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A evolução do conceito de crime político para a jurisprudência do STF e suas implicações para o indeferimento da extradição

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Agenda 20/11/2018 às 15:30

3 CRIME POLÍTICO E TERRORISMO

“Até recentemente, subsistia no Brasil entendimento praticamente unânime de que o terrorismo é o crime político por excelência, sendo impossível a dissociação entre ambos os conceitos”,109 tal corrente de pensamento era defendida, no Brasil, pelo ilustre jurista Heleno Cláudio Fragoso.

Como estudaremos adiante, trata-se, a doutrina de Fragoso, além da primeira teoria que visa conceituar delito político trazida no presente estudo, sem dúvida, de trabalho de maior expressão realizado na época, sobre a criminalidade política no país. Cabível o seu destaque, nestes prolegômenos, pois a linha de pensamento adotada pelo autor reforça a noção da dificuldade em se diferenciar o delito político do delito comum, inclusive no âmbito internacional.

3.1 O DESAFIO INTERNACIONAL DA DIFERENCIAÇÃO CONCEITUAL ENTRE CRIME POLÍTICO E TERRORISMO

Gustavo Pamplona apud Sarah Pellet, ao realizar análise da evolução do termo “terrorismo”, destaca a confusão no tempo entre o Crime Político e o fenômeno do terrorismo, haja vista terem sido empregados de modo subjetivo, de acordo com a posição política em que se apresentavam, ora como sinônimos, ora como espécies de gêneros distintos.110

Leonardo N. C. Brant, também realiza análise da evolução do termo “terrorismo”, tomando por base, dentre outros autores, Gilbert Guillarme. Comenta, o autor, que durante a Revolução Francesa, tendo em vista a violenta forma de governo exercida pelo abuso, em nome do Estado, por volta de 1793, na França, o termo terrorismo passa a adquirir significado diferente do original,111 ou seja, Estado como fonte do terror.

A origem do termo “terrorismo”, vem do latim terrere (tremer) e deterrere (amedontrar),112 e estaria relacionado ao termo “terror”, significado atrelado à ameaça que não se prevê e nem se sabe a origem. Este significado do termo, como se destacou, foi se transformando com o passar do tempo.113

Complementa ainda, Leonard Brant, que por volta do anos de 1890, ocorreram atentados praticados pelos Niilistas ou Anarquistas, o que conferiu ao termo qualidade de ato praticado, desta vez, contra o Estado.114

Gilbert Guillaume, em sua proposta Terrorismo Internacional: A Guerra Preventiva e a Desconstrução Do Direito Internacional, frisa que os dois significados permaneceram comuns em toda a primeira metade do século XX, citando a apologia de Leon Trotsky, feita em 1920, onde consta justificativa do terrorismo de Estado, quando utilizado em nome da ditadura do proletariado.115 Luiz Vicente Cernichiaro, demonstra isso quando cita trecho da aludida obra de Trotsky:

A revolução exige que a classe revolucionária faça uso de todos os meios possíveis para alcançar os seus fins: a insurreição armada se for preciso; o terrorismo se for necessário.116

Noutro giro, Luiz Regis Prado e Erika Mendes Carvalho comentam que a comunidade internacional, mais precisamente a Liga das Nações, somente em 1937 deram início na mobilização para regulamentar juridicamente o Terrorismo. Isso ocorreu na oportunidade em que se discutiu projeto de Convenção para a Prevenção e Punição do terrorismo e o Convênio para Criação de um Tribunal Penal Internacional, os quais salientam, os autores, nunca entraram em vigor.117

Cientes da dificuldade também observada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e pelo Conselho de Segurança, de se superar o impasse acerca da construção de um conceito universalmente aceito e preciso de terrorismo, somada a ideia de se buscar noção que respeitasse o princípio da não-extradição de criminosos políticos, os autores das convenções optaram por se utilizar de técnica. Tal técnica se referia a determinadas infrações sem mencionar o termo terrorismo.118

