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Revisão de ação de investigação de paternidade diante da prova do DNA

Agenda 23/06/2018 às 20:49

1. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

O reconhecimento judicial, por meio de investigação de paternidade, permite ao filho natural (CC de 1916, art. 363; ECA, artigo 27, Ciência Jurídica, 64/137 e outros) e ao adulterino (Lei n. 883/49; RT 720/118, dentre outros), mesmo se não dissolvida a sociedade conjugal, obter a declaração do seu respectivo status familiae.

O reconhecimento de paternidade processa-se perante ação ordinária promovida pelo filho (legitimatio ad causam) ou seu representante legal (legitimidade ad processum), pedendo ser cumulada com ação de petição de herança.

A ação de estado é imprescritível (Súmula 149 do STF), pois a paternidade ou maternidade pode ser buscada em qualquer tempo. A natureza da ação é meramente declaratória.

Havendo dúvida quanto a filiação, o interessado pode ingressar em juízo para investigar sua paternidade biológica, por ter o direito de saber sua identidade genética.

Se o DNA é a solução, mais avançada para identificar a paternidade, como um grau de certeza quase que absoluto, não há como prosperar a presunção pater est quem justae nuptiae demonstrat, substituindo a verdade real pela fictícia. Prevalece o atendimento ao superior e legítimo interesse do filho em descobrir sua identidade genética, ou melhor a verdade real biológica, como explicou Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro, volume V, 24ª edição, pág. 501).


2. A REVISÃO DE JULGADOS NA MATÉRIA

Poder-se-á dizer que a coisa julgada é garantia constiitucional como se vê, literalmente, do artigo 5º XXXVI da Constituição Federal.

Seria, certamente, uma afronta ao princípio norteador e impositivo da dignidade da pessoa humana, negar nova ação de investigação de paternidade, diante de outra anterior, onde métodos científicos modernos, como o exame do DNA, não eram antes utilizados, no intuito de investigar a paternidade. Tal pretensão além de imprescritível, sobreleva a certeza jurídica que poderia ser gerada por decisão anterior.

De toda sorte, desde já, traz-se, data vênia, entendimento de que a todo tempo haverá solução para expelir do sistema jurídico um comando sentencial inconstitucional.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 226.436 – PR, j. de 28 de junho de 2001, decidiu que “não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade à seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido”.

No mesmo sentido tem-se: “Possível a renovação da demanda investigatória quando a ação anterior foi julgada improcedente por falta de provas e não foi realizado o exame do DNA. Os preceitos constitucionais e da legislação de proteção ao menor se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, pois não há como negar a busca da origem biológica” (TJRS, 7ª Câmara Civil, relatora Desembargadora Berenice Dias, 15 de maio de 2002).

Tendo sido o feito julgado improcedente por falta de prova, o julgado não faz coisa julgada com relação a-não paternidade, nada impedindo a renovação da investigatória, sendo inclusive descabida a ação rescisória

Não podem ser impostos limites processuais para o esclarecimento dos laços familiares. Assim, a coisa julgada pode ser relativizada em ações de reconhecimento de paternidade nas quais não foi feito exame de DNA.

Com base nesse entendimento, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, deu provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo 900.521 para restabelecer sentença que reconheceu a paternidade de um cidadão de Iturama (MG) após o trânsito em julgado de ação anterior julgada improcedente pela ausência do teste genético.

O Poder Judiciário não pode, sob a justificativa de impedir ofensa à coisa julgada, desconsiderar os avanços técnico-científicos inerentes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por meio de exame genético, o conhecimento da verdade real, delineando, praticamente sem margem de erro, o estado de filiação ou parentesco de uma pessoa, afirmou o ministro Raul Araújo, relator do recurso especial 1.071.458, de Minas Gerais.

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Para o relator, o direito à paternidade não pode ser impedido por um ato atribuído ao representante legal, anterior à universalização do exame de DNA.

“Fundamento que não pode servir de obstáculo ao conhecimento da verdade real, uma vez que a autora, à época da primeira ação, era menor impúbere, e o direito à paternidade, sendo personalíssimo, irrenunciável e imprescritível, não pode ser obstado por ato atribuível exclusivamente à representante legal da parte, máxime considerando-se que anterior à universalização do exame de DNA”, defendeu o Ministro Araújo.

O caso, segundo lembrou o ministro, traz aparente colisão entre princípios jurídicos fundamentais, de natureza processual e constitucional. De um lado, o princípio da imutabilidade da coisa julgada material (CPC/1973, arts. 467 e 468; CPC/2015, arts. 502 e 502), e, de outro, o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III).

De acordo com o Ministro Araújo, a necessidade de prevalência da verdade real no reconhecimento das relações de parentesco, amparadas em ações de estado tem ensejado, ante as novas descobertas científicas, discussão acerca da relativização da coisa julgada.

