De la Responsabilité des choses Inonimées e Gaston Morion em La Revolte du Droit contre le Code encaminha os mestres para a doutrina da responsabilidade objetiva e a teoria do risco criado no Direito Civil Brasileiro.


5. RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL.

Devemos analisar as diferenças entre a responsabilidade civil e penal. No caso da responsabilidade civil o interesse é diretamente do lesado. É o interesse privado. O ato do agente pode ou não ter infringido norma de ordem pública. Como seu procedimento causou dano deve repará-lo. A reação da sociedade pela representada pela indenização a ser exigida pela vítima do agente causador do dano. Na responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público e seu comportamento perturba a ordem social. A reação da sociedade é representada pela pena. Provocando uma reação do ordenamento jurídico, não se pode compadecer com uma atitude individual desta ordem. Para sociedade, é indiferente a existência ou não de prejuízo experimentado pela vítima[xx].

No aspecto penal, o infrator desrespeita uma norma de direito público, perturbando a ordem social, tendo como punição uma pena, porém, é indiferente para a sociedade a existência ou não de um prejuízo por parte da vítima. No campo cível, a preocupação passa a ser o aspecto privado, de forma que o prejuízo passa a ser olhado no aspecto patrimonial, uma vez que a conduta do agente prejudica diretamente o interesse individual de alguém, e como causador de tal dano ele deve repará-lo, neste caso, porém, pela natureza da matéria, todo o processo fica dependendo da manifestação da vítima, pois, sem seu interesse, não existe motivo para o causador reparar o dano.

Em ambos os casos há, basicamente, a infração de um dever por parte do agente, sendo a responsabilidade, como dito no item anterior, a reação do ordenamento ante a violação havida, impondo obrigação, em alguma forma de sanção. No caso do crime, do delito, o agente malfere uma norma de direito público e seu ato perturba a ordem social de modo direto e imediato, provocando a reação no ordenamento jurídico, que obviamente não compadece com atitude dessa natureza, tendo em conta o papel eminentemente apaziguador da sociedade que lhe é conferido.

A teoria da causalidade adequada, que é a prevalente no âmbito da responsabilidade civil (diferentemente da responsabilidade penal onde tem prevalência a teoria da equivalência dos antecedentes por força do art. 13 do Código Penal), restringe o conceito de causa, estabelecendo como tal apenas a condição que, formulado um juízo abstrato, se apresenta adequada à produção de determinado resultado.

Após a verificação concreta de um determinado processo causal, deve-se formular um juízo de probabilidade com cada uma das múltiplas possíveis causas, de acordo com a experiência comum, em um plano abstrato. Se após a análise de certo fato for possível concluir que era provável a ocorrência do evento, deve-se reconhecer a relação de causa e efeito entre eles.

No caso de ilícito civil, por outro lado, o interesse diretamente lesado, ao revés de ser o interesse social, da coletividade, é o interesse privado. O ato do agente, reputado ilícito, pode não ter violado ou irrompido norma de ordem pública, mas inobstante, pode haver causado dano a alguma pessoa, motivo pelo qual, o desencadear da obrigação ressarcitória se impõe. A reação do ordenamento jurídico, em tal hipótese, será representada não pela aplicação da pena, mas pela condenação do agente à indenização a ser paga para a vítima do dano experimentado.

A responsabilidade penal, por outra parte, busca a reparação do dano social, causado ao conjunto social, sem repercussão patrimonial direta à sociedade, atentando contra a liberdade da pessoa do agente, como forma de reprimir o ato ilícito, sem se importar com equilíbrio econômico abalado. Merecedor de olhares o seguinte julgado, ante a similitude com a assertiva acima, que assim podemos descrever com o seguinte detalhe: "O direito civil é mais exigente que o direito penal, pois, enquanto este cada vez mais focaliza a pessoa do delinqüente, aquele dirige sua atenção para o dano causado, objetiva a necessidade do ressarcimento e do equilíbrio[xxi]".

A responsabilidade civil envolve, e isto é confirmado pela jurisprudência transcrita, antes de tudo, o dano, o prejuízo, o desfalque, o desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém, ou seja, se impregna prevalentemente à ordem patrimonial e/ou moral, preocupando-se tão somente com o restabelecimento do equilíbrio perturbado pelo dano, seja patrimonial, seja extrapatrimonialmente.

A responsabilidade penal, ocorre pela reparação de um dano, mas um dano que vem a atingir a paz social, muito embora atinja muitas vezes um só indivíduo, não guardando preocupação com o restabelecimento do equilíbrio econômico ou moral da vítima. Daí se dizer que a ação repressiva do ordenamento jurídico, na esfera penal, embora também combata um ou mais danos, não tem por objetivo o dano causado ao particular como tal, mas enquanto considerado ele como parte integrante do grupo ao qual pertence, ou seja, à sociedade.

Sobre o autor
Celso Marcelo de Oliveira

consultor empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Constitucional, da Academia Brasileira de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Processual e da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. Autor das obras: "Tratado de Direito Empresarial Brasileiro", "Direito Falimentar", "Comentários à Nova Lei de Falências", "Processo Constituinte e a Constituição", "Cadastro de restrição de crédito e o Código de Defesa do Consumidor", "Sistema Financeiro de Habitação e Código de Defesa do Cliente Bancário".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Celso Marcelo. Responsabilidade civil e penal do perito.: O profissional de contabilidade na nova legislação civil e falimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 626, 26 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6520. Acesso em: 18 nov. 2024.

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