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Unidade e pluralidade domiciliar: o sistema domiciliar brasileiro

Agenda 13/06/2018 às 11:15

Apresentam-se os diferentes modelos domiciliares existentes, dando ênfase ao sistema vigente no Brasil: a pluralidade domiciliar. Para isso, este estudo foi baseado em abordagens anteriores e posteriores à Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Introdução

Esta pesquisa apresenta os diferentes modelos domiciliares existentes, com ênfase no sistema vigente no Brasil: a pluralidade domiciliar. Para isso, o estudo foi baseado em abordagens anteriores e posteriores à lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. As referências para a elaboração deste trabalho advêm da contribuição de conceituados civilistas brasileiros e permitem a comparação entre os diferentes pontos de vista presentes em suas obras, seja sobre a parte geral de domicílio ou sobre o modelo domiciliar que melhor se adéqua à realidade social de cada nação. A pesquisa também toma por base a íntegra do Código Civil brasileiro de 2002, no que diz respeito à parte referente a domicílio civil. A abordagem do tema analisado está disposta da seguinte forma: 1. Conceito de domicílio; 2. Sistemas domiciliares; 3. Sistema domiciliar brasileiro; 4. Conclusão.


1. Conceito de domicílio

De acordo com o que está previsto no art. 70 do Código Civil brasileiro, o domicílio da pessoa natural é o espaço onde os indivíduos estabelecem a sua residência com ânimo definitivo. Tal conceito também compreende dois sentidos distintos de domicílio: o objetivo e o subjetivo. Por objetivo retoma-se a ideia do local onde a pessoa natural estabelece residência. Por subjetivo entende-se a vontade de permanecer, ou não, no local de residência. Esta diferenciação é pertinente, uma vez que há forte tendência à confusão entre os significados de domicílio e residência, geralmente enquadrados de forma equivocada no mesmo contexto.

Além de ser diferenciado entre objetivo e subjetivo, o domicílio também é classificado em voluntário e necessário. O voluntário corresponde à faculdade de escolha de domicílios previstos no código civil que a pessoa natural plenamente capaz e a pessoa jurídica de direito privado detêm. Quanto ao necessário, estabelece que as pessoas naturais, diante de determinadas circunstâncias sociais, por força de lei, não são providas da liberdade de escolha do domicílio.

No art. 72 do Código Civil brasileiro, a definição de domicílio passa a se estender ao local onde a pessoa natural exerce sua profissão. O artigo também ressalta que, se exercida em mais de um local, cada um dos locais constituirá domicílio. Um pouco mais adiante, no art. 74, fala-se sobre o domicílio das pessoas jurídicas. Nesta matéria, considera-se domicílio as sedes de atividade ou da administração do governo (ex.: da União, o Distrito Federal; dos Estados e Territórios, as respectivas capitais).

José Lopes de Oliveira ressalta que a relevância da existência do domicílio civil está na localização da pessoa natural ou pessoa jurídica para fins legais. Ele afirma: “A fixação do domicílio tem grande importância prática pelas consequências que dele decorrem nos diversos ramos do Direito. Assim, no terreno do direito civil, assinala-se por ser o lugar onde a pessoa exercita seus direitos e cumpre suas obrigações. É aí que se concentram a atividade e os interesses da pessoa; onde se processa a execução das obrigações, salvo o foro de eleição”.

A análise de Natanael Sarmento traz o seguinte complemento: “De fato, a noção de domicílio importa aos mais diversos campos do direito: ao direito fiscal, em matéria tributária; ao direito eleitoral, na determinação da zona eleitoral e do local de exercício da cidadania da pessoa natural; ao direito privado internacional, pois a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina a regra sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos da família; e à sucessão e à ausência”.


2. Sistemas domiciliares

Existem dois tipos de sistemas domiciliares: unicidade e pluralidade. Por unicidade compreende-se a repulsa à ausência de domicilio e à existência de vínculos simultâneos. Com relação à pluralidade, admite-se a vigência de vários centros de ocupação da pessoa natural, assim, nada impede que o sujeito de direito tenha mais de um domicílio, desde que mantenha atividade e ocupação habitual.

Ao considerar o Código Napoleônico, o direito francês admitiu em seu regimento o princípio da unidade. Tal ordenamento afirma que o domicílio é o lugar de seu “principal estabelecimento”, ou seja, em caso de existência de vários lugares, um há de ser considerado o principal. A afirmação da unicidade também acontece no direito suíço. A diferença é que esse sistema exclui de sua aplicação os estabelecimentos comerciais e industriais, permitindo que comerciantes e fabricantes tenham um ou vários domicílios de negócios. Em se tratando do direito inglês e do direito norte-americano, ainda que os cidadãos tenham mais de uma residência, o domicílio também será único, levando-se em consideração que o primeiro adquirido tem precedência.

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De acordo com José Lopes de Oliveira, o princípio da unidade não se ajusta à realidade. Ele expõe seu ponto de vista sobre o modelo domiciliar mais adequado: “Acontece muitas vezes que, por imposição do desdobramento dos negócios, tenha a pessoa que residir em mais de um lugar ou estabelecer mais de um centro de atividade. Outra não pode ser, na hipótese, a solução senão a que dá o Código Civil brasileiro, considerando domicílio qualquer um deles. Mais conforme às necessidades da vida social é a teoria pluralista”.

O civilista Silvio de Salvo Venosa também acrescenta uma posição favorável ao modelo plural. Ele argumenta: “A maioria dos direitos alienígenas não admite a pluralidade de domicílios. Contudo, o princípio da unidade obrigatória de domicílio refoge à realidade da vida social, mormente em nossa época em que as comunicações são desenvolvidas e o indivíduo pode deslocar-se com rapidez e facilidade”.

