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O art. 312 do Código de Processo Penal: o conceito de ordem pública.

Manifestação do poder arbitrário do magistrado ou do exercício da dogmática juridica

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Agenda 08/04/2005 às 00:00

II. A PRISÃO PREVENTIVA: O ARTIGO 312 COMO EXEMPLO TÍPICO DA DOMINANTE RELAÇÃO SUJEITO–OBJETO

"Em síntese, pensar na interpretação jurídica como produto de método (s), é pensar que o conjunto normativo (ou o sistema jurídico e tudo o que o cerca) é, inicialmente, algo nu/carente de sentido, que irá receber, da nossa compreensão subjetiva, determinada significação, como se essa significação fosse dada pelo sujeito (do conhecimento) a um objeto, quando com ele ‘confrontado’... Pensar assim é pensar a interpretação como sendo um instrumento de conhecimento! Ora, isso é um equívoco, porque o que existe, de início, é precisamente nossa relação com o mundo (com o direito, os textos normativos, Constituição etc.), ‘no modus de pré-esboços da compreensão’". LÊNIO STRECK

"A existência do ordenamento jurídico, por si só, não garante o fim do direito, qual seja, a justiça. Se assim fosse, já teríamos computadores recolhendo os casos concretos e aplicando neles as leis pertinentes. A natureza e a realidade humana não podem ser tratadas como números ou fórmulas". [50]

Ao olharmos mais detidamente o instituto da prisão preventiva, expresso no Código de Processo Penal a partir do artigo 311 [51] e seguintes, se observa que a maioria dos julgadores busca a sua justificação naquela expressão contida no artigo 312 [52], isto é, a prisão preventiva se justificaria em nome de um ente metafísico contido na expressão "ordem pública".

O que venha a se entender por essa expressão é um verdadeiro mistério, já que nos decretos de prisão preventiva o mesmo aparece sem nenhuma relação com o sujeito e com a sociedade que, aparentemente, busca proteger, já que é descontextualizado de qualquer relação com o fato e com o sujeito que sofrem com os efeitos dessa sanção e, nesse sentido, padece de qualquer significado que satisfaça a compreensão daqueles que são tocados pela sua imposição.

A sentença que a determina é, tradicionalmente, um texto jurídico que sem se preocupar em constituir um sentido com o sujeito que o interpreta, é em sua maioria o maior exemplo de que a palavra jurídica, e o discurso jurídico dos tribunais estão distantes e, infelizmente, despreocupados com a existência do mundo que o cerca.

Como ele se dá, o texto desse artigo 312 do Código de Processo Penal é uma comprovação de que o intérprete é mantido do lado de fora, pois a sentença busca constituir-se num "já-sempre-compreendido em todo o processo de compreensão".

A sentença da prisão preventiva busca instituir um espaço de sentido que não quer entender o contexto, bastando-se enquanto significado em si mesma. É, assim, que a apresentação do texto se dá enquanto absoluta identidade como norma, relativizando a capacidade do observador em interagir com o que está dito.

Assim, nunca esteve tão atual a observação que é destacada por Lênio Streck a partir de uma advertência do filósofo Jean Grondin: "para a hermenêutica, quando se falava do relativismo, este nunca passou de um fantasma, isto é, uma construção elaborada para nos provocar susto, mas que não existe. Na verdade, um relativismo, comumente entendido como a concepção segundo a qual determinada coisa, ou mesmo qualquer coisa, é exatamente com qualquer outra, de fato nunca foi defendido seriamente". [53]

Em realidade, a própria existência desse instituto traz sérias questões, isso porque a prisão preventiva é uma quebra de importantes princípios processuais e constitucionais. É medida excepcional, fundamentada na exclusiva e imperiosa, mas igualmente pouco definida, regra da necessidade.

E a sua aplicabilidade se dá como uma alteração da normalidade, pois o "normal" em nosso ordenamento é que as pessoas venham a enfrentar a substância da pena somente depois que o Estado, respeitado o princípio do devido processo legal, e convencido da culpa do sujeito a declare expressamente, gerando, dessa forma, um nexo de responsabilidade àquele que feriu um bem juridicamente tutelado.