Foram realizados diversos convênios e acordos regionais, os quais se empregou a técnica de repressão se focando nos atos de violência ou sequestro de aeronaves, violência contra aeroportos, navios, etc., também contra ataques à diplomatas ou tomada de reféns.119

Contudo, a técnica de combate ao terrorismo sem mencioná-lo, digamos assim, “por tabela”, teve seu fim; conforme relata Gilbert, o termo “terrorismo” foi sendo utilizado por acaso, tendo já, em 1977, o Conselho da Europa, elaborado Convenção de Repressão do Terrorismo. Na década 90, porém, a Organização das Nações Unidas, foi quem teve o papel mais ativo, haja vista a elaboração de diversas convenções contendo o termo. Ressalta ainda, o autor, o que chama de paradoxo, pois mesmo que se tenha passado a reprimir o terrorismo de forma expressa, não se pôde efetivamente identificar o seu significado.120

Depreende-se, portanto, que cientes da dificuldade de se definir o que seja terrorismo foi evitado pela comunidade internacional a inclusão do termo nas convenções internacionais.

No entanto, o surgimento do termo terrorismo foi inevitável, sobretudo com a consolidação dos Estados modernos e o surgimento dos movimentos nacionalistas.121

Posteriormente, como nos ensina, Sarah Pellet, em A Ambiguidade da Noção de Terrorismo, alguns Estados tipificaram os atos terroristas, como singularidade conferida a alguns delitos comuns. A autora, em sua obra, tece análise do tratamento do terrorismo pela legislação interna de alguns dos principais países europeus, como Portugal, Espanha, Inglaterra e França, e conclui que tais países confeririam característica política ao ato delitivo de acordo com a sua motivação.122

Luiz Vergueiro, ao analisar os dispositivos legais tipificadores do terrorismo do México, Argentina, Portugal e Estados-Unidos, reitera os ensinamentos da autora, ao asseverar que:

[...] a questão parece ser a tendência dos ordenamentos jurídicos estabelecer como conduta típica de terrorismo um leque de atos já incriminados por outros preceitos penais, mas qualificados por um especial fim de agir, que os distingue daqueles, permitindo inclusive a exasperação de sanções.123

Ademais, cita o autor duas técnicas legislativas utilizada por tais Estados, no tratamento da problemática do terrorismo: uma técnica genérica, que permitiria a integração da norma e outra restritiva, que mencionaria exaustivamente condutas caracterizadoras do terrorismo.124

Contudo, urge frisar ser pacífico o entendimento de que tais abordagens, assim como no Brasil, pecavam pelo excesso de abstração.

No Brasil, por sua vez, foi promulgada em 14 de dezembro de 1983 a Lei de Segurança Nacional, a qual, com o intento de regulamentar o fenômeno terrorista, tipificou em art. 20, o crime de terrorismo. Entretanto, conforme remansosa doutrina, é gritante a inadequação do artigo para tal finalidade.

Diante disso, sem dúvida, a exclamação melhor articulada sobre a Lei de Segurança Nacional, ou a com maior expressão, foi proferida logo após a sua promulgação, por Heleno Cláudio Fragoso, onde comenta a dificuldade técnica da lei ao tentar incluir o terrorismo como crime no ordenamento jurídico brasileiro.

O clássico ensaio foi intitulado pelo autor como A Nova Lei de Segurança Nacional, nele são desenvolvidas diversas críticas pela excessiva abstração da Lei 7.170 de 1983, e, especialmente no que toca ao art. 20, o autor assevera:

A definição legal do terrorismo apresenta dificuldades técnicas consideráveis, porque não há clara noção doutrinária do que ele significa. A nova lei é extremamente imperfeita, porque segue a linha casuística de nossas leis de segurança, misturando terrorismo com crimes violentos contra o patrimônio, com finalidade subversiva, que não constituem terrorismo. Por outro lado, a lei reproduz o defeito máximo das leis que têm estado em vigor, pretendendo definir o crime com a referência genérica a “atos de terrorismo”. Isso numa lei penal é inadmissível, sobretudo porque não se sabe com segurança o que são atos de terrorismo.125

