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Direito ao silêncio em matéria tributária

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Agenda 27/04/2005 às 00:00

5.Direito ao silêncio em matéria tributária.

Como visto nos itens anteriores, os direitos e garantias fundamentais do contribuinte, dentre eles o direito ao silêncio, implicam em limitações constitucionais ao poder de tributar. Neste item, daremos enfoque à questão do dever de colaboração do contribuinte para com as autoridades tributárias na busca da verdade material quanto à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, de modo a que possamos definir o conteúdo jurídico do direito ao silêncio em matéria tributária.

5.1.Ônus da prova quanto à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Em matéria tributária, campo tendente à restrição da propriedade e da liberdade dos indivíduos, assim como no direito penal, vige o Princípio da Legalidade, também denominado de Princípio da Tipicidade Fechada, Tipicidade Regrada, Princípio da Reserva Legal ou Princípio da Estrita Legalidade, segundo o qual não há tributo sem lei anterior e prévia que o defina.

Se a atividade administrativa do Estado no exercício da sua competência tributante rege-se pelo Princípio da Legalidade, a ele cabe o dever de através dos seus agentes fiscais demonstrar a efetiva realização do fato típico tributário pelo contribuinte, tudo com observância aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

Tal imposição está contida na regra do artigo 142 do Código Tributário Nacional, que dispõe ser o lançamento tributário o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular o montante do tributo devido, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.

Deve-se frisar, ainda, que é a atividade administrativa de lançamento vinculada e obrigatória sob pena de responsabilidade funcional (artigos 3º e 142, parágrafo único, do CTN).

Não há que se cogitar de uma inversão do ônus da prova neste caso, para impor ao contribuinte a prova da não ocorrência do fato típico tributário, sob pena de violação a direitos e garantias fundamentais consagrados em sede constitucional como importantes limitações ao exercício do poder de tributar.

Como bem pondera Hugo de Brito Machado, admitir o arbitramento e inverter o ônus da prova em desfavor do contribuinte consubstancia evidente violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. "Lei que coloca o direito do contribuinte, de não pagar tributo indevido, a depender de prova absolutamente impossível, é lei que torna absolutamente inúteis aquelas garantias constitucionais." (Hugo de Brito Machado. Curso de direito tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 212).

"Em outras palavras, o dever de provar o fato típico tributário concretiza-se, instrumentaliza-se, realiza-se através do dever de lançar, ambos deveres jurídicos inelutáveis aos agentes públicos encarregados de tal mister e instrumentos (autênticas garantias) de proteção ao direito dos contribuintes (sujeitos passivos tributários em sentido lato) de sofrerem apenas e tão-somente as imputações tributárias prescritas de forma cabal em lei compatível com a ordem constitucional." (coordenador Octavio Campos Fischer. Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: dialética, 2004. p. 89).

5.2. Dever de colaboração do contribuinte.

Se por um lado, incumbe ao Estado provar a ocorrência do fato típico tributário, por outro, o artigo 195 do Código Tributário Nacional, impõe ao contribuinte o dever de colaboração para com as autoridades tributárias na busca da verdade material quanto à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Assim é que, prescreve o referido comando legal que para os efeitos da legislação tributária, não se aplicam quaisquer dispositivos legais que limitem ou excluam o direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou a obrigação destes de exibi-los.

E mais: a Lei 8.137/1990 prevê os seguintes tipos penais:

"Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornece-la em desacordo com a legislação.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V."

"Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."

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A Lei 8.137/90 prevê as hipóteses em que o descumprimento de uma obrigação tributária principal acarretará conseqüências na esfera penal.

Podem ser sujeito passivo destes delitos a pessoa física, bem como o diretor, o administrador, o gerente ou os funcionários que tenham participado dolosamente dos atos descritos no tipo penal ou que tenham contribuído para sua consumação. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o contador e o procurador também podem ser sujeito passivo dos crimes previstos pela Lei 8.137/90.

Dentre as situações de ilicitude previstas pela referida lei estão a omissão de informações e a prestação de informações falsas às autoridades fiscais, ocasionando ou não a supressão ou a redução de tributo (hipóteses do artigo 1º são de crimes de resultado, ao passo que os crimes do artigo 2º são formais); bem como a falta de atendimento às exigências das autoridades fiscais.

Vale ressaltar que o artigo 83 da Lei 9.430/96 estabelece que a autoridade fiscal deve (obrigação) encaminhar o processo administrativo-fiscal ao Ministério Público, após proferida decisão sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. O Ministério Público, por sua vez, poderá oferecer denúncia contra o contribuinte, embasando-se tão-somente em tal procedimento administrativo, independentemente de inquérito policial.

5.3. Conteúdo jurídico do direito ao silêncio em matéria tributária.

Apesar da existência de normas explícitas obrigando o contribuinte a prestar informações às autoridades fiscais, tais dispositivos legais exigem uma interpretação à luz das normas constitucionais, precipuamente aquelas que estabelecem limitações ao poder de tributar do Estado.

