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Soberania do parlamento ou soberania do tribunal?

Aspectos subjetivos e objetivos dos direitos fundamentais

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Agenda 20/05/2018 às 21:40

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa pesquisar a soberania do parlamento ou soberania dos tribunais investigando os aspectos subjetivos e objetivos dos direitos fundamentais.

De forma sucinta procurou-se elaborar este relatório como requisito de avaliação da disciplina, Direito Constitucional no módulo I de 2015/1.

Buscou-se neste trabalho:

Entender o conceito de Soberania e a quem a mesma pertence, se ao parlamento ou aos tribunais.

Compreender a origem do Estado e a separação dos poderes aplicando a expressão: “independentes e harmônicos entre si”.

Analisar o Poder constituinte e constituído, legiferante e judicante e a interpretação das normas constitucionais.

Verificar as funções típicas e atípicas dos três poderes, a lei sua criação e aplicação com vista a responder seus aspectos subjetivos e objetivos.

As metodologia utilizadas serão as pesquisas: bibliográfica, de fontes, e documental.


SOBERANIA 

Ao se buscar a origem da doutrina da separação de poderes, faz-se referência à obra do Barão de Montesquieu{cke_protecte_1}[2], particularmente a um dos capítulos de O Espírito das Leis. Deve-se ter minucioso cuidado ao se transpor o pensamento de Montesquieu para os dias atuais, considerando o que ele conhecia na prática dos seus dias no Parlamento de Bordéus, onde tinha funções administrativas, legislativas e judiciais.

Ademais, não se pode esquecer a condição de nobreza de Montesquieu e que sua morte ocorreu antes de conhecer as principais obras do Iluminismo, bem como antes das revoluções francesa e norte-americana.

Assim, considerando as circunstâncias da vida de Montesquieu, percebe-se porque o erudito barão francês da primeira metade do século XVIII escrevia tendo em mente não uma sociedade de iguais, mas uma sociedade de liberdade entre diferentes.

Embora seja dado destaque à obra de Montesquieu, afirma-se que outros autores antes do século XVIII também trataram do tema, ou, pelo menos, de uma temática aproximada.

Aristóteles,[3] indicava três atividades na polis, que só se assemelha à doutrina de Montesquieu com enorme esforço de comparação.

Em um registro próximo, Locke[4] que, entre outros aspectos, destacou a distinção de quatro poderes: executivo, legislativo, federativo e prerrogativa.

Montesquieu proclama que o governante deve ser considerado como potencialmente mau e assim uma engenharia institucional deve evitar a ação maléfica, mesmo quando não tentada. Também descreveu a origem do mal e o meio para evitá-lo. Ao poder deve-se opor o poder. Apenas o poder correspondente pode controlar o poder. A solução de Montesquieu, portanto, é que o poder deve necessariamente ser dividido para ser controlado.

Montesquieu apresentou, nas poucas páginas de A Constituição da Inglaterra, três teorias e cada uma delas, em certo sentido, poderia ser denominada de doutrina da separação de poderes, ainda que todas elas sejam apresentadas no contexto da proteção da liberdade individual e que o meio para protegê-la seja o controle institucional do poder.

Assim, qual o objetivo de Montesquieu? Seu objetivo era proteger a liberdade;

Qual seu modelo? A Inglaterra;

Qual seu ponto de partida? A desconfiança no homem e a certeza de que todo aquele que tiver o poder o exercerá sem limites, ou seja, tenderá a abusar dele. Diante disso, é possível destacar três teorias distintas da separação de poderes, ou três partes de uma mesma teoria: a) uma teoria jurídica; b) uma teoria social, e; c) uma teoria política.

A teoria jurídica da "separação de poderes" não é inovadora, consiste em classificar os atos estatais segundo sua natureza em três espécies: a) os atos legislativos, ou funções legislativas, ou ainda poderes legislativos, que criam normas jurídicas; b) os atos executivos que aplicam as normas jurídicas, ou seja, as leis, acrescentando-se a formulação de política exterior, que, embora pudesse ser à margem da lei, não poderia contrariá-la; c) os atos jurisdicionais, ou judiciais, que resultam do julgamento de litígios e crimes, também segundo o direito vigente. 

Benjamin Constant[5] chegou a enumerar cinco funções diferentes.

Karl Loewenstein,[6] no século passado, apresentou outras três funções em aberto contraste com as funções descritas por Montesquieu. E, antes dele, Hans Kelsen[7] apresentou a mais consistente crítica à corrente adotada por Montesquieu, reduzindo as funções estatais a dois tipos ideais. É esta a teoria tão duramente criticada por Hans Kelsen ao afirmar que existem apenas duas funções estatais: legislação e execução. E que são, na verdade, tipos ideais, pois a maior parte dos atos estatais são simultaneamente atos de criação das leis, ou seja, legislação e de execução quando se aplica aquilo que as leis criaram.

Assim, o congresso, quando promulga um decreto legislativo, exerce sua função legislativa, mas também exerce sua função executiva, pois aplica a constituição. O juiz, por sua vez, quando aplica uma lei ao caso concreto que julga, também cria normas, legisla, pois dispõe de certa discricionariedade.

Registre-se apenas que Kelsen não distinguiu a natureza executiva da judicial, mas reconheceu a possibilidade didática de distingui-los, assim como distinguiu governo de administração.

Neste sentido, Biscareti de Ruffia{C}[8] descreveu o estado da doutrina sobre o tema na segunda metade do século passado discutindo, vivamente, a exatidão da tripartição até aqui exposta. Para ele havia uma pretensão em anular uma das três categorias indicadas, encaixando a função jurisdicional na executiva. Outros consideravam as três funções tradicionais somente como momentos sucessivos de um único processo contínuo de formação derivada do direito.

Segundo ele tentava-se por outro lado, criar uma quarta função de governo, que deveria ser inspirada numa consideração realística das atividades realizadas pelo Estado, divididas entre função política e função administrativa compreendendo na primeira as grandes decisões próprias das funções de governo e da função legislativa e na segunda os atos de menor relevância política próprios das funções executivas e jurisdicionais. 

Mas, Montesquieu assim classificou que os atos estatais se classificam em: a) função legislativa; b) função executiva e c) função judiciária.

Como já se afirmou, Montesquieu é negligente com o tema, sua caracterização da função executiva é incompleta e ambígua. O mais próximo da aplicação desta doutrina na teoria política é afirmar que para proteger a liberdade não se deve acumular mais de uma função no mesmo titular. Também se afirmou, que o próprio Montesquieu admitiu, por exemplo, a acumulação do poder legislativo e executivo sem necessariamente comprometer a liberdade.

Sobre a teoria social da separação de poderes, destaca-se que "poderes" são entendidos como "potências" ou "potências sociais"; constituem às três forças sociais existentes na Europa ocidental do século XVIII, especialmente na França e na Inglaterra: o rei, a nobreza e o povo.