Corroborando com o entendimento do hiato legislativo deixado pela Lei de Segurança Nacional, Alberto Silva Franco, em Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, de 2008, complementa:

[...] o verbo nuclear “praticar”, isoladamente, não apresenta qualquer predicado de ilicitude, ficando, por conseguinte, na dependência da definição do que se compreende por “atos de terrorismo”. Em razão disso, [...] “vulnera-se, assim, o aspecto material do princípio nullum crimen sine lege (stricta)”.126

Regis Prado, ao comentar a legislação em tela, sintetiza a inferência doutrinária diante da debilidade técnica da Lei de Segurança Nacional, no que concerne ao art. 20 e o terrorismo. Em outras palavras, conclui pela inexistência de tipo penal incriminador de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro. Veja-se os seus termos:

Cumpre notar, por oportuno, que inexiste o delito de terrorismo na legislação penal brasileira, quer como crime comum, quer como crime contra a segurança nacional. [...] Ora, a expressão consignada ao final do tipo penal - atos de terrorismo - não passa de cláusula geral, vaga e imprecisa, que confere ao intérprete vasta margem de discricionariedade. Esquivou-se o legislador do indispensável dever de bem definir os denominados “atos de terrorismo”, optando pelo simples emprego de expressão tautológica e excessivamente ampla, o que afronta o princípio constitucional da legalidade (art.5º, XXXIX, CF; art.1º, CP), sobretudo na sua vertente da taxatividade/determinação.127

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Urge fazer constar, não obstante a ausência de apoio unânime à tese, pois verifica-se posicionamentos doutrinários divergentes em menor escala,128 a conclusão proposta por Luiz Vicente Cernicchiaro, segundo este autor é majoritário o entendimento de que “em consequência, o Direito Penal continuará presente para receber sugestões e apresentar, por meio o crivo democrático do nullum crimen nulla poena sine lege, a solução ideal”.129

Contudo, como se observou, a comunidade internacional teve grandes dificuldades no tratamento conceitual e regulamentar do terrorismo. Posteriormente, verificou-se que alguns dos principais Estados europeus lançaram tendência, ao qualificarem atos delitivos comuns quando se identificava neles especial fim de agir, como terroristas, de forma genérica ou restritiva.

Em seguida, verificou-se que tal abordagem foi adotada pela Lei de Segurança Nacional brasileira e Claudio Heleno Fragoso foi quem teceu as mais expressivas críticas ao tratamento dado pelo poder legislativo ao delito. Suas críticas, em síntese, consistiam em sustentar que foi inobservado princípio basilar do direito penal brasileiro – o princípio da legalidade, pois não se teria noção clara do que seria o delito – uma vez que se omitiu o legislador em defini-lo, precisamente.

A conclusão que chega, portanto, ainda que com sustentações em sentido contrário, é a de que inexiste tipo penal incriminador de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro. Diante disso, torna-se urgente a abordagem das principais teorias conceituais de crime político e terrorismo, as quais figuram nas decisões judiciais brasileiras.

3.2 AS TEORIAS SOBRE CRIME POLÍTICO E TERRORISMO

Maria Souza Galito, ao contextualizar o fenômeno do terrorismo em 2004, cita que segundo as pesquisas de Pierre-Marie Dupuy existiriam cerca de 109 possíveis definições de terrorismo.130

Leonardo Brant, assim como Galito, encaixa-se muito bem nos prolegômenos da exposição conceitual do Crime Político e Terrorismo, uma vez que o autor esclarece a realidade internacional na qual se inserem esses “109 conceitos”. Parte, o autor, de que com as contradições da comunidade internacional foi impedido o aparecimento de uma definição universal do que venha a ser o terrorismo, e evidencia o desafio principal do direito, pois a matéria é algo que o direito deve tipificar para combater, mesmo sem os Estados terem acordado quanto aos seus contornos normativos.131

