RESUMO
O presente artigo analisa, à luz do princípio da proibição do retrocesso social e da teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, a possibilidade de ponderar o referido princípio quando estiver em colisão com outros princípios fundamentais e juridicamente relevantes, sem diminuí-los, tampouco extingui-los, e suas consequências para o ordenamento jurídico pátrio, de maneira a produzir um despertar crítico sobre os efeitos positivos e negativos dessa ponderação.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais Sociais. Princípio e Regra. Proibição de Retrocesso Social. Ponderação de Princípios. Robert Alexy.
INTRODUÇÃO
Em linhas introdutórias, impende salientar que, o tema é atual e de distinta relevância tendo em vista as mudanças legislativas e divergências jurisprudenciais serem constante no âmbito jurídico. Apesar dos direitos fundamentais sociais constituírem originalmente cláusulas pétreas, a discussão do presente trabalho paira sobre a possibilidade de resguardar o núcleo essencial do direito fundamental ainda que esse esteja conflitando com outros direitos fundamentais em uma possível colisão de princípios. Portanto, a aplicabilidade da ponderação tão bem explicada por Robert Alexy deve não apenas garantir que esse núcleo permaneça intacto para causar segurança jurídica, sobretudo que caso haja necessidade de sofrer alterações que sejam para ampliar a proteção ao direito em nome do avanço social e do Princípio da Proibição do Retrocesso Social, sempre em busca da maior satisfação dos destinatários das normas.
Nesse viés, o tema vem discutir como se deve a aplicação do Princípio da Proibição do Retrocesso Social que é uma defesa contra as medidas de natureza retrocessiva que tem por objetivo a destruição ou redução dos direitos fundamentais sociais, ditos cláusulas pétreas, em face da ponderação de princípios fundamentais em rota de colisão, conhecida como teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy.
Nesta senda, conhecer as diferenças entre princípios e normas é uma tarefa indispensável para contextualizar todo o projeto em face do que será abordado, já que o mesmo tem por fundamento um princípio protetor de normas sociais fundamentais.
Em sequência, ressalto a importância de conhecer quais sejam esses direitos sociais propriamente ditos cláusulas pétreas para adequação das opiniões às realidades vivenciadas na dinâmica ponderação de princípios proposta por Alexy.
Em caráter finalístico, será feita uma breve análise da legislação vigente, como também o entendimento jurisprudencial sobre o tema incluindo aspectos relativos à relevância do trabalho por ser considerada de irrefutável indispensabilidade, pois a satisfação dos indivíduos e o bem estar social é um fim buscado pelo Judiciário, todavia, a satisfação plena dos diversos direitos sociais individuais nem sempre é possível quando estão em rota de colisão com os direitos e interesses alheios, quer sejam individuais ou coletivos, tendo, pois, o Estado, o dever de resguardar o núcleo essencial desses direitos para que os mesmo não sejam diminuídos nem tampouco extintos.
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Os direitos fundamentais sociais encontram-se consagrados no texto Constitucional no art. 1º, IV. Criados pelo legislador originário com o condão de produzir igualdade e justiça social, os direitos sociais são direitos fundamentais do homem, por essa razão receberam proteção especial com status de cláusulas pétreas, e de acordo com o texto constitucional não poderá sofrer modificações, salvo para ampliação da proteção do direito. Nessa perspectiva podemos dizer que são direitos adquiridos e que não comportam supressão, tão pouco extinção.
Nesse sentido discorre Alexandre de Moraes[1]:
“Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização de igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal”.
Acerca das liberdades e garantias fundamentais, é cediço que historicamente os indivíduos abriram mão de liberdades naturais para que através do contrato social permitissem que o Estado Soberano, por meio da democracia, regulamente e efetive tais direitos, todavia, alguns autores a exemplo de Ives Gandra da Silva Martins[2] defendem que a democracia por si só não consegue atingir a justiça e estabilidade das normas, é necessário a normatização sob a égide de três fundamentos basilares: respeito à vida, ao direito ao trabalho (direito social) e a existência digna, sob pena de não atingirem as suas finalidades.