Desta forma, compreendidas à luz da Constituição (art. 5º, LXIII, da CF), os dispositivos legais supramencionados terão retiradas do seu âmbito de eficácia as hipóteses em que o atendimento às solicitações da autoridade fiscal puder gerar conseqüências na esfera penal para o sujeito passivo da obrigação tributária ou ainda para aquele indivíduo a quem é dirigida a intimação.

Comentando o artigo 195 do CTN, Paulo de Barros Carvalho afirma: "o comando não encerra conteúdo de autorização: é uma imposição inafastável do "dever" que a lei atribui aos agentes da administração tributária, e se reflete num desdobramento do princípio da supremacia do interesse público ao do particular. Não pode, portanto, sofrer embargos ou enfrentar obstáculos que não os próprios limites crivados na Constituição, no catálogo dos direitos e garantias individuais. Deve a fiscalização, por outro lado, ficar adstrita aos elementos de interesse, não podendo extravasar a sua competência administrativa." Grifo nosso. (Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 531).

O artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, outrossim, estabelece critérios que visam dar maior segurança ao contribuinte, delimitando o poder de fiscalização da administração tributária, fortalecendo os direitos e garantias individuais e impedindo grosseiros atentados à ordem jurídica nacional. Vejamos:

Art. 145.

Parágrafo 1º

: "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte". (Grifo nosso).

Desta forma, tendo em vista que a prerrogativa contra a auto-incriminação traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que deva prestar esclarecimentos ou informações perante quaisquer órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, não pode prevalecer o dever de colaboração do contribuinte para com o fisco (artigo 195 do CTN) nas hipóteses em que tal dever lhe puder gerar conseqüências na esfera penal. (Conforme: STF - Pleno - HC nº 79.812-8/SP - Rel. Min. Celso de Mello - Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91).

Qualquer ação por parte do Estado, objetivando apurar ter o lançamento sido efetuado com base em informações falsas, deverá observar aos princípios e regras pertinentes aos acusados de crimes em geral, pois tal procedimento poderá resultar na responsabilização penal do sujeito passivo da obrigação tributária ou do seu responsável. Nesta hipótese, o dever de colaboração do contribuinte (art. 195, do CTN) cede ao seu direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo (art. 5º, inciso LXIII, da CF).

Neste momento, o contribuinte que se nega a prestar informações, presta declarações falsas ou nega-se a atender as exigências das autoridades fiscais não estará cometendo o ilícito penal da Lei 8.137/90, porque o que pretende o Estado é apurar a existência de responsabilidade criminal do sujeito passivo.

Lembremos que o exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. O direito ao silêncio (nemo tenetur se detegere) impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, ser preso ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (Conforme: STF - Pleno - HC nº 79.812-8/SP - Rel. Min. Celso de Mello - Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91).

Ademais, cumpre ressaltar que as provas produzidas em qualquer procedimento fiscal em desobediência ao princípio da não auto-incriminação, direito fundamental do contribuinte (art. 5º, LXIII, da CF), será prova ilegal (prova ilícita), não servindo a produzir seus normais efeitos. O procedimento administrativo-fiscal assume relevância, na medida em que embasará a denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público (artigo 83, da Lei 9.430/96).

Conforme já decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal: "é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação de convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" (STF, Ação Penal 307-3-DF, Plenário, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, 13 out. 1995).

Desta maneira, haja vista o descumprimento de uma obrigação tributária ter o condão de desencadear conseqüências na esfera penal, onde o bem juridicamente tutelado é a liberdade, concluímos ser indispensável à relação jurídico-tributária todos os direitos e garantias fundamentais assegurados aos acusados de crimes em geral, dentre eles o direito ao silêncio.

Ao Judiciário, na condição de guardião da nossa ordem jurídica constitucional e, por conseguinte, dos direitos e garantias fundamentais que integram o denominado bloco de constitucionalidade, caberá a tarefa de coibir todas aquelas condutas que atentem contra tais direitos e garantias.

E mais: ainda que esgotados sem êxito os recursos judiciais internos que dispõe o contribuinte para fazer valer seu direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo, princípio também consagrado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8º, parágrafo 2º, "g", Pacto de São José da Costa Rica), ao indivíduo é garantida a denúncia de tal ofensa à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que a Corte Interamericana lhe garanta a possibilidade de efetivamente poder exercer seu direito fundamental ao silêncio em face do Estado brasileiro.

Não se cogita em negar, principalmente para estas hipóteses, a personalidade internacional do indivíduo. Admiti-la, aliás, "é se enquadrar em uma das mais modernas tendências do Direito Internacional Público, a democratização. É o homem pessoa internacional, como é o estado, apenas a sua capacidade de agir é bem mais limitada que a do estado." (Celso D. de Albuquerque Mello. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979. p. 235).

Para finalizar, nos valemos da sabedoria do ilustre Norberto Bobbio, que, em seu ensaio "Presente e Futuro dos Direitos do Homem", declara que os verdadeiros sujeitos dos direitos humanos são todos os homens, legítimos cidadãos do mundo (Norberto Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992. p. 30).

Sobre o autor
Valter Pedrosa Barretto Junior

advogado tributarista do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO JUNIOR, Valter Pedrosa. Direito ao silêncio em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 660, 27 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6638. Acesso em: 23 dez. 2024.

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