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O art. 312 do Código de Processo Penal: o conceito de ordem pública.

Manifestação do poder arbitrário do magistrado ou do exercício da dogmática juridica

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Agenda 08/04/2005 às 00:00

CONCLUSÃO

"... a poesia restitui à vida e à incomensurabilidade do vivido aquilo que a abstração e a redução a formas locais e temporais haviam retido para si". GEORGE STEINER

"Não questionamos, nem apenas o ser, nem apenas o tempo. Também não inquirimos sobre o ser e também sobre o tempo; inquirimos, pelo contrário, sobre a sua co-pertença íntima e o que daí irrompe". GADAMER

É difícil aceitar que o discurso jurídico dogmático positivo, de viés liberal, ainda encontre forças para resistir ao assalto que a hermenêutica filosófica vem desenvolvendo a bem mais de meio século. Mas é o que acontece.

A prática desse discurso que se entende como resultado da capacidade onipresente de um intérprete privilegiado, que não quer aceitar que sujeito-objeto acaba por se constituir em um mesmo mundo de linguagem que transforma essa relação em sujeito-sujeito, e de que o ser aí é um ser no mundo, de que o dasein é o ser exemplar [65], como viu Heidegger, gera uma incredulidade que oblitera a própria capacidade da filosofia da linguagem em subverter aquela racionalidade metafísica.

Todavia, tal matriz resiste. Em muito, ela é responsável pela sensação opressiva da crise que toma o pensamento ocidental, mas ao mesmo tempo, é o espaço onde o ordenamento jurídico ainda busca os seus fundamentos para responder aos conflitos sociais. Em sua lógica objetificante, através da prática do "como apofântico", ela oferece as respostas aos conflitos que ela mesma dá causa.

Como vimos, a prisão preventiva é um exemplo desse discurso, que serve ao modelo daqueles julgadores que acreditam poder desvelar todo o significado da palavra do texto, já que esse é um mero objeto da interpretação daquele que pode observar. Não há, entre o texto e o intérprete uma relação de troca, mas de domínio daquele que acredita ser o sujeito fundante do sentido e do significado.

Quando o julgador justifica a prisão preventiva de alguém, em nome da "ordem pública", não lhe interessa que essa esteja fora de qualquer contexto, mas sim importa que todos os outros interlocutores aceitem a verdade de que ele é quem tem a capacidade para compreender o que venha a ser tal verdade, já que a lei é apenas instrumento que fruto do exercício de uma metodologia rígida, lhe pertence.

Aceitar que essa estrutura de pensamento está esgotada é necessidade imperiosa, vez que os conflitos sociais cada vez mais ameaçam quebrar aquela velha "racio" em que o "logos" apofântico se encastelou.

Necessário, então, é confrontar essa racionalidade óbvia, "a partir de seu des-velamento (algo como algo). E é, finalmente, esta a nossa tarefa: des-velar as obviedades do óbvio! Não esqueçamos, até porque poesia é poiesis, as palavras do poeta Hölderlin: ‘o fogo mesmo dos deuses dia e noite nos empurra a seguir adiante. Venha! Olhemos os espaços abertos, busquemos o que nos pertence, por mais distante que esteja’". [66]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Custódio Luís S. de. Hermenêutica e Dialética. Dos Estudos Platônicos ao encontro com Hegel. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo Penal Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5ª ed., V.2, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993.

DASTUR, Françoise.Heidegger e a questão do Tempo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Vol. I, Petrópolis: Vozes, 1997.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.

ROHDEN, Luiz. Hermenêutica metodológica e hermenêutica filosófica. In Revista de filosofia do centro de Ciências Humanas da Unisinos, v.4, n.6, São Leopoldo, 2003. p. 109-132.

STEIN, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1996.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

_______.Hermenêutica (jurídica) e Estado Democrático de Direito: uma análise crítica, In Anuário do programa de pós-graduação em direito da Unisinos, São Leopoldo, 1998-1999, p. 77-120.