Outro elemento necessário para compreender a teoria social da separação de poderes é não se considerar o poder estatal organicamente dividido, ainda que seja internamente controlado; isto é, admite-se a doutrina da soberania única e que a soberania seja exercida pelo poder de legislar. É neste contexto que Montesquieu afirma que, "dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é, de alguma forma, nulo”.

A teoria social é a fiel reprodução da doutrina do governo moderado combinada com a doutrina do governo misto. Destina-se a moderar as três potências sociais de tal modo que, no exercício da soberania tenha a participação destas três potências, pelo menos com o poder de impedir a aprovação de leis.

Montesquieu argumentou que a estabilidade social só poderia ser o resultado de um poder soberano exercido compartilhadamente por todas as potências sociais e que a proteção da liberdade só poderia ser garantida com a participação de todas no processo de criação das leis, o que impediria que qualquer delas restringisse a liberdade de alguém, integrante da outra.

A teoria social da separação de poderes é o complemento necessário à concepção de liberdade de Montesquieu. Para ele a liberdade é permissividade da lei, isto é, liberdade é fazer, ou deixar de fazer o que for permitido por lei. Faria pouco sentido, como teoria liberal, conceder o poder absoluto, ilimitado a um legislador, assim seria um autor hobbesiano e não liberal.

No entanto, Montesquieu não compartilha de ideias como a dos direitos inato que delimitam abstratamente a esfera pública, legal, e estatal. Assim, uma maneira de garantir que a lei seja expressão da liberdade é dar aos cidadãos o poder de limitá-la e o controle entre as potências sociais é o controle para que uma não subjugue as demais, ao usar a lei como instrumento do poder

A tese do governo misto, que permeou todo o pensamento político desde a antiguidade, também recebeu a acolhida de Montesquieu. Mostra como o debate sobre teoria política ainda estava marcado pelas polêmicas soluções e tipologias que vinham desde Platão e Aristóteles.

É claro que o sentido de democrático em Montesquieu se distancia da tradição grega de democracia direta e se aproxima da contribuição do humanismo italiano de participação franqueada a um número mais amplo.

Montesquieu deixou claro que se trata de uma teoria social e não de uma teoria jurídica. De nada valeria que o poder legislativo fosse exercido compartilhadamente por três órgãos se todos eles representassem a mesma potência social.

Nessas circunstâncias, para Montesquieu, não haveria separação de poderes, pois o poder soberano continuaria exercido por uma só potência social, e assim, os objetivos da separação dos poderes não seriam alcançados.

Por fim, Montesquieu também apresentou uma teoria política da separação de poderes que é a predecessora da doutrina norte-americana de freios e contrapesos.

Montesquieu percebeu que o núcleo da Constituição Inglesa é a formulação de uma engenharia institucional capaz de controlar o poder, independentemente de quem o ocupe e de qual a intenção ao exercê-lo.

A técnica é aparentemente simples: só o poder controla o poder, logo, o poder precisa primeiro, ser dividido e, depois, devem-se criar instrumentos de controle mútuo. A teoria social não deixa de ser uma expressão desta teoria política, mas é importante destacar que esta também é uma teoria orgânica e, mesmo, uma teoria síntese.

Montesquieu explicou porque as funções não podem ser concentradas nas mãos do mesmo titular, explicou que o titular não é necessariamente uma pessoa, mas um grupo social. Mostrou como os órgãos estatais devem interagir, quais devem ser fortalecidos, quais devem ser enfraquecidos, quais os instrumentos de controle.

Em suma, o poder só pode ser controlado pelo poder: controles recíprocos. Para tanto, Montesquieu confiou, implicitamente, que o egoísmo pode ser usado em benefício da liberdade e do bem comum.

Cada um quer ampliar o seu poder, mas a ampliação do poder de um significa a redução do poder do outro; assim cada um age para aumentar o seu próprio poder, mas também para reduzir, ou pelo menos controlar, o poder alheio.

Assim, Montesquieu percebeu os efeitos nefastos para a liberdade, quando as principais funções do Estado estão concentradas em um só lugar. No entanto, este enunciado deve ser devidamente compreendido, não consiste na doutrina racionalista da separação de poderes. Portanto, as funções devem ser desconcentradas, mas não precisam seguir a rígida divisão funcional entre legislação, administração e jurisdição.

Montesquieu afirma que tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes entre os particulares.

Perceba-se, que Montesquieu admitiu a concentração das funções legislativa e executiva, na monarquia, desde que a função judiciária fosse exercida por órgãos independentes, vale repetir o destaque: "na maior parte dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que tem em mãos os dois primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro".

Não se deve perder de foco que toda a engenharia institucional que Montesquieu pretendeu construir na sua teoria política visava a um objetivo muito claro: a proteção da liberdade; e adotava uma técnica: o controle. Assim, a doutrina da separação de poderes é, primeiro e, sobretudo, uma doutrina política liberal e também republicana. Neste sentido, o federalismo, também se ajusta à teoria política da separação de poderes.

Por fim, Montesquieu completou a sua teoria política em outro capítulo, distante de A Constituição da Inglaterra. Considerou que, em determinados contextos, o controle eficaz não é entre as potências sociais ou órgãos estatais, mas está nas relações entre maioria e minoria.

No entanto, ainda persiste forte doutrina que vê a doutrina de Montesquieu, inclusive sua teoria política da separação de poderes, como uma frente contra a democracia e não exatamente contra o absolutismo monárquico.

Para tanto, o controle não seria exatamente mútuo, mas o controle sobre o poder popular. Hans Kelsen é um deste interpretes; e, no Brasil, Paulo Bonavides{C}[9]{C}.

A distinção das três teorias da separação de poderes de Montesquieu, portanto, pode permitir um olhar mais criterioso sobre o tema, seja por revelar a complexidade do pensamento de Montesquieu, seja por destacar as condições históricas e teóricas em que elaborou a sua obra.

O marco inicial da modernidade e final da era feudal é o Estado como uma forma de organização política que desde o século XVII tem se configurado como única alternativa.

Ainda que cada cultura política venha a desenvolver suas organizações estatais dependendo dos costumes e tradições próprias.

Em decorrência, as instituições dependem, não só da estrutura dada pelo ordenamento jurídico do Estado, mas da cultura política da sociedade, representada pelos valores e ideias sociais compartilhadas entre os membros, ou seja, os códigos de conduta que geralmente não estão escritos e que complementam as regras formais.

Isto ocorre porque, ainda que as regras possam ser as mesmas, os mecanismos de cumprimento obrigatório, a forma que se exerce a obrigatoriedade, as normas de conduta e os modelos subjetivos dos atores não o são.

