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A ineficácia do Direito

Agenda 03/05/2018 às 11:03

O artigo tratará do fenômeno da ineficácia do direito, que decorre do desrespeito às normas estabelecidas, em que pese a profusão de direitos variados. Se de um lado temos uma gama de direitos, de outro encontramos forte ineficácia desses mesmos direitos.

Introdução

O presente artigo tratará do fenômeno contemporâneo brasileiro da ineficácia do direito. Em breves notas, explicaremos no que ele consiste, quais as suas razões e seus efeitos no âmbito da sociedade, objetivando demonstrar a relação entre o referido fenômeno e o pensamento de esquerda, notadamente o marxismo crítico da Escola de Frankfurt. Advertimos que o artigo não está fundado em extensa bibliografia, porque o estudo não está voltado ao esgotamento do tema, querendo, ao contrário, promover a sua rápida constatação. Ademais, sobre o assunto ora tratado, não há bibliografia autorizada específica, razão pela qual o presente estudo foi construído pelo conhecimento internalizado pelo autor e teve como matriz o pensamento de Russell Kirk, notadamente o externado na obra “A política da prudência”.

Para cumprir com o seu intento, o artigo faz um esboço dos efeitos do marxismo crítico, sintetizando-o na quebra do tradicional sistema moral de matriz judaico-cristão, o que influencia no modo como o direito é visto, passando de meio ordenador da sociedade e garantidor do pacto social para meio de satisfação individual apenas, movimento que importa na quebra de sua eficácia.

À guisa de delimitação do tema, o presente artigo não investigará se o fenômeno ora tratado é um efeito desejado ou meramente colateral do pensamento crítico de esquerda, porque referida polêmica não acrescentaria muito ao estudo, tendo em vista o seu objetivo pretendido.

Para bem cumprir nosso intento, o presente estudo foi elaborado com base nos métodos dedutivo, indutivo e dialético.

No que se refere à estrutura, o trabalho foi elaborado em dois capítulos. No primeiro, descreveremos o problema da ineficácia do direito e as razões do fenômeno. Nesse capítulo, procuraremos demonstrar o paradoxo instalado no direito atual, caracterizado por uma proporção inversa. No segundo capítulo, analisaremos em profundidade os motivos pelos quais o direito está perdendo a eficácia.

O problema e a sua razão

Estamos a viver uma época estranha do ponto de vista do Direito, porque, embora estejamos valorizando-o cada vez mais, nunca antes ele esteve tão desprestigiado, haja vista o constante desrespeito que a sociedade nutre por ele. Se de um lado temos uma gama variada de direitos, de outro encontramos uma forte ineficácia desses mesmos direitos.

Essa situação ocorre em dois planos diversos, porém complementares e interdependentes. Referimo-nos aos planos individual e coletivo. Individualmente, temos e valorizamos cada vez mais os direitos, mesmo que expresso em comandos absolutamente genéricos, tal qual o muito famoso e, por isso, muito vazio “princípio da dignidade da pessoa humana”. Nesse ambiente, não há campo da vida que não esteja coberto por um direito, muitas vezes apenas pretenso e onírico, porque irrealizável haja vista as condições políticas do momento.

Essa percepção de poder particular leva os indivíduos a bradarem aos quatro ventos ilimitada e indefinidamente: “tenho direito a isso e àquilo”, levando-os a assumir comportamento absolutamente egoísta, o que contribui muito para a ineficácia do Direito. Resumidamente, portanto, no plano individual vivemos uma onda de autodeclaração de direitos. Mas isso não significa que esses direitos são eficazes. A eficácia do direito se dá no plano social ou coletivo.

Já disse Miguel Reale que não basta o direito ser declarado. Ele precisa ser reconhecido pelo corpo social (1996, p. 135). É do reconhecimento que se tem a eficácia. Daí porque dissemos que os planos individual e coletivo são distintos, porém interdependentes. No individual, temos a declaração; no coletivo, temos a eficácia.

Entretanto, verificamos que o direito não tem sido eficaz. E isso está ocorrendo, porque a sociedade não tem reconhecido aqueles direitos autodeclarados e não o faz porque, individualmente, não respeitamos o direito alheio. Individualmente, perdemos a percepção de limites. Assim, não importa quantas declarações sejam feitas se não há o respeito recíproco. Em termos de eficácia do direito, estamos em uma nau dos insensatos.

