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O Direito Urbanístico Brasileiro

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Agenda 03/07/2018 às 09:02

O Direito Urbanístico foi definido por Hely Lopes Meirelles como “um conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade". Conheça-o mais.

O Direito Urbanístico é considerado uma disciplina jurídica sem total autonomia, pois possui normas dispersas e se confunde com outras matérias do ordenamento jurídico. Ele está intimamente conectado às questões de ordem ambiental, pois trata de matérias que visam a ordenar a convivência humana, objetivando propiciar um meio ambiente sadio.

Para Victor Carvalho Pinto, o Direito Urbanístico concentra-se nos impasses históricos e geográficos dos grandes municípios brasileiros como conflitos de terras e também problemas que envolvem Meio Ambiente, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, Lei de Registros Públicos, demais dispositivos esparsos sobre organização administrativa pública, ambiental, de manejos geográficos das cidades em matéria tributária (impostos municipais x função social da propriedade), além da mais importante norma: a Constituição Federal, que dispõe da Política Urbana nos artigos 182 e 183 do referido diploma.[1]

De acordo com a Constituição Federal, a competência para legislar sobre direito urbanístico é da União, dos Estados e do Distrito Federal “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;” [2]. Ainda, regulando a função dos municípios, a Constituição diz “Art. 30. Compete aos Municípios: VIII - promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.[3]

O Direito Urbanístico foi definido de forma simples por Hely Lopes Meirelles como “um conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade".[4]

Para José Afonso da Silva, as normas do Direito Urbanístico são:

Todas as que tenham por objeto disciplinar o planejamento urbano, o uso e a ocupação do solo urbano, as áreas de interesse especial (como a execução das urbanificações, o disciplinamento dos bens urbanísticos naturais e culturais), a ordenação urbanística da atividade edilícia e a utilização dos instrumentos de intervenção urbanística. [5]

            Assim, pode-se dizer que, o Direito Urbanístico trata das formas de ocupação, de uso e também das transformações do solo, buscando soluções possíveis para tornar a convivência humana mais apropriada aos espaços saudáveis.

            O Direito Urbanístico tem vasta relação com outras disciplinas jurídicas, como no Direito Constitucional, onde encontra seus fundamentos; no Direito Administrativo, onde obtém ferramentas necessárias a sua atuação; no Direito Tributário, onde faz uso da tributação para efetivar atividades urbanísticas pelos particulares no interesse da coletividade; e principalmente no Direito Civil, onde muitas normas encontram-se incorporadas.

            Há de se considerar então dois aspectos para conceituar o Direito Urbanístico:

O Direito Urbanístico objetivo consiste no conjunto de normas que têm por objetivo organizar espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.[6]

O Direito Urbanístico como ciência é o ramo do Direito Público que te por objetivo expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis.[7]

O Capítulo II da CRFB dispõe acerca da política urbana, atribuindo aos municípios a competência para sua execução e à União, a competência para a edição de diretrizes gerais sobre a matéria.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitante. (Regulamento)

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.[8]

            Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal são regulamentados pela Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001[9]. A referida lei também estabelece diretrizes gerais da política urbana e ficou conhecida como Estatuto das Cidades.

O Brasil não dispõe de um código próprio de urbanismo, que sistematize os princípios e institutos de direito urbanístico. Basicamente, são três as leis que disciplinam o Direito Urbanístico:

- Lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano;

- Lei 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade;

- Lei 11.977/09, que dispõe sobre a regularização fundiária de assentamentos urbanos.

Outras leis relevantes são o Decreto-Lei 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, a Lei 4.132/62, que dispõe sobre a desapropriação por interesse social, o Decreto-Lei 271/67, que dispõe sobre a concessão de direito real de uso, a Medida Provisória 2220/01, que dispõe sobre a concessão de uso especial, e a Lei 4771/65 (Código Florestal).


O Direito de Propriedade no Brasil

            A fonte do direito positivo é o fato dotado de relevância que, ocorrido, é qualificado pela norma regularmente porta no sistema jurídico, segundo Luiz Antônio Scavone Júnior[10]. Assim, ainda segundo o autor, o direito real, ou direito das coisas, é definido como conjunto de normas destinadas a regular as relações jurídicas concernentes a bens corpóreos (materiais) ou incorpóreos (imateriais) suscetíveis de apropriação pelo homem e, bem assim, dotas de conteúdo econômico relevante e significativo.