O conceito de Estado foi construído progressivamente na Europa, mediante a configuração de elementos essenciais tais como: a nação soberana dentro de um território delimitado; o interesse geral expresso mediante lei, com base na autoridade e no poder estatal; o monopólio da força, onde o Estado é a única fonte legitima de violência dentro de seus limites territoriais, e as burocracias funcionais apresentadas como aparatos especializados, encarregados de cumprir com as funções estatais{C}[10]{C}.

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A função estatal e os poderes legiferante e judicante onde o papel do magistrado é, cada vez mais, lidar com conflitos ético-filosóficos diretamente relacionados à nobreza de sua função, enquanto manifestação perceptível do poder estatal mais visado pela sociedade em constante busca da proteção ao seu direito.

A imperatividade do Direito positivo pressupõe a desconsideração do conceito moral de Justiça na aplicação da lei vigente, forçando o magistrado a limitar sua atuação jurídico-social à legalidade positivista preexistente.

Em contrapartida, surgiu uma corrente doutrinária que se propôs a romper essa relação juspositivista em função da realização da Justiça, através da aplicação alternativa do Direito. A forma como se lhe pretende consolidar é, no entanto, de conseqüências potencialmente prejudiciais à segurança jurídica e social, pois, ao assim proceder, o magistrado usurpa o poder legiferante, interferindo diretamente na harmonia política do Estado.

O modelo triangular do desenvolvimento político-científico do Estado de Direito é, como se sabe, formado pela união harmônica de três poderes de autonomia e competências próprias: os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

À autoridade legislativa compete criar as leis, em atenção aos anseios sociais de cidadãos que lhe outorgaram poder representativo;

À autoridade executiva compete dar eficácia e vigência àquelas leis;

À autoridade judiciária cabe o papel de interpretar a norma jurídica e aplicá-la ao caso concreto.

Na concepção juspositivista, os efeitos decorrentes da subjetividade do julgador que exara decisão calcada em sentimentos e opiniões próprias deturpam a verdadeira função do Poder Judiciário, que não é a de promover a Justiça Social, mas a de dizer o Direito, através da prestação da tutela jurisdicional do Estado; ou ainda, a de construir o Direito, através da sua interpretação e aplicação ao caso concreto.

Nesse contexto, a autoridade judiciária tem o poder-dever de ser imparcial e justo, em sua acepção positivista, pois assim exerceria seu verdadeiro papel social.

Ora, é sabido que as leis são imperfeitas por seres falíveis. Entretanto, não compete ao Poder Judiciário, como exímio conhecedor da lei, modificá-la ou desrespeitá-la. Seu compromisso é para com a ordem jurídica, ainda que esta se baseie em leis injustas.

Em verdade, cabe ao Poder Legislativo conhecer os verdadeiros sentimentos sociais e exercer suas prerrogativas legiferantes em consonância com tais anseios. Este, sim, possui verdadeiro compromisso com a justiça social e a ele compete esforçar-se para sua promoção mediata ou imediata, na medida do possível.

A figura do juiz legislador constitui uma aberração político-jurídica, incabível em um sistema harmônico de um Estado Democrático de Direito. Em particular, dentro da trilogia jurídica, advogado – juiz – membro do Ministério Público, o magistrado exerce uma função bastante peculiar, pois a ele compete efetivamente prestar a tutela jurisdicional do Estado. Nesse diapasão, não é mero funcionário do Estado, mas um dos agentes responsáveis pela institucionalização democrática do Estado de Direito.

Com efeito, a decisão dos órgãos judiciários, nos limites da sua competência outorgada pelo Estado de Direito, é ainda expressão da vontade da soberania popular. Assim, espera-se do juiz, como representante máximo do Poder Judiciário, a satisfação dos conflitos que requerem a tutela jurisdicional do Estado, o que está garantido pela autonomia administrativa e funcional de seus integrantes.

O próprio Poder Judiciário distingue-se, para o exercício efetivo de sua função pública, dos demais poderes que compõem a tríade política do Estado, justamente por sua característica técnica, enquanto o Poder Legislativo e Executivo são políticos em sua essência e finalidade.

No Brasil, como se sabe, o Poder Judiciário é composto por membros que o integram em função de pré-requisitos eminentemente técnicos, diretamente relacionados ao conhecimento jurídico. Não são investidos de mandatos públicos, provisórios, eleitos pelo poder originário diretamente do povo, mas indiretamente, através da investidura conforme regras editadas por representantes do povo, de competência legislativa.

Somente o juiz escolhido pelo sufrágio universal seria efetivamente legítimo representante da vontade popular. Entretanto, se assim fosse organizado nosso ordenamento jurídico, haveria total desnecessidade da fundamentação jurídica das decisões e da participação do advogado como representante processual da parte, o que, felizmente, não ocorre, em obediência à segurança jurídica e social.

O magistrado exerce, como nenhuma outra autoridade pública, a capacidade constitucionalmente prevista de nivelar as partes que compõem um litígio, com a devida e proporcional igualdade de condições.

Dessa forma, ao Juiz, como a nenhum outro membro da tríade jurídica, caberia o papel de promover a Justiça social. Entretanto, cabe aqui uma indagação: qual seria a correta definição de Justiça, ou ainda, qual seria o ideal da Justiça? Para os Neopositivistas, a promoção da justiça social não compete ao magistrado, que teria tão-somente o condão de interpretar a norma jurídica e aplicar a ordem preexistente.

Nesse contexto, permanece a dúvida acerca do verdadeiro papel do magistrado. Dele espera-se, no exercício de sua função judicante, a mais aprimorada técnica jurídica na interpretação e aplicação das leis ou a sensibilidade social? A resposta para tais indagações não é precisa, refletindo-se se haveria uma reposta definitiva.

Ora, o rigorismo formal aplicado por alguns membros da Magistratura atinge de forma imediata os apelos sociais que buscam, no seio do Poder Judiciário, a satisfação dos conflitos decorrentes das relações humanas – tão imperfeitas em sua essência quanto comuns.

De fato, está-se inflando o purismo jurídico-científico do Direito com aspectos morais, éticos e sociais. Hans Kelsen[11] extirpou toda e qualquer influência não-técnica e não-jurídica do Direito, buscando demonstrar a necessidade de se obedecer à ordem jurídica para garantir a segurança social.

Para os positivistas, a função do juiz é administrar o direito, buscando sempre, mas não necessariamente, promover a Justiça (moral). Alguns críticos defendem que a sua função é meramente administrar a lei, e que não lhe caberia modificá-la ou recriá-la.

Por outro lado, os adeptos do Direito Alternativo refutam veementemente essa postura dogmática e amoral, pois creem na necessidade de se considerar a promoção da Justiça no caso concreto: “Portanto, é dever dos juízes moldar e desenvolver a lei na direção correta, através da sua interpretação criativa, de modo que ela atinja seu objetivo social e sua missão econômica”.

