RESUMO: O planejamento tributário é um assunto de importância para o debate empresarial, em face do constante conflito entre contribuinte e o fisco. De um lado a liberdade da iniciativa privada e as suas opções dentro da legalidade e do planejamento e de outro o Estado com o intuito cada vez mais arrecadatório, invocando os princípios da igualdade, capacidade contributiva e solidariedade. Este artigo tem por objetivo analisar o alcance legal do planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro, explicando desde a conceituação de norma geral antielisão, elisão e evasão fiscal, abordando a questão da sua legalidade até o abuso do direito.
PALAVRAS-CHAVE: Planejamento Tributário. Evasão. Elisão. Norma Geral Antielisiva. Legalidade. Abuso de Direito.
INTRODUÇÃO
O artigo que ora se propõe tem por objetivo traçar as principais contribuições epistemológicas no campo do planejamento tributário, em especial a definição de evasão fiscal, elisão fiscal e a norma geral antielisiva.
De início, vem a propor a conceituação desses importantes institutos de direito tributário, vindo a questionar se o planejamento tributário encontra-se no campo da elisão ou da evasão fiscal, quer seja, no campo da legalidade ou não.
Após traçar as notas introdutórias sobre o assunto passa-se a adentrar no campo civilístico, trazendo os conceitos de dolo, fraude e de simulação, que são de vital importância para a compreensão desse tema.
Definidas as bases do estudo em voga, passa-se a pesquisa ao polêmico artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, conhecido como norma geral antielisiva ou antiabusiva, trazendo as principais correntes doutrinárias, diante das suas implicações na vida prática empresarial.
A partir desse estudo, pode-se adentrar ao derradeiro item do artigo sobre a questão da legalidade do planejamento tributário ou de eventual abuso desse direito.
Com isso, questiona-se: O planejamento tributário situa-se no campo de legalidade ou não, enquadrando-se no conceito de elisão ou evasão fiscal? É possível a aplicação das teorias civilísticas no campo do direito tributário, em especial os conceitos de dolo, fraude, simulação e até mesmo abuso do direito? Há aplicação da norma geral antielisiva descrita no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional? E ainda é possível a empresa fazer um planejamento tributário e estar protegida dentro do princípio da legalidade?
Enfim tentar responder ao questionamento central consistente em que medida o planejamento tributário está inserido ou não dentro do campo da legalidade.
O método utilizado será o teórico-bibliográfico, que se concretiza na análise de obra, livro e artigo que tratam do assunto, tendo o método dedutivo como base de organização deste trabalho, pois se pretende teorizar do aspecto geral para o particular, realizando-se análise de legislação e tomando posições à luz das hipóteses apresentadas neste artigo.
1 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: ELISÃO OU EVASÃO FISCAL?
Há uma discussão jurídica acerca do planejamento tributário, em especial se afeta ou não o campo da legalidade, se abarca o conceito de evasão ou e elisão fiscal. Dentro desse campo fértil e de instigável debate que se inicia o primeiro item do presente artigo sobre o planejamento tributário.
Antes de adentrar nas diversas teorias que circundam essa temática, convém conceituar o planejamento tributário, que segundo Demetrius Nichele Macei consiste em uma “conduta lícita do contribuinte em realizar seus negócios jurídicos de forma a sofrer menor tributação possível evitando a ocorrência da hipótese de incidência ou minimizando seus efeitos sem, contudo, agir de forma ilícita.” (2014, p. 1073)
Observa-se na presente conceituação que o planejamento tributário é uma conduta lícita do contribuinte, ou seja, atua de acordo com a lei, estando para tanto dentro do princípio da legalidade, tendo por objetivo pagar menos tributo, através de um negócio jurídico, sendo que com tal conduta o contribuinte consegue o mister de evitar ou simplesmente minimizar a ocorrência da hipótese de incidência, não nascendo portanto nenhuma obrigação tributária.
Dentro da situação jurídica acima há a noção jurídica de elisão fiscal, eis que no planejamento tributário tem-se uma atuação prévia, no sentido de evitar a ocorrência da hipótese de incidência, evitando por conseguinte a subsunção do fato a norma jurídica tributária, sendo o negócio jurídico considerado lícito, obedecendo o princípio da legalidade.