No rol dos direitos reais elencados no artigo 1.225 do Código Civil Brasileiro[11], está a propriedade, um direito real por excelência. O direito de propriedade é o mais completo, sólido e estável dos direitos subjetivos, pois é base do direito real. O artigo 5º da Constituição Brasileira[12] deixa bastante claro que a propriedade é um direito protegido. Porém, não há um conceito ocluso de propriedade.

            Machado e Chinellato assim compreendem:

O direito de propriedade foi apenas uma primeira geração de direitos fundamentais (o direito a liberdade), complementada por direitos de segunda geração (direitos de igualdade, que inspiram a função social da propriedade) e de terceira geração (direitos de solidariedade, expressos no sentimento de que todos partilham de um futuro comum, o que inviabiliza a destruição, por exemplo, de uma floresta especialmente protegida, sob o argumento de que o direito de propriedade seria ilimitado)[13].

Pelo conceito legal de propriedade se percebe porque se trata de um direito complexo. A complexidade é justamente porque a propriedade é a soma de três faculdades e mais esse direito de reaver de terceiros, pois a propriedade se consubstancia nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar o bem de quem quer que injustamente o possua[14].

O Código Civil não define o conceito da propriedade, apenas delimita os direitos do proprietário, a partir dos atributos decorrentes dela. A propriedade é um direito real, onde o proprietário usa da coisa exclusivamente e contra todos que possam intervir nesta relação. A propriedade é colocada em posição privilegiada é o direito mais comum e mais amplo dentre os demais direitos reais. A propriedade possui uma garantia constitucional nas formas de sua aquisição até a sua perda.

Maria Helena Diniz entende que:

Poder-se-á definir, analiticamente, a propriedade, como sendo o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha[15].

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Diante disto, pode-se concluir que a propriedade é o direito que alguém possui em relação a determinado bem e, ainda que um direito fundamental protegido pela Constituição Federal está intimamente ligado à função social.

O Direito de Propriedade está relacionado a quatro acessórios previstos no caput do artigo 1.228 do Código Civil: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” [16].

O conceito de propriedade está relacionado a usar, gozar, dispor e reaver. Estes correspondem, respectivamente, ao juz ustendi, juz fruendi, jus abutendi, jus reivindicandi.

Pode-se considerar a propriedade plena quando os quatro elementos citados acima são de domínio de uma só pessoa. Ainda há de se falar em limitação de propriedade quando, por exemplo, os quatro elementos estão em posse de indivíduos diferentes.

O jus ustendi é a forma de usar a propriedade, conforme §1º do artigo 1.228 do Código Civil:

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas[17].

O jus fruendi consiste no direito de gozar, o jus abutendi na disposição da coisa e o jus reivindicandi faz referência à proteção da propriedade, ou seja, no direito de reavê-la em casos de posse indevida.

São características do direito de propriedade ser absoluto, na medida em que o proprietário tem o mais amplo poder jurídico sobre aquilo que é seu; exclusivo, pois a propriedade de um afasta a propriedade do outro; perpétuo, por findar apenas pela vontade do dono ou de disposição legal e ilimitado, por, salvo disposição em contrário, permitir ao proprietário fazer com a coisa o que lhe convier. 

Mudanças decorrentes de leis como o do Código de Mineração, o Código Florestal e a Lei de Proteção do Meio Ambiente, que impuseram algumas novas regras ao direito de propriedade. Sendo assim, o proprietário tem direito absoluto, exclusivo, perpétuo e ilimitado, porém será proibido de fazer quando a lei regulamentar.

De acordo com o renomado jurista Flávio Tartuce[18] “A norma civil codificada passa a consagrar expressamente a função social em um sentido de finalidade, como princípio orientador da propriedade; além de representar a principal limitação a esse direito [...]”.

O § 1o do artigo 1.228 do Código Civil[19], além de prenunciar a função social da propriedade, versa também de outro significativo encargo , a socioambiental, já que preconiza a preocupação com o ambiente natural (flora, fauna, belezas naturais e equilíbrio ecológico) e o patrimônio histórico e artístico.

Em verdade, o§ 1o do artigo 1.228 do Código Civil[20] está em consonância com o artigo 225 da Constituição Federal[21], pois ambos dispositivos visam à proteção do meio ambiente, conforme texto a seguir:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

            Desse modo, observa-se no artigo supracitado, que tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil buscam tutelar a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.