Essa "anormalidade" de aplicação da restrição, ainda que preventivamente restringindo a liberdade de alguém, é uma prática que não se enquadra em regras e condições estabelecidas, pois o sujeito é conduzido à prisão porque somente acusado, mas não condenado. Ainda sem o nexo de culpa certo, é o suspeito que se acredita culpado segregado do seu espaço social.

Ocorre que os conflitos e a violência em nosso país crescem em forma geométrica, enquanto as soluções não conseguem acompanhá-los, já que se dão aritmeticamente. Em sendo assim, um "clamor público" exige do poder judiciário algumas garantias para a manutenção da ordem pública, o que remete a prática da prisão preventiva.

Portanto, o discurso jurídico oficial articula um rol de justificativas para diminuir as críticas que se tecem em torno da aplicação desse tipo de prisão, demarcando, então, o caráter de uma necessidade indeclinável e indispensável, fundamentando tal "logos" numa resposta mediata ao que exige o corpo social. Para que seja legal o decreto que a motiva, o texto de prisão preventiva deve suscitar, manifestamente, a medida excepcional de necessidade, ao mesmo tempo em que deve indicar no texto, as "provas convincentes" dessa alegada necessidade.

Obrigatório afirmar que na grande maioria dos decretos que determinam tal instituto de prisão preventiva, os julgadores não esclarecem em que sentido se dá essa urgente necessidade em se excluir alguém do corpo social. Na ausência de elementos que apresentem a necessidade, os julgadores buscam esconderijo na máxima do conceito de "ordem pública", bem como na imposição de seu papel privilegiado de sujeito-intérprete da realidade social.

Eles, os juízes, partem da máxima de que aquilo que se decide é por si só compreensível, pelo menos para os assim iniciados, e que todos aqueles que não entendem a motivação para tal decisão não conseguiram entender/perceber/compreender aquilo que eles identificaram no caso levado a decisão. Em realidade, tal "significado" oculto se mantém sob um véu metafísico e mítico de um saber soberano e compartilhado apenas por alguns eleitos.

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Contudo, comumente se pode anotar que em boa medida, também não há uma grande atenção à presença de provas convincentes a justificar aqueles meros argumentos de "ameaça" a "ordem pública". É, assim, que a opção para o exercício dessa segregação cautelar vira uma injusta discricionariedade, fruto da capacidade cognoscitiva daquele que aludiu um sentido objetificante ao fato que se lhe apresenta.

Um bom exemplo disso, e que é constituído como estudo de caso paradigmático para o que se afirma aqui, é o processo que tramita na 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sob o n.º 20400004878, ao qual o réu teve a sua prisão preventiva decretada como conseqüência de denúncia da ex-companheira. Por essa denúncia, o réu é acusado de ter praticado atos libidinosos com a enteada de apenas 08 (oito) anos, o que veio a caracterizar o delito do atentado violento ao pudor.

Na peça ofertada pelo Ministério Público, e que corrobora a versão apresentada pela ex-companheira do réu, não há nenhuma outra evidência que justifique a razão para a prisão preventiva, bem como não há nenhuma outra prova que comprove o que foi afirmado no testemunho da vítima. [55]

Em seu arrazoado, o Ministério Público, órgão que igualmente é responsável pela crise do discurso jurídico em nosso país, elabora o seu argumento sem perceber o fato em si, mas a partir de um fato ideal, que pela sua natureza traz uma grande repulsa da sociedade, já que envolve em um dos pólos, a figura de uma criança. Infelizmente, se vive a publicidade do aumento desse tipo de delito, o que amplia o sentimento de que vivemos em uma época de excessiva "banalização do mal".

E, para responder de alguma forma a essa banalização, um discurso pronto, legal, geral e objetificante se oferece aos representantes do poder soberano estatal, justificado pelo clamor social em busca de uma segurança jurídica que por si só já é idealizada.