Com efeito, como já observado no capítulo anterior, é imperioso se precisar os caracteres que distinguem o terrorismo dos delitos políticos, pois, não se pode olvidar que o delito político é um conceito teleológico, não visando outro fim senão o excluir da extradição os delinquentes políticos, o que desencadeia, na prática, em “dispensar-lhes um tratamento penitenciário especial, mais benévolo, e conceder-lhes, conforme o caso, a anistia. Somente os delinquentes políticos puros132 merecem esse tratamento de maior benevolência”.133

3.2.1 O Terrorismo como espécie de Crime Político:

Como já dito, “Até recentemente, subsistia no Brasil entendimento praticamente unânime de que o terrorismo é o crime político por excelência, sendo impossível a dissociação entre ambos os conceitos”,134 tal corrente de pensamento era defendida pelo ilustre jurista Heleno Cláudio Fragoso.

Segundo Fragoso, o terrorismo seria uma espécie de crime político, caracterizado por um conjunto de crimes e não um delito específico visando atacar o Estado. Importante frisar que, para o autor, o intuito de atacar o Estado é o ponto central para se identificar o delito de terrorismo. Vejamos:

[...] terrorismo, que não é uma específica figura de delito, mas um conjunto de crimes contra a segurança do Estado, que se caracterizam por causar dano considerável a pessoas ou coisas, pela criação real ou potencial de terror ou intimidação, com finalidade político-social. Insere-se, portanto, na categoria dos crimes políticos.135

Diferente do entendimento dos legisladores de alguns países que citamos136, para Fragoso, o terrorismo não seria um crime comum, porque se trata de fato político, uma vez que seus autores agem contra a vigente ordem política e social, visando destruí-la ou para mudá-la, exteriorizadas por atos de violência.137

Luiz Vergueiro, explica que esta corrente partia do postulado de que, o terrorismo seria uma crime contra o Estado, mesmo que as vítimas imediatas sejam pessoas físicas ou jurídicas privadas, sem conexão com o Estado, se porventura aos olhos dos terroristas, servisse como fator de pressão sobre o Estado.138

Noutro giro, Gustavo Pamplona apud Fragoso, expõe a definição fragosiana de crime político, como:

[...] aquele que atinge os interesses políticos da nação, ou seja, a segurança externa e a segurança interna, que, por vezes, se mesclam e se confundem, e a ordem econômica e social do Estado.139

Interessante observar, obstantemente à doutrina exposta, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que concerne ao terrorismo como espécie de crime político. Já entendeu o órgão de cúpula ser inaceitável o tratamento do terrorismo como espécie de delito político, exemplo disso, pode se observar no julgamento da Extradição nº 1.085, conhecida como Caso Battisti, onde o Ministro Gilmar Mendes apresenta entendimento consoante ao julgado pelo Ministro Celso de Mello, na Extradição nº 855, conhecido como caso Norambuena. Para os Ministros:

[...] Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável ao crime hediondo, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado do máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art.5º XLIII).140

Nessa mesma linha, Gustavo Pamplona traz outras observações pontuais quanto à doutrina em tela, o que também pode ser observado no trabalho de Luiz Vergueiro.

Para Pamplona, a distinção feita por Fragoso entre os fenômenos do Terrorismo e Crime Político, não possui evidente critério distintivo. Além disso, salienta três particularidades da obra:

A primeira, o terrorismo não poderia também ser classificado como uma ameaça à segurança interna ou externa tal qual o crime político? Outra questão, qual é a diferença em provocar “desordem social” para “ferir a ordem social do Estado”? A terceira, se o que o crime político atinge é a amálgama formada pela junção do interesse político da nação – segurança externa e interna – em conjunto com a ordem econômica e social do Estado, qual seria o bem jurídico ferido pelo terrorismo? Para Fragoso seria: i) a ordem política e social com efeitos reflexos aos órgãos supremos do Estado ou ii) a ordem social. Mas, a “ordem social” não era o bem jurídico que atingido pelo crime político? Ou a diferença entre os bens estaria ora nos efeitos, ora na densidade semântica do qualificativo empregado? (Negrito nosso).141

Conclui, Gustavo, que a doutrina de Fragoso não responde tais questões de modo a se obter um norteamento doutrinário e poder sanar o problema da dicotomia entre terrorismo e crime político.142