Os juízes devem perceber que a lei administrada por eles deve tornar-se um instrumento poderoso para assegurar justiça social a todos. Por justiça social, refiro-me não aquela limitada a poucos felizardos, mas sim a compreendida por grandes camadas de desafortunados e desprovidos, lei que traga distribuição equânime do material social e recursos políticos da comunidade”.{C}[12]

O ideal de Justiça não pode limitar-se por arestas técnicas e insensíveis aos anseios sociais. Entretanto, não poderá o juiz extrapolar sua competência ao traçar caminhos alternativos do direito e simultaneamente contrários ao ordenamento jurídico.

Vê-se, pois, um aparente paradoxo, eis que o magistrado está atrelado à lei, e tanto o deve ser, quanto perfeita ou imperfeita, justa ou injusta, será a norma jurídica. Estaria, portanto, sujeito aos equívocos normativos do órgão legiferante, mas, em nome de uma segurança jurídica e de princípios norteadores do Direito, não poderia modificá-la ou ignorá-la, ainda que convicto de sua finalidade social.

O próprio sistema limita o poder de decisão dos juízes. Assim, exempli gratia, ocorre com o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil,[13] que estabelece os princípios segundo os quais os magistrados deverão fundamentar suas decisões quando não houver lei regulamentando a matéria, obrigando-o a julgar os casos mesmo, não havendo legislação específica sobre o assunto, seja através de analogia, costumes ou princípios gerais de Direito.

De fato, o que não poderá ocorrer é a recusa da prestação da tutela jurisdicional com base na inexistência ou omissão de lei, mesmo porque o Direito é representado não somente pelo dispositivo legal, mas também pelo consuetudinário.

Portanto, diante das limitações sistemáticas que lhe são impostas e dos conflitos sociais e ideológicos próprios do exercício de sua função, o Juiz deve buscar e alcançar seu ideal de Justiça, respeitando os princípios fundamentais de um Estado Democrático, garantindo a segurança jurídica e promovendo a Justiça social, sempre que possível e de forma a não agredir a ordem jurídica preestabelecida.

A verdadeira Justiça Social somente será alcançada quando houver perfeita harmonia entre os Poderes do Estado. A deficiência de um é o martírio do outro. Não se pode almejar o Bem Comum apenas pelas decisões dos membros do Poder Judiciário.

As demais faces do poder estatal devem cumprir suas tarefas, para que possa então o Magistrado, ter total liberdade e destemida vontade em promover a tutela jurisdicional que lhe cabe, sem prejuízo nem ofensa à Justiça.

Em face do conflito entre soberania do Parlamento ou Soberania dos Tribunais o Dr. Walter Grunewald Filho{C}[14] em seu artigo, o ativismo judicial e sua ameaça ao ordenamento jurídico, faz as seguintes indagações:

Pode o Supremo Tribunal Federal assumir o papel de órgão político ante o ordenamento legalista oriundo do Poder Legislativo?

Não estaria incorrendo em desrespeito ao princípio da tripartição dos poderes e ao princípio da legalidade?

Qual é o limite entre a jurisdição e a legislação?

O modelo hermenêutico pautado na doutrina neo-constitucional, de fato, se faz apto a realizar o almejado valor justiça?

Um modelo positivista reflexivo não seria mais adequado à garantia do princípio da tripartição dos poderes?

O empenho crescente do Supremo Tribunal Federal em tornar efetivo o projeto de Estado democrático traçado pela Constituição Federal é digno de aplausos, todavia esse crescente dinamismo jurisprudencial também apresenta aspectos negativos, ainda mais pautados em um modelo hermenêutico impreciso, fomentador de convicções valorativas pessoais capazes de desnaturar o conceito de poder político.

Nesse sentido, os valores históricos e filosóficos que circunscrevem a teoria da separação dos poderes devem ser revividos e contextualizados ao vigente ordenamento jurídico, a fim de alinhar o debate institucional que vincula as funções, judicante e legiferante, quando do ato de criação do direito, evidenciando um modelo exegético que ajuste a criatividade inerente à jurisdição constitucional e o acatamento aos princípios do Estado de Direito, impedindo um voluntarismo bem-intencionado, mas institucionalmente desastroso.

O conceito de poder, haja vista o fato de que, em uma sociedade política, marcada pela manifestação da soberania estatal, o povo, por autoridade própria, cria órgãos para o exercício de sua dominação, de modo a se submeter a um conjunto de normas jurídicas por eles criado, com a crença de atingir um fim comum.

Nessa esteira de raciocínio, a criação de meios e instituições voltados ao controle e à limitação do poder político atribuiu força ao princípio da separação dos poderes, o qual teve como inspiração os valores justiça e segurança jurídica.

Assim, ao lado do poder legiferante, passou o poder judicante a participar, também, do ato de criação do direito. E não menos evidente seria tal constatação, pois, sob o prisma material, inexiste qualquer diferença entre jurisdição e legislação; Tanto o Judiciário, quanto o Legislativo, concorrem na construção e conformação do direito, de modo que apenas o prisma procedimental é que estabelece a distinção entre os dois modos de criação do direito.

Ressalte-se que uma comparação entre a margem de liberdade de ação do órgão judicante e do órgão legiferante, na criação do direito, agrava ainda mais a divergência entre as funções orgânicas, uma vez que o legislador limita-se apenas às normas constitucionais, enquanto o juiz, ao compor litígios ou conflitos normativos, submete-se à totalidade do sistema em que opera.

De outra ponta, nos casos em que a norma aplicável ao litígio admite conceitos vagos e indeterminados, o juiz, valendo-se de seu juízo de valor, encontra um considerável grau de liberdade para a solução do conflito, o qual, no entanto, não o prestigia atuar como legislador in stricto sensu.

Nesse ponto, inclusive, é que a exposição atinge o seu ápice e diverge das doutrinas, pois seria permitido ao poder judicante, valendo-se da interpretação principiológica, moralista jurídica, transplantar a baliza funcional do ordenamento como fito de concretizar os valores impostos pela Magna Carta?

Com efeito, os princípios apresentam importantíssimo papel ao ordenamento, afinal, conferem verdadeiras diretrizes a serem seguidas, de tal sorte que se fixam em verdadeiros alicerces, conferindo sustentação ao sistema.

A força normativa dos princípios constitucionais como ensina Paulo Bonavides[15], ao tempo do Estado Liberal, a ideia de separação de poderes era preponderante, no intuito de limitar o poder estatal para que não restasse concentrado nas mãos de uma única pessoa ou Órgão. Assim, a esfera mais crítica e delicada para o estabelecimento de um Estado de Direito era: a) a organização jurídica dos Poderes; b) a distribuição de suas competências; c) a harmonia e o equilíbrio funcional dos órgãos de soberania; a determinação de seus limites.

Hoje, os direitos fundamentais ocupam essa posição culminante.

