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Direito ao silêncio em matéria tributária

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Agenda 27/04/2005 às 00:00

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direitos Fundamentais, 2.1. Conceito e finalidades, 2.2. Natureza, eficácia e aplicabilidade, 2.3. Características dos direitos fundamentais, 2.4. Destinatários da proteção; 3. Direitos Fundamentais e Poder de Tributar; 4. Direito ao Silêncio, 4.1. Provas Ilícitas; 5. Direito ao silêncio em matéria tributária, 5.1. Ônus da prova quanto à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, 5.2. Dever de colaboração do contribuinte, 5.3. Conteúdo jurídico do direito ao silêncio em matéria tributária; 6. Conclusão; 7. Bibliografia


1.Introdução.

O Poder de Tributar, sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direito, deve ser concebido de maneira que, respeitando os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, propicie a justiça social e alcance o objetivo constitucional de uma vida digna para todos.

O direito ao silêncio em matéria tributária, desta forma, tratando-se de um direito fundamental do contribuinte (artigo 5º, inciso LXIII, da CF), apesar de pouquíssimo debatido pela doutrina e jurisprudência pátria, é assunto de grande relevância e interesse prático.

O tema que ora pretendemos abordar pode ser posto da seguinte maneira: de um lado, está o dever de colaboração do contribuinte para com as autoridades tributárias na busca da verdade material quanto à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária (o que poderá dar ensejo a sua responsabilização na esfera criminal pela prática de crime contra a ordem tributária); do outro, está o direito do contribuinte ao silêncio, ditado pelo princípio da não auto-incriminação.

Nos capítulos que se seguem, nos caberá a definição do conteúdo jurídico do direito ao silêncio em matéria tributária, de modo a que possamos concluir com mais precisão em que hipóteses há o dever de colaboração do contribuinte, bem como sobre a configuração do ilícito penal previsto pela Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, para as hipóteses de omissão de informações ou prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias.


2.Direitos fundamentais do homem.

2.1.Conceito e finalidades.

O nascimento dos direitos humanos fundamentais nos remonta ao momento histórico em que se necessitava de um instrumento para conter e controlar os abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas, e no qual se consagraram os princípios da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo.

Para José Afonso da Silva, direitos fundamentais do homem são aquelas prerrogativas e instituições que o direito positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas, sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 182).

Desta forma, podemos conceituar os direitos fundamentais do homem como o conjunto de direitos e garantias que visam o respeito à dignidade da pessoa humana, impondo limites ao arbítrio do poder estatal e estabelecendo condições mínimas a uma existência digna e ao convívio em sociedade, de modo que se permita o desenvolvimento da personalidade humana.

Do conceito dos direitos humanos fundamentais podemos destacar duas das suas finalidades: garantia contra o arbítrio do poder estatal e consagração da dignidade da pessoa humana.

No dizer de Canotilho, aos direitos fundamentais cumprem "a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)" (J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 541).

2.2.Natureza, eficácia e aplicabilidade.

Ainda nos valendo das lições de José Afonso da Silva, a natureza dos direitos fundamentais passara a ser constitucional, desde o momento em que tais direitos se inseriram no texto da constituição ou mesmo de declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte. Desta forma, nascem e se fundamentam no princípio da soberania popular.

Quanto à eficácia e aplicabilidade de tais direitos, a Constituição Federal de 88, em seu artigo 5º, parágrafo 1º, estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, prevendo, ainda, outros meios para torna-los eficiente, como o mandado de injunção e a iniciativa popular, por exemplo.

2.3.Características dos direitos fundamentais.

Como decorrência da sua natureza e para que cumpram as suas finalidades, os direitos fundamentais apresentam características próprias: inalienabilidade (são direitos inegociáveis, indisponíveis, tendo em vista seu conteúdo não patrimonial); imprescritibilidade (nunca deixam de ser exigíveis, pois a prescrição é instituto jurídico próprio aos direitos patrimoniais); irrenunciabilidade (podem até não ser exercidos, entretanto não podem ser objeto de renúncia); inviolabilidade (devem ser observados por todos, inclusive pelo legislador e pelo constituinte derivado) e universalidade (a todos são assegurados tais direitos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça ou credo).

Alexandre de Moraes atribui, ainda, aos direitos fundamentais as seguintes características: efetividade (o Poder Público deve garantir a efetivação dos direitos e garantias constitucionais); interdependência (conexões entre as diversas previsões constitucionais, como, por exemplo, a liberdade de locomoção, a garantia do habeas corpus, bem como a previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente) e complementariedade (os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte) (Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 41).

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2.4.Destinatários da proteção.

São destinatários da proteção, todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País. O alcance da expressão "estrangeiros residentes" deve ser entendido de maneira que albergue todos aqueles estrangeiros que estejam sob a jurisdição brasileira, ou seja, em território nacional, mesmo que de passagem.