Esse é o paradoxo instaurado no Direito. Esse paradoxo, segundo nos parece, decorre da difusão da cultura da impunidade, efeito das ideias difundidas pelo pensamento de esquerda atualmente dominante, que procura revolucionar o mundo pela cultura. Essa cultura da impunidade impôs efeitos deletérios à moral individual, consagrando, entre nós, aquilo que se convencionou chamar “Lei de Gérson”, comportamento hoje tido por como normal.

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Direito e esquerda

Dissemos que o problema da ineficácia do direito reside no comportamento individual egoísta, pouco preocupado com o corpo social. E dissemos que referido comportamento é estimulado pelo pensamento de esquerda, notadamente o promovido pela Escola de Frankfurt. Aqui cabe uma advertência: não examinaremos se referido estímulo é proposital ou se é apenas um efeito colateral. Apenas explicaremos o fenômeno.

Sabemos que um dos compromissos do Instituto para Pesquisa Social (Institut für Sozialforschung), fundado em 1923 na cidade de Frankfurt, era moldar a sociedade ocidental pela transformação da cultura, visando à demolição do edifício ético alinhado aos preceitos conservadores, revelados pela matriz judaico-cristão e pelos ensinamentos greco-romanos, para a construção de uma nova ordem, alinhada com o pensamento marxista crítico.

Portanto, o objetivo da Escola de Frankfurt era a promoção da revolução cultural e seus principais expoentes se dedicaram sistematicamente a isso, atuando nos mais variados campos de investigação, indo desde a moral até a psicanálise. Nesse ponto, os pensadores frankfurtianos realizaram, inclusive, um diálogo entre Freud e Marx para afirmar que a cultura ocidental era fundada em um pensamento autoritário.

Dentre os principais expoentes dessa escola de pensamento, podemos destacar Max Horkheimer, Theodor Adorno, Erich Fromm e Herbert Marcuse. As ideias desses pensadores moldaram o pensamento cultural do Ocidente, porque introduziram conceitos que hoje são formativos do senso comum coletivo, que está mais voltado ao pensamento de esquerda, que é revolucionário por sua natureza. E tendo essas qualidades (esquerda revolucionária), é preciso dizer que os tradicionais valores morais são os alvos dessa corrente de pensamento. É por essa razão, que hoje vivemos numa época de total desapreço aos valores tradicionais, relacionados aos conceitos de trabalho honesto, respeito ao próximo, apreço à ordem e à disciplina vigentes.

Nesse sentido, podemos citar Claudio Grass, para quem a “Escola de Frankfurt alegava que sua Teoria Crítica da Sociedade era a teoria da verdade.  A filosofia ocidental, de Santo Tomás de Aquino a Kant, passando por Hegel, Fichte, Schellin e Goethe, deveria ser sumariamente descartada e substituída pelas regras próprias e dogmáticas da Escola de Frankfurt, a qual continha todas as diretrizes do ‘pensamento correto’. Nas áreas da sociologia e da filosofia política, a Teoria Crítica foi além da interpretação e da compreensão da sociedade; ela se esforçou para sobrepujar e destruir todas as barreiras que, em sua visão, mantinham a sociedade presa em sistemas de dominação, opressão e dependência” (2016, p. 1).

Todo esse aparato dogmático construído e promovido pela Escola de Frankfurt e a sua revolução cultural, pode ser sentido nos dias atuais, em que está desacreditado todo comando normativo tradicional, que é tido como opressor. Não temos mais instituições firmes, porque tudo está em descrédito. Sociedade ordenada, família e religião estão colapsadas, porque foram sistematicamente atacadas pela teoria crítica frankfurtiana. Essas instituições foram atacadas justamente porque congregavam o pensamento tradicional, segundo o qual é preciso dar a cada segundo suas obras.  Hoje, não temos mais o conceito de sociedade ordenada pelos princípios de respeito mútuo; a família não exerce mais a função de essencial escola do indivíduo, visto que a autoridade dos pais e avós estão eliminadas; a religião perdeu a função de vetor de alta moralidade.  

Isso tudo somado tem promovido cada vez mais gerações de indivíduos poucos afeitos ao trabalho honesto (cultura do banditismo), ao estudo, ao respeito e à autossuficiência, conduzindo às práticas de vitimização. Em todos os setores sociais é possível verificar transgressões, desde as menores até as maiores, que revelam o baixíssimo nível moral a que estamos submetidos. Essas transgressões podem ser sintetizadas pelo fenômeno da privatização do público. Todos os espaços públicos estão privatizados, de modo que cada um quer viver a seu modo particularizado, pouco importando os reflexos havidos no espaço público e ainda querem o recorrente apoio estatal para tal, não sendo permitido qualquer espaço para contraditas públicas.

