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Lawfare

Agenda 10/04/2018 às 00:12

Lawfare é a utilização da lei e dos procedimentos legais pelos agentes do sistema de justiça para perseguir quem seja declarado inimigo. Assim, o sistema jurídico é manipulado para dar aparência de legalidade às perseguições aos adversários.

A palavra Lawfare é a junção das palavras inglesas law, que significa lei, e warfare, que significa conflito armado, guerra. Lawfare então faz referência ao uso da lei como arma de guerra, introduzida nos anos 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra assimétrica na qual a lei é usada como arma de guerra basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional. A lawfare seria comparável ao uso estratégico de processos judiciais visando criar impedimentos a adversários políticos - uma prática conhecida, nos países anglo-saxões, como SLAPP, acrônimo de strategic lawsuit against public participation ('ação judicial estratégica contra a participação pública'). Trata-se do uso da lei (law) como instrumento de guerra e destruição do outro (warfare), onde não se respeita os procedimentos legais e os direitos do indivíduo que se pretende eliminar. Tal prática é planejada de forma a ter toda uma aparência de legalidade, com a ajuda da mídia, além dos agentes perpetradores.

No contexto político brasileiro recente, o termo lawfare tem sido empregado principalmente no sentido de uso de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição da imagem pública e inabilitação de um adversário político. Nesse sentido, uma característica fundamental da lawfare seria o uso de acusações sem materialidade, incluindo-se também, entre suas táticas, as seguintes: manipulação do sistema legal, com aparência de legalidade, para fins políticos; instauração de processos judiciais sem qualquer mérito; abuso de direito, com o intuito de prejudicar a reputação de um adversário; promoção de ações judiciais para desacreditar o oponente; tentativa de influenciar opinião pública com utilização da lei para obter publicidade negativa; judicialização da política: a lei como instrumento para conectar meios e fins políticos; promoção de desilusão popular; crítica àqueles que usam o direito internacional e os processos judiciais para fazer reivindicações contra o Estado; utilização do direito como forma de constranger o adversário e bloqueio e retaliação das tentativas dos adversários de fazer uso de procedimentos e normas legais disponíveis para defender seus direitos.

Lawfare é a utilização da lei e dos procedimentos legais pelos agentes do sistema de justiça para perseguir quem seja declarado inimigo. Assim, o sistema jurídico é manipulado para dar aparência de legalidade às perseguições aos adversários. Ao oponente são formuladas acusações frívolas, por vezes apenas para intranquilizar.

O conceito explica que os desenvolvimentos jurídicos complexos são usados ​​como um substituto para uma ocupação militar para que países dominantes possam controlar certas decisões e resultados em estados estrangeiros.

O inimigo é escolhido e as leis e os procedimentos legais passam a ser utilizados pelos agentes públicos como uma forma de perseguição àqueles que foram eleitos como inimigos. Por meio da relação aproximada entre promotores de justiça e juízes, bem como de beneficiários de aparatos legais que os permitem falar, impõem-se mais instrumentos de supressão, de condenação a priori, de desestabilização ética, moral, política. Associado ao “efeito mídia”, o “Lawfare” faz parecer que a palavra do corruptor tem poder de documento, de prova, e, por conseguinte, sobrepõe-se à palavra e à ampla defesa de um réu. Um levante do Estado contra o Estado para privar de Estado aqueles que querem exercer cidadania e política livre. Por lógico, os crimes devem ser apurados e punidos indistintamente. Mas não se pode mobilizar as forças – e as capas pretas do Estado – contra os opositores políticos.

A expressão foi disseminada pelo coronel da Força Aérea dos EUA, Charles Dunlap, em 2001, como uma estratégia de mau uso da lei para alcançar um objetivo operacional como alternativa aos meios militares tradicionais. Na esfera política se traduz, segundo Jean Comoroff e John Comaroff, no processo de usar a violência e o poder inerente à lei para produzir resultados políticos. Uma das formas mais frequentes da sua utilização se dá pelo afastamento de um adversário pelo uso abusivo do sistema jurídico em substituição aos processos eleitorais constitucionalmente vigentes.

Os australianos John Carlson e Neville Yeomans também usaram o termo "guerra jurídica" em seu manuscrito "Onde está a lei: humanidade ou barbárie, em The Way Out - Alternativas Radicais na Austrália", em que eles argumentam que a busca da verdade foi substituída pela "guerra jurídica nos tribunais".

