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A evolução do conceito de crime político para a jurisprudência do STF e suas implicações para o indeferimento da extradição

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Agenda 20/11/2018 às 15:30

Reflexões sobre as principais decisões do STF acerca do crime político e do terrorismo. Será que o marco histórico da queda das torres gêmeas de Nova Iorque ocasionaram algum reflexo conceitual na corte brasileira?

1 INTRODUÇÃO

Neste momento trágico onde as palavras se parecem tão pobres para dizer o choque que sentimos, a primeira coisa que vem à mente é o seguinte: nós somos todos Americanos! Nós somos todos Nova-iorquinos, tão certamente quanto John Kennedy ao se declarar, em 1962 em Berlim [...]”. (Tradução nossa).1

Foram estes os termos do editorial publicado pelo jornal Le Monde, no dia 13 de setembro de 2001, dois dias após um dos piores ataques terroristas da história da humanidade: os atentados ao The World Trade Center, em Nova Iorque.

Na semana seguinte aos ataques, no Brasil, dia 19 de setembro, a revista Veja trazia edição especial, dedicada aos Estados Unidos da América e aos ataques às torres gêmeas, intitulada de: “O império vulnerável”2.

Dentre os destaques, trazidos nessa edição, constava a entrevista concedida pelo especialista americano, Ian O. Lesser, consultor para temas de combate ao terrorismo, prestador de serviço para CIA e para o Departamento de Estado americano. Dentre os questionamentos: se Brasil poderia se considerar livre dos ataques terroristas? Quem são os terroristas? E quais as consequências dos ataques para o mundo?

Sempre hesitante em suas respostas, o especialista americano, não excluiu a possibilidade de o Brasil figurar como alvo de ataques terroristas. Para ele, o terrorismo se tratava de fenômeno global.

Além disso, mesmo esclarecendo pouco sobre o tema, em sua entrevista, restou evidente o fato de os norte-americanos (e o mundo em geral) saberem pouco sobre terrorismo.

Na leitura de O. Lesser, tais ataques foram provenientes do que denominou de “o novo terrorismo”. Para o americano: “[...] O velho terrorismo calibrava muito bem suas ações e o nível de violência”,3 enquanto que, “[...] O novo terrorismo é mais indiscriminado [...]”.4

De fato, a impressão que se tinha era de certa forma acertada, pois como veremos, para que haja o combate legal dessas condutas, pelo princípio da legalidade, é inafastável a devida tipificação como crime. O caso, quanto ao terrorismo, porém, trata-se de dilema mundial.

Para muitos, os atentados marcariam o início de uma nova era para a humanidade, e realmente, a impressão que se tinha era de que nada mais seria o mesmo, do fatídico dia a seguir. Temia-se muito que a tragédia dos americanos fosse apenas o começo.

O que nos leva a uma das conclusões escritas na aludida matéria, dotada de explicita suposição do que as consequências psicológicas ocasionariam com a ocorrência dos atentados, e fortemente carregada de expectativas positivas:

Certamente o dia 11 de setembro será lembrado como aquele em que o terrorismo cruzou uma linha divisória, foi longe demais, e nunca mais um ato dessa natureza será encarada com a mesma complacência do passado [...].5

Com efeito, diante de todo o choque que o mundo sofreu, ao observar vulnerabilidade no maior império do mundo hodierno, é imperiosa a sensibilização, quanto ao tema, conforme dispôs a conclusão editorial.

Dotado desse espírito, portanto, ainda que ciente da inconclusão conceitual existente, de que, como veremos, sequer há definição jurídica aceitável do que seja terrorismo, tanto em âmbito nacional quanto internacional, a questão que se põe a prova é a de verificar se os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 realmente estabeleceram marco para a humanidade no combate ao terrorismo. O que se fará ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, visando aferir, se houve, a evolução conceitual constituída pós-11 de setembro de 2001.

Veremos também, que por muito tempo, e não apenas no Brasil, imperou “[...] o entendimento, praticamente unânime de que o terrorismo é o crime político por excelência, sendo impossível a dissociação entre ambos os conceitos”.6

Por ora, entretanto, vale apenas adiantar que a importância resguardada a tais conceitos, no âmbito do direito brasileiro, lhes são dadas, especialmente, nas oportunidades em que os Ministros do Supremo Tribunal Federal têm a incumbência de julgar os processos de extradição, requeridas pelos países estrangeiros ao Brasil, ou, ainda, quando os indivíduos solicitam asilo político e refúgio em território nacional. São nesses casos que os dois conceitos se encontram e geram maiores impasses, para os aplicadores do direito ao caso,7 pois forçam uma posição.

Contudo, o presente trabalho será construído a partir dessa problemática. E para melhor se entender, primeiramente se analisará os institutos da Extradição, da Deportação e da Expulsão. Em um segundo momento, buscar-se-á as teorias e os critérios que visam estreitar as balizas conceituais do Crime Político e do Terrorismo.8 E por fim, tendo em vista que no ordenamento jurídico brasileiro não há tipificação do que seja Crime Político e Terrorismo, cabendo apenas à jurisprudência estabelecer as extensões conceituais, buscar-se-á, por meio do tratamento jurisprudencial à alguns casos concretos, a aferição de se os conceitos de Crime Político e Terrorismo, no Brasil, tiveram influência pelos atentados de 11 de setembro de 2001.


2 A CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO QUANTO AOS REQUISITOS DE PERMANÊNCIA EM TERRITÓRIO NACIONAL

Como dito nos prolegômenos, neste primeiro capítulo abordaremos os institutos da Extradição, da Deportação e da Expulsão. E faremos partindo da condição jurídica do estrangeiro em território brasileiro, e especificamente, desde 1952, data em que Hans Kelsen sintetizou com felicidade o denominador comum da situação jurídica do estrangeiro em terra alheia.9 Tal síntese se deu na obra Principles of International Law, posterior à aclamada Teoria Pura do Direito.

Segundo Dolinger, sobre Kelsen, ao admitir estrangeiros em seu território, o Estado, deveria conceder-lhes um mínimo de direitos, isto é, “[...] uma posição de igualdade com os cidadãos pelo menos no que tange à segurança de suas pessoas e propriedades [...]”10, porém, sustentava a autonomia do Estado em admitir ou não estrangeiros em seu território.11

Tal posição se coaduna com a Teoria Monista, defendida por Kelsen, onde se frisava a importância em haver unicidade da ordem jurídica, pela convergência das relações do direito interno e internacional.12 Como muito bem explica Dolinger:

Kelsen reconhece que há questões de exclusiva competência do direito internacional, cujas regras só podem ser criadas pela colaboração de dois ou mais Estados. Mas não há matéria da exclusiva competência do direito interno. Tudo que é regulado pelo direito interno pode também ser regulado pelo direito internacional.13

Florisbal de Souza Del’ Olmo cita o colombiano Monroy Cabra, que classifica os Estados quanto ao tratamento que cada um confere aos estrangeiros, conforme os direitos concedidos a eles. A classificação é tripartida:

[...] a) igualitários: assimilam os estrangeiro aos nacionais; b) hostis: negam direitos, especialmente na aquisição de propriedade; c) de reciprocidade diplomática e legislativa: buscam o adequado equilíbrio.14

No Brasil, a carta magna determina a não diferenciação entre brasileiros e estrangeiros, desde que estes residam no país,15 em seu art. 5º, caput:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Nesse mesmo sentido, dentro da condição jurídica do estrangeiro em território alheio, a perquirição do que se considera como estrangeiro é natural, e segundo Florisbal Del’Olmo “[...] todo ser humano que se ausenta do Estado do qual é nacional assume o status de estrangeiro”.16

Para Valerio de Oliveira Mazzuoli, a definição se dá por exclusão:

Ao escolher quem são os seus nacionais (em virtude das regras domésticas editadas no exercício de sua soberania), o Estado automaticamente classifica como estrangeiros todos os demais indivíduos que estejam em seu território, quer título provisório ou definitivo, os quais poderão ter a nacionalidade de outro Estado ou não ter nenhuma nacionalidade, encontrando-se em situação de apatria.17

Valerio de Oliveira Mazzuoli, ainda, ensina que basta um estrangeiro saia da jurisdição do seu Estado e se coloque sob a jurisdição de outro Estado sem se tornar um nacional deste para que adquira a condição de estrangeiro.18

Contudo, ao se falar em Extradição, Deportação e Expulsão, é importante frisar o fato de serem tais institutos aplicáveis apenas aos estrangeiros, que estejam ou queiram entrar no território nacional, contrario sensu, portanto, – o nacional, nato ou naturalizado, nunca estará sujeito à tais constrangimentos,19 como veremos adiante.

A condição jurídica do estrangeiro foi também analisada por François Rigaux, como nos ensina Jacob Dolinger. O professor belga classificou em cinco categorias os direitos concedidos aos estrangeiros: “1. o direito de entrada, estada e estabelecimento; 2. os direitos públicos; 3. os direitos privados; 4. os direitos econômicos e sociais; 5. os direitos políticos”.20

No Brasil, os requisitos para os exercício do direito de entrada, estada e estabelecimento estão previstos na Lei 6.815 de 19 de agosto de 1980, o Estatuto do Estrangeiro.

Por outro lado, o Estatuto regula o direito do Estado brasileiro de se proteger de eventuais estrangeiros “indesejados”, seja por não preencherem os tais requisitos exigidos para a sua entrada, estada e estabelecimento, em seu território, seja por mácula ao interesse nacional.

Comenta o professor Florisbal de Souza, que o estrangeiro goza de pleno direito de ingresso em território nacional, desde que observados certos requisitos:

Rotineiramente o ser humano goza de plena liberdade para residir e deslocar-se na expansão territorial de seu Estado. Nesse espaço, ele não encontra qualquer obstáculo à locomoção e à fixação de residência. Quando desejar afastar-se de seu país, contudo, vai necessitar de documento especial – o passaporte – e, quando exigida, autorização nele inserida pelo Estado para o qual se está deslocando – o visto de entrada.21

Depreende-se, portanto, que para o estrangeiro adentrar em território brasileiro deverá portar visto e passaporte.

2.1 O PASSAPORTE, O VISTO E O LAISSEz-PASSER

No art. 54 do Estatuto do Estrangeiro consta que o passaporte e o laissez-passer são os documentos de viagem do estrangeiro. Vale frisar que, mais exigente que a doutrina, a lei, acrescenta novo documento ao rol dos requisitos para que o estrangeiro adentre em território nacional, o laissez-passer.

O laissez-passer está regulamentado pelo Estatuto do Estrangeiro em seu artigo 56, onde consta que será concedido ao estrangeiro portador de documento de viagem emitido por governo não reconhecido pelo governo brasileiro, ou não válido para o Brasil, o que normalmente ocorre quando tal documento de identificação é expedido por países com os quais o Brasil não mantém relação diplomática,22 como, por exemplo, “[...] o Reino do Butão, Ilhas Comores, República Centro Africana e Taiwan (anteriormente território da República Popular da China)”.23

Noutro giro, quanto ao passaporte, Florisbal de Souza esclarece:

O passaporte é um documento oficial de identidade, de validade internacional, fornecido a quem pretende sair do País. Ele é aceito pelos demais Estados, garantindo o acolhimento desse ser humano no estrangeiro.24

Valerio de Oliveira Mazzuoli fala sobre a natureza jurídica do passaporte, e que devido acordo entre alguns países do Mercosul pode ocorrer, nos embarques aéreos, por exemplo, dispensa da sua apresentação:

A natureza jurídica do passaporte é a de documento policial. Frise-se, contudo, que por meio de acordos entre países pode o passaporte ser dispensado para o ingresso de estrangeiros em território nacional, obedecidos certos requisitos, tal como ocorre entre os países do Mercosul, que permitem o embarque aéreo pela apresentação simples do documento de identidade nacional, desde que expedido por instituto de segurança pública.25

O visto, por sua vez, está previsto no Estatuto do Estrangeiro em seu artigo 4º, onde a sua concessão sempre estará atrelada ao objetivo do estrangeiro no país de destino, como por exemplo, o estudo e o turismo.

Florisbal de Souza sintetiza muito bem qual a natureza do visto, ensina que:

[...] o visto não é um direito, e sim uma cortesia. Sua concessão ocorre quando as autoridades consulares do país anfitrião entendem que a conduta do estrangeiro é adequada à sua ordem pública e o autorizam a nele ingressar.26

Nesse mesmo sentido, Valerio de Oliveira Mazzuoli ensina que:

[...] O chamado visto – concedido sempre a critério da autoridade consular do Estado de destino – não se configura em direito do estrangeiro, mas somente na sua expectativa. 27

A depreensão da essencial natureza discricionária da concessão do visto pela autoridade consular está consolidada no ordenamento jurídico brasileiro nos termos do artigo 26 do Estatuto do Estrangeiro, onde consta que existindo inconveniência da permanência do estrangeiro em território nacional, a critério do Ministério da Justiça ou pela subsunção às causas do art. 7º do mesmo Estatuto, poderão a entrada, estada ou registro serem obstadas.

A partir do exposto, entramos na análise das condutas estatais obstativas da entrada, estada ou permanência do estrangeiro em território nacional, tratam-se da Deportação, da Expulsão, e da Extradição.

2.2 A DEPORTAÇÃO, A EXPULSÃO E A EXTRADIÇÃO

A deportação, a expulsão e a extradição são institutos que normalmente estão inseridos nas doutrinas, cursos e manuais de direito internacional privado e público, em tópico, invariavelmente, intitulado de “a condição jurídica do estrangeiro”; são estes institutos especificamente definidos como espécies do gênero, “da exclusão do estrangeiro do território nacional”.