Justifica-se o órgão ministerial, no que diz respeito ao fato concreto destacado acima, citando a fala do Ministro do Supremo Tribunal federal, Ministro Maurício Corrêa que, em um julgamento anterior destacou que "A garantia da ordem pública ou a segurança da aplicação da lei penal, justificam a prisão preventiva independentemente de quaisquer outras circunstâncias, notadamente a primariedade, bons antecedentes ou a existência de emprego". [56]

Todavia, a prisão preventiva foi decretada mesmo que a partir do pedido da defesa os resultados do laudo pericial, como também do laudo psicológico, bem como do exame de corpo de delito, resultassem todos negativos, afastando-se, assim, da tese da acusação quaisquer outros elementos a fortalecer qualquer evidência de culpa do réu.

Sem levar mais nada em consideração, inclusive desconsiderando o depoimento do réu, e somente valorando o testemunho da vítima que, aliás, foi em grande parte declaração da própria mãe, o réu foi conduzido ao presídio central de Porto Alegre, pois no decreto de sua prisão o julgador fundamentou que "... ademais, justifica-se a prisão preventiva do suspeito visto representar a sua manutenção em liberdade como uma ameaça à ordem pública, pois pode ameaçar e constranger testemunhas, bem como turbar o bom andamento processual". [57]

Está evidente que não é ao caso concreto que se busca compreender, porque não é ele que se interpreta. É a lei, apenas ela. O que está dito nela, definido nesse espaço objetificante e distante de um sujeito real, mundano, temporal, prevalece sobre o ser e o fato concreto. Essa verdade revelada é, assim, forma pungente da incapacidade de se atentar para o contexto, criando-se o império do tipo ideal sob a base do esquecimento do sujeito real.

O que se vê no caso concreto destacado, é que não se pode entender o porquê desse réu vir a se constituir numa ameaça a ordem pública ou num instrumento que possa vir a turbar o andamento processual, já que não está presente nenhuma outra evidência de que o mesmo é uma ameaça, até porque, a vítima foi levada pela mãe para um outro estado, o de São Paulo.

Ausentes, então, os argumentos da necessidade e excepcionalidade, uma vez que o réu não traz em si nenhuma potencialidade intrínseca [57] capaz de ameaçar a existência da legislação administrativa, penal, policial, bem como das instituições estatais que dão andamento ao espaço público do poder do Estado e da sociabilidade do tecido social, como igualmente, a incolumidade física da própria vítima.

Ora, a ordem pública [58] não é um ente, mas é um espaço de linguagem onde a sociedade se reconhece, e onde o Estado, através de seus agentes legalmente reconhecidos pode enfrentar os conflitos e a complexidade que surgem no exercício da convivência entre os indivíduos.

Em tal lógica argumentativa, o sentido que o decreto busca constituir é imposto de dentro para fora, isto é, o intérprete já o recebe pronto, descolado de todas as suas condições de produção.

É uma busca obcecada em dar às palavras da lei uma univocidade que atende aos interesses do julgador soberano que se acredita tanto um ser cognoscente especial, como um produtor privilegiado para dar um sentido jurídico ao fato que lhe é submetido, mas que em nenhum momento ele aceita interagir. Segundo Streck, "Não é temerário dizer que a dogmática jurídica sofre ainda de uma compulsiva lógica da aparência de sentidos, que opera como uma espécie de garantia de obtenção, em forma retroativa, de um significado que já estava na lei desde a sua promulgação. Acredita-se no legislador como sendo uma espécie de onomaturgo platônico ou que o direito permite verdades apofânticas. Há uma constante busca do ‘correto’ sentido, um sentido ‘dado’, um ‘sentido-em-si’, enfim, uma espécie de ‘sentido-primevo’". [59]

Restam, contudo, algumas reflexões: O que significa afirmar que o réu se constitui em ameaça a ordem pública? E o que quer dizer o julgador quando lança no texto a afirmação de que o réu pode vir a turbar o processo? Como contextualizar tais significados arrolados no decreto se os mesmos não estabelecem nenhuma relação com o próprio sujeito que é objeto da análise legal?

Tais reflexões marcam as limitações que são encontradas comumente nesse tipo de decisão, e que estabelecidas em uma lógica metafísica (isto é, além do fato físico, concreto, real), buscam fundamentar uma determinada crença de que a verdade é uma essência inerente ao texto jurídico, realizada por um sujeito soberano que aguarda que ela venha a ser captada por todos aqueles que vêm a experimentar os efeitos de sua onisciente decisão.