Os coronéis chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui dizem, da "guerra jurídica", em seu livro "Unrestricted Warfare" (Guerra sem restrições), que poderia ser usado em conjunto com "a guerra da mídia", isto é, propaganda, para levar enorme pressão pública contra uma operação com um objetivo fixo.

No Brasil em 1898, Campos Sales assumiu a Presidência da República e formulou o arranjo institucional pelo qual o poder central apoiaria as oligarquias estaduais, e estas apoiariam o poder central. A ‘Política dos Governadores’ ou ‘Pacto Coronelista’ durou até 1930. O Poder Judiciário era estadual e servil às oligarquias. Mas Campos Sales contava com um juiz federal por estado, sem vitaliciedade e removível: o “juiz seccional”, responsável pelas questões eleitorais e por pedidos de intervenção quando as oligarquias estaduais bandeassem para a oposição. A polícia era o braço forte da política. A maioria dos chefes de polícia do Distrito Federal do início do século 20 foi nomeada para o STF pelos bons serviços prestados ao poder.

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Para perseguir os inimigos, Campos Sales criou o Ministério Público. Até 1988 seus chefes institucionais eram demissíveis pelo chefe do poder a que estivessem vinculados, nem sempre ao Poder Executivo. Sua atuação se traduzia em ‘lawfare’ e chegava a perseguir seus próprios membros se contrariassem interesses das oligarquias, como fez com João Baptista Martins, processado por ter se oposto às bandalheiras de um coronel governista.

Nicolau Maquiavel escreveu em seu famoso livro "O Príncipe": "Há duas maneiras de lutar, com força ou com leis". "Lawfare" é a definição que hoje recebe a segunda forma. O uso político da justiça na luta política separatista na Catalunha é o exemplo mais claro. Um combate que ocorre em dois níveis diferentes, mas intimamente conectados: o jurídico-legal e o midiático e cujo objetivo é a conquista da opinião pública através da imposição da história partidária como a própria verdade.

Hoje, o termo "lawfare" evoluiu do campo militar e foi introduzido no mundo político e judicial, em larga escala. O conflito provocado pelos separatistas catalães é um exemplo de "lawfare".

O sentimento nacionalista catalão, se assim podemos chamá-lo, voltou a crescer na segunda metade do século XIX e no início do XX. Em abril de 1931, ocorreu a proclamação da Segunda República Espanhola (1931-1939). Em 1932, a Catalunha alcançou seu status de autonomia política, após um referendo que ocorreu na cidade de Núria. Nesse período, surge o Generalitat (governo próprio regional), liderado pela Esquerda Republicana da Catalunha. Os nacionalistas passaram a governar a região. Nessa história, 1936 é um ano importante. Ocorreu a eleição nacional na Espanha e os partidos de esquerda saíram vitoriosos, formando a chamada Frente Popular. Os opositores de direita, com a organização e liderança de Francisco Franco Bahamonde (1892-1975), deram um golpe de Estado, inclusive apoiados por várias regiões espanholas. Francisco Franco começou a ganhar reconhecimento na década de 1920, por sua atuação no campo de batalha em campanhas na África. Ele foi promovido a general de brigada em 1926. Com a proclamação da República em 1931, perdeu cargos de responsabilidade. Voltaria a ganhar cargos na hierarquia militar em 1933, com a ascensão de um governo de direita.

Depois do golpe de Franco, grande parte das cidades e regiões industriais permaneceu ligada ao Governo Republicano de Esquerda, que havia vencido as eleições em 1936. Assim, a Espanha encontrava-se dividida. Inicia-se a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O governo de Francisco Largo Caballero (1869-1946), do Partido Socialista Operário Espanhol que havia vencido as eleições em 1936, passou a sofrer ataques constantes do movimento liderado pelo general Francisco Franco, que venceu a Guerra Civil. Instaurou-se a ditadura por toda a Espanha, incluindo as regiões autônomas, vivendo sob a repressão por décadas. Madri, capital da Espanha, concentrou todos os poderes políticos. Uma das consequências dessa ditadura foi a proibição oficial do uso do idioma catalão. Com a morte de Francisco Franco em 1975, a democracia retornou à Espanha e a nova Carta Constitucional (1978), vigente até hoje, garantiu à Catalunha uma grande autonomia política, e assim pôde reviver a Generalitat (governo próprio). Desde esse momento, o partido majoritário foi o nacionalista conservador “Convergência e União” (CiU). Nesse período inicial, ainda não lutava pela independência e, inclusive, estabelecia acordos com Madri e os demais partidos espanhóis. Em 2006, houve um referendo na região catalã, que garantiria a ela duas condições: a ampliação dos poderes da Generalitat e o status de nação dentro da Espanha. Esse foi o quarto Estatuto de Autonomia da Catalunha. Houve campanhas contrárias: o Partido Popular, conservador, apresentou um recurso ao Tribunal Constitucional espanhol contra o referendo. O judiciário, por sua vez, interviu e retirou o direito do uso do termo “nação dos catalães”. Milhares de pessoas saíram às ruas da Catalunha em protesto. Em 2010, devido a uma crise econômica mundial que atingiu a Espanha e a Catalunha em grandes proporções, o conflito se intensificou.