Da mesma forma, as pessoas jurídicas são beneficiárias dos direitos e garantias individuais, pois têm direito à existência, à segurança, à propriedade, à proteção tributária e aos remédios constitucionais (RF 226/81). De nada adiantaria assegurar a existência às pessoas jurídicas se a elas não lhes fossem conferidos os demais direitos. Assim é que, os direitos enunciados e garantidos pela Constituição Federal são de brasileiros, pessoas físicas e jurídicas.


3.Direitos Fundamentais e Poder de Tributar.

Conforme vimos no item anterior, os direitos e garantias fundamentais constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual.

O poder de tributar nasce no espaço aberto pela autolimitação da liberdade, como forma de suprir as necessidades sociais, representando o tributo o preço que os indivíduos pagam para poder exercer a sua liberdade. Daí por que, segundo as lições de Ricardo Lobo Torres, "o relacionamento entre liberdade e tributo é dramático, por se afirmar sob o signo da bipolaridade: o tributo é garantia da liberdade e, ao mesmo tempo, possui a extraordinária aptidão para destruí-la" (Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Volume III. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 1-35).

Outrossim, não bastasse a inerente potencialidade que tem o poder de tributar para restringir as prerrogativas fundamentais do contribuinte, nos dias atuais, assiste-se em nosso país a crescente fúria do "Leão" na busca do incremento das suas receitas tributárias, o que, de certo, vem sendo acompanhada pela invasão do estado sobre as liberdades individuais.

É justamente pelo caráter "dramático" da relação entre o poder de tributar do estado e o contribuinte, que se faz necessária a construção de uma sólida teoria sobre os direitos e garantias fundamentais do homem na relação jurídico-tributária, assegurando a efetividade máxima a tais direitos e garantias.

Conforme nos ensina Roque Antonio Carrazza: "De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias".(Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 427).

O Estado no exercício da sua competência tributária não é absoluto e ilimitado, deve respeitar as restrições que lhes são impostas pelo ordenamento jurídico-constitucional, pautando-se ainda na moral e na ética.

Sobre a moralidade tributária, exigência constitucional à administração pública em qualquer das suas áreas de atuação, devemos compreendê-la como o exercício do poder de imposição tributária com observância e preocupação em dar efetividade às normas constitucionais que asseguram os direitos do cidadão em matéria tributária, tais como os princípios da igualdade, da legalidade, da irretroatividade, da anterioridade, da capacidade contributiva, da seletividade, da não-cumulatividade, da boa-fé, da razoabilidade, da segurança jurídica, do não confisco, bem como os demais direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição, os implícitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados e os introduzidos à nossa ordem constitucional por meio dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

De outro lado, conforme nos ensina Ricardo Lobo Torres, não podemos esquecer da cidadania fiscal. "A cidadania em sua expressão moderna tem, entre os seus desdobramentos, a de ser cidadania fiscal. O dever/direito de pagar impostos se coloca no vértice da multiplicidade de enfoques que a idéia de cidadania exibe. Cidadão e contribuinte são conceitos coextensivos desde o início do liberalismo". (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Derecho Tribuario. Coordenador Paulo de Barros Carvalho. Lima: Palestra, 2003. p. 160-161).

É neste emaranhado de conceitos e princípios que se funda a relação jurídica tributária, ora nos cabendo analisar especificamente a questão do dever de colaboração do contribuinte para com o Estado, no exercício da sua função fiscal fiscalizatória, frente ao direito fundamental ao silêncio ou direito a não auto-incriminação.

O tema tem sua razão de ser estudado e debatido, tendo em vista que o descumprimento de uma obrigação tributária principal, além de acarretar sanções de caráter pecuniário, pode desencadear conseqüências na esfera penal, onde o bem juridicamente tutelado é a liberdade. Daí, indispensável é que seja assegurado à relação jurídico-tributária todos os direitos e garantias fundamentais assegurados aos acusados de crimes em geral, dentre eles o direito ao silêncio.


4.Direito ao Silêncio.

Preceitua o artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado".

Primeiramente é de se observar que a expressão "preso", segundo nos ensina Alexandre de Moraes, não foi utilizada pelo texto constitucional em seu sentido técnico, pois o presente direito tem como titulares todos os acusados ou futuros acusados, que possam eventualmente ser processados ou punidos em virtude de suas próprias declarações. (Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 288).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 8º, parágrafo 2º, g, já garante a toda pessoa acusada de delito não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a de declarar-se culpada. O direito de permanecer calado é verdadeiro complemento dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, garantindo-se não apenas o direito de calar-se, mas também o de prestar declarações falsas, sem que por isso seja responsabilizado ou lhe acarrete algum prejuízo.