Diferente é o que ocorre no campo da evasão fiscal, que incide após a ocorrência do fato gerador, com a subtração de informações e um recolhimento menor de tributo de forma ilícita, com o que vulgarmente se chama de sonegação fiscal.
Conforme se aferirá nas linhas que seguem o conceito que está se adotando no presente artigo é que a elisão é legal e a evasão não, entrando esta no campo da ilicitude ou ilegalidade, com o que a conceituação de planejamento tributário, respondendo ao questionamento do item inaugural do presente artigo, circunda dentro do campo da elisão fiscal, conforme corrente doutrinária majoritária que segue abaixo exposta.
Assim cumpre trazer algumas diferenciações técnicas doutrinárias entre elisão e evasão fiscal, seus critérios, antecedentes e consequentes.
Antônio Roberto Sampaio Dória foi um dos primeiros doutrinadores brasileiros a trazer a diferenciação entre evasão e elisão no campo tributário, sintetizando esses conceitos em sua obra específica dessa temática nos seguintes termos: “Reservamos os termos fraude e evasão para exprimir a ação tendente a eliminar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo devido, e os de elisão ou economia fiscal para a ação tendente a evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador”. (1977, p. 46)
Vittório Cassone adota um critério cronológico fazendo a seguinte diferenciação entre elisão e evasão fiscal. Primeiramente define a elisão fiscal como um “o ato formal e substancialmente legítimo praticado antes do surgimento da situação definida em lei como necessário e suficientes à ocorrência da obrigação tributária, com o fim de evitar a incidência tributária plena ou diminuir o tributo”. Por outro lado define a evasão fiscal como “todo ato (ou omissão) ilegítimo, praticado durante ou após a ocorrência do fato gerador, com o fim de evitar, reduzir ou retardar o pagamento de determinado tributo” (1998, p. 217). Mas há críticas com essa diferenciação, não sendo um critério seguro, sendo para tanto incompleto.
Um dos doutrinadores que tece críticas ao critério cronológico é Heleno Taveira Tôrres descrevendo que somente com a análise da natureza do negócio jurídico é que se poderá prosperar como método seguro para tal finalidade, devendo ser colocado em prática para que se possa verificar o efetivo ato jurídico realizado pelo contribuinte (2002, p. 40-41). Com isso no item que segue será aprofundado o estudo desses institutos jurídicos, seja no âmbito civil ou tributário, a fim de se apurar a real intenção do negócio jurídico planejado.
Ives Gandra da Silva Martins conceitua a elisão fiscal como o “procedimento utilizado pelo sujeito passivo da relação tributária, objetivando reduzir o peso da carga tributária, pela escolha, entre diversos dispositivos e alternativas da lei, daqueles que lhe permitem pagar menos tributos” (1998, p. 120), sustentando o mesmo autor que a elisão é permitida no direito brasileiro, mas a evasão não, pois “além de representar infração administrativa, muitas vezes implica delito penal, desde que a lei a defina como tal” (1998, p. 121), adentrando no campo da simulação, fraude e sonegação.
Acerca da diferenciação entre elisão e evasão Paulo de Barros Carvalho informa que “enquanto a primeira (elisão) é lícita, consistindo na escolha de formas de direito mediante as quais não se dá a efetivação do fato tributário, e consequentemente, impedindo o nascimento da relação jurídica, a segunda (evasão) decorre de operações simuladas em que, ocorrido fato de relevância para o direito tributário, pretende-se ocultá-lo, mascarando o negócio praticado.” (2011, p. 83)
Assim o entendimento até então descrito consiste a elisão no campo da legalidade e a evasão como um ato ou negócio jurídico ilegal, base da conceituação de planejamento tributário que foi adotada.