_______.Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

_______.Hermenêutica (jurídica): compreendemos porque interpretamos ou interpretamos porque compreendemos?, In Anuário do programa de pós-graduação em direito da Unisinos, São Leopoldo, 2003, 223-273.

_______.Dogmática e Hermenêutica: aportes críticos acerca da crise do direito e do Estado, In Cadernos de Pesquisa n.º 2/agosto de 1997, São Leopoldo.


NOTAS

1 A crise do ordenamento jurídico não é em si, uma novidade histórica. Ao longo do devir histórico se pode anotar a presença de críticas a capacidade de resolução do ordenamento frente aos problemas que lhe são submetidos. Todavia, o que se tem agora, é uma crise que se intensifica na linguagem jurídica, pois se percebe o esgotamento do sentido em muitos dos seus conceitos. E essa crise conceitual, discursiva, obriga os operadores do direito a se justificarem numa leitura rígida e disciplinada exegese da lei, sacrificando, muitas vezes, qualquer possibilidade de comunicação com o fato ou mesmo com os sujeitos do fato. Tal situação leva-nos a anotar a estandardização das decisões jurídicas, que na busca de uma solução aparentemente legal, tratam todo e qualquer fato a partir de uma generalização objetificante, a tal ponto que se consolida a figura de um sujeito ideal, desnudado de sua individualidade e particularidades que marcam não somente a personalidade, como o próprio fato. Essa generalização do sujeito e do fato em um objeto ideal, onde se acredita possível enquadrar todo e qualquer sujeito e fato, é, igualmente, uma violência a princípios da Constituição, o que acaba por criar uma circularidade de absurdos que ampliam a crise, pois se o discurso jurídico dominante busca generalizar a lei para uma melhor aplicação, ao fazer isso, ofende os próprios princípios em que a lei se consolida, o que em última instância, leva a uma crise na capacidade do discurso jurídico se apresentar como legítimo. Está, assim, criada uma oposição entre lei e legitimidade. E essa oposição é percebida pelo espaço social, o que ampliam os espaços de resistência a essa forma de autoridade Estatal, e que tem como conseqüência a fragmentação da consolidação da própria figura do Estado Democrático de Direito.

2 O espaço social não é um espaço rígido, como queria a tradição marxista, que o entendia a partir da oposição de apenas dois blocos. Ao contrário, o espaço social tem uma textura maleável e não raro, é tomado por várias estruturas que tem características próprias e que são conhecidas pela expressão de ‘campos’. Esses campos organizam as suas próprias manifestações de linguagem e detém a produção simbólica de seus próprios discursos. Assim, "na realidade, o espaço social é um espaço multidimensional, conjunto aberto de campos relativamente autônomos, quer dizer, subordinados quanto ao seu funcionamento e às suas transformações, de modo mais ou menos firme e mais ou menos direto ao campo de produção econômica: no interior de cada um dos subespaços, os ocupantes das posições dominantes e os ocupantes das posições dominadas estão ininterruptamente envolvidos em lutas de diferentes formas". In: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989, p.153. Portanto, o espaço social sempre foi determinado pela crise, pela contradição que não raro, engessam o direito pelas dificuldades que são sentidas pelos sujeitos mundanos.

3 É o caso aqui da periferia, entendida essa não apenas como o espaço da vila, mas também essa. A periferia é todo aquele espaço político em que o poder do Estado não se faz de forma legítima, mas apenas impositiva. Fundamental lembrar que o discurso hegemônico necessita ser legítimo, e isso significa capacidade em interpelar o espaço social apresentando-se como representante desse.