Na conclusão do decreto, o julgador destaca que "... a certeza para a formação da culpa do agente está na palavra da vítima. Pois como é sabido, nesse tipo de delito a mesma se caracteriza em fonte incomensurável para a formação da verdade, e que traz ao julgador uma certeza inviolável da culpa". [60]

Observe-se que a palavra da vítima toma a proporção de revelação da verdade, como se isenta de qualquer pré-juízo a lhe informar a sua enunciação, isto é, pura em sua representação, quando ela é apenas uma das "verdades" do fato real, resultado de sua própria temporalidade e tradição.

Não se quer com essa afirmação negar a importância e a relevância da palavra da vítima, mas sim observar que essa acaba por alcançar (já que alçada pelo intérprete da lei) um status de significado fundamental, transcendental, como se ela trouxesse em si uma capacidade fundante do fato que se quer, pretensiosamente, resgatar através dessa excessiva credibilidade que se busca auferir a quem afirma ter sofrido com esse delito. [61]

Infelizmente, a prática dos tribunais demonstra que os julgadores, em sua grande maioria, não querem – ou não podem – perceber a necessidade de situarem a análise dos fatos a todo um universo que não é restrito apenas ao da lei. Aplicam a norma de forma mecânica, ao ponto de transformá-la em um mero expediente da realização de seu poder que impõe, aos sujeitos coisificados – e não aqueles reais – e aos fatos concretos estandardizados, um discurso generalista que não raro, objetifica a realidade em nome da lei escrita.

O discurso jurídico dominante se esconde em nome de conceitos tais como de "ordem pública", "segurança processual", "clamor público" etc., para decretar essa forma de prisão sem anotar para as conseqüências que traz para aqueles que recebem tal medida, pois comumente tal decreto traz para a vida do sujeito que é acusado, antes mesmo de lhe ser concedido o direito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, e antes mesmo da declaração de sua culpabilidade, graves perturbações, pois além de ser arrancado do seu próprio espaço social, as conseqüências econômicas desarticulam a sua unidade familiar.

Obrigatório dizer que o discurso jurídico reconhece esses efeitos, mas olhando-o como tradicionalmente faz a hermenêutica da consciência, os julgadores acreditam que no corpo probatório, ou mesmo apenas em sua capacidade de observação, encontram-se as certezas para a sua decisão.

A contramão dessa tradição objetificante, algumas decisões têm sido tomadas por alguns julgadores que, abrindo-se a filosofia da linguagem, começam a aceitar a hermenêutica filosófica, mesmo que a partir de toda uma reflexão que apropriam daqueles que há muito compreenderam a importância dessa virada ontológica. [62]

Mas essas são situações isoladas. O predominante em "Terra Brasilis", é a tradicional visão objetificante, representada pela decisão-paradigma escolhida para esse trabalho, e que pretende através do seqüestro metodológico do tempo passado, onde mora o fato em sua existência, bem como através da manutenção da visão que percebe o sujeito deslocado do objeto, impor a (velha) argumentação da dogmática jurídica de se chegar ao princípio da "verdade real", absoluta e ordenada a partir da prática de uma deontologia da interpretação do sujeito soberano.

"Clamor público", "ordem pública", "crença na imparcialidade" do juiz em analisar o conjunto de provas, nada disso consegue evidentemente alcançar uma justificativa relevante, pois que a matriz da análise e do entendimento do julgador está equivocada. Tais motivações e circunstâncias não podem servir, já que não conseguem perceber o sujeito que ali está presente.

A única percepção a emergir dessa matriz de pensamento dogmático metafísico é aquela que está contida na lei, no que ela diz e impõe, ainda que coisificando o sujeito e o mundo fora da lei, mesmo que isso signifique atentar contra a própria segurança jurídica, um dos mais sagrados corolários do pensamento jurídico liberal.

Contudo, mesmo nesse espaço aparentemente seguro do positivismo, há contradições, que apesar de levarem a um engessamento da própria argumentação dogmática, não impedem essa matriz de se apresentar predominante.