“O regramento legal que não tiver como objetivo o tríplice aspecto de respeito à vida, ao direito ao trabalho e à existência digna, poderá ser norma exigível, mas nunca será norma justa, nem estável”. (p.165).
“A própria democracia não é condição de garantia absoluta da excelência dos textos nascidos de seu exercício por determinado contingente humano”. (p. 182).
Assim, por se tratar de normas jusfundamentais, os direitos sociais são postos não apenas como normas fundantes do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo sob a forma de princípios. Essa concepção se dá ao grau de importância que as mesmas têm em detrimento das demais normas passíveis de modificações significativas e até mesmo de exclusão do ordenamento jurídico provocadas pelo legislativo. Compactua desse entendimento Dilmanoel Araújo Soares[3]:
“os direitos fundamentais, como normas jusfundamentais, as mesmas tanto podem revelar-se sob a forma de princípios, como sob a forma de regras, distinção essa importante para viabilizar um estudo adequado e racional aos limites dessas normas, o grau de eficácia e efetividade, como também de aplicabilidade”.
Apesar da proteção dada aos direitos fundamentais, o problema interpretativo quando na classificação desses direitos paira sob a perspectiva de como se busca o fundamento do direito fundamental social. Os direitos sociais, por constituírem cláusulas pétreas, são verdadeiros direitos adquiridos e protegidos contra ações retrocessivas do Estado. Norberto Bobbio[4] faz uma análise sobre os fundamentos dos direitos do Homem, discorre sobre a possibilidade de um fundamento ser absoluto.
“O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter”.
A avaliação do amparo dos direitos basilares no Brasil deve ocorrer com embasamento em um exame sistemática do direito constitucional pátrio. Daí extrai-se que deve ser considerado o direito adquirido como mecanismo de defesa em desfavor das medidas estatais restritivas aos direitos fundamentais. A Manutenção do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais deve preservar o direito adquirido, quer seja por meio da norma, quer seja por meio da jurisprudência.
DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO E REGRA
Princípio, vocábulo do latim Principium, significa o marco inicial ou ponto de partida, além dessas conotações outras podem ser atribuídas, como um fundamento para construção ou estabelecimento de regras de conduta firmadas pelo direito positivo.
Os princípios podem ser entendidos como mandamentos de otimização, segundo os quais, admitem aplicação em graus distintos, podendo ser satisfeitos de forma variada a depender das possibilidades de fato e de direito, segundo entendimento de Robert Alexy[5]:
“Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas [...]”.
Sob a perspectiva de mandados de otimização, não há que se falar em princípios relativos ou absolutos, tendo em vista que podem ser aplicados gradualmente até atingirem a densidade própria das regras. Neste sentido Daniel Sarmento[6] leciona:
“Caracterizam-se como normas de argumentação que admitem aplicação em diferentes graduações, de acordo com o encargo que possuir a situação, e exigindo para a sua aplicação um processo de concretização sucessiva, passando por subprincípios até alcançar o grau de densidade próprio de regras”.
Por outro lado, as regras são dotadas de imperatividade, não dá aos seus destinatários a discricionariedade de cumpri-las à medida que desejarem, devem ser cumpridas por completo ou não serão cumpridas. Coelho[7] (1999) compartilha desse entendimento ao dizer que:
“CANOTILHO diz que [...] as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida(nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion) [...]; o jurista EROS GRAUS identificou que as regras devem ser aplicadas por completo ou não, não comportando exceções [...]. Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta. No nível teórico, ao menos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidade dessas exceções e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação (de exceções), mais completo será o enunciado da regra.”
Conclui-se que as normas são exteriorizadas através de princípios e regras. O campo de incidência dos princípios é mais amplo que o das regras. Enquanto que entre regras pode se falar em “conflito”, levanto em conta que para elas (as regras) prevalece à dialética do tudo ou nada (Dworkin), ou seja, uma regra deixará de existir na aplicação ao caso concreto em um possível conflito de regras, entre os princípios se fala em “colisão”, pois um princípio em colisão não excluirá o outro, estes serão aplicados como “mandados de otimização”, podendo inclusive ser aplicado ao caso concreto concomitantemente dois ou mais deles.