4 A linguagem-objeto é entendida como aquela em que se fala, em sua manifestação mais mediata. Ela é o resultado de uma primeira inflexão de nossa compreensão sobre o contexto que nos cerca e que define o campo de espaço-tempo em que existimos. Contudo, como existe em nós uma capacidade de refletir sobre essa primeira reflexão, isto é, como é possível tornar objeto de nossa interpretação a própria linguagem, esse segundo momento é um exercício de metalinguagem. Conforme Luis Alberto Warat, "A necessidade de estabelecer esses dois níveis de linguagem surge quando tomamos como objeto de nossa reflexão a própria linguagem. O sentido desta distinção é dado, segundo os lógicos positivistas, pela incapacidade das linguagens produzirem processos de autocontrole sobre a lei de sua organização lógica. Necessita-se, então, da construção de um outro nível de linguagem, a partir do qual se possa fazer uma investigação problematizadora dos componentes e estruturas da linguagem que se pretende analisar", in WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2ª versão, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1995, p.48.

5 Op., cit., p.49.

6 Observa-se que nessa argumentação, é a prisão preventiva tratada como um sujeito pré-existencial, já todo determinado, enquanto o sujeito mesmo, é um objeto ao qual sofre com a incidência daquela, e é um objeto que não tem individualidade, subjetividade, pois já está, igualmente, pré-existente na própria lei. Protestar contra essa visão, é preciso, pois que somente se pode aceitar a decisão jurídica na medida em que ela não afasta o contexto, interagindo nele e sendo por ele igualmente tocado. E isso somente é possível através de uma comunicação de mão dupla.

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7 Não por acaso, nessa crise de paradigmas em que experimentamos o presente, todas as catástrofes do século XX, ambientais, políticas, sociais, humanas e culturais acabam por permitir a opção pela possibilidade distinta não apenas de uma virtual e real reversão da evolução, mas de uma reviravolta distinta daquela proposta pelo círculo hermenêutico, e que sistematicamente nos conduz à bestialidade, a uma "banalidade desmedida do mal". Nessa crise que é por muitos entificada, abre-se caminho para a certeza sinistra que veio a transformar outra figura de Kafka em símbolo chave de nossa pós-modernidade: o livro a Metamorfose, pois a cada dia acordamos mais profundamente transformados em nossa essencialidade humana, alterados enquanto seres de reflexão para entes de informação. A velocidade do tempo presente, excessivamente virtualizado, amplia os espaços em que o ser do ente está doente, pois se tem uma dificuldade crescente em se evitar a coisificação do ser e a sua conseqüente separação do ente. Tal situação tornou plausível a famosa fórmula de Camus, impermeável a todo o pragmatismo, segundo a qual "o único problema filosófico sério é o suicídio", quando em verdade deveria ser o de que é o reconhecimento do papel da linguagem no mundo.

8 Ruídos são todos aqueles elementos que impedem uma melhor circulação da interpretação no processo de compreensão/comunicação. Tal dificuldade impede, em muitos casos, que se possa justificar a compreensão, e que dificultam a própria capacidade lógica da comunicação. É claro que não se pretende buscar algum momento de compreensão plena, de uma comunicação absoluta, até porque é variável o processo de significação, já que depende de cada ser, em seu espaço no mundo e no tempo, em estar aberto para esse processo. Isso não impede de se constatar que o discurso jurídico está comumente descontextualizado, apresentando, dessa maneira, um alto grau de ruído. Tal intensidade no ruído aumenta o risco de frustração na expectativa de sua compreensão por parte dos sujeitos.

9 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 35.

10 STRECK, Lênio L. Hermenêutica (jurídica): Compreendemos porque interpretamos ou interpretamos porque compreendemos? In anuário do PPG de Direito da Unisinos, ano 2003, p.223.

11 BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo Penal Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982, pág.188.

5 Op. cit., p.188.

12 Cf. Streck, "Em síntese, trata-se de um conjunto de procedimentos metodológicos que buscam garantias de objetividade no processo interpretativo, no interior do qual a linguagem é relegada a uma mera instrumentalidade". In: Lênio Streck. Hermenêutica (jurídica): Compreendemos porque interpretamos ou interpretamos porque compreendemos? In anuário do PPG de Direito da Unisinos, ano 2003, p.225.