O esforço dos independentistas em reunir multidões a favor da separação foi constante, bem como a realização de referendos. Em setembro de 2017, aprovou-se uma lei para a convocação de um referendo em 1º de outubro. Esse conflito de interesses ocorreu todo no interior do Parlamento, onde há membros a favor e contrários à independência catalã. O referendo foi feito. Cerca de 2,2 milhões de pessoas (pouco mais de 40% do eleitorado catalão) votaram no referendo. O resultado de quase 90% desses votantes foi o “sim” à separação da Catalunha.

Carles Puigdemont liderou o movimento que resultou na declaração de independência da Catalunha e que, embora tenha lhe valido a destituição do cargo de presidente regional, não cede em seu empenho e convoca seus seguidores à resistência pacífica. Aos olhos do mundo, este ex-jornalista de 54 anos, de vasta cabeleira castanha, é a face do movimento separatista catalão, que conseguiu 47,7% dos votos nas eleições regionais de 2015. Seu destino mudou em um dia de janeiro de 2016 quando foi chamado para liderar uma coalizão separatista, decidida a levar os 7,5 milhões de catalães à independência. Prefeito de Gerona (98.000 habitantes) desde 2001, o então deputado conservador catalão aceitou. Assim, substituiu à frente do governo regional Artur Mas, inaceitável aos olhos dos separatistas de extrema esquerda - cujo apoio necessitava no Parlamento - devido à sua condição de convertido tardio ao separatismo e seus cortes orçamentários, mas deixou para Puigdemont um pesado fardo: o de inimigo número um do governo espanhol do conservador Mariano Rajoy, com o qual não havia nenhum diálogo. Foi investido presidente da Generalidade da Catalunha a 10 de janeiro de 2016. A 27 de outubro de 2017, logo após a tentativa de proclamar um sistema republicano para a região, foi demitido pelo Governo da Espanha do seu cargo na presidência da comunidade autónoma da Catalunha por aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola de 1978. Foge para a Bélgica e no caminho foi detido na Alemanha em Schleswig-Holstein, estado ao norte da Alemanha, enquanto tentava chegar, de carro, à fronteira com a Bélgica.

Em uma derrota para o governo central e para o Tribunal Supremo da Espanha, o Tribunal Regional de Schleswig-Holstein, no Norte de Alemanha, rejeitou a acusação de crime de rebelião incluída no pedido de extradição do ex-presidente e principal dirigente do movimento separatista da Catalunha, Carles Puigdemont. As autoridades afirmaram que não há a possibilidade de que ele seja "exposto ao risco de perseguição política". O tribunal também disse que o catalão não pode ser extraditado por insurreição e que, portanto, não representa um risco e foi libertado sob fiança.

Lawfare é a estratégia do mau uso da lei como um substituto dos meios militares tradicionais para alcançar um objetivo operacional. Denota o abuso das leis ocidentais e sistemas judiciais para conseguir fins militares estratégicos ou políticos. É oposto da busca de justiça. A apresentação de processos judiciais frívolos e mau uso de processos legais para intimidar e frustra adversários no teatro de guerra. Lawfare é o novo campo de guerra legal.


Referências

  1. DUNLAP, JR., Charles J. Law and Military Interventions: Preserving Humanitarian Values in 21st Conflicts. Humanitarian Challenges in Military Intervention Conference Carr Center for Human Rights Policy. Kennedy School of Government, Harvard University. Washington, D.C., 29 de novembro de 2001.

  2. COMAROFF, Jean; COMAROFF, John L. Law and Disorder in the Postcolony by Review by: Giovanni Arrighi American Journal of Sociology Vol. 114, No. 2 (September 2008), pp. 562-564.

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

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