INTRODUÇÃO
O presente trabalho resulta de um contexto em que vivemos, onde, por um lado, a população brasileira tem se portado cada vez menos passivamente frente aos incidentes de corrupção com a máquina pública, que historicamente sempre ocorreram intensamente, e, por outro lado, multiplicam-se os canais de informação, oportunizando-se ao povo o acesso à informação sobre os atos administrativos e eventuais descaminhos ocorridos com as finanças públicas.
Neste contexto, a opinião pública aclama pela efetividade das normas constitucionais garantidoras não só do acesso à informação sobre as questões de interesse público, mas também da participação popular nas decisões administrativas.
Não se concebe a existência de um Estado Democrático de Direito sem o pleno acesso à informação e a possibilidade de fiscalização dos gastos suportados pelo Erário Público, tendo o cidadão um papel de verdadeiro player e não mais de mero administrado.
Daí porque se falar em mecanismos de Controle Social da Administração Pública, pois estes têm se tornado instrumentos imprescindíveis de efetivação da democracia e da participação popular.
Neste trabalho, analisaremos os principais mecanismos de controle social que dispõe o cidadão para fiscalizar os gestores da máquina pública, sempre numa abordagem crítica a fim de compreendermos os seus fundamentos, propósito e desafios encontrados, de modo a fomentar a reflexão sobre a efetividade destes mecanismos e a possibilidade de acrescentarmos melhorias.
DESENVOLVIMENTO
1. O Controle da Administração Pública
O primeiro marco jurídico principiológico e procedimental do controle da Administração Pública foi editado ainda durante o regime militar, especificamente no Decreto-Lei 200/1967, diploma em perfeita vigência no ordenamento pátrio mesmo hoje após a edição da Constituição Federal de 1988, já que não há norma expressa ou decisão específica revogadora, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal{C}[1].
De acordo com o artigo 6º do referido decreto, as atividades da Administração Federal devem ser regidas pelos princípios da coordenação, planejamento, descentralização, delegação de competência e, finalmente, do controle.
Este controle, de acordo com o art. 13º, deverá ser exercido em todos os níveis e em todos os órgãos, sendo que a norma impõe três diferentes perspectivas deste trabalho.
Primeiramente, o controle pela própria chefia do órgão, que fiscaliza a execução dos programas e das normas que governam a atividade específica de cada órgão controlado. Assim, essa perspectiva diz respeito ao dever fiscalizatório disposto na própria hierarquia interna do órgão público, sendo incumbência do responsável pelo órgão ou setor, que deverá preservar o respeito às normas especiais aplicáveis em sua atividade.
Em segundo lugar, o controle feito pelos órgãos essencialmente fiscalizadores, que observarão não só as normas específicas de cada atividade, mas as normas gerais aplicáveis à Administração Pública.
Finalmente, o controle da aplicação do erário e guarda do patrimônio público, que será feito pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria. Esta perspectiva ressalta a importância do controle interno, exercido por meio das controladorias, contabilidades e auditorias.
No entanto, a própria norma ressalva que os mecanismos de controle deverão atender a sua finalidade fiscalizadora, não sendo mantidos caso se revelem meramente burocráticos ou que o custo seja superior ao risco, buscando a simplificação do processo.
Desta feita, percebe-se que o controle tem por finalidade essencial assegurar que as atividades sejam executadas tal qual foram planejadas.
Hodiernamente, entretanto, essa perspectiva foi bastante modificada, pois é de suma importância que seja feito este controle não só por meio dos mecanismos internos, mas também pela participação popular, num modelo de transparência e respeito por tudo o que é público, em conjunto com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Neste diapasão, o controle garante que a Administração esteja pautada nos princípios constitucionais da moralidade, legalidade, finalidade pública e o da eficiência.
Para Di Pietro:
O controle da Administração Pública é o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico (DI PIETRO, 1998).
Sob a perspectiva de Hely Lopes Meirelles:
A submissão da Administração à legalidade fica subordinada a três sistemas de controle: o administrativo, o legislativo e o jurisdicional. Qualquer desses controles objetiva verificar a conformação da atividade e do ato ás normas legais. Deles o jurisdicional é o mais importante e se realiza com base na garantia de acesso ao Judiciário, mediante procedimentos ordinários, sumaríssimos e especiais, mormente pela utilização de um dos remédios constitucionais (MEIRELLES, 2002).
Assim, o controle evoluiu e admite uma série de perspectivas, sempre buscando a sua finalidade essencial de garantir que os atos administrativos alcancem a sua finalidade original, consistindo em faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro.