Nesse mesmo sentido, podemos observar Luiz Vergueiro, que também suscita o não cabimento da interpretação dada por Fragoso no contexto hodierno. Para este autor não é “aceitável o morticínio de inocentes, inclusive crianças, em nome da busca de maior participação política, assegurada por outros meios e protegido pelo ordenamento jurídico internacional”.143

Ambos os autores demonstram que a doutrina fragosiana foi influenciada por contexto específico, o da ditadura militar, período revolucionário inaugurado em 1964, razão pela qual seria compreensível o seu entendimento.144 Luiz Vergueiro especificamente, pelo fato de demonstrar as espécies de terrorismo em sua obra, salienta que Fragoso não vislumbrava a ocorrência de atos terroristas que não tivessem o mote político, dessa forma, escapariam da definição proposta por Fragoso, formas terroristas como as de escopo religioso e separatista.145

3.2.2 As teorias objetivas, subjetivas e mistas quanto ao crime político

Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, são os doutrinadores brasileiros que devem ser estudados após a análise inicial de Fragoso. São autores do artigo Delito Político e Terrorismo: uma aproximação conceitual.

Cientes de que a doutrina é pouco precisa ao fixar o conceito de crime político, e com o objetivo de que os autores de atos terroristas não usufruam da benesse dispensada aos criminosos políticos, visam estreitar as balizas conceituais do fenômeno, e expõem as três teorias que conceituam crime político: a objetiva, a subjetiva e a mista.

As teorias objetivas conceituam crime político sob o enfoque do bem jurídico, lesado ou exposto a lesão.

“Para esta teoria, adotada por Haus, Garraud, Prins, Impallomeni, Jimenez de Asua e Cereso Mir [...]”,146 os crimes políticos são os que atuam contra a existência do Estado, contra o organismo político, colocando em risco a sua organização político-jurídica.147

Depreende-se, portanto, que diferente do que ocorria com a teoria de Fragoso, para esta teoria, o “[...] fundamento caracterizador não seria o motivo, mas o bem jurídico tutelado”.148 Os crimes políticos visam atentar contra a coisa pública, e aqui o fundamental não é o motivo, mas a direção do ataque, sendo uma infração puramente política aquela que “[...] não tem apenas por caracter predominante mas por objetivo exclusivo e único, destruir, modificar ou perturbar a ordem pública em um ou vários de seus elementos”.149

Importante frisar, que seguindo Siqueira Gaudino, os autores, Prado e Carvalho, incluem como objeto suscetível de lesão pelo Crime Político “[...] a Constituição e forma de governo, os poderes políticos e os direitos políticos [...]”150, e, por outro lado, excluem da caracterização de Crime Político quando lesadas “[...] as condições existenciais do Estado, como a independência, a integridade, a dignidade”.151

Gustavo Pamplona, de antemão, percebe ponto importante quanto a teoria em tela, salienta que ao crime político ser visto com o objetivo de atentar contra o Estado, fica prejudicada a diferenciação dele para com o terrorismo, uma vez que este conceito também pode visar mácula ao Estado, o que praticamente inutilizaria tal teoria num processo de extradição.152

Para as terias subjetivas, paralelamente, o ponto central é o fim perseguido pelo autor, independente da a natureza do bem jurídico atingido, direta ou indiretamente; pode, inclusive, tratar-se de crime comum, se porventura tenha motivos políticos.153 Filiam-se a esta teoria Euzébio Gómez, Ferri e Quintano Ripollés.154

Segundo, Prado e Carvalho:

As linhas mestras de tal concepção encontram-se explícitas na afirmação de que “qualquer dos atos previstos pela lei penal pode ter, pois, o caráter de delito político se for determinado, exclusivamente, por um motivo político”.155

Esclarecem ainda, que conforme Jiménez Asúa ensina, o delito político, tem sobretudo motivos altruístas, visando acelerar o progresso político e social.156

Todavia, salienta Pamplona, não ser possível qualificar, no sentido dado pela corrente tradicional subjetiva, v.g., o homicídio de Mahatma Gandhi, de Martin Luther King ou de Rosa Luxemburgo, como crime político, em que pese à notória motivação política dos episódios,157 o que leva a crer na hipótese de ser forçosa a interpretação sugerida.