            É certo que a degradação ambiental é uma preocupação presente e, por ser de interesse social, deve ser de responsabilidade tanto do ente público quanto do ente privado.

            Em caráter privado, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o novo proprietário de um imóvel deve fazer valer de sua função socioambiental e promover a recuperação, ainda que não seja ele o causador dos danos.

            Os julgados apresentam uma curiosa interação entre a proteção ambiental da propriedade e a responsabilidade objetiva decorrentes nesses casos. A  responsabilidade civil objetiva por danos ambientais foi consagrada na Lei nº. 6.938/81[22], que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente. Em seu artigo 14, parágrafo 1º consta que:

Parágrafo único: Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.


O Parcelamento do Solo

O parcelamento do solo, processo do qual derivam os lotes, é regido pela Lei 6.766/1979[23]. O Decreto-Lei 58/1937[24] também trata de loteamentos urbanos e continua em vigor, porém aplica-se especialmente aos loteamentos fechados.

Para Silva[25], o parcelamento do solo pode ser entendido como “um processo urbanístico, cuja finalidade é proceder à divisão de gleba, para fins de ocupação, compreendendo o parcelamento, o loteamento e o desmembramento”.

À Lei 6.766[26] de 19 de dezembro de 1979 fica então submetido o parcelamento do solo, além de legislação federal e municipal. A referida lei impõe ao direito de propriedade uma limitação, arraigada no direito de dispor, já que não pode ser exercida irrestritamente quando há a intenção do proprietário parcelar sua gleba. O proprietário fica obrigado a satisfazer vários requisitos, tanto no âmbito urbanístico quanto no jurídico, especialmente na esfera ambiental.

Sendo assim, diferentemente do entendido por muitos, a atividade de parcelamento do solo não é inerente ao direito subjetivo do proprietário de terras, essa ação está condicionada a autorização expressa e privativa do Poder Público, integrando assim o poder discricionário do Município. A capacidade de avaliar a possibilidade da concessão do parcelamento do solo, bem como de desmembrá-lo é, em regra, do Município.

Está circunscrito ao município ou Distrito Federal a atividade de aprovação de parcelamentos do solo, porém, em situações adversas, caberá aos estados disciplinar essa aprovação:

Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:    (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;

Il - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;

III - quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².[27]           

Dessa forma, o parcelamento do solo urbano é gênero do qual são espécies o desmembramento, o loteamento e o desdobro. O desmembramento e o loteamento são subordinados à Lei 6.766/1979 e o desdobro restrito a lei municipal.

Espécies de Parcelamento do Solo

Como espécies de parcelamento do solo reportam-se ao desmembramento, ao loteamento e ao desdobro.

Fazendo uso do artigo 2º da Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979[28], conceitua-se, respectivamente, loteamento e desmembramento como:

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

A respectiva lei não faz menção ao desdobro, que também é uma espécie de parcelamento.

O artigo supracitado trata da subdivisão de gleba, e por gleba temos uma área de terreno que ainda não foi objeto de loteamento ou desmembramento regular, ou seja, que não obteve assim aprovação e, consequentemente, o registro. Em verdade, exclusivamente após o registro do parcelamento é que o imóvel deixa de ser gleba e passa a ser área loteada ou desmembrada, dispondo assim de vias públicas e lotes.

Acerca da definição de gleba, Scavone[29] entende que:

Gleba é a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei n° 6.766/79, o que equivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi loteada ou desmembrada sob a vigência da nova Lei.

Pela forma legal, a gleba deixará de existir após a sua regularização, ou seja, após o parcelamento regular, devidamente aprovado e registrado, tornando-se juridicamente um lote.

Ainda sob a ótica de Scavone[30]:

[...] mesmo que não tenha havido parcelamento do solo sob a regulamentação da Lei n. 6.766/79 com as alterações posteriores, haverá lote e não gleba, se a porção de terra atenda, quanto à dimensão, os parâmetros da Lei Municipal ou do Plano Diretor, e, além disso, disponha de infraestrutura básica, assim considerada na exata medida da existência de equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, rede de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, além de vias de circulação, pavimentadas ou não (Lei n. 6.766/79, art. 2° §§ 4° e 5° com a redação dada pela Lei n. 9.785 de 29.1.1999).

