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Tranfusão de sangue em testemunhas de Jeová.

A colisão de direitos fundamentais

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Agenda 01/04/2005 às 00:00

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando Direito e Moral se chocam, as conseqüências podem ser nefastas. É de se lamentar que os Testemunhas de Jeová imponham como dogma religioso uma censurável resistência à transfusão de sangue, não se abalando mesmo diante da possibilidade desta recusa provocar a morte de um de seus fiéis. Religiões devem incentivar a vida, e não a morte.

Entretanto, num Estado de Direito Democrático e Social, a liberdade é requisito da democracia. A autonomia individual deve ser respeitada e, com ela, o direito de consciência e de crença. As manifestações religiosas não se limitam ao exercício da religião em templos. Entende-se que pressupõe a prática religiosa, com respeito aos seus dogmas, em todas as circunstâncias da vida.

Dessa forma, admite-se a recusa às transfusões sanguíneas por motivos de foro íntimo: convicções pessoais, religiosas ou não. O próprio Código Civil coíbe a intervenção médica ou cirúrgica, com risco de vida, sem o prévio consentimento do paciente.

Todavia, nosso ordenamento não tolera a liberdade religiosa como direito absoluto. Seria inadmissível: teríamos que conviver com as maiores brutalidades, pois justificativas das mais diversas nunca faltam para as violações dos direitos humanos!!!

Por esse motivo, é razoável que se preserve a vida, acima de qualquer outro direito, quando mais se aproximar da dignidade humana. Não há dúvidas que a transfusão de sangue deve ser feita pelo médico caso o paciente encontre-se em iminente risco de vida ou inconsciente.

Não há dúvidas também que o Judiciário deve retirar um filho menor das mãos dos pais para que seja salva a sua vida. O direito à vida pertence à pessoa humana, ao filho como ser humano, titular deste direito básico da personalidade e, nunca aos seus responsáveis. Admitir o contrário seria o mesmo que homologar um homicídio.

Diante da aparente colisão de direitos fundamentais no caso concreto, faz-se necessária a ponderação dos valores envolvidos, com aplicação dos princípios específicos de Hermenêutica Constitucional, optando-se, finalmente, pelo direito que melhor assegure a dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


Notas

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.385. (grifos nossos)

2 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Transfusão de Sangue. Juris Síntese n°18, jul/ago, 1999. CD-ROOM. (grifos nossos)

3 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo, IBCCRIM, 2001. p. 113.

4 Art. 128, inc.II do Código Penal.

5 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

6 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a Tratamento Terapêutico às Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e Convicções Religiosas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 90. vol.787. 2001. p. 499

7BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a Tratamento Terapêutico às Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e Convicções Religiosas. p. 497.

8 Idem. Ibidem.

9 Idem. Ibidem.

10 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A Honra, a Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade Expressão e Informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. p. 155.

11 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. p.140.

12 BARROSO, Luís Roberto e Ana Paula Barcellos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. In Dos Princípios Constitucionais- Considerações em Torno das Normas Principiológicas da Constituição. org. George salomão Leite. São Paulo: Malheiros, 2003. p.

13 BARROSO, Luís Roberto e Ana Paula Barcellos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. p. 101-135.

14 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. p. 98. O autor, citando Konrad Hesse, ensina que as normas constitucionais devem ser interpretadas de maneira que se evitem contradições com outras normas constitucionais e que a única solução coerente com este princípio é a que se encontra em consonância com as decisões básicas da Constituição e evite sua limitação unilateral a aspectos parciais.

15 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. p. 98. O autor baseia-se nas teorias de Konrad Hesse.

16 Idem, Ibidem.

17 BARROSO, Luís Roberto e Ana Paula Barcellos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. p. 116.

18 BARROSO, Luís Roberto e Ana Paula Barcellos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. p. 116.

19 Idem, Ibidem.

20 ALEXY, Robert Apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. p. 99.

21 BARROSO, Luís Roberto e Ana Paula Barcellos. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. p. 128.

22 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. A autora utiliza a expressão "mínimo existencial" para definir o núcleo da dignidade da pessoa humana, que seria "o conjunto de prestações que cada indivíduo pode exigir do Poder Público com fundamento em sua dignidade".

23 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.418.

24 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil Médico. 5.ed. rev. e atual. à luz do novo Código Civil, com acréscimo doutrinário e jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.176.

25 ROMEO CASABONA, Carlos María Apud CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo, IBCCRIM, 2001.p.164..

26 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a Tratamento Terapêutico às Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e Convicções Religiosas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 90. vol.787. 2001. p. 493-507. Afirma que "o pátrio poder inclui a tomada das decisões que envolvem toda a vida dos filhos menores sob sua tutela. [...] A decisão sobre não se submeter a determinado tratamento médico, como visto, é perfeitamente legítima e, assim, inclui-se, como qualquer outra, no âmbito de decisão dos pais quando se tratar de filho menor."

27 NANNI, Giovanni Etore. A Autonomia Privada sobre o próprio corpo, o cadáver, os órgãos e tecidos diante da Lei Federal N. 9.434/97 e da Constituição Federal. In Cadernos I de Direito Civil Constitucional coodr. Renan Lotufo. São Paulo: Max Limonad, 1999.p.282. Ao fazer esta observação acerca de que o consentimento não se pode presumir, cita Pietro Perlingieri como o criador desta argumentação.

28 NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel Apud CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo, IBCCRIM, 2001.p.164..

29 TJRGS. Apelação Cível. 595000373. 6ª.C.C. Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira. Julgada em 28.03.1995. Disponível em www.tjrs.gov.br. Acessado em 21/09/2004. (grifos nossos).

30 CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de Sangue e Omissão de Socorro. Revista Jurídica n° 246, abril, 1998. p.51.

31 CONSTANTINO, Carlos Ernani. Réplicas às críticas tecidas ao nosso artigo. In http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm. Acessado em 25/09/2004. (grifos nossos).

32 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil Médico. p.173.

33 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil Médico. p.175. (grifos nossos).

34 Idem. Ibidem.

35 TJRGS. Apelação Cível. 595000373. 6ª.C.C. Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira. Julgada em 28.03.1995. Disponível em www.tjrs.gov.br (grifos nossos).

Sobre a autora
Ana Carolina Reis Paes Leme

Advogada formada na Universidade Federal de Uberlândia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEME, Ana Carolina Reis Paes. Tranfusão de sangue em testemunhas de Jeová.: A colisão de direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 632, 1 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6545. Acesso em: 23 dez. 2024.

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