O pluralismo foi inicialmente delineado pelo direito romano. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, a concepção deste ordenamento era simples e compactuava com o seguinte raciocínio: “Se era o domicílio o lugar onde o indivíduo fixava a sua residência e tinha seu centro de interesse, dois seriam eles se em ambos se fixasse da mesma forma”.

Embora não adotada pela maioria dos ordenamentos, visto que boa parte aderiu aos sistemas francês, inglês e norte-americano, como já bem destacou Venosa, essa ideia de multiplicidade estendeu-se pelo decorrer dos séculos e tornou o sistema plural um parâmetro domiciliar moderno. Em Portugal, por exemplo, a pluralidade de domicílio prevaleceu. Os portugueses, por sua vez, disseminaram a mesma característica domiciliar no Brasil, cujo modelo também possui forte semelhança com o existente no direito alemão.

Na comparação entre a unidade e a pluralidade, Caio Mário lança as seguintes observações: “Nos sistemas da unidade domiciliar, o indivíduo perde instantaneamente o domicílio que antes tinha, e recebe por imposição legal o novo, que durará enquanto persistir a situação que o gerou. Mas no nosso sistema, da pluralidade, não se verifica a perda automática do anterior. Pode verificar-se, no caso de o indivíduo estabelecer-se com residência definitiva no local do domicílio legal; mas pode não se verificar, se a pessoa conserva ainda o antigo, o que terá como consequência a instituição de domicílio plúrimo: o legal, decorrente do fato que o impõe, e a aquele onde aloja a residência com ânimo definitivo”.

Ao considerar que o modelo domiciliar da unicidade não consegue preservar sua essência em determinadas circunstâncias, diferentemente da pluralidade, Caio pondera o seguinte: “A doutrina da unidade, animada do propósito de simplificar a construção teórica do instituto, não o consegue, porque as exigências práticas impõem constantes concessões, que se infiltram e quebram a harmonia do sistema. Mais conforme aos fatos é a corrente pluralista, e mais fiel à noção conceitual, pois que, se o centro de atividades (definição alemã) ou a residência definitiva (definição brasileira) é domicílio, não é possível reduzi-lo à unidade, se são plúrimos”.


3. Sistema domiciliar brasileiro

Como bem sugerem os artigos previstos do Código Civil, a teoria francesa da unidade não se enquadrou ao ordenamento brasileiro em decorrência de uma série de contrapontos, sendo o modelo da pluralidade, proveniente da tradição romana e da influência colonial portuguesa, o sistema domiciliar adotado pelo Brasil.

Retomando-se um pouco do que foi mencionado durante a conceituação dos sistemas pluralistas, admite-se que a multiplicidade vigente no Brasil caracteriza as várias residências e locais de trabalho que a pessoa natural possa vir a ter e a ocupar. Roberto Senise Lisboa apresenta o seguinte comentário: “O novo Código consagrou regra que leva à conclusão de que todas as pessoas sedentárias possuem dois domicílios: um é o local no qual ela mantém suas relações privadas íntimas ou familiares, com o propósito de ali permanecer; e o outro é o local no qual ela exerce a sua profissão”.

Ao tratar do lugar da pessoa física, Paulo Lôbo faz uma contraposição à maioria dos civilistas. O autor defende que a pluralidade corresponde a um aspecto de exceção no sistema domiciliar brasileiro. Ele afirma: “O princípio que rege o domicílio, no direito brasileiro, é o da unicidade, ou seja, a pessoa apenas pode ter um domicílio, em virtude das exigências de proteção dos interesses de terceiros e de segurança jurídica. Mas esse princípio não é absoluto, admitindo exceções”. Lôbo complementa: “Quando uma pessoa se apresenta na vida social com mais de um centro de atividades profissionais, ou com mais de uma residência, sendo encontrada em qualquer uma delas, sem se identificar uma com ânimo definitivo, o direito admite, para a proteção dos interesses sociais, que o domicílio seja qualquer desses centros de atividade profissional ou de vida pessoal. Admite-se, portanto, o domicílio profissional, ou domicílios profissionais, ao lado do domicílio pessoal. Assim, ter-se-ia excepcionalmente pluralidade de domicílios”.

É também através da pluralidade que a perspectiva domiciliar do Código Civil brasileiro prevê amparo aos direitos das pessoas que não têm moradia ou local de trabalho fixos. O art. 73 diz: “Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada”.

Conforme o art. 75, a importância do caráter plural é novamente evidenciada ao se estender à pessoa jurídica de direito público e à pessoa jurídica de direito privado, visto que essa multiplicidade domiciliar verifica os diversos locais de estabelecimento para as atividades neles praticadas. “A pessoa jurídica, com sede e filiais, possui pluralidade de domicílios, e cada um desses lugares será considerado domicílio para os atos nele realizados”, acrescenta Lisboa.


4. Conclusão

A pertinente contribuição dos civilistas citados neste artigo leva a considerar que o sistema domiciliar vigente no Brasil estabelece uma melhor adequação às demandas sociais da atualidade, uma vez que a modernização do deslocamento humano e os avanços nos diversos seguimentos profissionais não se ajustam de modo eficaz aos requisitos da unidade domiciliar.

Nesta pesquisa, viu-se também que em alguns países adeptos do domicílio único, como é o caso da Suíça, por exemplo, a limitação de tal sistema acaba por recorrer a medidas existentes no pluralismo, o que comprova a inviabilidade da manutenção do modelo unitário. Desta forma, admite-se que a supremacia da unidade domiciliar há de ser contestada e revertida para um melhor funcionamento dos diversos ordenamentos civis.


Referências Bibliográficas:

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Agostinho Neto. Unidade e pluralidade domiciliar: o sistema domiciliar brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5460, 13 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66138. Acesso em: 22 dez. 2024.

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