Por sua vez, a definição de lote está na redação da Lei 9.785 de 29 de janeiro de 1999[31]:

Art. 3o A Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, passa a vigorar com as seguintes alterações:

[...]

§ 4o Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.

Sendo assim, o lote é uma extensão de terra provida de infraestrutura básica, que, nos termos da Lei n. 6.766/1979[32], consiste em:

Art. 4º - Os Loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento Urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. II - os Lotes terão área mínima de 125 m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando o Loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes; III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; IV - as vias de Loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetad (as, e harmonizar-se com a topografia local. § 1º A legislação municipal definirá, para cada zona em que se dívida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de Lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. § 2º - Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares. § 3o Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes. [33]

Após a Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, entende-se que não há a necessidade de ter havido o loteamento ou do desmembramento para a efetiva existência do lote, já que, havendo enquadramento nos parâmetros dos §§ 4°, 5° e 6° da referida lei, observa-se a ocorrência do lote.

Scavone salienta uma importante informação:

[...] os lotes decorrentes de loteamentos anteriores à Lei n. 9.785/99 devidamente aprovados pela Lei n. 6.766/79, mesmo que hoje não se subsumam aos parâmetros dos §§ 4°, 5° e 6° do art. 2° da Lei n. 9.785/99, serão considerados lotes para todos os efeitos legais. É regra comezinha de direito intertemporal que tempus regit actum.Celebrado o ato jurídico sob a égide de uma lei, é esta a que se aplica, garantindo o ato jurídico perfeito em atenção à necessidade de segurança e certeza reclamadas pela vida em sociedade para o desenvolvimento das relações jurídicas.[34]

Segundo Jacinto da Silva[35], pode-se aduzir duas definições de lote, uma de origem técnica e outra legal. Tecnicamente, lote é a parcela de terra resultante do loteamento ou desmembramento, destinada a determinado fim. A descrição legal considera lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.

Após o loteamento ou o desmembramento, a gleba parcelada perde sua individualidade e produz então lotes com acesso direto a vias ou logradouros públicos.

Há de se dissociar a redação do artigo 2º da Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979[36] para compreensão das espécies.

Para Hely L. Meirelles pode-se definir loteamento urbano como “[...] divisão voluntária do solo em unidade edificável (lotes), com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da legislação pertinente”.[37]

Maria Helena Diniz conceitua loteamento urbano como “[...] subdivisão de área em lotes destinados à edificação de qualquer natureza, envolvendo abertura de novo sistema viário ou alteração do existente”  [38]. 

O loteamento tem como característica basilar o desenvolvimento e o acréscimo de bairros, aumentando consequentemente a área urbana. Portanto, a diferenciação entre loteamento e desmembramento ocorre na medida em que o primeiro carece de aberturas ou alongamentos de vias públicas, como praças e ruas, enquanto o segundo faz uso das áreas públicas existentes.

O desmembramento também trata da repartição de terra, porém se desenrola com outra particularidade, ele é executado dentro do sistema urbanístico já existente, não atingindo as vias e logradouros já efetivados.

O legislador conceitua o desmembramento como:

§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.[39]

            Diniz comenta que “no desmembramento aproveita-se o sistema viário existente, sem modifica-lo ou ampliá-lo, tendo em vista que há impedimentos para abrir novas vias”[40].

Analisando as partes constitutivas dos conceitos, pode-se inicialmente dizer que, haverá loteamento no caso de subdivisão de glebas em lotes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos. Porém, se a subdivisão da gleba for efetuada em lotes que utilizem a malha viária e os equipamentos públicos já existentes, trata-se então de desmembramento.

O desdobro é a terceira espécie de parcelamento do solo, embora não tenha sido disciplinado pela Lei 6.766/1979, também não é vedado. Esta espécie de parcelamento somente tem amparo se prevista em legislação municipal.

Para Scavone “desdobro é a subdivisão de lote sem alteração de sua natureza, desde que permitida por legislação municipal”.[41] Ou seja, havendo regulamentação da lei municipal, quando a gleba não for subdivida em lote, não haverá loteamento e nem mesmo desmembramento, nesse caso encontra-se então o desdobro.

