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A Emenda Constitucional nº 45/04 e o princípio da celeridade ou brevidade processual

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5. DO CONFRONTO ENTRE O PRINCÍPIO DA CELERIDADE OU BREVIDADE PROCESSUAL E A QUALIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DO CONFRONTO DAQUELE COM A SEGURANÇA JURÍDICA.

Aspecto que não deixa de causar preocupação na incessante busca da celeridade processual é o da compatibilização desta com a qualidade da prestação jurisdicional e com a segurança jurídica.

Com efeito, parece-nos que a simplificação dos procedimentos e a restrição às vias recursais, para determinadas causas, assim como outras medidas tendentes a conferir celeridade à tramitação, não podem conduzir a uma queda na qualidade da prestação jurisdicional, tampouco violar o direito à ampla defesa e contraditório.

É preciso ter-se presente, por exemplo, que as causas submetidas a procedimento sumário, ou de competência dos Juizados Especiais, v.g., não constituem causas de segundo escalão ou segunda classe, cujo julgamento seja menos importante que as demais.

Sua reduzida expressão econômica, e.g., não justifica uma instrução e julgamento apressadamente realizados, sem a devida acuidade, quer quanto aos fatos, quer quanto ao direito do jurisdicionado. Em suma: é premente conciliar os valores da celeridade com aqueles da segurança jurídica e da qualidade da prestação jurisdicional.

Conforme ensina ALVARO COURI ANTUNES SOUSA (op. cit., p. 117):

"Talvez a maior dificuldade que se encontre na efetividade de tal princípio [o da utilidade] seja compatibilizar a segurança jurídica e a celeridade do processo e grau de sacrifício de cada um destes elementos, o que não é impossível se o aplicarmos em conjunto com os demais e ponderando os bens jurídicos envolvidos no caso concreto."

Em caso de conflito entre os valores já referidos, parece-nos ser indispensável conferir proeminência ao da qualidade da prestação jurisdicional e da segurança jurídica, a despeito da novel disposição constitucional.

Não deve o aplicador do direito olvidar-se de que o direito processual é instrumental [11], servindo de veículo aos direitos subjetivos do jurisdicionado, de modo que não se justifica imprimir-se-lhe celeridade caso esta implique em prejuízo, ainda que eventual, ao direito pelo mesmo assegurado. Em outras palavras: não se pode sacrificar o fim em nome dos meios.

JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, sobre o particular, assim manifesta-se:

"Como condutor do processo, o juiz tem o dever de, sem sacrificar o contraditório e a ampla defesa, procurar a solução mais rápida possível para o litígio. Para tanto, é dotado de inúmeros poderes, especialmente aqueles destinados a evitar a litigância de má-fé (arts. 17 e ss) e a realização de atos instrutórios inúteis e protelatórios (art. 130) [...] A busca da rápida solução do litígio não deve transformar-se, todavia, no objetivo maior do julgador. Ao lado do valor celeridade, encontra-se a segurança, proporcionada pelo devido processo legal. Ambos devem ser levados em consideração pelo juiz, na condução do Processo." (Código de Processo Civil Interpretado cit., p. 348).

Assim sendo, o que se propõe é uma ponderada interpretação do inciso LXXVIII do art. 5º da Carta Magna, cotejando as demais disposições constitucionais, como aquelas assecuratórias do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, LV), fundamentação das decisões (art. 93, IX), dentre inúmeras outras, empregando-se os métodos hermenêuticos da interpretação sistemática e teleológica, de modo a não se sacrificar valores jurídicos de primeira água em favor de uma apologia desmedida à celeridade.

Convém recordar, ainda, na esteira dos ensinamentos do mestre, que a parte, ou seja, o jurisdicionado em questão, possui o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado, de acesso ao judiciário, traduzido no Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), que pressupõe a prestação de tutela jurisdicional adequada, efetiva e de qualidade.

Há entendimentos em sentido contrário, conferindo maior importância ao fator celeridade. Segundo PAULO CÉZAR PINHEIRO CARNEIRO citado por ALVARO COURI ANTUNES SOUSA (op. cit., p. 118):

"O dilema de ontem, entre a segurança e a celeridade, hoje é um falso dilema. A rapidez, sem dúvida, deve ser priorizada, com o mínimo de sacrifício da segurança dos julgados. Da exacerbação do fator segurança, como ocorre em regra no nosso sistema, não decorre maior justiça das decisões. É perfeitamente possível priorizar a rapidez e ao mesmo tempo assegurar justiça, permitindo que o vencedor seja aquele que efetivamente tem razão."

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No entanto, parece-nos evidente que a atual morosidade enfrentada pelo processo não é exatamente fruto do fator segurança jurídica, como afirmado pelo respeitável autor, mas das carências estruturais do Poder Judiciário e do exacerbado número de ações, crescente ano-a-ano, dentre outros fatores, os quais abstemo-nos de mencionar, por extrapolar o objeto do estudo, conforme afirmado alhures.

Outrossim, o que se tem visto é uma queda na qualidade da prestação jurisdicional e, por conseguinte, da segurança jurídica, em virtude de certas tentativas de celerizar a instrução e o julgamento dos feitos.