Mas para Hugo de Brito Machado (2006, p. 150) a situação conceitual ocorre de forma inversa, conforme se confere no recorte abaixo:
[...] se tivermos, porém, de estabelecer uma diferença de significado entre esses dois termos, talvez seja preferível, contrariando a preferência de muitos, utilizarmos evasão para designar a conduta lícita, e elisão para designar a conduta ilícita. Realmente, elidir é eliminar, ou suprimir, e somente se pode eliminar, ou suprimir, o que existe. Assim, quem elimina ou suprime um tributo, está agindo ilicitamente, na medida em que está eliminando, ou suprimindo a relação tributária já instaurada. Por outro lado, evadir-se é fugir, e quem foge está evitando, podendo a ação de evitar ser preventiva. Assim, quem evita pode estar agindo licitamente [...]
Em que pese a divergência minoritária da conceituação ora tratada, não é o que prevalece na doutrina, com o que como já fora mencionado no presente artigo a classificação adotada é no sentido de que e elisão é permitida pelo direito de uma forma geral, já a evasão não, abarcando a fraude, dolo e simulação, conforme se delineará melhor no item que segue.
Avançando um pouco mais nessas notas introdutórias destaca-se os ensinamentos de Marco Aurélio Greco em estudo aprofundado sobre o planejamento tributário em que vem a trazer algumas fases. A primeira de uma ampla liberdade do comportamento do contribuinte, podendo escolher as medidas para haver uma redução ou até mesmo eliminação da carga tributaria, adotando livremente condutas antes do fato jurídico tributário, constituindo procedimentos lícitos, salvo se praticar simulação. Na segunda fase ainda predomina a liberdade comportamental do contribuinte, podendo agora ser contaminado não só pela simulação, mas também pelo abuso de direito e fraude à lei. E na terceira fase acrescenta o princípio da capacidade contributiva, com a adoção de uma solidariedade social e da dignidade da pessoa humana. (2004, 115-312).
Dentro dessas fases acima descritas observa-se inicialmente a prevalência dos princípios da legalidade, liberdade, livre iniciativa do contribuinte, que dentre as opções disponíveis irá adotar as medidas necessárias para a incidência de uma menor tributação, mas com o passar do tempo há um rigor maior por parte do Estado, fiscalizando inclusive as situações elisivas, passando a adotar uma postura antielisiva, pregando a aplicação com maior rigor da igualdade, sob a alegação de quem com menor recolhimento há prejuízo social, devendo assim buscar pelo cumprimento da solidariedade social e consequente dignidade do cidadão.
Assim o Estado busca evitar os meios de elisão e combater a evasão, esta última porque é uma economia ilegítima de tributos.
Esse é o tema instigante do planejamento tributário, assunto complexo e que atinge a economia de tributos por parte da empresa, gerando uma maior competitividade, ainda mais diante da globalização. Mas não se pode olvidar que afeta o Estado com menos arrecadação. Entende-se que a elisão é uma economia legítima de tributos, não sendo passível de censura, diante da atuação dentro da legalidade, eis que o contribuinte age dentro dos parâmetros da lei, constituindo uma situação jurídica de economia e redução de gastos, uma tendência inarredável da atividade econômica empresarial.
Observa-se que no campo da elisão e evasão fiscal há diversos interesses em conflito, de um lado a empresa tentando pagar menos tributos, seja utilizando de recursos lícitos ou não, e de outro o Estado perdendo tributação, com o que vem a atacar e fiscalização tal situação, havendo campo fértil para diversas discussões jurídicas e principiológicas, desde o principio da legalidade, liberdade, segurança jurídica, igualdade, capacidade contributiva, solidariedade, no campo constitucional tributário, adentrando ainda nas teorias civilistas do dolo, simulação até o abuso de direito e de forma, conforme se aferirá adiante.
2 TEORIAS CIVILISTAS APLICADAS NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA GERAL ANTIELISIVA
Conforme descrito no artigo 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional (CTN) o lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação, podendo assim desconsiderar o ato ou negócio jurídico praticado nessas circunstâncias.