Após a Segunda Guerra Mundial, a evolução mais importante do direito foi a descoberta do princípio da proporcionalidade e o desenvolvimento do conteúdo jurídico objetivo dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais, na ordem constitucional atual, foram alçados à categoria de princípios, de tal sorte que se transformaram, como lembra Paulo Bonavides, no mais importante pólo de eficácia normativa da Constituição, adquirindo força vinculante, com respeito aos três Poderes, tendo adquirido aplicabilidade direta e eficácia imediata, com perda do caráter de normas programáticas.

Além disso, os direitos fundamentais adquirem uma carga axiológica, aparecendo como postulados sociais que servem de impulso e inspiram à legislação, à administração e à jurisdição. Essas transformações doutrinárias que se iniciaram na Alemanha, disseminaram-se pela Europa e chegaram ao Brasil, tendo sido incorporadas à Constituição Federal de 1988 e tornaram-se mais evidentes com a chegada ao Supremo Tribunal Federal de Ministros cuja formação se deu segundo essa doutrina mais contemporânea e que introduziram entre nós esse modelo de interpretação da Constituição.

Como lembra Barroso{C}[16], as Constituições são documentos dialéticos e compromissários, que consagram interesses diversos e antagônicos, que entram em rota de colisão. No julgamento do caso concreto, o juiz deve, através de exercício de ponderação e uso da proporcionalidade, demonstrar, argumentativamente, que determinada solução demonstra mais a vontade da Constituição naquele caso concreto.

A decisão não decorre simplesmente de um exercício de subsunção, mas tem de ser construída pelo julgador, exigindo uma atuação criativa do intérprete e é com base em princípios e conceitos abertos, tais como dignidade da pessoa humana e moralidade, por exemplo, que nossa Corte Suprema tem se manifestado em matérias em que não há consenso na sociedade em termos de certo e errado e sobre as quais o Poder Legislativo evita pronunciar-se, tais como aborto, união homoafetiva, utilização de célula tronco para pesquisas, etc.

Não se pode perder de vista que, em se tratando de valores e temas abertos, em que há um desacordo moral razoável, não há como afastar a interferência de todo o background do julgador, suas convicções políticas e religiosas, sua origem, suas experiências pessoais e de estudo em outros países, etc., sendo certo que o mesmo caso concreto poderá vir a ter resultado bastante diverso de acordo com o julgador encarregado de decidi-lo.

Assim sendo, a função jurisdicional se cinge à individualização de uma norma genérica, de competência do Poder Legislativo, a uma situação concreta e específica, de maneira a se desenvolver em direta conexão com as partes interessadas, consubstanciando-se de forma imparcial, independente, inicialmente inerte, tendo como respeito o contraditório.

Nesse sentido, não se condena um modesto voluntarismo da Corte; Admitir um Judiciário calado, cingido a declarar a palavra da lei acarretaria a desdita do Estado Social proclamado pela atual Carta Magna.

Conforme exposto, o ato de criação do Direito pelo órgão judicante impõe ao julgador a tarefa de reduzir a distância entre a generalidade e a singularidade do caso concreto, deforma a reconhecer-lhe certo espaço de atuação.

Assim, a prática jurídica acaba por oferecer uma espécie de carta de alforria ao intérprete para que ele atribua às normas jurídicas o sentido que considera mais adequado, de modo que a principiologização da interpretação, por conseguinte, se consigna apenas como justificativa à ampliação de seu poder discricionário, em detrimento do legislador, para a realização da justiça no caso concreto, conforme ponderação pessoal.{C}[17]

O que, inclusive, o transforma em um co-participante da função legiferante ao definir os conceitos jurídicos para termos indeterminados e realizar escolhas entre as soluções possíveis e adequadas, amparadas pelos princípios do Estado de Direito.

O emprego pelo legislador de expressões correspondentes a conceitos vagos ou indeterminados não caracteriza uma falha na formulação da norma, mas sim uma técnica de regulação que confere ao intérprete-aplicador maior flexibilidade para alcançar o maior grau de justiça no caso concreto.

Diante dessas constatações, conclui-se que a redução do direito a princípios, como ocorrido em algumas jurisprudências hodiernas, sob o viés do pretenso pós-positivismo, antes de ser um ato digno de aplausos, apresenta-se ameaçante à segurança jurídica do sistema, pois a tão almejada concretização da Constituição exige submissão às suas diretrizes traçadas, de modo a garantir integração das três dimensões básicas do fenômeno jurídico, administrativa, legislativa e judicial.

No entanto, diante de diversas críticas referentes à necessidade de uma maior compreensão do direito, cuja imprescindibilidade resultou no abandono dos ideais retrógrados, passou-se a reconhecer, no início do século XX, um fenômeno interpretativo mais abrangente, de forma a enxergar no texto normativo o ponto de partida para o processo hermenêutico, o qual, alinhado com a carga pré-compreensiva do intérprete, até então desprezada, desencadearia a almejada atividade exegética de formulação da norma para o caso concreto. Contudo, o olhar crítico acerca da ingerência da função jurisdicional, em detrimento da legiferante, fez saltar aos olhos sua feição predatória ao exercício do poder político.

Ao se defender uma vinculação das funções estatais à lei e, ao mesmo tempo, assegurar a um dos poderes a sua criação, evidentemente se está a garantir uma maior zona de atuação a uma das funções, de maneira a desconstituir a noção de e qualidade, elementar ao sistema.

Aliás, o que se pretende, quando da interpretação da teoria da separação dos poderes, não é a noção de separação em seu sentido estrito, mas sim uma cooperação entre os núcleos essenciais de cada função, de forma a corroborar um diálogo institucional voltado à criação e efetivação do direito.

O poder constituinte pode ser estudado em uma dupla dimensão: originária e reformadora. Trata-se do poder que constitui, que faz e que elabora normas constitucionais. O poder constituinte produz normas constitucionais tanto ao elaborar a Constituição quanto ao alterá-la. Na primeira hipótese, diz-se originário, primário, de primeiro grau; na segunda, tem-se o poder reformador, derivado, instituído, constituído, secundário, de segundo grau, ou, simplesmente, competência constituinte.

As normas produzidas pelo poder constituinte – seja o originário, seja o reformador – compõem um texto normativo, a Constituição, localizado em posição de superioridade, em relação às demais normas do ordenamento jurídico de um País.

O poder constituinte originário cria o Estado e lhe dá a primeira Constituição, ou a partir de uma ruptura da ordem jurídica existente, quando estabelece um novo tipo de Estado dando-lhe uma nova constituição. Assim, o poder constituinte pode criar ou recriar o Estado. A partir de então, historicamente é o mesmo, geograficamente pode ser o mesmo, porém, juridicamente é um novo Estado.