São vários os meios de controle possíveis, de acordo com a legislação brasileira, dentre os quais podemos destacar aqueles que possibilitam a participação popular, como o orçamento participativo e o Mandado de Segurança e ainda aqueles exercidos pelo Poder Legislativo, como a Lei do Orçamento, previsto no art. 165 da Constituição Federal, além da possibilidade, em qualquer fase da revisão dos atos pelo Poder Judiciário.
2. Os Mecanismos de Controle Social
O presente trabalho tem por objetivo analisar os principais meios de Controle Social, ou seja, aqueles que permitem que o cidadão participe da Administração Pública, seja verificando a regularidade dos atos administrativos, seja emitindo opinião e interferindo diretamente nas decisões da Gestão Pública.
Um passo muito importante para a evolução do Controle Social no Brasil foi a edição da Lei Complementar 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, baseada no modelo utilizado na Nova Zelândia.
Na referida lei, podemos citar alguns avanços, como por exemplo a necessidade de realização de audiências públicas que precedem a votação das leis orçamentárias, bem como a disponibilização de dados sobre os gastos públicos por meio de editais.
Para Siraque, o Controle Social:
É o ato realizado individual ou coletivamente pelos membros da sociedade, por meio de entidades juridicamente organizadas ou não, através dos diversos instrumentos jurídicos colocados à disposição da cidadania para fiscalizar, vigiar, velar, examinar, inquirir, e colher informações a respeito de algo (SIRAQUE, 2005).
O referido autor enfatiza ainda que, ao contrário do controle institucional, onde os agentes públicos têm a obrigação legal de fiscalizar, esta modalidade de controle é mera faculdade do cidadão, que possui a garantia constitucional de acesso às informações.
Há ainda de se observar que trata-se também da descentralização dos poderes de decisão do Estado, que passa a dividi-lo com a sociedade, seja por meio de indivíduos isolados ou organizados em grupos.
Com o amadurecimento da política cidadã e o incremento dos mecanismos de participação popular, as soluções para os problemas de gestão pública passam a ser mais rápidos e eficientes, pois é a população que sofre com os problemas e que, da mesma forma, busca soluções dinâmicas.
É inegável a tendência de ampliar-se a cidadania nas decisões do Poder Público, onde podemos usar de forma exemplificativa a edição da Lei do Bolsa Família, que dispõe em seu art. 5º que o Conselho Gestor Interministerial do Programa deverá, entre outras atribuições, definir as formas de participação e controle social.
Já o art. 8º, de forma bastante expressa, impõe a descentralização do programa entre os entes federados e a participação comunitária e o controle social.
Para Carvalho Filho, a ampliação do controle social tem incidido de forma expressiva sobre a função administrativa, ou seja, sobre o Estado-administração. A Constituição prevê, por exemplo, a edição de lei que regule as formas de participação do usuário na admnistração direta e indireta (art.37 §3º). O mesmo sucede em relação às ações e serviços de saúde, cujo sistema deve admitir a participação da comunidade (art. 198, III CF). A participação social é também prevista no sistema de seguridade social, ao qual se deve conferir caráter democrático e co-gestão entre Administração e administrados.
Em sede infraconstitucional, a legislação também tem voltado suas atenções para o controle social. À guisa de exemplo, a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) inclui, entre os objetivos da politica urbana, a gestão democrática com a participação das comunidades na formulação, execução e acompanhamento dos planos de desenvolvimento urbano (art. 2º, II), que define como sendo os mecanismos que garantem à sociedade informações e participação na formulação, planejamento e avaliação dos serviços de saneamento básico (art. 3º, IV). A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, admite, em situações de interesse geral, a consulta pública (art. 32), instrumentos relevantes de controle social e participação comunitária nas atividades da administração.
Os exemplos significativos acima mencionados demonstram o processo de evolução do controle social, como meio democrático de participação da sociedade na gestão do interesse público. Trata-se, com efeito, de um processo, em que cada etapa representa um fator de ampliação desse tipo de controle. Urge, entretanto, que o Poder Público reduza cada vez mais sua postura de imposição vertical, admitindo a co-gestão comunitária das atividades de interesse coletivo, e que a sociedade também se organize para realçar a expressão de sua vontade e a indicação de suas demandas fazendo-se ouvir e respeitar no âmbito dos poderes estatais.
Cuida-se, sem dúvida, de poderoso instrumento democrático, permitindo a efetiva participação dos cidadãos em geral do processo de exercício do poder. É bem de ver, no entanto, que conquanto semelhante modalidade do controle se venha revelando apenas incipiente, já se vislumbra a existência de mecanismos que, gradativamente, vão inserindo a vontade social como fator de avaliação para a criação, o desempenho e as metas a serem alcançadas no âmbito de algumas políticas publicas (CARVALHO FILHO, 2010).
Desta feita, embora ainda não haja muita produção jurídica sob essa abordagem do assunto, é de inegável importância que busquemos compreender esse fenômeno atualíssimo no controle da Administração Pública.