VALENTIN CARRION, com a clareza que lhe é característica, referindo-se à problemática da demora na entrega da prestação jurisdicional, nos ensina que

"a parcimônia não se reduz apenas à intolerável demora da coisa julgada, mas, por causa da angústia dos juízes, triturados no excesso desumano de processos e o desejo, traço-necessidade de tentar solucionar o impossível encargo, produz o efeito da improvisação e o afogadilho, no juízo singular e nos colegiados e, portanto, a má qualidade freqüente dos julgados. Lança-se mão dos mutirões ou das pautas centenárias, além dos procedimentos para sentenças improvisadas de conhecimento incompleto, como é a tutela antecipada e as cautelares satisfativas." [12] (op. cit., p. 557).

Em suma, concluindo a abordagem, no que se refere ao tópico presente, o que se pretende sublinhar é que, nas palavras de CARRION, não será lançando mão da improvisação e do afogadilho que se resolverá o problema da morosidade processual, devendo-se sempre tentar compatibilizar a celeridade com valores constitucionais da marca maior, já mencionados, de modo que não pereça a própria finalidade do processo: o direito do jurisdicionado.


6. CONCLUSÕES.

De todo o exposto, pensamos ter demonstrado:

a) Que, mesmo anteriormente à vigência do texto constitucional com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, já vigorava, no sistema jurídico pátrio, o Princípio da Celeridade ou Brevidade Processual, o qual se depreendia de uma interpretação sistemática e teleológica da legislação interna;

b) Que tal princípio, embora não expresso na Carta Magna, já contava com hierarquia constitucional, haja vista a interpretação sistemática do ordenamento, já referida, com a norma insculpida no art. 98, I, da CF, bem como a teoria da inclusão automática das normas internacionais definidoras de direitos e garantias fundamentais (art 5º, §§ 1º e 2º, CF);

c) Que a inserção do princípio em comento no texto constitucional caracteriza avanço, na medida em que o torna expresso, bem como procede ao adimplemento de obrigação internacional assumida pela República Federativa do Brasil (art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos), restando em aberto a sua concreção no mundo dos fatos;

d) Que a inclusão referida no item precedente não pode constituir-se em uma apologia desmedida à referida celeridade, em detrimento de valores agasalhados pelo ordenamento, como aqueles da qualidade da prestação jurisdicional e da segurança jurídica, bem como do devido processo legal (especialmente ampla defesa e contraditório).


BIBLIOGRAFIA.

BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André Ramos. As Tendências do Direito Público no limiar de um novo milênio. São Paulo : Saraiva, 2000.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 27. ed. São Paulo : Saraiva, 2002.

LOPES, Mauro Luís Rocha. Execução Fiscal e Ações Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2003.

MARCATO, Antonio Carlos, coord. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo : Atlas, 2004.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 20 ed. São Paulo : Atlas, 2003.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil intepretada e legislação constitucional. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: aspectos relevantes e o sistema recursal da lei n. 10.259/01. Rio de Janeiro : Renovar, 2004.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. V. 1. Rio de Janeiro : Forense, 2003.


NOTAS

1 Aqui pensamos caber um pequeno reparo. Cabe dizer que, em nosso juízo, o processo é realmente instrumental. No entanto, antes de servir de veículo ao direito material que lhe é afim, possui a natureza de garantia fundamental, sendo, portanto, veículo, em primeiro plano, dos direitos fundamentais.

2El derecho a un proceso sin dilaciones indebidas. Madri : Civitas, 1994. p. 32/33.

3 Idem, ibidem, p. 33,

4 CPC: "Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

... omissis...

II - velar pela rápida solução do litígio;"

5 CF: "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

6 "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais."

7 CF: "Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV - os direitos e garantias individuais."

8 Conforme entendimento defendido em trabalho intitulado "A Emenda Constitucional nº 45/04 e o Novo Regime Jurídico dos Tratados Internacionais em Matéria de Direitos Humanos", de nossa lavra, publicado no Boletim Diário Jus Navigandi nº 575, de 02/02/2005, disponível em: <jus.com.br/revista/texto/6272>.

9 "Artigo 2º - 1. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a garantir a todos os indivíduos que se encontram em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação."

10 Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano". (destaques ausentes no original).

"Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades."

11 Na acepção já referida na nota nº 01.

12 No mesmo sentido, seguindo a crítica do mestre supracitado, entendemos altamente temerária a previsão constante do art. 46, in fine, da Lei nº 9.099/95, extensível aos Juizados Especiais Federais por força da Lei nº 10.259/01, que dispensa de fundamentação os acórdãos prolatados pelas Turmas Recursais, nos casos de manutenção da decisão proferida pelo Juízo a quo, servindo de fundamento ao acórdão os mesmos da sentença. Vislumbra-se, no caso, aplicação desvirtuada de simplificação visando à celeridade, em detrimento da qualidade da prestação jurisdicional, violadora do art. 93, IX, da Carta Magna, inquinada, portanto, de inafastável inconstitucionalidade.

Sobre os autores
Geziela Jensen

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

Luis Fernando Sgarbossa

Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor do Mestrado em Direito da UFMS. Professor da Graduação em Direito da UFMS/CPTL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JENSEN, Geziela; SGARBOSSA, Luis Fernando. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o princípio da celeridade ou brevidade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 669, 5 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6676. Acesso em: 23 dez. 2024.

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