O artigo do Código Tributário Nacional é expresso em descrever as hipóteses de dolo, fraude ou simulação. Dolo é a intenção de causar dano ou prejuízo a outrem, sendo o negócio jurídico objeto de anulação, conforme previsão no artigo 145 do Código Civil. Já a fraude é um termo mais genérico e que se consuma sem qualquer participação do prejudicado. E a simulação pode ser relativa ou absoluta, havendo nesta uma declaração de vontade não verdadeira, sendo que nessa roupagem jurídica há uma inexistência do negócio e naquela um negócio diverso, sendo nulo o negócio jurídico simulado, subsistindo o que se dissimulou, se for válido na substância e na forma, conforme preleciona o artigo 167 do Código Civil.
Antes de adentrar melhor nesses conceitos civilísticos cumpre mencionar sobre a divergência da aplicação desses institutos de direito civil no campo tributário.
João Francisco Bianco discorda da aplicação dos institutos do direito privado, pregando um sistema tributário fechado, afirmando que “o novo Código Civil, trazer algumas alterações ou dispor de uma forma um pouco diferente, o comentário que eu faço é nesse sentido: ela vai ser utilizada para reger as relações entre os particulares, mas não vai ter qualquer aplicação no âmbito do direito tributário”. (2004, p. 133)
Mas há vozes contrárias no sentido de que pode sim haver influência dos institutos de direito privado no direito tributário, com o que concorda e partirá dessa premissa no subitem que segue, até mesmo porque a divisão em ramos do direito é por uma questão didática, diante da unicidade da Ciência do Direito.
Heleno Tôrres após analisar o conteúdo dos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional, em especial que os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários, vem a constatar:
Desta forma, o legislador pode operar qualquer cálculo de relações com os conceitos e institutos e formas de direito privado, ressalvados os limites constitucionais, operando; i) mediante transferência de conceitos; ii) por aplicação análoga das disposições de direito privado ao tributário; ou, iii) mediante criação autônoma ou mutação de conceitos de direito privado. E quando em presença de um conflito de qualificações, relativas aos elementos da hipótese de incidência, por ausência de regra para resolver tal tipo de antinomia, entre normas de direito privado e normas tributárias, visto que não se aplica a regra da especialidade, há de prevalecer sempre, quando norma geral não disponha de modo diverso, o quanto preveja o direito privado. (2003, p. 84.)
Aplicando no direito tributário as teorias civilistas passa-se na sequência a definir melhor os conceitos de dolo e simulação.
2.1 DOLO, FRAUDE E SIMULAÇÃO
As hipóteses de dolo, fraude e simulação são classificadas como de evasão tributária, diante da ilicitude dessas condutas, podendo o ato ou negócios jurídicos serem desconsiderados de ofício pela autoridade administrativa, após o regular processo administrativo, com garantia do contraditório e ampla defesa ao contribuinte, em obediência ao mandamento constitucional. Entretanto o artigo 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional não traz a definição do que seria o dolo, fraude e simulação, razão pela qual a conceituação de dolo e simulação se irá buscar no Código Civil/2002, que como descrito no item anterior pode ser sim aplicável no direito tributário.
Dolo é um artifício ardiloso, utilizado para enganar além, com o fim de angariar interesse próprio, sendo a arma do estelionatário (TARTUCE, 2011, 205-206).
Conforme artigo 145 do Código Civil são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa, conceituando Flávio Tartuce como sendo o dolo essencial, substancial ou principal, complementado o doutrinador que “uma das partes do negócio utiliza artifícios maliciosos, para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando obter vantagem, geralmente com vistas ao enriquecimento sem causa.” (2011, p. 206) Assim no dolo há uma intenção, uma provocação de outrem para agir em erro, sendo um erro provocado.
O Código Tributário Nacional não definiu o que seria simulação, razão pela qual se busca também a sua conceituação no campo do direito civil. O atual código privado eiva de nulidade absoluta a simulação, diferentemente do código anterior de 1916 que era objeto tão somente de anulabilidade.