Tem-se entendido o poder constituinte como competência, capacidade ou energia para cumprir um fim. “Se por ‘poder’ entendemos uma competência, capacidade ou energia para cumprir um fim, e por ‘constituinte’ o poder que constitui ou dá constituição ao estado, alcançamos com bastante precisão o conceito global: poder constituinte é a competência, capacidade ou energia para constituir ou dar constituição ao estado, é dizer, para organizá-lo”.[18]

Nota-se, então, que o poder constituinte originário está localizado fora do Direito e precede o Estado e a Constituição, os quais, tanto aquele quanto esta, é criada por ele. É bastante controvertida a natureza do poder constituinte. Para alguns, de formação jusnaturalista, é poder de direito, para outros, em regra positivistas, trata-se de um poder de fato[19].

De acordo com a primeira tese, o poder constituinte originário é um poder de direito, tendo por fundamento o Direito natural, que é anterior e superior ao Direito do Estado. “Deste Direito natural decorre a liberdade do homem estabelecer as instituições por que há de ser governado. Destarte, o poder que organiza o Estado, estabelecendo a Constituição, é um poder de direito”[20].

 O poder constituinte originário é compreendido como um poder de fato e encontra-se vinculado à realidade da vida social em determinado espaço territorial. “Mais até, estamos a falar de um poder exclusivamente político, porque originariamente imbricado em toda a polis, naqueles raros instantes em que a polis se sobrepõe ao Estado para dizer, por ela mesma, sob que tipo de Direito-Constituição quer viver”[21].

A titularidade do poder constituinte tem mudado de acordo com as circunstâncias históricas. Primeiro, pertenceu a Deus; depois, ao monarca; mais tarde, à nação; atualmente, ao povo. No futuro, essa titularidade poderá pertencer a outro.

Na tradição judaico-cristã, Deus é a única fonte de todo o poder que já existiu. Assim, toda autoridade provém de Deus. É ao Seu poder que os homens devem estar submetidos. É o que se pode encontrar na Epístola de São Paulo aos romanos: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus”[22]. Se todo o poder advém de Deus, a titularidade do poder constituinte a Ele pertence.

O monarca, concentrando em suas mãos todo o poder terreno, colocava-se como intermediário entre o povo e a divindade: “o príncipe é admitido como soberano legítimo porque sendo à imagem de Deus, ele não pode contrariar a vontade divina”. Mas a luta travada contra o absolutismo “deslocou a soberania do príncipe para a comunidade política a fim de romper com a divinização da autoridade real”[23].

Na concepção do abade Sieyès, a titularidade do poder constituinte pertencia à nação, única fonte legítima capaz de fazer uma Constituição:

A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Antes dela e acima dela só existe o direito natural. Quando se desejar construir os fundamentos da ordem jurídica, deve-se recorrer a ela. “Em toda nação livre, só há uma forma de acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria nação. Se precisamos de Constituição, devemos fazê-la. Só a nação tem direito de fazê-la”{C}[24].

Nos tempos atuais, tem-se entendido que o titular do poder constituinte originário é o povo, um dos elementos constitutivos do Estado. Nesse sentido, afirma-se que “a soberania primária, o poder constituinte, reside essencialmente no povo, na totalidade e em cada um dos seus membros”.[25]

O agente do poder constituinte originário é aquele que elabora a Constituição. O agente não é órgão do Estado ou da Constituição; é órgão da sociedade, imbuído da tarefa de fazer uma Constituição e (re) criar o Estado. Esse órgão costuma ser a Assembleia Nacional Constituinte ou a Convenção Constituinte.

Há várias formas de manifestação do poder constituinte originário: a outorga, o bonapartista e a democrática. As duas primeiras não têm compromisso com a legitimação democrática do poder e do ordenamento jurídico. Prescindem da participação popular. Consistem, sob essa ótica, em verdadeira negação do poder constituinte do povo.

A forma democrática de exercício do poder constituinte pode ser classificada em quatro modos, conforme o lugar e o momento histórico em que tem sido utilizada para a elaboração da Constituição.{C}[26] Podem ser apontadas várias características que identificam o poder constituinte originário. Entende-se o poder constituinte como sendo inicial, incondicionado, e ilimitado.

O poder constituinte originário inicial, inicia, instaura, inaugura, implanta uma nova ordem jurídica. Sob tal perspectiva, reconhece-se que, “no fundo, o poder constituinte se revela sempre como uma questão de ‘poder’, de ‘força’ ou de ‘autoridade’ política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política”.[27]

O momento de ruptura representa um ponto alto do constitucionalismo. A nova Constituição, fundamento de validade da ordem jurídica, substitui um Estado por outro. Porém, só uma Constituição pode trocar o Estado por outro. Não um Estado a trocar sua Constituição por outra. E mais, o Direito feito para o Estado tem de permanecer o referencial do Direito feito pelo Estado, durante todo o tempo de vigência da obra que uma dada Assembleia Constituinte vier a promulgar”{C}[28].

Desse modo, em 1988, no Brasil, não houve apenas a substituição de uma Constituição por outra. O que ocorreu, na verdade, foi à substituição do fundamento de validade do ordenamento jurídico.

A nova Constituição, fruto do poder constituinte originário, criou um novo tipo de Estado, passou a ser o núcleo irradiador de legitimidade para todo o ordenamento jurídico.

A incondicionalidade refere-se ao procedimento. O poder constituinte cria as regras de acordo com as quais, em seguida, irá trabalhar, não está condicionado a nenhuma regra jurídica pré-existente, podendo expressar-se por meio da forma que escolher. Cria seu regimento interno, e uma vez criado ele passa a atuar balizado por elas para elaborar a Constituição.

Isso já foi constatado pelo teórico do poder constituinte: “Qualquer que seja a forma que a nação quiser, basta que ela queira; todas as formas são boas, e sua vontade é sempre a lei suprema”.{C}[29]

O poder constituinte originário, por ser ilimitado, não fica submetido à Constituição que edita. Ao contrário, poderá substituí-la, quando entender necessário. “Não só a nação não está submetida à Constituição, como ela não pode estar, ela não deve estar, o que equivale a dizer que ela não está”.[30]

Compreendendo a radicalidade do poder constituinte, tem-se afirmado que há dois poderes que tudo podem: o poder de Deus no Céu e o poder Constituinte na Terra. O poder de Deus dá início ao mundo em geral, cuja obra terá seqüência com a natureza e os seres humanos. Mas há outro poder – o poder constituinte – que dá início à criação do mundo jurídico em particular, prescrevendo o modo pelo qual esse mundo jurídico irá receber seus complementos, que são necessários e infinitos[31]. O poder constituinte, em razão de sua ilimitabilidade, pode tudo. Todavia, esse poder tudo necessita ser mais bem compreendido.

A tese, segundo a qual o poder constituinte é ilimitado, tem sido rejeitada. Fala-se, por conseguinte, em uma ‘vontade de constituição’ capaz de condicionar a vontade do criador. 