13 Op. cit., p.188.

14 Conforme crítica contundente de Lênio Streck, "Ou seja, os pressupostos da hermenêutica clássica, subsuntiva e dedutivista, ainda não foram superados, continuando bem atuais as idéias de Carlos Maximiliano, que entendia que interpretar é a busca do esclarecimento do significado verdadeiro de uma expressão; é extrair de uma frase, de uma sentença, tudo o que na mesma se contém. Tais teses fizeram escola no Brasil, forjando um imaginário reproduzido quotidianamente nas salas de avaliação institucional (Provão do MEC), o que bem demonstra o nível de atrelamento do pensamento dogmático do direito aos pressupostos metafísicos da hermenêutica clássica". In: STRECK, op. cit., p. 226.

15 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

16 STEIN, Ernildo. Aproximações Sobre Hermenêutica. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p.15.

17 Op. cit., p.27.

18 Note-se que Gadamer, em Verdade e Método, oferece uma contundente crítica a essa figura predominante do método na hermenêutica, pois não se pode pretender enclausurar a fenomenologia da linguagem em pré-condições que a definam previamente e que ofereçam respostas já prontas. O próprio acesso do ser no mundo se dá através da linguagem e esse se encontra no mundo para dar significações ao ente, enquanto linguagem. Nesse sentido, o ser do ente é marcado pelo "como hermenêutico", determinado esse pelo contexto que está na linguagem e que leva o próprio ser observador a ser observado. A hermenêutica filosófica não pode, assim, aceitar-se enquanto um "como apofântico", pois não há que entender a construção da compreensão como resultado de uma lógica representativa. Em realidade, é a linguagem que nos tem, e nesse sentido, é a linguagem o ser no mundo.

19Gadamer já havia chamado a atenção para o fato de que quando observamos, o ato de nossa observação já é o resultado de todos aqueles elementos que trazemos em nosso interior, isto é, nossos pré-juízos, no confronto com a própria tradição daquilo que é observado, e nesse sentido, ao interpretarmos, compreendemos, pois que tal processo é transformador tanto do observador, quanto do observado, e assim, não há de se desvincular o sujeito-objeto, pois o objeto está no sujeito e esse naquele.

20 ROHDEN, Luiz. Hermenêutica metodológica e hermenêutica filosófica. In Revista de filosofia do Centro de Ciências Humanas da Unisinos, v. 4, n. 6, São Leopoldo, 2003, pp. 115-116.

21 ROHDEN, Luiz. Op. cit., p. 117.

22 Conforme Lênio Luiz Streck, "Rorty denomina de ‘linguist turn’ o giro que deram os filósofos quando deixaram de lado o tema da experiência e adotaram a temática da linguagem, quando começaram a seguir o exemplo de Frege em vez de Locke. (...)".Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 155.

23 ROHDEN, Luiz. Hermenêutica metodológica e hermenêutica filosófica. In Revista de filosofia do Centro de Ciências Humanas da Unisinos, v. 4, n. 6, São Leopoldo, 2003, p. 126.

24 O ser no mundo é sempre interpretação, pois não se pode afastar esse movimento complexo entre o ser e o mundo. Somente na interpretação é que se torna possível a compreensão, pois aquela é entrechoque de todos os pré-juízos do ser com aqueles que estão no mundo, com o contexto de seu próprio olhar no mundo com a visão desse em relação a ele.