Não diferente ocorre na obra do professor Valério Mazzuoli, que introduz o estudo de tais institutos com síntese muito esclarecedora:

São três institutos que possibilitam a retirada forçada do estrangeiro do território nacional: a deportação, a expulsão e a extradição. As duas primeiras modalidades são sempre de iniciativa das autoridades locais, enquanto que a extradição (que é ato político-judicial) é sempre requerida por outra potência estrangeira ao Estado em que se encontra o extraditando.28

Contudo, para que se estabeleçam os contornos legais e doutrinários da Extradição e do Asilo Político é imperiosa a análise de tais institutos juntamente com os institutos da Deportação e da Expulsão. A nosso ver, somente com as acareações desses institutos se poderá descortinar as suas essências.

2.2.1 A deportação

A deportação é instituto do direito internacional privado previsto no Título VII do Estatuto do Estrangeiro, do art. 57 ao art. 64. Tal instituto está intimamente ligado aos requisitos de permanência do estrangeiro em território nacional, uma vez que, conforme previsto no art. 57 do Estatuto, a irregularidade do estrangeiro é o seu fundamento. Vejamos:

Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em Regulamento, será promovida sua deportação.

Edgar Calos Amorim entende como estada irregular “[...] aquela do alienígena quando o seu visto está com prazo vencido ou penetra no território brasileiro sem autorização do Governo”.29

Quanto ao prazo que se refere a lei, trata o Decreto 86.715 de 10 de Dezembro de 1981, em seu artigo 98 e incisos, delineando duas hipóteses: em oito dias, por infração ao Estatuto do Estrangeiro em suas disposições dos artigos 18, 21, § 2º, 24, 26, § 1º, 37, § 2º, 64, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigos 105 e 125, Il da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980; e, em três dias, no caso de entrada irregular, quando não configurado o dolo do estrangeiro em sua conduta.

Ademais, frise-se que a notificação estará a cargo do Departamento de Polícia Federal, que caso não verifique o cumprimento voluntário do estrangeiro deverá proceder com a deportação.

Carlos Amorim comenta quanto à retirada manu militari 30 e, posteriormente, cita a discricionariedade contida no parágrafo 2ª do art. 98 do Decreto 86.715, onde consta que a critério do Departamento de Polícia Federal, e tendo em vista a conveniência dos interesses nacionais, a deportação poderá dar-se independentemente da fixação de qualquer prazo.

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Florisbal de Souza, por sua vez, frisa outro aspecto, ensina que também “[...] conduz à deportação o exercício de atividade remunerada no Brasil por estrangeiro com visto de trânsito, de turista ou temporário como estudante [...]”31, ou seja, evidencia a transgressão por exercício de atividade diversa da que o visto concedido tem por objetivo ou permite.

Alguns doutrinadores dizem existir, e dentre eles Edgar Carlos Amorim, espécie de Deportação que o Estatuto do Estrangeiro deixa de regular, a chamada “Deportação de Fato”, que é a que “[...] existe na fronteira quando o estrangeiro é surpreendido no território brasileiro, e imediatamente é obrigado a retornar às suas origens”.32

Florisbal Del’Olmo frisa diferenciação importante, a de que a deportação não se confunde com o obste de entrada do estrangeiro em barreiras policiais na fronteira, portos e aeroportos.33 Já Mazzuoli, quanto à deportação de fato, destaca que:

[...] só tem lugar depois que o estrangeiro não chega a efetivamente entrar no território nacional, não passando da barreira policial da fronteira, porto ou aeroporto, caso em que é mandado de volta, normalmente às expensas da empresa que o transportou até o seu destino sem se certificar da regularidade da sua documentação.34

Além disso, outro aspecto presente na Deportação está previsto no art. 61 do Estatuto do Estrangeiro, que é comentado pelo professor Valerio de Oliveira Mazzuoli. Trata o artigo aludido de hipótese de prisão do estrangeiro enquanto não se efetivar a deportação:

Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de sessenta dias. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

Parágrafo único. Sempre que não for possível, dentro do prazo previsto neste artigo, determinar-se a identidade do deportando ou obter-se documento de viagem para promover a sua retirada, a prisão poderá ser prorrogada por igual período, findo o qual será ele posto em liberdade, aplicando-se o disposto no artigo [73].

Segundo o professor Valerio Mazzuoli tal dispositivo do Estatuto, que estabelece a competência do Ministro da Justiça para ordenar prisão do estrangeiro, que será deportado, não teve recepção pela ordem constitucional vigente. Para o professor, ainda, deve a Polícia Federal apresentar requerimento de decretação de prisão visando a deportação de estrangeiro ao Juízo Federal. Não cabendo, portanto, ao Ministro da Justiça tal competência, conforme indica o texto legal.35

Desde a promulgação da Constituição, ensina o professor que, deverá ser com base em seu art. 5º, inc. LXI, a interpretação do dispositivo em tela, segundo o qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem judicial escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Na sequência, o artigo 63 do Estatuto do Estrangeiro traz hipóteses de vedação à deportação nos casos de extradição não admitida pela lei brasileira. O intuito aqui é se evitar que a proteção dada ao extraditando se perca pelo simples fato de se estar em fase procedimental-administrativa.

Definição muito clara e sucinta é dada pelo professor Florisbal de Souza, quanto à situação em que trata o artigo 63, para ele, são situações em que:

[...] a deportação ou expulsão implica riscos para a liberdade ou a vida do estrangeiro, quando a acusação que lhe é imputada no destino não pode ser tipificada fora do ilícito político.36

O professor cita também que em agosto 2007 durante os Jogos Pan-Americanos ocorreu procedimento de deportação o qual nitidamente se tratou de caso de extradição inadmitida. Tal ocorrido teve grande repercussão midiática.

Ocorreu que os atletas Guillermo Rogondeaux, Ortiz e Erislandy Lara Zantaya de Cuba, evadiram-se da Vila Olímpica, no Rio de Janeiro – por essa razão foram considerados traidores pelo então ditador Fidel Castro. A polícia brasileira deteve os atletas e em 48 horas os deportaram por se encontrarem sem os seus respectivos passaportes. O Ministro da Justiça, por sua vez, alegou que os atletas haviam requerido retornar à Cuba e que não haviam solicitado asilo político. 37

O professor Florisbal de Souza, em seguida, comenta o caso:

O ato provocou indignação nos defensores dos direito humanos, tendo a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara do Deputados aprovado, por unanimidade, em 05.09.2007, o envio de Comissão de Deputados a Cuba para entrevistar os atletas. O embaixador cubano no Brasil, alegando tratar-se de assunto interno de se Estado, e já encerrado, informou a negativa de visto aos parlamentares brasileiros.38

Edgar Amorim, sobre o caso de vedação à deportação nos casos de inadmissibilidade de extradição, ensina que a competência para dizer que o caso é de extradição inadmitida é do Supremo Tribunal Federal, o que não obsta a execução da deportação, desde que ocorra para outro Estado que não esteja perseguindo o estrangeiro por crime de natureza política:

A proibição, salvo melhor juízo, é sempre para o país em que se deu o crime de natureza política. Para outro pode, pois não está o Governo obrigado a manter em nosso território estrangeiro cuja convivência tornou-se incompatível com a moralidade pública. O destino do alienígena será em casos comuns para o país de sua nacionalidade, ou da procedência, ou até mesmo para outro que aceite recebê-lo.39

No mesmo sentido, o professor Florisbal ensina:

O Supremo definirá os casos de extradição não admitida, mas o estrangeiro indesejado poderá ser deportado para terceiro país, se o retorno ao país de origem corresponder a risco de pena que não estaria sujeito no Brasil.40

Vale frisar que permite o Estatuto, em seu artigo 64, o reingresso do estrangeiro deportado, após o ressarcimento ao Tesouro Nacional, com correção monetária, das despesas e multas obtidas com a sua deportação. No entanto, como ensinam Florisbal e Mazzuoli – está autorizada, desde que regularizada a sua situação, “[...] uma vez que não é punitiva (mas sim administrativa) [...]”41, a deportação, e somada ao fato de, “[...] se e quando o estrangeiro preencher os requisitos para sua entrada regular no Brasil”[42].

Ademais, o professor Mazzuoli tece importante destaque ao fechar abordagem sobre o instituto da deportação. Frisa que a deportação é sempre feita individualmente, não se admitindo a deportação coletiva:

A deportação é sempre feita individualmente, não se admitindo qualquer tipo de deportação coletiva (de pessoas ou grupo de pessoas). Esta prática, que infelizmente já se viu empregar no cenário internacional (lembre-se dos primeiros anos subsequentes a 1917, à égide da Rússia comunista), deve ser hoje completamente abandonada por ser frontalmente contrária aos princípios e normas do moderno direito das gentes.43

Por fim, reza o art. 62 do Estatuto do Estrangeiro que não sendo inexequível a deportação ou quando não existirem indícios sério de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-se-á à sua expulsão.

2.2.2 A expulsão

A expulsão tem previsão estatutária no art. 65 ao art. 75. No art. 65 está previsto que:

É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.

Conforme o parágrafo único do art. 65, ainda, será passível de expulsão o estrangeiro que praticar fraude, a fim de obter sua entrada ou permanência no Brasil; ou havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação; e finalmente, se entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.

Jacob Dolinger define expulsão como:

[...] processo pelo qual um país expele de seu território estrangeiro residente, em razão de crime ali praticado ou de comportamento nocivo aos interesses nacionais, ficando-lhe vedado o retorno ao país donde foi expulso.44

Edgar Amorim tece maiores comentários, para definir o instituto, esclarecendo que:

Na expulsão, pressupõe-se o estrangeiro com entrada ou permanência regular no País. Porém, será expulso se de qualquer forma atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular; cujo procedimento o torna nocivo à convivência e aos interesses nacionais.45

No entanto, ao nosso ver a definição mais precisa de expulsão é a que o professor Mazzuoli expõe em sua obra:

[...] é a medida repressiva por meio da qual um Estado retira de seu território o estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou a as leis locais, praticando atos contrários à segurança e à tranquilidade do país, ainda que neste tenha ingressado de forma regular.46

Depreende-se da definição, portanto, que havendo o estrangeiro ingressado em território brasileiro, caso passe a representar ameaça ao Estado ou à população, caso macule o seu regular desenvolvimento ou até mesmo a moralidade pública, poderá ser expulso do Brasil.

Jacob Dolinger, como um dos principais representantes da clássica doutrina de direito internacional privado, traz fundamento da expulsão como poder discricionário do Estado, – citando o holandês Hugo Grócio. Evidencia a posição de que “[...] todo Estado possui o direito soberano de expulsar os estrangeiros que desafiam sua ordem política e que se dedicam a atividades sediciosas”.47

Florisbal de Souza, no mesmo sentido, cita a jurisprudência norte americana, e a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem, de 1984.

Segunda a jurisprudência citada seria “[...] um direito inerente e inalienável de qualquer Estado soberano e independente a expulsão de estrangeiro, quando essencial para sua segurança, independência e paz”.48 Complementa Dolinger que mesmo tendo, já em 1952, a Suprema Corte Norte Americana assegurado proteção à propriedade do estrangeiro, o seu direito de permanência remanescia como mera tolerância:

[...] a Suprema Corte americana declarou que o estrangeiro desfruta de ampla oportunidade econômica, pode invocar a proteção do habeas corpus, recorrer à proteção dos princípios firmados no “Bill of Rights”, e sua propriedade não pode ser retirada sem justa indenização. Mas permanecer no país “não é um direito mas uma questão de permissão e tolerância e o governo tem o poder de fazer cessar a sua hospitalidade, pois a faculdade de deportar estrangeiro é inerente à soberania do país. Enquanto permanece no país, a Constituição o protege, mas se permanece ou não, é decisão do governo”.49

Na Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem, em seu artigo 1º, item 2, está disposto que o estrangeiro pode ser expulso sem direito de defesa, se a expulsão for necessária no interesse da ordem pública ou da segurança nacional.

No entanto, continua Dolinger, elencando que recomendam “os autores que estudam direito o instituto da expulsão que o Estado não abuse desse direito, devendo nortear-se pelo princípio da humanidade”.50

Exemplo disso é o entendimento de Mazzuoli sobre a alínea “c” do parágrafo único do art. 65 do Estatuto do Estrangeiro. Inclui a alínea “c” hipóteses de autorização de expulsão, por parte do Estado, ao estrangeiro que entregar-se à vadiagem ou à mendicância.

Salienta Mazzuoli quanto à abolição da mendicância da modalidade de contravenção penal, desde 17 de julho de 2009, pela Lei 11.983/2009, e quanto à permanência de previsão no que concerne à vadiagem, no rol das contravenções penais.

Dito isso, Mazzuoli entende que com a revogação da contravenção de mendicância nenhuma consequência acarreta (teoricamente) para o instituto da expulsão, porém, a aplicação da norma não pode ser objetiva, veja-se:

Mesmo assim, o que se deve entender é que a previsão de expulsão do mendigo (assim como a do vadio) é reflexo de uma época (e de um política de Estado) marcada pela predominância das ‘classes superiores’ sobre as ‘inferiores’, em franca oposição aos valores constitucionais fundamentais, como o da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, inc. II) etc.51

Outro pensamento majoritário da doutrina sobre o instituto da expulsão é no sentido de que não se trata de pena cominada ao estrangeiro, a expulsão, no sentido criminal, e sim “[...] medida político-administrativa (que não deixa, por isso, de ser repressiva) inerente ao poder de polícia do Estado, sem qualquer intervenção do Poder Judiciário no que tange ao mérito da decisão [...]”;52 trata-se de medida administrativa discricionária, como comenta Mazzuoli.

Cabível dizer ainda, conforme art. 66 do Estatuto do Estrangeiro, trata-se de ato discricionário de competência do Presidente da República, veja-se:

Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação.

Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por decreto.