A doutrina de Canotilho[32] mostra a existência de algumas condicionantes assim resumidas: a) se a Constituição a ser elaborada deve ter por escopo organizar e limitar o poder, então o poder constituinte, ao fazer sua obra, estará condicionado por esta “vontade de constituição”. Deseja-se o poder organizado e limitado e esta circunstância condiciona a vontade do criador; b) o poder constituinte é “estruturado e obedece a padrões e modelos de condutas espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade”. Esses valores condicionam sua atuação; c) certos princípios de justiça, impregnados na consciência de homens e mulheres, são condicionantes incontornáveis da liberdade e onipotência do poder constituinte. Se pode tudo, já não lhe é permitido contrariar os princípios de justiça, como, por exemplo, o de que não se deve lesar a outrem; d) o poder constituinte, embora seja a expressão máxima da soberania popular no âmbito do Estado-nação, não pode simplesmente ignorar princípios de Direito Internacional.

Ao contrário, deve estar vinculado a alguns desses princípios, tais como o princípio da independência, o princípio da autodeterminação dos povos, o princípio da prevalência dos direitos humanos, o princípio da igualdade entre os Estados, o princípio da defesa da paz e o princípio da solução pacífica dos conflitos.  

As normas constitucionais são obra do poder constituinte. Tanto o originário quanto o reformador têm legitimidade para fazê-las. Aquele está localizado fora do âmbito jurídico; este, encontra sua legitimidade no Direito, especificamente na Constituição Federal. Porém, entre ambos há distinções que precisam ser clareadas.

A doutrina tem traçado os limites entre o poder reformador e o constituinte originário: “O primeiro, como poder jurídico, é o poder constituinte do Direito Constitucional; O segundo, como poder extrajurídico, é o poder constituinte da Ciência Política. Um se manifesta em ocasiões de relativa normalidade e paz, sempre abraçadas aos preceitos jurídicos vigentes, o outro, ao contrário, chega à crise das revoluções e Golpes de Estado e se exercita quase sempre sobre as ruínas de uma ordem jurídica esmagada”.[33]

Coube ao abade Sieyès{C}[34] fazer a distinção entre poder constituinte e poder constituído. Confundi-los seria grave erro. Um elabora normas constitucionais. Outro, submetido à Constituição, produz o direito infraconstitucional. Desse modo, “a Constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação.

É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. E se as normas constitucionais são fundamentais, as normas infraconstitucionais devem estar em consonância com elas. Em síntese, os poderes constituídos não podem contrariar o poder constituinte. A norma infraconstitucional não pode afrontar a norma constitucional elaborada pelo poder constituinte originário ou reformador.

As limitações materiais que o poder constituinte originário impôs ao poder reformador são denominadas cláusulas pétreas. Por cláusulas pétreas devem-se entender as disposições que se encontram fora de incidência do poder reformador. Este não tem legitimidade para tocar em tais cláusulas, no sentido de aboli-las total ou parcialmente, mas não está proibido de ampliar o âmbito de tais cláusulas. 

Todavia, falar em cláusulas pétreas já não é o suficiente. Melhor seria falar em bloco de constitucionalidade. Por bloco de constitucionalidade pode-se entender o amplo conjunto formado por matérias axiologicamente importantes, consistam ou não cláusulas pétreas, estejam ou não inscritas na Constituição Federal.

“O bloco de constitucionalidade compõe-se essencialmente da reunião de textos ou de princípios relativos aos direitos fundamentais e de um texto que organiza o regime de poder e a elaboração das normas jurídicas” de acordo com Oliva[35].

Desse modo, o que não pode ser objeto de emenda constitucional abolidora não são apenas as cláusulas pétreas, mas o bloco de constitucionalidade. Então, o espaço material interditado à atuação do poder reformador fica alargado.

Os juízes e os tribunais exercem, com frequência, poderes constituintes, na medida em que podem criar normas jurídicas que acabam tendo status constitucional. A norma que instituiu o bem de família constitucional, art. 5º, inciso XXVI,[36] antes de ser constitucionalizada pelo poder constituinte originário de 1988, foi obra da atuação de magistrados progressistas, especialmente no Rio Grande do Sul. O mesmo se pode afirmar em relação à união estável, norma constitucional criada pela jurisprudência e pela doutrina e que passou a ter assento constitucional em 1988.

Não se ignora que os juízes e os tribunais, no exercício da função jurisdicional, podem criar normas constitucionais, quando decidem ou sentenciam. Desse modo, produzir normas constitucionais não é exclusividade do poder constituinte originário ou reformador, devendo-se reconhecer ao magistrado a legitimidade para criá-las.

Por outro lado, deve-se esperar e, mais do que isso, exigir-se dos juízes e dos tribunais a concretização dos valores inseridos na Constituição da República. É o primeiro documento a ser consultado na busca incessante de realização da Justiça.

O magistrado deve aplicar prioritariamente a Constituição, fundamento de validade de todas as normas jurídicas que, expressa ou implicitamente, compõem o ordenamento jurídico nacional. Quanto à interpretação das normas infraconstitucionais, deve prevalecer apenas um ou mais entendimentos que tenham apoio na Constituição Federal. As leis, como produtos da criação do homem, quando aplicadas ao caso concreto requerem também a aplicação de vetores interpretativos, de modo a extrair delas o significado mais condizente.

Nesse sentido, existem alguns métodos clássicos de hermenêutica que são utilizados pelos intérpretes do Direito, como o gramatical, que leva em conta a literalidade da lei, que considera o contexto histórico em que a norma foi produzida, o teleológico, que busca a finalidade para qual a norma foi produzida, dentre outros.

Em se tratando especificamente de normas constitucionais, tendo em vista sua relevância no ordenamento jurídico, existem alguns princípios específicos que devem ser observados quando de sua interpretação.

Segundo Roberta R. Pioli,{C}[37] nas lições do professor constitucionalista Marcelo Novelino{C}[38], que se baseia na concepção do jurista alemão Konrad Hesse{C}[39], trata-se de sete princípios que são de suma importância, sobretudo para a manutenção da própria supremacia da Constituição, a seguir analisados.

O princípio da Unidade da Constituição: estabelece que esta deva ser interpretada como um todo, de forma que não é admissível a existência de "normas constitucionais inconstitucionais", todas têm o mesmo valor normativo seja de caráter material ou formal. Busca-se, dessa forma, evitar eventuais antinomias entre normas constitucionais, que são apenas aparentes, vez que todas fazem parte de um mesmo sistema.

A atualidade normativa do texto constitucional também é de extrema importância, vez que permite sua eficácia e permanência. Fala-se no Princípio da Força Normativa da Constituição, que prioriza interpretações que busquem essa atualidade.