“Com a utilização desse meio de determinação genética, tornou-se possível uma certeza científica (quase absoluta) na determinação da filiação, enfim, das relações de ancestralidade e descendência, inerentes à identidade da pessoa e sua dignidade”, ressaltou.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade anteriores à universalização do exame de DNA já foi tratada no Recurso Extraordinário 363.889/MG, relatado pelo ministro Dias Toffoli.

Por votação majoritária (7 votos a 2), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 2 de junho de 2011, conceder a um jovem de Brasília o direito de voltar a pleitear de seu suposto pai a realização de exame de DNA, depois que um primeiro processo de investigação de paternidade foi extinto na Justiça de primeira instância do Distrito Federal. À época, o caso foi encerrado por falta de provas, pois a mãe do então menor não tinha condições de custear o exame.

Na decisão, tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 363889, prevaleceu o voto do relator, Ministro José Antonio Dias Toffoli. Segundo ele, o trânsito em julgado (decisão definitiva de que, em tese, não cabe recurso, também chamada “coisa julgada”) do processo de investigação de paternidade ocorreu de modo irregular. Isso porque era dever do Estado custear o exame de DNA. Como não o fez, inviabilizou o exercício de um direito fundamental, que é o direito de uma pessoa conhecer suas origens. Assim, a coisa julgada não pode prevalecer sobre esse direito.

Para o relator, a questão envolve “pura e simplesmente reconhecer que houve evolução nos meios de prova” e que a defesa do acesso à informação sobre a paternidade deve ser protegida, pois se insere no conceito de direito da personalidade. O ministro Dias Toffoli afastou o princípio constitucional da dignidade humana para admitir a reabertura da ação, considerando ser desnecessário no caso. Ele apontou o risco de banalização desse conceito, com o uso indiscriminado em decisões judiciais.

De acordo com o Ministro, a Justiça deve privilegiar “o direito indispensável à busca da verdade real, no contexto de se conferir preeminência ao direito geral da personalidade”.

No início do julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a repercussão geral* do tema, porém restringindo sua abrangência a casos específicos de investigação de paternidade como este, sem generalizá-la.

Na discussão sobre o reconhecimento da repercussão geral, a Corte decidiu relativizar a tese da intangibilidade da coisa julgada, ao cotejar o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que prevê que a lei não poderá prejudicar a coisa julgada, com o direito à verdade real, isto é, o direito do filho de saber quem é seu pai.

Esse entendimento prevaleceu, também, entre a maioria dos ministros do STF, nos debates que se travaram em torno do assunto, à luz de diversos dispositivos constitucionais que refletem a inspiração da Constituição Federal (CF) nos princípios da dignidade da pessoa humana.

No STJ, a questão foi discutida no AgRg nos EREsp 1.202.791/SP, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

O Ministro sustentou sua argumentação ainda com o posicionamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, para quem o instituto da coisa julgada não pode ser visto de forma estanque, em desprestígio aos direitos, constitucionalmente consagrados, de filiação e de conhecimento da identidade genética e da ancestralidade.

“O direito processual não deve prevalecer sobre o material em ações de estado, de maneira que a verdadeira filiação genética, conhecível mediante exame de DNA, deve sobrepor-se à coisa julgada baseada em anterior insuficiência de prova da paternidade”, defendeu o relator.

Seguindo essa linha de raciocínio, a Turma deu, por unanimidade, provimento ao recurso especial, para reformar o acórdão e determinar o prosseguimento da ação de paternidade.

“O caso dos autos autoriza a relativização da coisa julgada, a fim de que possa ser aferida a verdadeira relação de filiação entre os litigantes. No bojo da nova demanda, ação revisional de investigação de paternidade, deverá ser realizado o exame de DNA”, concluiu.

Essa tese encontra acolhida com base nos artigos 226 e 227 da Constituição bem como no artigo 27 da Lei n. 8.069/90, bem como no artigo 75, inciso 22, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989.

Para Eduardo Talamini (Coisa julgada e sua revisão, 2005, pág. 625), o entendimento é o seguinte: “se existe o exame de DNA em sentido contrário ao que concluiu a sentença, cabe rescisória com fundamento no artigo 485, VII, a despeito do exame e o respectivo laudo serem posteriores à sentença. A distinção entre as duas hipóteses – uma, quando já há o exame; outra, quando se pretende sua realização no processo rescisório – e o reconhecimento de que a primeira delas se enquadra na noção de “documento novo” para fins rescisórios contam com respaldo da autorizada doutrina – Wambier e Medina, O dogma da coisa julgada).”

Admitindo o laudo como documento novo, tem-se a lição de Eduardo Cambi (Coisa julgada, n. 41, pág. 88 e 89).