Quanto ao ato discricionário, interessante a análise do Habeas Corpus 58.409 impetrado junto à Suprema Corte pelo Padre Vito Miracapillo, em 30 outubro de 1980, contra ato de expulsão baixado pelo Presidente da República, onde houve esclarecedora discussão do que seria ato discricionário e ato arbitrário.

Vejamos:

Compete ao Presidente da República deliberar sobre a conveniência e oportunidade dessa medida de elevado alcance político, cingindo-se o controle do Poder Judiciário ao que se relaciona com a legalidade ou constitucionalidade do ato discricionário. Distinção entre poder discricionário e poder arbitrário. Na espécie cuida-se, realmente, de ato discricionário, praticado nos limites da Lei 6.815/80 (artigos 64, 65 e 100) (sic), imune a apreciação pelo Poder Judiciário no que toca ao juízo de valor quanto à justiça. É oportuno frisar que a expulsão em causa não se fundou no simples fato da recusa da celebração de missa pelo Sacerdote, mas na conotação política de ofício circular e de boletim de sua autoria, divulgado na data da independência do Brasil.53

O procedimento da expulsão, é denominado como inquérito pelo regulamento, está disposto pelo Decreto 86.715 de 10 de dezembro de 1981, do art. 100 ao art. 109.

Muito embora o estudo dos procedimentos da Deportação, Expulsão e Extradição não constituam o escopo principal do presente trabalho, dois pontos merecem nossa atenção, pois demonstram faceta importante do instituto da expulsão.

O decreto 86.715 de 1981 traça o procedimento da expulsão, consta em seu texto, por diversas vezes a referência ao termo “inquérito” ou “inquérito sumário” (art. 104 do decreto), ao que na verdade, tecnicamente falando, trata-se de processo administrativo, e, Edgar Amorim, argumenta nesse sentido, uma vez ser notória a manifestação do direito de defesa exigido ao caso, pelo próprio decreto (§4º do art. 103), o que não ocorre nos inquéritos propriamente ditos, que não passam de peças informativas.54

Quanto à decisão desse processo administrativo, o professor Edgar Amorim segue o entendimento majoritário de que o interessado está amparado pelo ordenamento jurídico brasileiro que lhe concede o direito de impetrar habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, conforme se pode observar:

Da decisão ‘sic’ só caberá pedido de reconsideração. Entretanto, se no curso do inquérito for preterida alguma formalidade ou a expulsão contrariar as regras do art. 75 e seus incisos da Lei nº 6.815/80, isto é, do mesmo Estatuto, poderá o interessado impetrar habeas corpus ao Supremos Tribunal Federal se a coação for do Ministro ou do Presidente da República. Nos demais casos à Justiça Federal.55

Como se pôde observar, o professor Edgar Amorim se refere à Justiça Federal acima, onde caberá habeas corpus em virtude de eventual coação proveniente da decisão proferida. Sabe-se que decreto silencia quanto à qualquer competência da Justiça Federal ao caso de expulsão, porém, o professor Mazzuoli esclarece tal misteriosa menção.

Ocorre que conforme já mencionamos anteriormente (pg. 20) quanto aos casos de deportação, onde a competência para se decretar prisão é da Justiça Federal e não do Ministro da Justiça, aqui, com a promulgação da Constituição de 1988, e com base em seu art. 5º, inc. LXI, o entendimento é o mesmo. Vejamos:

Caberá, então à Policia Federal representar à Justiça Federal requerendo a prisão do expulsando, se for necessária a medida, a qual não poderá ultrapassar 90 dias (ou sua prorrogação) sem que o inquérito tenha terminado ou sem que a medida tenha sido efetivada, deve o expulsando ser posto em liberdade.

Assim como na Deportação, os nacionais não podem ser expulsos de seu Estado, sendo tal banimento de reconhecida da inaplicabilidade.

Sobre tal vedação, comenta Mazzuoli:

O banimento, que é pena excepcional, consistente no envio compulsório de brasileiro para o exterior, foi felizmente abolido do nosso sistema pelo art. 5º, inc. XLVII, alínea d, da Constituição de 1988. Também não há no Brasil o desterro, que consiste no confinamento do nacional dentro do próprio território do Estado, o que não significa prisão, mas sim que se tem a cidade ponde se está por ménage (ou seja, por morada obrigatória).56

Florisbal de Souza, porém, alerta que nos caso de anulação da naturalização o brasileiro naturalizado volta à condição de estrangeiro e com isso poderá ser expulso.57

Salvo esta hipótese, portanto, brasileiros naturalizados têm assegurado o seu direito de permanecer em território brasileiro, assim como a garantia plena dos brasileiros natos.

2.2.3 A extradição

Abordados os institutos da Deportação e da Extradição, passaremos à análise da Extradição.

Como já dito, quando nos prolegômenos, ao citar Mazzuoli:

As duas primeiras modalidades são sempre de iniciativa das autoridades locais, enquanto que a extradição (que é ato político-judicial) é sempre requerida por outra potência estrangeira ao Estado em que se encontra o extraditando.58

O citado ato político-judicial, para Inês do Amaral Büschel, Promotora de Justiça já aposentada, assim se denomina, “pois não é um assunto apenas jurídico-judicial, mas também de política internacional. Haverá o necessário envolvimento de mais de um dos poderes da República”, 59 nos casos de extradição.

O instituto da extradição, como muito bem ensina, Florisbal de Souza, “visa repelir o crime, sendo aceito pela maioria dos Estado, como manifestação da solidariedade e da paz social entre os povos”.60

A Extradição está prevista no Estatuto dos Estrangeiros contida no Título IX, e vai do art. 76 ao art. 110.

Vê-se, facilmente, ao se comparar com a quantidade artigos referentes à Deportação e à Expulsão contidos no estatuto, tratar-se a Extradição de instituto em que o legislador dedicou mais redação, o que faz jus à sua maior complexidade.

No artigo 78 do Estatuto estão previstas as condições para concessão da extradição, quais sejam: ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo o disposto no artigo 82.61

A clássica doutrina de Jacob Dolinger já dizia que a extradição “[...] é processo pela qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante, via de regra, nacional do país solicitado”.62

No entanto, Edgar Amorim, Florisbal de Souza e Valerio Mazzuoli trazem conceitos mais completos.

Para Edgar Amorim a extradição:

É o instituto cujo procedimento se inicia com o pedido de entrega do indiciado ou criminoso, formulado pelo Estado onde se deu o delito, ao Estado no qual se refugiou, para ser processado ou para cumprir a pena que lhe foi imposta.63

Entende Florisbal de Souza ser a extradição:

[...] processo pelo qual um Estado entrega, mediante solicitação do Estado interessado, pessoa condenada ou indiciada nesse país requerente, cuja legislação é competente para julgá-la pelo crime que lhe é imputado. Destina-se a julgar autores de ilícitos penais, não sendo, em tese, admitida para processos de natureza puramente administrativa, civil ou fiscal.64

Mazzuoli, por sua vez, nos ensina que a extradição:

[...] é ato pelo qual um Estado entrega à justiça repressiva de outro, a pedido deste, indivíduo neste último processado ou condenado criminalmente e lá refugiado, para que aí seja julgado ou cumprir pena que já lhe foi imposta.65

Depreende-se desses conceitos, portanto, a similaridade entre eles, variando de doutrina para doutrina o fato de os doutrinadores trazerem as características da extradição para dentro do conceito, ou não. Porém, ainda que não se possa dizer que o conceito seja fechado, não há maiores problemas para se saber o que seja a extradição.