Como está sendo aplicada, a prisão preventiva é ferimento a um importante princípio constitucional [63], qual seja, o do devido processo legal. Ela parte da reclusão do sujeito, mesmo sem uma sentença que reconhece a culpabilidade que se quer imputar. Antes mesmo de poder exercer o direito a ampla defesa e ao contraditório, o sujeito já está sob o manto da sanção penal.

No imaginário social, os efeitos dessa inversão ao devido processo legal são devastadores, pois a formação da culpa é percepção mais perene do que a certeza da inocência. Ainda mais em uma sociedade que em graus distintos de decantação, não tem como experimentar a reflexão da hermenêutica filosófica.

E isso se aprofunda em uma sociedade em que o medo está deflagrado na própria sintaxe que forma a linguagem dos sujeitos em uma realidade política como a nossa. O medo corrompe a legalidade, e em grande medida, é justificativa para as soluções apressadas e metafísicas do ordenamento jurídico.

Importante destacar que, até esse momento, a crítica esteve voltada para a prática dos tribunais. Sem dúvida que esse é o espaço privilegiado do exercício do poder judiciário, onde o juiz soberano impõe o seu saber/poder de forma discricionária, e não raro, injusta.

Todavia, também na doutrina é perceptível a pobreza em torno do tema da prisão preventiva. Geralmente ela é percebida como espécie de prisão provisória, e apresentada como uma mera repetição daquilo que já está na lei. Curiosamente, os manuais não estabelecem nenhuma reflexão quanto à validade de sua existência, pois igualmente nesse espaço da doutrina, o discurso jurídico se mostra distante da sociedade e do ser mundano.

O que a doutrina faz é simplesmente ratificar o discurso da lei, objetificando o tema da prisão preventiva como se essa prisão (bem assim todos os outros temas tratados pelos manuais tradicionais) existisse (m) por si mesma (os), sem nenhuma relação com a real (idade) ou mesmo com a linguagem no mundo.

Nos manuais utilizados largamente, as explicações a respeito da prisão preventiva apresentam-se desnudadas de qualquer conotação com o espaço social, com o tempo e com o ser, e a tal ponto isso é verdadeiro que o mundo está ausente, estilizado e estandardizado em uma figura atemporal e de clara pobreza reflexiva. O que se percebe é um mundo que não é visto pela doutrina, e que por sua vez não vê o ser mundano que deveria lhe dar sustento. [64]

Nesse sentido, é perceptível que a prisão preventiva é um ferimento aos direitos e as garantias dos indivíduos, não por ela mesma, mas da forma em que ela está fundada. Ao mesmo tempo, tal instituto é preservado por uma sociedade que não mantém nenhuma relação com aquilo que está na Constituição, já que também ela é o resultado desse processo que coisifica a lei, e que a afasta do ser aí no mundo, pois é reduzida a objeto distinto do ser. Infelizmente, também a Constituição é tomada por essa visão predominante e que somente traz insegurança ao tecido social, no instante mesmo em que toda lei é um objeto dos sujeitos, ou vice-versa.

É lamentável que a percepção dos indivíduos sobre os seus direitos e garantias acabe sendo descolada de sua própria inserção no mundo, e que em sociedades de economia emergente como a nossa, o positivismo jurídico desenvolva a estratégia cruel de tornar os princípios como coisas em si mesmas, exatos, e assim, descontextualizados de seu espaço no mundo. Por isso, o saber representativo, metafísico, ao invés de mostrar o ente como ele é, o esconde e o anula, objetificando-o enquanto uma coisa distante do ser que acredita estar em outro mundo que não num mundo de linguagem.

Sobre o autor
Antonio Marcelo Pacheco de Souza

advogado criminalista do escritório Amadeu Weinmann, em Porto Alegre (RS), professor de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional em cursos preparatórios para exames de Ordem e concursos, mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, licenciado e bacharel em História e Filosofia, especialista em Ciência Política pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Antonio Marcelo Pacheco. O art. 312 do Código de Processo Penal: o conceito de ordem pública.: Manifestação do poder arbitrário do magistrado ou do exercício da dogmática juridica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 639, 8 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6535. Acesso em: 15 nov. 2024.

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