25 Diz Heidegger que "compreendemos aqui por ontologia fundamental a refutação da ontologia do ser como problema fundamental da metafísica – a interpretação do ‘Dasein’ como temporalidade; 2) a discussão dos problemas contidos na questão do ser, a exposição temporal do problema do ser; 3) o desenvolvimento da autocompreensão desta problemática, sua tarefa e limite, a reviravolta". (Cf. Heidegger – Vol. 26 – ‘Fundamentos metafísicos da lógica’, anexo da primeira parte). Segundo Custódio Luís de Almeida, "a ontologia fundamental trata da questão do ser retirada do plano metafísico da filosofia clássica e da filosofia da subjetividade. Para Heidegger o grande erro da tradição metafísica foi o esquecimento do ser. Para ele, a pergunta pelo ser é a fundamental pergunta esquecida na tradição, que além disso forneceu várias denominações do ser que esconderam seu sentido originário. Assim, todas as vezes que o ser foi dito do alto de uma filosofia coisificante ou de uma teoria subjetivante (a teoria do conhecimento da filosofia moderna), aí mesmo ele foi esquecido. O sentido do ser, para a ontologia fundamental, não é um objeto dado, que deve ser descrito ou apropriado (tornado propriedade); da mesma forma, não é uma criação subjetiva. Por isso, a ontologia fundamental significa a recuperação da pergunta pelo ser, mas a partir da existência finita do dasein, o que transforma o caminho do acesso ao ser em via negativa: o ser não se esgota jamais na finitude, mas é exatamente a finitude que o descobre como infinito, isto é, negando qualquer positividade do ser se está revelando-o, porque o ser sempre será mais do que possa dizer sobre ele". In: ALMEIDA, Custódio Luís S. de. Hermenêutica e Dialética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 236.

26 Aqui se entende a presença no mundo como uma participação efetiva do ente "mundano", entendido como aquele que está no mundo, quer dizer, em comunhão com a história, com o seu contexto.

27 ALMEIDA, Custódio Luís S. Op. cit., p. 239.

28 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 192.

29 STRECK, Op. cit., pp. 200-201.

30 STEIN, Ernildo. Aproximações Sobre Hermenêutica. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 19.

31 Op. cit., p. 19.

32 PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986, pp. 210-213.

33 ALMEIDA, Custódio Luís S. de. Hermenêutica e Dialética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p.241.

34 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 201.

35 Op. cit., p. 206.

36 STEIN, Ernildo. Aproximações Sobre Hermenêutica. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 63.

37 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Vol. I. 2ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997, pp. 402-405.

38 GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., pp. 437-445.

39 Destaca Lênio Streck que "com isso, é possível afirmar que, no caso da decisão judicial, o ‘fundamento’ é condição de possibilidade da decisão tomada. Isso ocorre desse modo porque há um sentido que é antecipado (Vorhabe, Vorsicht und Vorgriff) ao intérprete, onde a decisão é parte inexorável (dependente) desse ‘ fundamento’. E a resposta está no seguinte exemplo citado por Heidegger: quando olho para um lugar e vejo um fuzil, é porque antes disso eu já sei o que é uma arma. Sem isso, a questão do sentido do fuzil não se apresentaria, ou seja, o fuzil não exsurgiria como (als) fuzil. É evidente que, em um segundo momento, o julgador vai buscar explicitar esse já compreendido, mediante o aprimoramento do sentido que lhe foi antecipado (que, nos limites da discussão, pode ser denominado de ‘fundamento’, que, na verdade, é um vetor de racionalidade estruturante), a partir de uma racionalidade discursiva. O que quero dizer é que não é possível desdobrar o ato de interpretação em dois momentos: decisão e fundamentação (e muito menos em três, como queria a hermenêutica clássica: primeiro compreendo – subtillitas intelligendi, depois interpreto – subtillitas explicandi, para, só então, aplicar – subtillitas applicandi). Uma faz parte do outro, questão que vem bem explicada pelo teorema ontológico-fundamental do círculo hermenêutico". STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 228/229.