O desdobro é então a divisão da área do lote para formação de novo ou de novos lotes, ocorrente em casos de repartição de lote existente. Estes devem atender às exigências mínimas de dimensionamento e índices urbanísticos para sua edificação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, negou provimento e manteve a sentença indeferindo requerimento de desdobro que não adequou o tamanho do parcelamento às dimensões mínimas exigidas por lei municipal:

MANDADO DE SEGURANÇA Requerimento de desdobro de lote - Indeferimento, sob o fundamento de que as áreas desdobradas ficariam com metragem inferior ao mínimo permitido na legislação municipal Ausência de comprovação pela impetrante do direito líquido e certo Dilação probatória incabível pela via mandamental Segurança denegada Sentença mantida Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 00002405920128260360 SP 0000240-59.2012.8.26.0360, Relator: Moreira de Carvalho, Data de Julgamento: 06/02/2013, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 15/02/2013) [42]

Para o desdobro não são necessárias às observações dos requisitos previstos no art. 18, da Lei n. 6.766/1979, porém será observado o que dispõe a legislação municipal, principalmente em relação aos requisitos mínimos para qualquer forma de parcelamento de solo. Porém, mesmo inexistindo designação de desdobro em Lei Federal, há possibilidade de o instituto estar expressamente previsto em normas de regulamentação e ordenação urbana definidos em âmbito municipal.

Scavone subdivide em três os tipos de desdobro, sejam quais ele o desdobro de lote, o desdobro de gleba e o desdobro de gleba e lote com abertura de vias de circulação. [43]

Deste modo, conclui-se que não há previsão normativa do instituto de desdobro na Lei Federal n. 6.766/79, visto que não se caracteriza, como instrumento de desenvolvimento Urbano, mas simples divisão de Lotes que já sofreram o processo de parcelamento urbano anterior.

Diante do exposto, chega-se à conclusão de que o parcelamento do solo urbano é instrumento de suma importância no tocante a melhor disposição do espaço urbano e encontra-se detido nas mãos do Poder Público.

Loteamento ilegal x loteamento clandestino

De forma bastante singela pode-se fazer a distinção entre loteamento clandestino e irregular, ambos considerados parcelamentos ilegais, sendo certo que tal distinção fundamenta-se quanto à aprovação. Sendo assim, sucedendo-se a aprovação, sem a execução, ocorre um loteamento de forma irregular, por outro lado, não havendo aprovação, são considerados clandestinos.

O parcelamento é clandestino quando o Poder Público abalizado não tem conhecimento acerca de sua existência, ou ainda, quando levado a seu conhecimento não adquire aprovação, sendo fruto do indeferimento do pedido ou da carência de solicitação.

Silva discorre a respeito:

Praticam-se dois crimes de uma vez – um aos adquirentes de lotes, e outro aos princípios urbanísticos -, porque tais loteamentos não recebem o mínimo de urbanificação que convenha ao traçado geral da cidade. Tais loteadores não são urbanificadores, mas especuladores inescrupulosos, que carecem de corretivos drásticos. Eles criam área habitadas praticamente sem serem habitáveis, por falta de condicionamento urbanístico, as quais se transforam num quisto urbano de difícil solução, dada a questão social eu elas geralmente envolvem. [44]

Reputa-se como parcelamento urbano regular aquele que cumpre todas as exigências administrativas e, após aprovado pelo Município, é levado a registro perante o Cartório de Imóveis, para posterior implantação das obras de infraestrutura. Pelo menos três etapas distintas são necessárias para a implementação lícita de um loteamento: a administrativa, que se processa perante os órgãos públicos (aprovações e licenças); a registrária, caracterizada pelo registro no cartório imobiliário competente; e a urbanística, consistente na execução das obras de infraestrutura.

Todo parcelamento que não atendeu qualquer uma das fases referidas é irregular ou clandestino. Portanto, clandestino não é, apenas, o loteamento feito às ocultas. Tanto o é aquele desconhecido oficialmente pelo Poder Público, por inexistir solicitação de aprovação, quanto o que deriva do indeferimento do respectivo pedido, por não atender às exigências legais, bem como o que não foi levado registrado, ou ainda, aquele em que as obras de infraestrutura previstas não foram executadas, decorrido o prazo legal.

Vale ressaltar, ainda, que os parcelamentos se denominam clandestinos mesmo nas hipóteses em que a gleba não tenha sofrido qualquer fragmentação, mas tenha ocorrido a venda dos lotes. Desse modo, tanto são clandestinos os parcelamentos executados como também os não executados.[45]

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