O direito ao silêncio, neste sentido, é assegurado a todos aqueles que estejam numa situação jurídica passível de ser considerada uma ilicitude penal, sendo exercido perante quaisquer órgãos do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. Neste sentido vem entendendo a nossa Suprema Corte:

"O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, ser preso ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes". Grifo nosso. (STF - Pleno - HC nº 79.812-8/SP - Rel. Min. Celso de Mello - Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91).

Cumpre-se esclarecer que o dispositivo constitucional ordena que o acusado seja informado do seu direito de permanecer calado por qualquer autoridade que lhe exija a tomada de declarações. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir:

"No mundo jurídico, tornou-se internacionalmente conhecido o caso ‘Miranda v. Arizona’, julgado pela Suprema Corte norte-americana em 1966: o custodiado tem o direito de ficar em silêncio quando de seu interrogatório policial e deve ser advertido pela própria polícia que tem direito, antes de falar, de comunicar-se com seu advogado ou com seus familiares. A própria Constituição brasileira de 1988 consagra tal cláusula como direito fundamental (art. 5º, incs. LXII e LXIII, § 2º)" (6ª T. - RHC nº 4.582-0/RJ – rel. Min. Adhemar Maciel - Ementário STJ, 15/683).

Qualquer prova produzida sem observância ao princípio da não auto-incriminação será considerada ilícita e, portanto, não se prestará a produzir seus normais efeitos.

4.1. Provas ilícitas.

O artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal dispõe que: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Também corolário do princípio do devido processo legal, a vedação a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, por força dos incisos LIV e LV, do mesmo art. 5º, da nossa Constituição, é garantia estendida aos litigantes em processos administrativos e aos acusados em geral.

Provas ilegais são aquelas produzidas em contrariedade a uma norma legal específica, comportando duas espécies: a prova ilegítima e a prova ilícita.

Quando a norma afrontada for de natureza processual a prova será ilegítima. Por outro lado, quando a produção da prova afrontar normas de direito material será denominada de ilícita. Serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a prática de ilícito civil, penal ou administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais.

A inadmissibilidade das provas ilícitas deriva da posição de proeminência que se encontram os direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova que seja.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu: "é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação de convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" (STF, Ação Penal 307-3-DF, Plenário, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, 13 out. 1995).

Quanto às provas derivadas das provas ilícitas, o Supremo Tribunal Federal, mudando seu posicionamento anterior, entende plenamente aplicável a teoria dos fruits of the poisonous tree, ou seja, aceita a comunicabilidade da ilicitude das provas a todas aquelas que dela derivarem.

Explicando: "as provas ilícitas por derivação são aquelas lícitas por si mesmas, mas produzidas a partir de um fato ilícito. Por exemplo: um documento é apreendido em um domicílio, em diligência de busca e apreensão, sem prévia autorização judicial. A prova será considerada ilícita, entretanto, a partir dessa prova ilícita, não utilizada no processo, chega-se a testemunhas e a outros documentos regularmente produzidos (provas lícitas em si mesmas). Essas últimas não poderão ser aceitas, uma vez que contaminadas pelo vício de ilicitude em sua origem, o qual atinge todas as provas subseqüentes. Serão ilícitas todas as demais provas que dela se originaram".(Fernando Capez. Curso de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 260).

Por fim, lembremos que, apesar de não serem as liberdades públicas absolutas, as mesmas somente devem ceder quando colidirem com o exercício de direitos fundamentais por parte de outro titular ou da própria sociedade, desrespeitando a dignidade da pessoa humana. Nestes casos, e somente nestes casos, não pode ser invocada a ilicitude de determinadas provas para afastar responsabilidades civil e criminal perante o Estado.

Citemos o exemplo invocado por Alexandre de Moraes, para melhor compreensão do que vem a ser a "legítima defesa de liberdades públicas": "Exemplificando, poderíamos apontar a possibilidade de utilização de uma gravação realizada pela vítima, sem o conhecimento de um dos seus interlocutores, que comprovasse a prática de um crime de extorsão, pois o próprio agente criminoso, primeiramente, invadiu a esfera de liberdades públicas da vítima, ao ameaçá-la e coagi-la. Essa, por sua vez, em legítima defesa de suas liberdades públicas, obteve uma prova necessária para responsabilizar o agente". E conclui: "Note-se que não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e, conseqüentemente, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, uma vez que aqueles que a produziram agiram em legítima defesa de seus direitos humanos fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas ilícitas. Assim agindo – em legítima defesa -, a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo portanto o inciso LVI, do art. 5º, da Carta Magna." (Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 265-266).

Sobre o autor
Valter Pedrosa Barretto Junior

advogado tributarista do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO JUNIOR, Valter Pedrosa. Direito ao silêncio em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 660, 27 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6638. Acesso em: 24 dez. 2024.

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