40 Em relação a esse aspecto, gadamer recorre à ética aristotélica (em verdade, há muito de Aristóteles em Gadamer) para demonstrar a diferença entre os conceitos de ‘phrónesis’ e ‘epistéme’, isto é, entre saber moral e saber teórico. O que mostra Aristóteles no seu ‘Ética a Nicômaco’ é que o saber da ‘phrónesis’ não é um saber teórico de natureza pura, quer dizer, independente de qualquer experiência, como no caso do, por exemplo, saber matemático. Não é essa um saber que possa vir a ser alcançado simplesmente pelo recurso disponível de uma ‘tékne’, ou mesmo a um método objetificador. Ao contrário, o que se percebe é um saber que exige do que sabe o enfrentamento com situação práticas, concretas, reais, no mundo, e que devem ser vividas, experimentadas, porque afetam diretamente e imediatamente aquele que conhece.

41 ALMEIDA, Custódio Luís S. de. Hermenêutica e Dialética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p.278.

42 Cf. Gadamer, op. cit., p.346.

43 Só a distância no tempo torna possível resolver a verdadeira questão crítica da hermenêutica, a de distinguir os pré-juízos verdadeiros, sob os quais compreendemos, dos pré-juízos falsos que produzem os mal entendidos. Nesse sentido, uma consciência formada hermeneuticamente terá que ser até certo ponto também consciência histórica e trazer à consciência os próprios pré-juízos que a guiam na compreensão, a fim de que a tradição se destaque, por sua vez, como opinião distinta e ocupe assim o seu lugar.

44 ALMEIDA, Custódio Luís S. de. Hermenêutica e Dialética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 273.

45Cf. Gadamer, op.cit., p. 302.

46 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.228.

47 Destaca o professor Lênio Streck aquilo que ele chama de Nova Crítica do Direito, capaz de realizar uma desconstrução da metafísica vigorante no pensamento dogmático que está predominando no direito. Conforme ele coloca, "a metafísica pensa o ser e se detém no ente; ao equiparar o ser ao ente, entifica o ser, por meio de um pensamento objetificador (Heidegger). Ou seja, a metafísica, que na modernidade recebeu o nome de teoria do conhecimento (filosofia da consciência) faz com que se esqueça justamente da diferença que separa ser e ente. No campo jurídico, esse esquecimento corrompe a atividade interpretativa, mediante uma espécie de extração de mais valia do sentido do ser do direito. O resultado disso é o predomínio do método, do dispositivo de tecnicisação e de especialização, que na sua forma simplificada redundou em uma cultura jurídica estandardizada, onde o direito (texto jurídico) não é mais pensado em seu acontecer". Op. cit., p.227.

48 Cf. Streck, op. cit., p. 227.

49 Musetti, Andreotti. A Hermenêutica juridica de Hans-George Gadamer, site da Justiça Federal.

50 Código de Processo Penal, art. 311: "Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do ministério público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial".

51 Código de Processo Penal, art. 312: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".

52 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.315.

53 No mandado de prisão, o delegado responsável, sem nenhuma prova pericial, arroga-se em capacidade para perceber o estado emocional/psicológico do réu, e afirma de forma preconceituosa que "Não fora isso, o representado, a permanecer solto, certamente voltará a cometer os mesmos atos... ". Não há, ao longo do Inquérito Policial, a formação de certezas que fundamentem essa percepção da autoridade policial quanto a potencial periculosidade do sujeito, todavia, esse pré-juízo não é questionado e é tomado como evidência fundante da necessidade da decretação da prisão preventiva. Ora, todo esse processo está alinhavado em cima da declaração de uma criança de apenas 08 (oito anos), que nem mesmo tem outra testemunha a confirmá-la. Somente a mãe, que no caso concreto se encontrava em processo de separação, mas que nada viu, dá guarida ao relatado pela filha. É importante destacar a observação de ENRICO ALTAVILLA, que em sua obra "Psicologia Jurídica", afirma de forma contundente: "Já disse, e repetirei muitas vezes ainda, que a manifestação da perfeita normalidade psicológica, em relação ao assunto de que tratamos deve procurar-se na distinção precisa entre os elementos percepcionados e os elementos imaginados. Essa distinção é muito imprecisa na criança. ‘A imaginação na criança, diz SIEGHELE, é tão grande que transforma os objetos em seres conscientes e sensíveis, dando o sopro da vida às coisas inanimadas e inertes’... a criança percepciona mais facilmente os detalhes que recordam percepções com elementos de coisas percepcionadas anteriormente, e assim se explica as semelhanças que as dessemelhanças, e as grosseiras mais do que outras. É este o defeito gravíssimo que faz da criança uma testemunha muito perigosa, especialmente para a identificação de um argüido". Lamentavelmente, essa observação de um especialista foi desconsiderada no processo supracitado.