Ademais, salienta, que para o fim do processo de extradição, pressupor-se-ia perigosa tese jurídica, sendo, portanto, a teoria mista do crime político, a melhor solução para tal impasse.158

As teorias mistas, finalmente, combinam as duas teorias, a objetiva e a subjetiva. Ao somar o critério objetivo e o subjetivo, exige, portanto, que tanto o ataque seja direcionado ao Estado quanto que a intenção do autor tenha caráter político.159

Prado e Carvalho ensinam que, segundo Francesco Villardi Milano, foi Florian que delineou a teoria mista nos moldes descritos, onde se tem o interesse político associado ao fim político para a caracterização do crime político. Segundo os autores, para Florian:

[...] “o critério deduzido da qualidade do direito que o delito político ofende é o critério primário, já que penetra intimamente na essência jurídica do delito”; e o direito lesado é nessa matéria o direito do Estado, seja aquele relativo à sua existência, seja aquele relativo à sua forma”; não obstante, conclui, “o critério do direito lesado não basta: o delito deve ser político objetiva e subjetivamente.160

Segundos os autores, depreende-se, que Florian objetivava impedir que possam ser caracterizados como delinquentes políticos os autores que atentassem contra o Estado motivados por fim diverso do político. Além disso, que por via de consequência, a doutrina majorante tente a defender tal caracterização, sopesando conjuntamente os aspectos objetivo e subjetivo, para a melhor conceituação do delito em tela.161

José Cerezo Mir, em Curso de Derecho Español, de 1996, complementa a compreensão da teoria mista, subdividindo-a em extensiva e restritiva.

Para as teorias restritivas mistas os delitos políticos são apenas os que, além de atentarem contra a organização política ou constitucional do Estado, apresentam fins políticos, de modo a excluir os delitos contra a organização política ou constitucional do Estado sem fins políticos, como os que visam lucro ou notoriedade, e os delitos comuns de fim político, como o homicídio, sequestro, roubo, incêndio. Para as teorias mistas extensivas se reputam políticos até mesmo os delitos de direito comum, desde que praticados com motivo político. 162

Por fim, Prado e Carvalho, evidenciam ser cediço a inclusão do Crimes Eleitorais no rol do Crimes Políticos:

[...] em especial o livre exercício do direito ao voto – constitucionalmente assegurado (art.14, CF) – o que afeta, de modo reflexo, a organização política de um Estado de Direito democrático e social, que tem no pluralismo e na livre participação uma condicionante inafastável de seu regular funcionamento.163

Em crítica a teoria mista, Gustavo Pamplona traz os ensinamento de Carlos Cânedo, especificamente, os exprimidos em seu livro Crimes Políticos, em 1993, onde adverte quanto à insuficiência teórica das teorias objetivas, subjetivas e mistas.

Em suma o autor salienta que “[...] se as doutrinas objetivas e subjetivas pecam pela unilateralidade, a mista, se enfocada como simples combinação das outras duas, terminará por somar os defeitos de ambas, quando isoladamente consideradas”.164

3.2.3 O terrorismo sem o intuito político

Prado e Carvalho, na mesma obra, Delito Político e Terrorismo: uma aproximação conceitual, não se omitem em abordar o conceito do terrorismo apresentar alguns elementos distintivos ante ao delito político.