Florisbal de Souza Del’Olmo apud José Frederico Marques, considera a extradição “[...] o mais eficaz dos institutos de cooperação internacional na luta contra o crime, destaca que, sem ela, tanto o jus puniendi como o jus persequendi do Estado competente para julgar delinquente ficariam anulados”.66

Ao classificar a extradição, Mazzuoli alerta que não se pode confundir a extradição ativa com a passiva:

[...] a extradição ativa (quando o nosso governo requer a outro país a extradição de criminoso foragido da justiça brasileira) [...] a extradição passiva (que tem lugar quando um país estrangeiro solicita à justiça brasileira a extradição de um indivíduo lá foragido que se encontra em nosso território). Esta última deve ser sempre requerida (com o consequente pedido de entrega) por outro Estado estrangeiro, não havendo extradição espontânea ou ex officio.67

O autor também esclarece que temos a extradição instrutória, que objetiva o julgamento do extraditado, durante o curso do processo, no seu país de origem, e a extradição executória, com o escopo de que o extraditando cumpra a pena, imposta pelo transito em julgado do processo, também no país de origem.68

Seguindo o entendimento de Florisbal de Souza, entendemos que as outras classificações, largamente elencadas pela doutrina, não possuem maiores relevâncias, quais sejam:

[...] espontânea e requerida; imposta e voluntária; administrativa e judicial; extradição em trânsito (passagem do extraditado pelo território de outro país); reextradição (entrega do criminoso, extraditado, a terceiro país, mediante autorização do Estado do qual ele proveio) e extradição de fato (entrega sem formalidade de pessoa indiciada). Essa última seria uma forma de deportação.69

Importante observar também que a extradição não se confunde com o instituto da entrega, prevista no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

Nos termos do art. 102 deste Estatuto, alínea a, entende-se por "entrega", a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal Penal Internacional.

A alínea b, do art. 102, coloca em paralelo a extradição e o conceito de entrega, sendo entendida a extradição como a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno.

Nesse sentido, comenta Mazzuoli, que:

A materialização da extradição decorre do previsto em um tratado ou convenção internacional (geralmente bilateral) ou no Direito Interno de determinado Estado, encontrando justificativa num princípio de justiça, segundo o qual a ninguém é licito subtrair-se às consequências das infrações penais que comete.70

Edgar Amorim, por sua vez, critica tal entendimento, por ser adepto de que seja lamentável o dever da existência de um tratado para obrigar o Estado a proceder com extradição. Ainda que haja a ausência de obrigação jurídica do Estado, entende que, o mesmo estará autorizado a extraditar, mesmo com ausência de tratado internacional, pois agindo dessa forma estará exercitando uma atividade justa visando à repressão à criminalidade. Vejamos:

É lamentável que esse dever exista sempre em função de um Tratado. Na ausência de um Tratado, não está o Estado obrigado a extraditar o criminoso, a não ser quando houver reciprocidade. Pode, assim, haver um dever moral, [...]. Mas nunca haverá um dever jurídico. Apesar disto, mesmo inexistindo Tratado, o Estado poderá extraditar o criminoso. Assim agindo, está exercitando uma atividade justa visado à repressão, à criminalidade.71

Noutro giro, estabelece o art. 76 do Estatuto do Estrangeiro, que a extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, no entanto, quando não houver, poderá ocorrer quando o Estado requerente prometer ao Brasil a reciprocidade.

A promessa de reciprocidade é a ação em que um Estado, requerente da extradição, compromete-se a proceder de forma semelhante caso o Estado requerido torne-se requerente, no futuro.72

Nesse sentido tece excelente comentário Mazzuoli, sobre tratado e reciprocidade. Para o autor, sem tratado internacional, entre o Estado requente e o requerido, não há obrigatoriedade em extraditar, passando a concessão estar subordinada às disposições do Direito interno estatal, porém, o Estado requerente deverá ser se comprometer, por promessa ou declaração de reciprocidade.73

Ensina ainda que a reciprocidade, diferente do que ocorre com o tratado, não retira a discricionariedade da recusa sumária do pedido extradicional, enquanto que, se estiver fundado o pedido extradicional em tratado, o Estado deverá agir, submetendo o pedido à análise do Supremo Tribunal Federal, obrigatoriamente. 74 Senão vejamos:

[...] se o pedido estiver fundamentado em tratado, isso significa que o governo não pode deixar de atender à norma convencional devendo enviar para o Supremo Tribunal Federal a solicitação de extradição. Este último órgão, contudo, não está obrigado a deferir o pedido extradicional, caso não entenda presentes os requisitos de legalidade para a sua concessão.75

Os requisitos de legalidade que menciona Mazzuoli são os elencados no art. 91, incisos I a V,76 do Estatuto do Estrangeiro, a redação impõe ao Estado requerente o compromisso de respeitarem tais regras, sob pena de não efetivação da entrega o estrangeiro.

No entanto, hodiernamente, os casos de extradição por reciprocidade são analisados com mais cautela pelo nosso órgão de Cúpula, o que induz a pensar na necessidade de ampliação dos tratados hoje firmados pelo Brasil.77

Quanto aos requisitos de legalidade elencados no art. 91, contidos nos Estatuto do Estrangeiro, vale destacar a previsão do inciso I, que tem fundamento no Princípio da Especialidade, como muito bem explica o Professor Alexandre de Moraes: “o extraditando somente poderá ser processado e julgado pelo país estrangeiro pelo delito objeto do pedido de extradição”.78 Segundo o professor, ainda, fundado em julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal,79 diferentemente do que consta no caput do artigo 91, “o princípio da especialidade, não é obstáculo ao deferimento do pedido de extradição”80, uma vez que, a interpretação dada ao inciso I do art. 91, da referida lei, é a de que se veda ao Estado requerente a instauração de ação penal ou execução de pena, sem o controle de legalidade do órgão de cúpula brasileiro.81

Outro princípio que rege a Extradição no Brasil é o Princípio da Dupla Incriminação, conhecido também por Princípio da Identidade ou Incriminação Recíproca. Segundo este princípio o crime que está sendo imputado ao extraditando pelo Estado requerente, deve também existir no ordenamento jurídico brasileiro.82

Oportuno citar, ademais, o art. 77 do Estatuto, que determina os casos de inadmissão de extradição, casos em que o estado brasileiro afasta a sua obrigação com a norma convencional:

Art. 77. Não se concederá a extradição quando:

I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;

II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;

IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;

V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;

VII - o fato constituir crime político; e

VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção. (Negrito nosso).