54 Habeas Corpus n.º 73273-9/SC, 2ª Turma do STF, Rel. Ministro Maurício Corrêa, DJU de 03/05/1996, p.13.902.

55Conforme o processo nº. 20400004878, p. 05.

56 Reconhecer papel a qualidades intrínsecas ao réu, é ao mesmo tempo em que se desconsiderar o sujeito mundano, ofensa aos princípios constitucionais que declaram, de forma tão explicita quanto admiram esses seguidores desse discurso objetificante, o paradigma de que é a inocência a presunção primeira, e não a culpa. Todavia, oprimidos pela violência, os representantes do Estado oferecem uma ilusória capacidade de proteção, ao afastarem cautelarmente todos aqueles que podem ser enquadrados pelo discurso generalizante do tipo ideal presente na lei. Não percebem que em agindo, dessa forma, é o sistema como um todo que se vê ameaçado pela ruptura daquele discurso estatal soberano, que mais e mais perde sua capacidade hegemônica para se transformar em mero expediente de imposição formal/legal.

57 Conforme Norberto Bobbio, "... Ordem pública constitui objeto de regulamentação pública para fins de tutela preventiva, contextual e sucessiva ou repressiva, enquanto que a jurisprudência tende a ampliar o conceito ‘material’ de ordem pública até fazer incluir nele a execução normal das funções públicas ou o normal funcionamento das instituições como a propriedade, de importância publicitária (ordem legal constituída). É evidente que uma vez que é objeto de disciplina normativa de um sistema de normas que a têm como objeto e que variam de ordenamento para ordenamento. Por conseguinte, com a variação da inspiração ideológica e dos princípios orientadores (democráticos ou autocráticos, por exemplo), cada ordenamento dará uma disciplina de intervenção normativa e de administração direta tendentes a salvaguardar a Ordem Pública". In BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v.2, 5ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p.851.

58 STRECK, Lênio. Dogmática e Hermenêutica. Cadernos de Pesquisa n.º2, da UNISINOS, 1997, p.23.

59 Op. cit., p.08.

60 Sobre este tema, adverte Lênio Streck que: "há que se examinar o problema que exsurge do modus interpretativo próprio do sentido comum teórico dos juristas. Com efeito, de um lado está sedimentado que ‘a palavra da vítima nos delitos de estupro é de fundamental importância’; de outro, como subespécie desse prêt-à-porter, tem-se ‘a palavra da vítima nos delitos de estupro deve ser convincente’ para a comprovação do delito. Aparentemente, os dois verbetes tratam do óbvio: a palavra da vítima é de fundamental importância (em todos os crimes) e a palavra da vítima deve ser convincente (em todos os crimes). Entretanto, no plano da resolução dos crimes sexuais, por se tratar de delitos praticados quase sempre sem testemunhas, a dogmática jurídica elegeu tais verbetes para servirem de significantes primordiais-fundantes, aptos para um procedimento subsuntivo do intérprete. É como se no verbete ‘a palavra da vítima assume fundamental importância nos delitos sexuais’ estivesse contida a essência da credibilidade da palavra das vítimas de cries sexuais. Ou, de outro lado, na máxima ‘a palavra da vítima deve ser convincente’ estivesse contida a essencialidade do grau de convencimento dos depoimentos das vítimas de crimes sexuais. Na verdade, como a dogmática jurídica ainda pratica dedutivismos, os citados verbetes escondem a possibilidade da aferição da singularidade de cada caso (singularidade que envolve não somente as circunstâncias que cercam o caso, mas a situação social do réu, da vítima e a visão de mundo – faticidade e historicidade – dos operadores do direito encarregados de analisar a lide)." STRECK, Lênio Luiz. Revista do instituto de hermenêutica jurídica. Vol. 1, n. 1. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2003, p. 135-136.