Ao comentar tais distinções, Gustavo Pamplona, salienta que, para Prado e Carvalho “[...] o crivo distintivo do terrorismo para o delito político estaria na pujança da violência e sua crueldade e na escolha das vítimas, civis inocentes”.165

Para Prado e Carvalho, o terrorismo, seria o instrumento de concretização de vários delitos de variada gravidade, nem sempre com o objetivo político, mas também com o levante social e o protesto religioso.166 E mesmo que tenha finalidade política, este por si não pode conferir ao terrorismo o caráter de delito político, uma vez que o que prepondera no terrorismo é “[...] o propósito de ocasionar o temor, a intimidação, por meio do resultado, i.e., da maior extensão possível dos danos ou de vítimas indiscriminadas e injustificadas”.167 Ainda que com a “[...] utilização de meios fortemente destrutivos resulte a aniquilação ou a desestabilização do sistema político-social vigente”.168

Vale frisar, além disso, que segundo os autores:

[...] o terrorismo é caracterizado fundamentalmente por sua cegueira, sua ignorância ou desprezo pelas distinções tradicionais, atingindo indistintamente os jovens (inclusive as crianças) ou os idosos, os ricos ou os pobres, os fortes ou os fracos, os inocentes ou os culpados.169

Gustavo Pamplona, pautado em Aristóteles e Hannah Arendt, tece crítica à conceituação de terrorismo apresentada pelos autores. Segundo Gustavo, não se pode aceitar uma definição de ato do terrorista desvinculada do motivo político, uma vez que, segundo Hannah Arendt, “[...] o agir como atividade coletiva, interativa e baseada na pluralidade humana é um ato político [...]”170, e além disso, nesse mesmo sentido, para Aristóteles “[...] o âmbito político é a seara da ação em conjunto dos homens com a finalidade explícita de obtenção de um bem comum”.171 Portanto, para Gustavo, “Grafar a priori um movimento de “religioso” ou “social” é adotar o determinismo e mitigar a amplitude do agir político humano”.172

Contudo, é imperioso aceitar que definir terrorismo destituído de intuito político seria incorrer em generalização cega. Basta se observar, por exemplo, estudo realizado por Luiz Vergueiro e Valteir Marcos de Brito173, onde realizam estudo sobre a evolução e espécies das práticas terroristas. Elencam, os autores, como espécies de práticas terroristas, dentre várias, o Terrorismo Revolucionário ou Secular, Terrorismo Político-Revolucionário, Terrorismo Reformista, Terrorismo Separatista, e etc.

Para Luiz Vergueiro, o motivo predominante, em todos os casos elencados, tendem a ser elementos de cunho “[...] ideológico, com claras inclinações políticas [...]”174.

Diante disso, haja vista a importância que se depositou no elemento subjetivo, “motivo político”, abordaremos dois autores que construíram estudo sobre o motivo político, a partir das teorias até então estabelecidas.

3.2.3.1 Uma rápida análise sobre o motivo político e os critérios da preponderância e da atrocidade dos meios

A partir do estabelecimento das três teorias que propunham a definição do Crime Político, dois autores que estabeleceram análise complementar sobre tais conceitos foram Giulio Ubertis e Carlos Augusto Cânedo Gonçalves da Silva.

Pamplona, em comentário sobre a doutrina de Giulio Ubertis, exprime o aprofundamento da análise sobre o motivo político do delito político. Gustavo menciona que, ao autor italiano entender por crime político “[...] o delito comum cometido, no todo ou em parte, por motivos políticos [...]”175, o mesmo despendeu esforços para compreender a concepção do “motivo” inserto neste conceito.

Giulio Ubertis expõem, portanto, duas correntes que propõem precisar a concepção de motivo político: A primeira define como impulso psicológico, a motivação do agente. A segunda, renega tais aspectos de juízo pessoal do agente, e propõe, porém, método, que consiste em se invocar, em análise factual, tópicos essenciais da vida pregressa do agente, que caracterizem a relação do delito cometido como político.176

Ainda, quanto à doutrina Ubertiana, Gustavo Pamplona, não se omite em tecer críticas oportunas. Para Gustavo, a partir de Ubertis seria impossível concluir se o agente cometeu um crime pela causa, ou, se cometeu um crime e tinha uma causa. Além disso, ainda que o se fixasse um nexo causal no alvo atacado, ou em outras palavras, ainda que se restringisse a lesão a determinada pessoa ou alvo, que estivesse vinculada a causa política, é cediço que, em se tratando de terrorismo e crime político, terceiros ou bens estranhos são invariavelmente lesados. O que torna também insatisfatória tal proposta.177

Noutro giro, Gustavo Pamplona também expõe a doutrina de Carlos Augusto Cânedo Gonçalves da Silva, Crimes Políticos, de 1993.