Já o princípio da Concordância Prática ou Harmonização é aplicado no caso de conflito entre princípios constitucionais. Tendo em vista que entre esses não há qualquer relação hierárquica, deve haver interpretação no sentido de buscar uma redução proporcional de cada um dos bens em conflito, de forma que não seja atingido o núcleo de nenhum dos direitos protegidos, evitando o sacrifício total de um bem em benefício de outro.

Relacionado ao princípio da Concordância Prática está o princípio da Relatividade ou Convivência das Liberdades Públicas, do qual se infere que os direitos e garantias previstos na Constituição Federal não possuem caráter absoluto e ilimitado, ao invés disso, encontram limites impostos pela própria Constituição quando se esbarram em outros direitos e garantias. O Princípio do Efeito Integrador, por sua vez, prioriza a interpretação que consagre a integração política e social, bem como o reforço da unidade política estadual.

Além dos princípios já mencionados, deve ser observada ainda a Máxima Efetividade ou Eficiência, no sentido de que a interpretação conferida à norma constitucional deve buscar a máxima efetividade social possível, a que tiver mais utilidade, mais função social de fato.

Por fim, na interpretação das normas constitucionais deve ser sopesado o Princípio da Justeza ou Conformidade Funcional, segundo o qual é vedado ao intérprete inovar, criar norma jurídica, sob pena de invadir a esfera de competência reservada ao Poder Legislativo devendo manter fiel observância à repartição constitucional de funções e competências, e não subverter a ordem constitucionalmente estabelecida, em especial a separação dos poderes.

Todos os princípios mencionados se aplicam às normas constitucionais. Entretanto, no tocante à interpretação das normas infraconstitucionais, tendo em vista que estas devem guardar respeito à Lei Maior, importante ressaltar que seus intérpretes devem sempre observar o Princípio da Interpretação Conforme a Constituição, de modo que, em se tratando de normas polissêmicas, prevaleça apenas uma ou mais interpretações que encontrem respaldo da Constituição, restando excluídas as que lhe forem contrárias.

Dentro dessa visão da separação das atividades estatais, já que não existe a separação absoluta entre os poderes, temos que eles legislam, administram e julgam, mas cada um deles possui o que se chama função típica e atípica, aquela exercida com preponderância é a típica e, a função exercida secundariamente, é a atípica.

A função típica de um órgão é atípica dos outros, sendo que o aspecto da tipicidade se dá com a preponderância. Por exemplo, o Poder Legislativo tem a função principal de elaborar o regramento jurídico do Estado — é sua função típica — mas também administram seus órgãos, momento em que exerce uma atividade típica do Executivo, podendo, ainda julgar seus membros, como é o caso do sistema brasileiro, assim como a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República é uma função atípica do Poder Executivo.

A Constituição Federal de 1988, através da Comissão de Redação, manteve em seu texto a expressão, independentes e harmônicos entre si, para a caracterização dos Poderes da República, já presentes em Constituições anteriores.

A independência entre os poderes é manifestada pelo fato de cada Poder extrair suas competências da Carta Constitucional, depreendendo-se, assim, que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não necessitam da confiança nem da anuência dos outros poderes.

No Estado brasileiro, a independência e harmonia podem ser observadas na Constituição Federal de 1988, sendo que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração Federal, exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais proverem os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes.

Cabe às Casas Legislativas do Congresso e aos Tribunais a elaboração dos seus respectivos regimentos internos, que indicam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia; ao Presidente da República, a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos.

Poder Judiciário atualmente possui mais independência, cabendo-lhe a competência para nomeação de juízes e outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento.

Ao Poder Legislativo cabe como função típica, a edição de normas gerais e impessoais, estabelecendo-se um processo para sua elaboração, a qual o Executivo tem participação importante: pela iniciativa das leis ou pela sanção, ou ainda, pelo veto.

Por outro lado, a iniciativa legislativa do Executivo é contrabalançada pela prerrogativa do Congresso em poder apresentar alterações ao projeto por meio de emendas e até rejeitá-lo.

Por sua vez, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode ser aplicado a projetos de iniciativa dos deputados e senadores, como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa.

Em contrapartida, o Congresso Nacional, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, tem o direito de rejeitar o veto, restando para o Presidente do Senado, promulgar a lei nos casos em que o Presidente da República não o fizer no prazo previsto.

Não podendo o Presidente da República, interferir na atividade legislativa, para obter aprovação rápida de seus projetos, faculta-lhe a Constituição determinar prazo para sua apreciação, conforme preveem os termos dos parágrafos do art. 64, CF.[40]

Se os Tribunais não podem interferir no Poder Legislativo, são de outro modo, autorizados a declarar a inconstitucionalidade das leis. O Presidente da República não pode interferir na atividade jurisdicional, em compensação os Ministros dos Tribunais Superiores são por ele nomeados, dependente do controle do Senado Federal que deve aprovar a indicação.

São, portanto, algumas manifestações do mecanismo de freios e contrapesos, característica da harmonia entre os poderes no Estado brasileiro. Isto vem a demonstrar que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, em especial, mas também do Judiciário, poderão se desenvolver a contento, se eles se subordinarem ao Princípio da Harmonia, “que não significa nem o domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco, para evitar distorções e desmandos.”

As delegações legislativas foram objeto da doutrina constitucional durante o século passado e o início deste, que admitia o "princípio da proibição", isto é, a tarefa legislativa não poderia ser transferida a nenhum outro poder senão o Legislativo.

Evidentemente, a rigidez dessa doutrina não persistiu até nossos dias, haja vista que muitos sistemas constitucionais, nos quais se enquadram o brasileiro, admitem a delegação legislativa com limites bem definidos. Temos, a propósito, na Constituição Federal de 1988, a previsão das chamadas medidas provisórias e leis delegadas.

Sobre a autora
Margarida Alves de Asevedo

Professora – Administradora – Advogada - Cursando Mestrado/doutorado em Ciências Jurídicas na Universidade Autônoma de Lisboa e Pós-Doutorado em Direito Constitucional – Direitos Fundamentais, na Universita’ degli Studi de Messina – Itália. Teóloga -Pós-graduada em Psicologia do Aconselhamento Pastoral - Mestre em Teologia. Lecionou no I Curso em Teologia Pela Faculdade Teológica das Assembleia de Deus - FATAD – Brasília, Unidade de Primavera do Leste – 2014. Disciplinas: Administração Eclesiástica, Teologia Pastoral, Ética Cristã, Religiões Comparadas. Lecionou no Departamento de Administração da UNIC – Universidade de Cuiabá – Grupo Kroton – Unidade de Primavera do Leste. Disciplinas: Teoria Geral da Administração e Diagnóstico Empresarial - 2014. Diretora da Escola Comunitária de Educação Infantil – Talita – 2011/2012. Assessora Parlamentar Câmara Municipal de Primavera do Leste – 2013-2016. Atualmente exerce advocacia no escritório Azevedo Advocacia.

Informações sobre o texto

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