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
O princípio da proibição (vedação) do retrocesso social já é bem reconhecido e amplo nas jurisprudências de países como Alemanha, Itália e Portugal. Em Portugal, diferentemente da Alemanha, se adotou uma postura de que o princípio alcance prestações do Estado, tendo na atuação do legislador e nas ações comissivas do Poder Legislatório os seus limites. Vale destacar a concepção lusitana de Canotilho[8], para quem:
“os direitos sociais apresentam uma dimensão subjetiva, decorrente da sua consagração como verdadeiros direitos fundamentais e da radicação subjetiva das prestações, instituições e garantias necessárias à concretização dos direitos reconhecidos na Constituição, isto é, dos chamados direitos derivados a prestações, justificando a sindicabilidade judicial da manutenção de seu nível de realização, restando qualquer tentativa de retrocesso social. Assumem, pois, a condição de verdadeiros direitos de defesa contra as medidas de natureza retrocessiva, cujo objetivo seria a sua destruição ou redução”.
No Brasil, o referido princípio foi primeiramente conhecido e analisado por José Afonso da Silva[9] ao preceituar que os direitos sociais constitucionais são normas de eficácia limitada de conteúdo programático, e que tais direitos dependem de intervenção legislativa para efetivação, encontrando no não retrocesso a garantia de concretização. Hoje, diversos outros autores reconhecem a existência do princípio implícito na constituição de 1988, a exemplo de Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Luís Roberto Barroso etc. As Inúmeras conquistas que foram alcançadas com o passar dos anos não podem ser desconsideradas, pois constituem em direito adquirido do indivíduo. Há quem discorde da existência da vedação ao retrocesso social por falta de previsão expressa no texto da Carta Magna, todavia a corrente majoritária já o reconhece. Renata Cesar[10] diz que:
“trata-se de princípio implícito que não pode ser ignorado e que inclusive os tribunais já vêm aplicando”.
A ADI nº 2.065-0-DF é o primeiro precedente do STF que dispõe sobre o princípio do não retrocesso social, cujo relator foi vencido, Ministro Sepúlveda Pertence, o qual atingiu por meio da aplicação do princípio da vedação de retrocesso social à Medida Provisória nº 1.911-8 que extinguiu órgãos de deliberação colegiada da gestão da Seguridade Social. A pretensão foi garantir a eficácia negativa mínima aos preceitos programáticos. Outros exemplos de decisões do STF quanto a aplicação da proibição de retrocesso social podem ser encontrados nas ADIs nº 3.105-8-DF e 3.128-7-DF, o MS nº 24.875-1-DF e, de modo mais recente, a ADI nº 3.104-DF.
A vedação do retrocesso social se manifestou tão claramente na jurisprudência brasileira na Apelação Cível n. 2006.72.99.000635-6/SC, do TRF da 4ª Região, na qual foi concedido a um adolescente um benefício previdenciário oriundo da morte de sua avó (guardiã) mesmo quando a Lei 8.213/91 negava-lhe esse direito. No caso citado o Estatuto da Criança e do Adolescente prevaleceu ante a referida Lei sob o fundamento da proibição do retrocesso social.
Nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida. Nesse viés, o princípio da proibição do retrocesso social não pode ser óbice a alterações no âmbito dos direitos fundamentais (cláusulas pétreas), o que se protege na verdade é o núcleo essencial do direito, de forma a jamais permitir a usurpação de progressos sociais e legais já alcançados. Os direitos fundamentais, em especial os sociais, representam a identidade do Estado democrático brasileiro e devem ser amparados de proteção principiológica contra as políticas casuísticas e das arbitrariedades parlamentares, conforme expõe Ingo Wolfgang Sarlet[11]:
“A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares’.”
Diante do exposto, faço referência às palavras de Felipe Granjero Carvalho[12]:
“Ao estabelecer na Constituição previsão de Direitos Fundamentais, o constituinte originário impõe que sejam atendidas todas as fases para a efetivação de tais direitos. Ademais, é necessário que haja uma certeza de que esses direitos não possam ser cerceados por ausência de amparo normativo hábil”.