Assim o artigo 167 do CC/02 descreve que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma, estando tratando no caput desse dispositivo da simulação relativa, com o que o negócio aparente é considerando nulo, podendo o negócio dissimulado (negócio maquiado) ser considerado válido, ou seja, há dois negócios jurídicos, um aparente e outro dissimulado, sendo o aparente considerado nulo e o que se dissimulou válido na sua forma ou substância. Já na simulação absoluta tal situação não é possível, eis que na aparência há um negócio e na essência não se deseja negócio jurídico algum.
No § 1o do artigo 167 ora em análise se arrola outras hipóteses exemplificativas em que haverá simulação nos negócios jurídicos, quer seja, quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
Francisco Amaral descreve que na simulação do negócio jurídico vem a resultar “incompatibilidade entre esta e a finalidade prática desejada concretamente pelas partes, que desejariam, na verdade, atingir o objetivo diverso da função típica do negócio.” (2003, p. 531)
Flávio Tartuce conceitua a simulação como sendo “um desacordo entre a vontade declarada ou manifestada e a vontade interna”, havendo um conflito entre a vontade real e a que foi declarada, reiterando haver uma discrepância entre a essência e a aparência. (2011, p. 217)
Por fim, com relação ao conceito de fraude busca-se nas normas de direito tributário tal explicação, com base no artigo 72 da Lei 4.502/64, que dispõe sobre o imposto de consumo e reorganiza a diretoria de rendas internas, em especial na parte que descreve sobre as penalidades, informando tal dispositivo que a fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento. Sendo a fraude então um gênero.
Fica claro que nas hipóteses de dolo, fraude e simulação são de evasão tributária, conforme o conceito adotado no presente artigo, podendo a administração desconsiderar o ato ou negócio jurídico eivado desses vícios e efetuar o lançamento de ofício, instaurando um processo administrativo para tanto, com o regular direito de defesa e contraditório. Sendo que tais hipóteses de evasão tributária como já descrito são vulgarmente conhecidas como sonegação fiscal, sendo para tanto condutas ilícitas, não sendo, por conseguinte elisão.
Ainda observa que o artigo 166 do Código Civil eiva de nulidade o negócio jurídico quando for ilícito o seu objeto, tiver por objetivo fraudar lei imperativa, exemplos de situações de evasão fiscal, diante da ilegalidade da conduta, não respeitando o princípio da legalidade, mas os demais detalhes dessa interpretação será retomado adiante.
Entretanto tais conceitos civilísticos ainda são insuficientes para o estudo mais completo do planejamento tributário, sendo necessário ir além, trazendo agora a baila o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, estando no bojo desse dispositivo a expressão dissimulação, conforme também se aferirá no item que segue, sendo que a simples definição de elisão ser legal e a evasão ilegal não resume o problema, eis que tal temática tornou-se mais palpitante com a importação do direito alienígena do que se chamou de norma geral antielisiva.
2.2 NORMA GERAL ANTIELISIVA
Com base na eventual aplicação de uma norma antielisiva, seja com base no Código Tributário Nacional, seja com base nas teorias civilistas, passa-se a adentrar nessas teorias que podem ser aplicadas na prática para se evitar o comportamento antielisivo ou até mesmo antiabusivo.
Tal assunto tornou-se de vital importância após a mudança do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, considerado como uma cláusula geral antielisão, visando reprimir o abuso de direito, razão pela qual será delimitado um pouco mais dessa teoria.
O artigo 116 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar n. 104, de 10/01/2001 descreve que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Na exposição de motivos do projeto da Lei Complementar n. 104/2001 há no item 6 a menção expressa de que a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito (Mensagem n. 1.459. In: Diário da Câmara dos Deputados. n. 48931. 16 de outubro de 1999, p. 47).
Há discussão doutrinária acerca desse polêmico artigo 116 ora mencionado, tendo posição desde ser uma norma geral antielisiva, outros que seria antiabuso, outra que não foi novidade aplicando os casos de simulação, fraude e dolo, já previsto no artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional, sendo uma norma antievasão e não antielisão, há ainda posicionamento sobre sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e segurança jurídica.
Passa-se a mencionar o posicionamento de alguns doutrinadores.