A seguir, elencaremos os principais mecanismos de controle social previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
2.1 Orçamento Participativo
Esta modalidade de controle social surge, em verdade, como um instrumento de diálogo entre a Administração Pública e a população para que, juntos possam estabelecer qual o destinado será dado às finanças públicas.
A fim de garantir a execução das metas, é criado um orçamento que conterá os bens públicos a serem construídos ou adquiridos no exercício fiscal seguinte, abrangendo pavimentação, infra-estrutura urbana, escolas, creches, postos de saúde entre outros.
O orçamento é, portanto, uma peça jurídica, visto que aprovado pelo legislativo para vigorar como lei cujo objeto disponha sobre a atividade financeira do Estado, quer do ponto de vista das receitas, quer das despesas. O seu objeto, portanto, é financeiro (BASTOS, 2006).
O fundamento jurídico está nos artigos 165 a 169 da Constituição Federal que estabeleceram as normas e diretrizes gerais do orçamento público, calcados nos princípios democráticos da Carta Magna.
Entretanto, é a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) o principal marco jurídico que ampara o orçamento participativo, pois estabelece a transparência e o incentivo à participação popular como requisitos na elaboração do orçamento.
De acordo com o artigo 48 do referido diploma:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
E ainda, prevendo expressamente:
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: (Redação dada pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Desta feita, é a LRF que dispõe expressamente a possibilidade do orçamento participativo. Entretanto, a lei não obriga necessariamente que ele ocorra, pois somente estabelece que deve ser incentivado pela Administração Pública.
Como não há legislação específica sobre esta modalidade, há diferentes metodologias para cada município em que é executado. Normalmente, o município é subdividido em regiões que, após a realização das discussões setoriais, são eleitos delegados que representarão cada comunidade.
Ao final, os delegados poderão exercer o voto (representando indiretamente a sua comunidade de origem) ou ainda acompanhar a execução dos programas escolhidos pela população por meio de conselhos
Este modelo de participação orçamentária só se efetiva caso haja organização e ativismo por parte dos cidadãos envolvidos, daí o motivo pelo qual a grande maioria dos municípios brasileiros ainda desconhece esse instrumento na prática.
Na realidade, trata-se de uma limitação ao poder do gestor, pois aquela parcela do numerário que foi objeto de decisão pelo orçamento participativo terá a sua destinação vinculada por força de lei.
Daí ser natural que os próprios gestores criem empecilhos para essa modalidade de controle social das finanças públicas.
Os exemplos mais conhecidos ocorreram em Porto Alegre e São Paulo, mas enfrentam vários entraves e carecem de eficiência.
O Poder Legislativo municipal exerce função crucial na elaboração do orçamento, já que é atribuição daquele Poder apreciar e aprovar os orçamentos que dizem respeito ao município.
Neste sentido, cumpre-nos esclarecer que há três etapas que envolvem a criação do orçamento público municipal, que são o Plano Plurianual ou PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias ou LDO e Lei Orçamentária Anual ou LOA.
O Plano Plurianual tem por função dar as diretrizes aos três anos subseqüentes ao ano da posse do gestor, bem como para o primeiro ano do gestor subseqüente. Estabelece as metas para cada ano de mandato e também os seviços e obras que perdurarão por mais de um ano.
Já a Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelece as metas a serem seguidas pelo Poder Executivo referentes especificamente ao próximo ano. O projeto de Lei deve ser enviada para a Câmara de Vereadores pelo Poder Executivo municipal, até o dia 15 de abril de cada ano, sendo que a sua aprovação deverá ser feita até o dia 30 de julho do mesmo ano.
A Lei Orçamentária Anual constitui no documento que conterá de forma minuciosa a elaboração do orçamento anual e deverá estar em perfeito acordo com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, contendo os valores das receitas previstas bem como dos valores a serem gastos pela municipalidade. O prazo a ser enviada pelo prefeito é até o dia 30 de setembro de cada ano, quando os vereadores terão até o final do ano para apreciar e votar.
No exemplo do orçamento participativo ocorrido em São Paulo (PIRES DIAS, 2006), ficou determinado, no primeiro momento, que fosse realizado de forma participativa primeiro a discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano seguinte para, em seguida serem abertos os trabalhos de discussão do orçamento municipal.
As plenárias foram realizadas baseadas numa pauta prévia estabelecida pelo governo onde entrava em debate a situação orçamentária da prefeitura, a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Participativo de São Paulo. Neste momento, foi previamente criado o Conselho do Orçamento Participativo (CONOP), que decidiu por priorizar apenas as áreas de Saúde e Educação.
Foram realizadas primeiramente assembléias preparatórias, que tinham por objetivo informar a população sobre o que seria o orçamento participativo, os critérios de eleições de delegados e apresentar os programas que já estavam sendo feitos nas áreas de saúde e educação.