Para Gustavo Pamplona apud Cânedo, o crime político é o delito sem violência, e para sua caracterização não haveria necessidade de ofensa à bem jurídico.178

Em seguida, o autor chama a atenção para a dificuldade de se vislumbrar tais delitos, muito embora reconheça a abertura de perspectiva estabelecida por Cânedo, ao propor tipo de crime diverso, onde a sua tipificação se dê sem bem jurídico ofendido.179

Diante dessa duas propostas, urge se voltar os olhos para a utilização em larga escala pelo Supremo Tribunal Federal, dos chamados critérios, da preponderância, que muito se assemelha à proposta Ubertiana, pois ao avaliar o conjunto delitivo, praticado pelo extraditando ou requerente de asilo político, sopesa-se o que prepondera, se o caráter político ou se o caráter comum;180 e, da atrocidade dos meios, que se traduz “[...] na regra segundo a qual o conceito de crime político não abrange ações violentas, marcadas pela crueldade, pelo atentado à vida e à liberdade, especialmente atividades terroristas [...]”181, tal qual defende Cânedo.

Ministro Gilmar Mendes, na ocasião do julgamento da Extradição nº 1.085, conhecido como caso Battisti, aborda profundamente tais critérios utilizados pela Corte Constitucional, que segundo o Ministro se dá em razão da ausência de teses conceituais definitivas quanto ao conceito de crime político.

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, quanto ao fundamento do sistema da preponderância:

A aplicação do sistema da preponderância busca suas origens na jurisprudência do Tribunal Federal Suíço, que em três elementos principais condicionou, historicamente, a caracterização da predominância do caráter político do fato criminoso, conforme, no mesmo julgado, demonstrou o Ministro Moreira Alves: a) a finalidade de atentar contra a organização política e social do Estado; b) a clara relação entre o ato e a finalidade de modificar a organização política e social do Estado; e c) o caráter do delito, cuja eventual atrocidade – elemento de direito comum – é capaz de afastar o enquadramento como crime político, ainda que presente o fim de atentar contra o Estado.182

Noutro giro, quanto ao critério da atrocidade dos meios, o Ministro aponta seu fundamento na própria Lei do Estrangeiro, a Lei nº 6.815 de 1980:

O art. 77, § 3º, da Lei nº 6.815/80 – [...] – incorpora, além da denominada “cláusula de atentado” ou “cláusula belga” – que exclui do conceito de crime político os ataques contra pessoa do chefe de Estado ou autoridades -, o sistema da atrocidade dos meios, especificamente quanto aos atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, sequestro e outros ali mencionados. (Negrito nosso).183

Em seguida, o Ministro, cita obra de Ian Brownlie, Principles of Public Internacional Law, e diversos casos julgados pela Corte Inglesa, onde o resolução foi abordada de forma empírica, ou caso a caso (case by case aproach). Objetivo do Ministro é solidificar a ideia da resistência do judiciário ao dilema conceitual do Crime político, que tratamos no presente estudo.

Demonstra, o Ministro, que as Cortes passaram a adotar critérios para a análise do conceito de crime político, tendo alguns desses critérios fundamentado em tratados e convenções internacionais, e outros, nas legislações dos diversos países democráticos que os adotam. Vale frisar, que tais critérios reproduzem algumas teses e conceitos desenvolvidos doutrinariamente, como os apresentado no presente estudo, destacando-se, entre outros, os sistemas de predominância e da atrocidade dos meios; as teses objetiva, subjetiva e a mista; e os conceitos de crime político puro e relativo.184

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LARA, Egilson Diego Beluzzo. A evolução do conceito de crime político para a jurisprudência do STF e suas implicações para o indeferimento da extradição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5620, 20 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65229. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Prof. Orientador Esp. Julian de Freitas Salvan

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