61 É o caso do voto do desembargador Aramis Nassif, que no processo n.º 70003282589, afirmando buscar evitar tautologia, transcreve na íntegra, o parecer do Procurador Dr. Lênio Streck, que afirma que "há nos autos somente a palavra da vítima a confortar a tese acusatória. Não se ignora a corrente jurisprudencial que, em tal espécie delitiva, valora sobremaneira a palavra da vítima, em razão das peculiaridades dessa espécie de crimes. Ocorre que, no caso concreto, a palavra da vítima não foi confrontada por nenhum elemento de convicção sequer. Ao contrário. Além da surpreendente ausência da materialidade do delito – afinal trata-se de vítima com 09 (nove) anos e os réus com 48, 36 e 22 anos, respectivamente, não vieram confortadas por nenhum outro elemento de convicção sequer...... Dito de outro modo, vê-se aqui a importância da nova hermenêutica no sentido de que hermenêutica é sempre aplicação, como bem acentuou Gadamer. Interpretar (e aplicar) não é nunca uma subsunção do individual sob os conceitos do geral. Ou seja, no verbete jurisprudencial ‘a palavra da vítima assume especial relevância nos crimes de estupro’, não está contida a essencialidade (ou o holding) relativa à credibilidade-da-palavra-da vítima nos crimes sexuais". E ele conclui: "Como diz Heidegger, tomar aquilo que ‘é’ por uma presença constante e consistente, considerado em sua generalidade, é resvalar em direção à metafísica".

62Conforme o HC nº. 80.719 – DJ 28/09/2001 – 2ª Turma – julgado em 26/06/2001: "A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR NÃO TEM POR OBJETIVO INFLINGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU. – a prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática de delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável em condenações sem defesa prévia".

63 Diz-nos M. Merleau-Ponty, que "... é verdade que o mundo é o que vemos e que, contudo, precisamos aprender a vê-lo. No sentido de que, em primeiro lugar, é mister nos igualarmos, pelo saber, a essa visão, tomar posse dela, dizer o que é nós e o que é ver, fazer, pois, como se nada soubéssemos, como se a esse respeito tivéssemos que aprender tudo". In: PONTY, M. Merleau-. O Visível e o Invisível. 4ª edi., São Paulo: Perspectiva, 2003, p.16.

64 Segundo Françoise Dastur, "... a sua ‘exemplaridade’ reside no fato de ele se distinguir dos outros entes por ter uma relação com o seu próprio ser e, por isso, lhe pertencer a compreensão do ser". In: DASTUR, Françoise.Heidegger e a questão do Tempo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990, p.55.

65 STRECK, Lênio L. Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 325/326.

Sobre o autor
Antonio Marcelo Pacheco de Souza

advogado criminalista do escritório Amadeu Weinmann, em Porto Alegre (RS), professor de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional em cursos preparatórios para exames de Ordem e concursos, mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, licenciado e bacharel em História e Filosofia, especialista em Ciência Política pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Antonio Marcelo Pacheco. O art. 312 do Código de Processo Penal: o conceito de ordem pública.: Manifestação do poder arbitrário do magistrado ou do exercício da dogmática juridica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 639, 8 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6535. Acesso em: 15 nov. 2024.

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