O referido princípio apresenta-se no ordenamento jurídico pátrio como um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais, ditos cláusulas pétreas, ante as constantes mudanças legislativas. É meio hábil a blindar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, todavia não é absoluto, comporta alterações de cunho ampliativo, progressivo, atendendo à demanda cada vez mais latente de que o estado democrático de direito não retroceda, e que suas normas alcancem cada dia mais a finalidade proposta do bem estar e a justiça social.
A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ROBERT ALEXY
Em novembro de 2013, o renomado jurista alemão Roberty Alexy esteve no Brasil em uma conferência para, dentre outros motivos, apresentar uma proposta teórica mediante a máxima da proporcionalidade, com o objetivo de racionalizar o juízo de ponderação entre princípios jurídicos. A importância do Jurista se dá ao fato de que suas obras, principalmente “Teoria da argumentação jurídica e Teoria dos direitos fundamentais”, têm influenciado de forma significativa as produções jurídicas nacionais na última década.
Alexy apresenta a teoria a ser aplicada nos casos em que o direito positivado não disponha de meio eficaz capaz de dar as respostas ao caso concreto, daí surge a necessidade, ante ao caso concreto, de uma decisão judicial que atente às questões principiológicas envolvidas. Neste contexto, em face das críticas acerca da irracionalidade das decisões, Alexy apresenta um sistema capaz de elucidar a conformidade da decisão que pondera princípios jurídicos: a argumentação jurídica.
Para tanto, em sua obra, Roberty Alexy[13] diferencia o conflito entre regras do conflito entre princípios:
“Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida”. (p. 92).
“Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência”. (p. 93-94).
Superada essa distinção, convém ressaltar que diferentemente das regras, os princípios detêm caráter prima facie, não são mandamentos definitivos e absolutos. O que de fato existe é a busca de um resultado mais satisfatório possível, razão pela qual um princípio pode ser ponderado em detrimento de outro em rota de colisão. Dessa forma, a aplicação de um argumento jurídico em um caso concreto de colisão pode ser distinta de outro caso concreto, não há regras preestabelecidas nesse sentido, e sim uma máxima efetividade com o maior nível de satisfação possível dos indivíduos destinatários do resultado de ponderação – “lei de sopesamento”. Neste sentido descreveu Alexy[14]
“Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso”. (p. 103-104).
Diante do exposto, fica evidente a existência de uma relação entre a teoria dos princípios e a máxima da efetividade, segundo Alexy “a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela”. (p. 116). Assim, Alexy explica a máxima da proporcionalidade sob três máximas: da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento). Assim, além do juízo sobre a magnitude de intervenção/satisfação dos princípios jurídicos, Alexy preceitua que a veemência da confiança sobre as premissas dos fatos admitiriam anunciar a famosa “fórmula de peso”:
Wij = Ii - Wi - Si
Ij - Wj - Sj
I = interferência ou satisfação
W = peso abstrato do princípio
S = confiança na premissa fática
Destarte, antes de analisarmos a ponderação do princípio da proibição do retrocesso social se faz necessário que entendamos o posicionamento do STF acerca da proporcionalidade, e para isso Fausto Santos de Morais (apud TRINDADE[15]; André Karam, 2013) trouxe alguns relatos que seguem:
“Segundo Fausto Santos de Morais, em cuja tese de doutorado – intitulada “Hermenêutica e Pretensão de Correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal” – foram examinadas as 189 decisões do STF, ao longo de uma década, que fazem menção à proporcionalidade. Entre outras conclusões, o autor constata o seguinte fato: mesmo havendo referência expressa à proporcionalidade pelos ministros do STF, sua aplicação não guarda qualquer relação com o “sistema Alexy”, sendo apenas uma vulgata da proposta do jurista alemão.
O fato do STF não aplicar a proporcionalidade nos termos que explica Alexy nos desperta para um estudo ainda mais aprofundado, tendo em vista que as decisões judiciais providas de racionalidade devem estar pautadas na máxima efetividade possível a fim de causar o maior nível de satisfação possível aos indivíduos que dela necessitar. Situação abarcada por Alexy em sua Teoria dos Direitos Fundamentais.
A PONDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
É cediço o reconhecimento do implícito princípio da proibição do retrocesso social pelos tribunais brasileiros como já mencionado anteriormente. Desde já, convém ressaltar que tal princípio não se submete, quando na solução de conflitos ou colisão de princípios à lógica do tudo ou nada pregada por Dworkin, sendo proibida sua supressão pura e simples, de acordo com lições de Ingo Sarlet[16]:
[...] a proibição de retrocesso assume (...) feições de verdadeiro princípio constitucional implícito, que pode ser reconduzido tanto ao princípio do Estado de Direito (no âmbito da proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas inerentes à responsabilidade jurídica), quanto ao princípio do Estado Social (...). Em se levando em conta que a proibição de retrocesso social, por não se tratar de regra geral e absoluta, mas, sim, de princípio, não admite solução baseada na “lógica do tudo ou nada” (na esteira das lições de Dworkin), aceitando determinadas reduções no âmbito das conquistas sociais ao nível infraconstitucional, encontra-se vedada, desde logo e por evidente, sua supressão pura e simples.
A jurisprudência vem desempenhando importante papel tanto para reafirmar o já citado princípio quanto para demonstrar que o núcleo essencial dos direitos fundamentais devem ser preservados. O julgamento que pode ser utilizado como exemplo é o da Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.38.00.016555-2/MG[17], relator o Desembargador Souza Prudente, por unanimidade, a 2ª Turma negou provimento ao recurso e à remessa oficial, em feito no qual se discutia a concessão de aposentadoria com conversão de tempo especial em comum, colhendo-se da ementa:
“IX – A existência no direito constitucional brasileiro, pelo menos, da modalidade mais branda de ‘proibição de retrocesso social’ – que veda a ab-rogação da legislação ordinária destinada a concretizar determinado direito social constitucional – torna o art. 28 da Lei 9.711/98 parcialmente inválido, na parte em que pretende exterminar para o futuro da conversão de tempo especial em normal”.
A Turma Nacional de Uniformização[18] no julgamento dos Recursos Cíveis nº 2003.60.84.002478-2, 2003.60.84.002388-1 e 2003.60.84.002458-7. Em todos as ações com finalidade de concessão de benefício assistencial, o INSS buscava a reforma da decisão da 1ª Turma Recursal do Mato Grosso do Sul, consistindo a lide nos fundamentos de que a família não pode auferir renda per capita superior a ¼ do salário mínimo legal per capita. Todavia, esses limites são objetivos de acordo com a decisão do STF na ADIN nº 1.232/DF, entendeu a Turma que o elastecimento dos limites não deveria ser desconsiderado por serem oriundos de leis ordinárias posteriores ao estabelecimento do referido critério, pois representam conquistas já alcançadas, a exemplo de outros benefícios de cunho social, bolsa-escola e o auxílio-gás, de acordo com a redação do voto:
“(...) a legislação previdenciária não pode revogar conquistas já alcançadas pelos seus beneficiários. Trata-se do princípio supraconstitucional da vedação do retrocesso, indubitavelmente aplicável em matéria de largo alcance social, como no caso. Os avanços civilizatórios não podem transigir.”
CONCLUSÃO
Diante do exposto, evidencia-se que o sistema jurídico brasileiro não adotou a ponderação de princípios nos moldes propostos por Roberty Alexy. Diante de diversas decisões vemos que não existe um critério ou fórmula que norteia os fundamentos das decisões senão os próprios princípios, grosso modo.
Neste diapasão, discute-se nos dias atuais acerca da liberdade de julgamento que o juiz tem quando no convencimento fundamentado em princípios. Assim, se se ponderar o princípio do retrocesso social em detrimento de outros princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio, representa ou não um retrocesso, a meu ver não é a melhor forma de solucionar o conflito. Nesse sentido, a teoria de Alexy se apresenta como uma ferramenta eficaz, a fim de proporcionar às partes no processo a maior satisfação possível, tendo em vista os princípios serem mandamentos de otimização.
Por fim, não obstante as vertentes apresentadas são necessários estudos mais aprofundados acerca das decisões dos Tribunais Brasileiros para melhor entendermos as razões pelas quais não se adota a máxima efetividade e proporcionalidade em sentido estrito (teoria do sopesamento) tão bem discorrida por Robert Alexy.
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