Em uma primeira corrente entende-se ser constitucional a norma geral antielisão ou antiabuso, indo de encontro com os princípios constitucionais, em especial da igualdade e capacidade contributiva, não havendo nenhuma violação ao direito dos contribuintes. Partilha desse entendimento Ricardo Lodi Ribeiro, alegando que tal interpretação veio do direito francês, com o combate ao abuso de direito, fraude à lei, abuso de forma, desconsideração da personalidade jurídica e a intenção negocial, informando nesse sentido que:
A elisão fiscal que deve ser afastada é a prática abusiva, baseada na dissimulação do fato gerador, que não pressupõe necessariamente a prática de ato ilícito como ocorre na simulação. [...] O Brasil, por meio do parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzido pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, adotou o modelo francês, ao eleger uma fórmula ampla de combate ao abuso de direito, o que é revelado pela utilização da expressão dissimulação, contida no referido dispositivo pátrio, que engloba as modalidades de fraude à lei, abuso de forma, desconsideração da personalidade jurídica e o teste da intenção negocial. (2003, p. 357)
Parcela desse entendimento encontra guarida por Marco Aurélio Greco, expondo pela possibilidade da aplicação da norma antielisiva, sem violação da Constituição Federal, mas alertando que para a desconsideração será necessário a composição de um órgão colegiado com a participação da sociedade civil, para garantir não só o direito da igualdade e da capacidade contributiva por parte do fisco, mas igualmente a legalidade, liberdade e livre iniciativa por parte do contribuinte (2004, p. 438), entendendo ainda que os casos de simulação, fraude e dolo não se aplica o artigo 116, parágrafo único, do CTN (2004, 427). Asseverando que "a própria noção de Estado Democrático de Direito repele uma norma antielisão no perfil meramente atributivo de competência ao Fisco para desqualificar operações dos contribuintes para o fim de assegurar de forma absoluta a capacidade contributiva." (1999, p. 10)
Já a inconstitucionalidade é defendida dentre outros por Eduardo Gomes Botallo, alegando a violação de diversos princípios constitucionais, dentre os quais se destacam segurança jurídica, propriedade, liberdade, razoabilidade e proporcionalidade (2004, p. 185).
E ainda há a corrente que prega que a norma seria de anti-simulação ou antievasão, em sintonia com o artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional, não sendo inconstitucional, como defende, por exemplo, Sacha Calmon Navarro Coelho (p. 17), acrescentando nesse sentido James Marins que a palavra dissimulação é uma das hipóteses de simulação, em especial a simulação relativa (2002, p. 117), não tendo o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional trazido nada de novo.
Luciano Alaor Bogo também aborda essas três correntes em sua dissertação de mestrado sobre elisão tributária: licitude ou abuso de direito, o que após a citação de diversos doutrinadores chega a conclusão de ser um gênero de simulação, com o que concorda com as suas palavra, quer seja:
Nesse contexto, não obstante a intenção do legislador tenha sido diversa, conforme dá conta a leitura da exposição de motivos, acima transcrita, entende-se que o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, ao dispor sobre “a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”, deve ser interpretado como se referindo ao gênero “simulação”. (2005, p. 248)
Mais adiante o autor descreve que é possível a criação de uma norma geral de repressão à elisão tributária com abuso de direito ou infração indireta à norma tributária, como era pretendido na alteração do artigo 116, parágrafo único, Código Tributário Nacional (BOGO, 2005, p. 256).
Em sintonia com a corrente adotada nesse artigo Demetrius Nichele Macei esclarece que pese as diversas correntes doutrinárias cima apontadas a doutrina majoritária aponta no sentido de que o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional trata do que já estava previsto na legislação civil, que é a nulidade de atos jurídicos simulados (2014, p. 1077).
Importante mencionar que o parágrafo único do artigo 116 ainda não foi regulamentado, possuindo eficácia limitada, dependendo de lei ordinária para a sua aplicabilidade. Então aguarda-se as próximas manifestações doutrinárias e publicações legislativas, pois o tema é polêmico e está longe de por um basta na questão, razão pela qual passa adentrar no item principal e foco desse trabalho que é acerca da legalidade do planejamento tributário.