Quanto ao inciso I, vale frisar a recepção constitucional constante no art. 5, LI, onde a vedação de extradição de nacionais está nos seguintes termos:

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Muito embora, o estado brasileiro proteja os nacionais de forma a não extraditá-los, tal princípio se funda “[...] no fato de a justiça estrangeira poder ser injusta com o nacional do outro Estado, processando-o e julgando-o sem qualquer imparcialidade [...]”83, como muito bem comenta, o professor Mazzuoli:

[...] o princípio da não extradição de nacionais não pode servir para deixar impunes pessoas criminosas, devendo os seus Estados de origem comprometer-se a julgá-los em seus territórios nestes casos.84

Tal regra está presente no ordenamento jurídico brasileiro por vigor da Convenção de Direito Internacional Privado de 1928, o chamado de Código de Bustamante, que estabelece em seu art. 345 que os Estados contratantes não estão obrigados a entregar os seus nacionais, e a nação que se negue a entregar um de seus cidadãos fica obrigada a julgá-lo.

O inciso VII do art. 77, também foi recepcionado por disposição constitucional do art. 5º, onde consta no inciso LII a regra de que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião. “Essa absorção do crime comum pelo crime político, obstativa da concessão de extradição, é denominada de cláusula suíça”.85

Ocorre que o Estatuto do Estrangeiro, quanto ao inciso VII, já trazia exceção prevista no parágrafo primeiro, do art. 77, onde consta que:

[...] não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal”. (Negrito nosso).

O professor Mazzuoli, porém, entende não ter havido recepção do aludido inciso VII, do art. 77, pela constituição, ocasião em que verificou o conflito vertical entre tais normas e comenta sobre a exceção trazida pelo texto constitucional:

Para nós, esta exceção não pode ser admitida, por não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988. Ora, o que o texto constitucional brasileiro protege é o crime político enquanto tal e não a lei penal comum estrangeira, que sobre ele não prevalece. É dizer, o delito de caráter político tem primazia sobre os crimes comuns, e não o contrário. Assim, havendo conexão entre um delito político e um crime comum, o problema se resolve em favor do primeiro, sob pena de violação do- comando constitucional que impede a extradição por motivo de crime político.86

Entende o autor, que “Os incisos LI e LII do art. 5° da Constituição, por pertencerem ao rol dos direitos fundamentais, estão cobertos pela cláusula do art. 60, § 4°, inc. IV, da mesma Carta”87, ou seja, tratam-se de cláusulas pétreas.

Cabe salientar, que será estudado por nós, os critérios utilizados pelos STF para a caracterização do Crime Político, dentre eles, é largamente utilizado pelo nosso órgão de Cúpula o critério da preponderância, que avalia, em suma, se no conjunto dos crimes praticados prepondera o seu caráter político ou o seu caráter comum.88

Continuando, Florisbal de Souza, sintetiza em sua obra a abordagem sobre a extradição, o autor aborda pontos interessantes, os quais foram abordados por nós quanto aos institutos da Deportação e Expulsão:

A extradição será requerida pela via diplomática ou de Governo a Governo. [...] O Ministério das Relações Exteriores remeterá a petição ao Ministro da Justiça, que a encaminhará ao Supremo Tribunal Federal. Caberá ao relator do processo no STF expedir a ordem de prisão do extraditando. Caso esse estrangeiro já se encontre preso, o pedido será encaminhado diretamente ao Supremo Tribunal Federal.89

Mazzuoli, quanto à decisão dada em extradição, explica ponto interessante sobre a palavra final do Presidente da República e a efetiva concessão da extradição:

Ao final, uma vez deferido o pedido - e isto já significa, aos olhos do país requerente, um ato de aceitação de sua garantia de reciprocidade - o governo local toma ciência da decisão e procede (se assim entender por bem) à entrega do extraditando ao país que a requereu. Ocorre que, sendo o Presidente da República, e não o STF, o competente para "manter relações com Estados estrangeiros" (CF, art. 84, inc. VIl), será sua - e não do Poder Judiciário - a palavra final sobre a efetiva concessão da medida.90

Noutro giro, estabelecidos os contornos conceituais da Deportação, Expulsão e Extradição, instrumentos institucionais que visam a retirada do estrangeiro do território nacional, mormente, quanto ao pedido Extradição, meio processual, onde a não caracterização do delito como Crime Político é ponto central para que seja dado o deferimento, urge estabelecermos análise quanto aos institutos do Asilo Político e do Refúgio.

2.3 O ASILO POLÍTICO E O REFÚGIO

Diferente do que ocorre com a Extradição, onde se confronta os institutos da Deportação e da Expulsão para a sua melhor compreensão, o Asilo Político, por sua vez, é instituto que não se confunde com o Refúgio, tecnicamente. Muito embora, seja recorrente a utilização de tais conceitos como sinônimos, é mister, para o estudo ora proposto, estabelecer as devidas noções que os diferenciam.

O asilo é relação entre o indivíduo perseguido por algum Estado com um outro que o acolhe. 91

Regula o instituto do Asilo Político no Brasil, o Estatuto do Estrangeiro, disciplinando a condição do asilado político no território brasileiro, em seus artigos 28 e 29, ao comporem o Título III do Capítulo I da lei.

O Decreto 55.929, de 19 de abril de 1965, que promulgou a Convenção sobre Asilo Territorial assinada em Caracas, em 28 de março de 1954, por ocasião da 10ª Conferência Interamericana, cuida da concessão do Asilo Político propriamente dita.

A previsão constitucional do Asilo Político está disposta no artigo 4º, onde há determinação de que, no Brasil, as relações internacionais serão regidas pelos princípios, dentre outros, o da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II) e da concessão de asilo político (art. 4º, inciso X).

A doutrina traz várias espécies de asilo político, as concedidas em legações, navios, aeronaves e acampamentos militares. Porém, no mesmo sentido que o professor Mazzuoli colocaremos estas classificações em segundo plano, como menos importantes. 92

A maior atenção é dada pela doutrina quanto a classificação bipartida de Asilo Político, onde as espécies são divididas entre asilo territorial ou político e asilo diplomático ou extraterritorial, sendo esta uma forma provisória daquela.93

Mazzuoli define asilo territorial como:

[...] o recebimento de estrangeiro em território nacional, sem os requisitos de ingresso, para evitar punição ou perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica geralmente (mas não necessariamente) cometido em seu país de origem. Ou seja, trata-se do recebimento de estrangeiro, em território nacional, para o fim de preservar a sua liberdade ou a sua vida, colocadas em grave risco no seu país de origem dado o deslocamento de convulsões sociais ou políticas. (Negrito nosso).94

Por outro lado, o asilo diplomático é modalidade de asilo territorial, dotada da característica da provisoriedade e precariedade.95 Nesta modalidade a concessão do asilo é fora do território do Estado concedente, pois dá-se dentro do território do Estado que persegue o indivíduo, como muito bem ensina, Mazzuoli:

A concessão se dá em locais situados dentro do Estado em que o indivíduo é perseguido, mas que estão imunes à jurisdição desse Estado, como embaixadas, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares.96

Depreende-se, portanto, que o Asilo tratado como “gênero”, das espécies territorial e diplomático, tem a finalidade de proteger o perseguido político, seja definitivamente, seja de modo cautelar. O que ocorrerá, na prática, é a análise se o delito imputado ao perseguido tem característica política/ideológica ou não, para a sua concessão.