No direito, essa influência se revela pela quebra do conceito de reciprocidade jurídica, o que ocasiona a perda da eficácia social do direito. A reciprocidade jurídica é a garantia da eficácia do direito. O direito só pode ter aderência social se houver a consciência coletiva que a todo direito corresponde um dever. Essa regra, entretanto, encontra exceção nos direitos humanos, que são inerentes ao indivíduo, pouco importando se assumem ou não comportamento desviante.

A eficácia social a que nos referimos é a aquela relativa ao pacto social. Trata-se, portanto, do reconhecimento, por parte do corpo social, da natureza limitante do direito e não do conceito segundo o qual o direito deve satisfazer os anseios privados de cada individuo. Esse último conceito é o direito ideal, verificado do ponto de vista do conceito de justo. É esse direito que deve ser perseguido no plano político, mediante os meios disponíveis pela Constituição Federal, ou seja, pela representatividade ou pela democracia direta. O que não pode ocorrer, em tempo de normalidade institucional, é o descumprimento do direito para satisfazer os interesses particularizados, sob pena de sacrificar a reciprocidade, tal qual comumente ocorre nos dias de hoje.  

Sob o crivo da crítica, o direito hoje padece de falta de reciprocidade. E isso ocorre porque o pensamento crítico de esquerda, especialmente o frankfurtiano, introduziu na sociedade, entre outros conceitos, a ideia de que o direito, balizado pelos preceitos morais judaico-cristãos, é meio de dominação social, devendo a classe de oprimidos (segundo eles) lutar contra isso.

Entretanto, essa luta não foi proposta no plano da consciência, isto é, no plano da luta revolucionária armada ou política, tal qual a proposta pelo pensamento de esquerda puro (Marx e Lenin). Essa luta foi proposta no plano da subconsciência. Trata-se, portanto, da luta revolucionária cultural. O pensamento de esquerda frankfurtiano reformulou a cultura pela disseminação de ideias contrárias à moral judaico-cristão – movimento de descristianização da sociedade ocidental.

Desse modo, os pilares máximos do direito, encontrados similarmente nas culturas greco-romana e na filosofia judaico-cristã, perdeu seu sentido e não encontra repouso na sociedade atual, porque cada qual, individualmente, reivindica para si os mais variados direitos, sob o pretexto de concretizar valores, porém sem dar em troca o respeito aos valores contrapostos, que estão francamente demonizados, como se, no espaço democrático, não fosse possível o convívio dos contrários.

Conclusão

Com o presente estudo, procuramos demonstrar que o direito atual está perdendo eficácia, porque estamos a quebrar o caracter da reciprocidade, vez que não olhamos o direito como elemento ordenador da sociedade, mas como esteio das preferências individuais. Entretanto, sem a reciprocidade não há direito. Essa quebra advém de baixa moralidade a que estamos vivendo e isso é o resultado da revolução cultural a que nos referimos, que produziu uma onda subjetivista. Desse modo, o direito não irá funcionar se o indivíduo não o respeitar por princípio moral. Daí, porque o direito somente serve a seu propósito em um ambiente de normalidade moral.

Não vivemos mais inseridos num ambiente de normalidade moral. Perdemos a percepção do certo e do errado. Os atos individuais são praticados para satisfazer exclusivamente os interesses privados, em maior e menor escala. E tais práticas são amparadas por direito pretenso, porque desvinculado de deveres.

Nunca é demais lembrar que o direito é limitante, mas também é limitado. Razão pela qual não se pode usá-lo a pretexto de satisfação pessoal enquanto inserido no ambiente público.

Referências

GRASS, Cláudio. A Escola de Frankfurt, o marxismo cultural, e o politicamente correto como ferramenta de controle. Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 05 mai. 2016. Disponível em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2401. Acesso em 20 out. 2016.

KIRK, Russell. A política da prudência. Trad. Marcia Xavier de Brito e Gustavo Santos. São Paulo: Editora É Realizações, 2013.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. 

Sobre o autor
Emílio Gutierrez

Bacharel em Direito; Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura; Curso de Extensão em Direito Constitucional Inglês pela Universidade de Londres.

Informações sobre o texto

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