Disse ainda Talamini (obra citada) que “nos casos em que não se realizou o exame mesmo depois da sentença rescindenda, cabe examinar se não seria possível identificar alguma violação de disposição de lei, de modo que a ação rescisória poderia fundar-se no artigo 485 (CPC de 1973); "

Mas, observe-se que nos casos em que o exame de DNA foi deferido ou determinado ex officio, mas não pôde ser realizado porque houve recusa da parte em se submeter à coleta de material, a questão pode assumir outra configuração. O STF, em caso em que houve apertada maioria, decidiu que tal recusa é legítima, cabendo ao juiz, nessa hipótese, considerar tal conduta da parte como indício desfavorável aos fatos por ela defendidos (HC 71.373, relator Ministro Marco Aurélio, RTJ 165/902).

Mas esse entendimento já foi objeto de muitas críticas.

Nos casos em que ninguém pediu o exame do DNA e o juiz não determinou ex officio, bem como os casos em que houve pleito, mas foi indeferido (porque o juiz reputou desnecessária a prova; porque a parte não pôde pagá-la e o juiz não fez concretamente que incidisse o principio da assistência gratuita). Nesses casos, estará configurada ofensa às normas constitucionais do devido processo legal (artigo 5º , LV), contraditório e ampla defesa (artigo 5º , LV), e, quando o exame não houver sido feito porque a parte não teve condições econômicas de pagá-lo, acesso à justiça (artigo 5º, XXXV) e assistência judiciária (artigo 5º, LXXIV). O magistrado tem o dever de determinar a produção dessa prova, mesmo que as partes não a tenham pleiteado, em vista de sua essencialidade para a adequada solução da causa (REsp 4.897 – RJ, relator Ministro Sálvio de Figueiredo, Inf. STJ 49). Mesmo em segundo grau permanece esse dever (STJ, 4ª Turma, REsp 215.247 – PB, RSTJ 129/359).

O STF definiu que o fato de não ter sido feito exame de DNA por conta de omissão que não seja atribuída ao suposto pai já é motivo suficiente para a admissão da ação. Isso vale tanto para ações investigatórias movidas pelo filho como no caso das ações negatórias movidas pelo pai. A falta de DNA por omissão que não tenha sido causada pelo pai não encontra a situação abordada pela Súmula 301 do STJ, segundo a qual em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.


3. CASO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SEM O EXAME DE DNA

Relatou o Jornal do Advogado, OAB/SP, n. 295;18, que:

"Em decisão inédita, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que msmo a mera relação fugaz ou casual, o hábito moderno denominado pelos adolescentes de "ficar" pode servir como indício suficiente para caracterizar a alegada paternidade. O colegiado adotou o entendimento expresso no voto da Ministra Nancy Andrighi. Com base nessa interpretação, a 3ª Turma acolheu recurso de menor impúbere de Porto Velho (RO) para garantir a retificação de seu nome no cartorio do registro civil, a fim de que fosse reconhecido como filho de um comerciante.

A criança entrou na Justiça com ação de investigação de paternidade contra o seu suposto pai, alegando ter nascido em outubro de 1977 fruto de relações carnais entre sua mãe e ele, que sempre se recusou a reconhecê-lo como filho. Citado e intimado a comparecer ao iML (Instituto Médico Legal) para realizar o exame hematológico e biomédico, o suposto pai recusou-se sempre a comparecer, argumentando que não poderia ser obrigado a fazer prova contra si mesmo. Mãe e filho pediram que o juiz aplicasse a jurisprudência do STJ, consolidada na Súmula 301, segundo o qual considera-se indício de paternidade a recusa sistemática em fazer os testes de paternidade. Em primeira instância, o pedido foi negado, pois o juiz entendeu que, embora a recusa em fazer os exames implica na inversão do ônus da prova, a criança não conseguira demonstrar sequer indícios de ocorrência do relacionamento amoroso entre sua mãe e o réu no processo.

O menor recorreu ao Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), que determinou novamente a realização dos exames necessários. Mas uma vez, porém, o investigado não compareceu. O TJRO acabou confirmando a sentença com o argumento de que a presunção derivada da recusa ao exame de DNA é relativa, e não absoluta, principalmente porque o menor apelante não conseguira sequer provar um vestigio que pudesse concretizar as declarações da mãe de que mantivera um relacionamento com o suposto pai.

Face à derrota no TJRO, a criança recorreu ao STJ. Ao acolher o recurso, a Ministra Nancy Andrighi reconheceu que, de fato, a recusa do réu em realizar a prova pericial do DNA, implica a presunção de existência de relação de paternidade, sendo essa presunção de natureza relativa, não absoluta, porque, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedênciado pedido, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedência do pedido. Para a Ministra, à presunção resultante da recusa sistemática em submeter-se ao exame deverão ser adicionadas outras provas, produzidas pelo autor, como condição necessária para a ação ser considerada procedente."

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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