Reafirmando, Mazzuoli ensina que nos casos em que o estrangeiro cruzou a fronteira do Estado, e tendo ingressado em seu território requereu e lhe foi concedido o benefício do asilo político, teremos a primordial espécie de asilo, a forma perfeita e acabada, o Asilo Político Territorial.

Já quanto ao Asilo Diplomático, como ensina Luiz Paulo Teles F. Barreto, trata-se de instituto característico da América Latina, casos esporádicos, nos séculos XIX e XX, ocorreram na Europa, enquanto que na América Latina, o asilo diplomático sempre foi amplamente praticado, o que se deve, segundo o autor, a maior instabilidade da região. Em outros lugares do mundo, a expressão que se utiliza é “refúgio”.97

Comenta Luiz Barreto que a concessão do asilo diplomático, não implicará, necessariamente, em asilo territorial.98 Comenta que ainda que com o ingresso em território nacional se possa presumir a concessão do asilo pelo governo, pode o Estado não estar disposto a conceder ao estrangeiro tal benesse, situação em que poderá ser encaminhado a outro Estado que consinta em recebê-lo.99 Trata-se do caráter cautelar do asilo diplomático, o que não macula a qualidade da sua proteção ao perseguido político.

O refúgio, por sua vez, é a consequência da ruptura estrutural de um país ou região, gerando potenciais vítimas de perseguições, tendo seus direitos e, sobretudo, suas vidas ameaçadas.100

Enquanto o asilo tem fundamento em tratados multilaterais bastante específicos, o refúgio, por sua vez, tem suas normas com alcance global vinculadas às Nações Unidas, ou mais especificamente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).101

Ademais, diferente do asilo político, onde o Estatuto do Estrangeiro lhe reserva apenas dois artigos e um decreto regulamenta a sua concessão, o refúgio tem norma específica, a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.

O Decreto nº 50.215 de 1961, quanto à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e o Decreto nº 70.946 de 1972, quanto ao Protocolo de 1966, inserem em nosso ordenamento jurídico as consideradas normas magnas dos refugiados. O Protocolo de 1966, trouxe alteração ao conceito de refugiado antes disposto pela referida convenção, 102 trata-se do conceito hodierno de refugiado. E como explica Mazzuoli, é qualquer pessoa:

[q]ue, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar para ele.103

Vale frisar que além do protocolo de 1966 que deu maior amplitude ao conceito de refugiado, em 1984, novamente com tal intuito, foi assinada a Declaração de Cartagena. O Brasil, em 1989, pelo decreto nº 98.602, adere esta declaração.104

Preceitua a Declaração de Cartagena que além das hipóteses já dispostas para identificação de refugiados, considera-se também como refugiados:

[...] as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.

Depreende-se, facilmente, que Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, também conhecida como Convenção de Genebra de 1951, trata-se de típica norma superveniente à proscrição da guerra,105 e no que concerne ao nosso estudo, ponto que merece destaque é o da positivação de princípio internacional conhecido como o non-refoulement (não devolução), em seu artigo 33, vejamos:

Art. 33. Proibição de expulsão ou de rechaço

1. Nenhum dos Estados Membros expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada m virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas.

2. O benefício da presente disposição não poderá, todavia, ser invocado por um refugiado que, por motivos sérios, seja considerado um perigo para a segurança do país no qual ele se encontre ou que, tendo sido condenado definitivamente por crime ou delito particularmente grave, constitui ameaça para a comunidade do referido país.

Quanto ao princípio em tela, comenta Mazzuoli que tal princípio “[...] impede a devolução injustificada do refugiado para país onde já sofreu ou possa vir a sofrer qualquer tipo de perseguição capaz de ameaçar ou violar os seus direitos [...]”,106 acrescenta, além disso que o “[...] mesmo princípio do non-refoulement encontra-se também em instrumentos regionais, a exemplo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 22, § 8°)”.107

Noutro giro, quanto ao processo de concessão de Refúgio, insta frisar que a deliberação dos pedidos de refúgio são de competência do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados). Tal órgão foi criado pela a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, responsável por analisar e reconhecer em primeira instância a solicitação de refúgio, conforme preceitua o art. 12, I da referida lei. Além disso, compete ao CONARE, além de reconhecer a condição de refugiado, deliberar quanto à cessação ex ofício ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; determinar quanto a perda da condição de refugiado; orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; e, por fim, aprovar instruções normativas que possibilitem a execução da Lei nº 9.474/[97].

Questões que merecem ser frisadas, pois espocam nas discussões referentes ao nosso estudo, são as determinações contidas nos artigos 33 e 34 da Lei nº 9.474/97, onde constam que o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio e que basta a solicitação de refúgio para que se suspenda, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

Ademais, ainda quanto ao procedimento, conforme artigo 29 da Lei nº 9.474/97, em caso de decisão negativa, caberá recurso ao Ministro da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação. Já o artigo 30, determina que a decisão do Ministro da Justiça não será passível de recurso, devendo ser notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas.

Urge concluir, frisando Mazzuoli, que traz diferenciação entre o asilo político e o refúgio. Para o autor se funda no fato de o asilo possuir caráter nitidamente individual e ocorrer nas situações de crime de natureza política ou ideológica, ponto central do nosso estudo, enquanto que o refúgio, têm caráter coletivo, e se invoca quando houver perseguições baseadas em motivo de raça, grupo social, religião e situações econômicas.108

Contudo, como verificamos, o Asilo Político, tem sua existência voltada à proteção do perseguido ideológico ou político, haja vista seu fundamento tanto em normas principiológicas e convencionadas pelo direito internacional, quanto em normas constitucionais (sob mote de jus cogens).

Além disso, depreendeu-se, que tais fundamentos, também figuram como atenuantes do dever moral do Estado em reprimir a criminalidade internacional. Isso ocorre quando tais normas tem papel de destaque nas deliberações de processos de Extradição, onde a sua aplicação pelo julgador determina que seja observada a característica dos delitos imputados aos extraditandos, como políticos ou não.

Diante disso, com a obrigação do ordenamento jurídico brasileiro zelar pela não rechaça do estrangeiro, surge a necessidade de se estreitar balizas sobre o conceito de Crime Político, diferenciando-o do Crime Comum.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LARA, Egilson Diego Beluzzo. A evolução do conceito de crime político para a jurisprudência do STF e suas implicações para o indeferimento da extradição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5620, 20 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65229. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Prof. Orientador Esp. Julian de Freitas Salvan

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