Posteriormente, quando de fato iniciara-se as plenárias do orçamento participativo participativo, foram colhidas as propostas da população e eleitos os delegados para a plenária regional.
Já na plenária regional, as propostas prioritárias foram escolhidas e ainda os delegados regionais escolheram entre si a formação do Conselho do Orçamento Participativo.
Pela experiência realizada em São Paulo, percebe-se que os envolvidos no processo do orçamento participativo são o governo municipal, a população (de forma geral), os delegados (representantes da população escolhidos nas plenárias), os conselheiros (que participam do CONOP) e, por fim, os vereadores, que realizam a apreciação e aprovação do orçamento.
2.2 Conselhos Populares
A ideia dos Conselhos Populares surge como uma forma do cidadão acompanhar as liquidações de despesa e efetividade dos programas do Governo, por meio da criação de um conselho fiscalizador.
É um modelo muito efetivo, pois “capilariza” o acesso às contas públicas, ou seja, permite a análise pormenorizada pelo próprio destinatário final dos recursos, o que nem sempre é possibilitado aos órgãos de controle interno e externo, como as controladorias e o Ministério Público, que, por possuírem outras atribuições, não podem fiscalizar integralmente.
O principal marco legal dos Conselhos se deu ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, quando foi criado o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01).
Dispõe o art. 2º da referida lei que:
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (grifo nosso);
E no art. 4º, parágrafo 3º:
§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
Assim, como se vê o parágrafo acima prevê expressamente a participação da sociedade civil.
Entretanto, a grande participação dos Conselhos tem se firmado junto principalmente à gestão da saúde e da educação.
Dispõe a Lei 8.142/90 em seu art. 1º, parágrafo 2º que o Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo, devendo ser composto de maneira paritária, ou seja, com membros representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários.
De acordo com a referida lei, o Conselho de Saúde atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, abrangendo, inclusive aspectos econômicos e financeiros, devendo as decisões serem homologados pelo gestor de cada esfera de governo.
Trata-se de verdadeiro instrumento de participação da população em todos os seguimentos da gestão do SUS (Sistema Único de Saude), pois possibilita não só o poder fiscalizatório, mas também de tomada de decisões estratégicas e de execução dos programas de saúde.
Já o Conselho de Educação foi criado pela Lei 9.131/95, dispondo suas atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento aos chefes de governo, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.
Neste caso, percebe-se a grande importância dada aos conselhos, pois além da função orçamentária e fiscalizatória, este terá ainda atribuição técnica, auxiliando na elaboração dos planos de educação e emitindo pareceres de assuntos da área educacional.
Após a promulgação da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação, estão entrando em cena com maior vigor os Conselhos Municipais de Educação (CMEs). Baseados nas principais leis promulgadas desde a Constituição de 1988, os CMEs são exemplos concretos dos novos alcances que estes órgãos colegiados podem adquirir, na medida em que a maioria deles caracterizam-se pela presença de usuários e trabalhadores da educação, bem como de outros setores da sociedade civil que, até então, nunca haviam participado da administração dos sistemas educacionais (TELES).
Hoje, as diversas modalidades de conselhos populares estão intrínsecamente ligadas à gestão pública, ante a obrigatoriedade legal de sua criação. Os estados e municípios estão obrigados a criarem os conselhos, sob pena de não receberem recursos da União Federal.
É inegável, todavia, que uma série de dificuldades venham a surgir no exercício dessa modalidade de controle natural. Sob essa perspectiva, Lima Lopes assinala que:
...os conselhos colocam-nos uma série de dificuldades também do ponto de vista da democracia. Em primeiro lugar, podem tornar-se um espaço paralelo ao dos órgãos e poderes tradicionais do Estado: nestes termos, ou resultam numa estrutura menos importante, para quem seriam relegadas decisões menos importantes, consolidando uma exclusão do povo dos círculos mais internos do poder, ou trazem um novo lugar para o debate a respeito da representação. Em segundo lugar, os conselhos podem tentar inserir numa sociedade altamente complexa e diferenciada a velha idéia da comunidade: numa sociedade de massas, de classes e de comunicações e informação uma idéia como esta não deixa de estar cheia de ambigüidades, muitas vezes servindo a um controle da autonomia individual com certo sabor totalitário. Finalmente, os conselhos às vezes guardam um forte sentido corporativista, de difícil convivência seja com o Estado liberal tradicional seja com um Estado social-democrático (LIMA LOPES, 2013).
E ainda, de acordo com o referido autor, os órgãos colegiados que possuem representantes da comunidade ou da sociedade em sua composição formulam políticas públicas e exercem papel fiscal e executivo. Trata-se de uma alternativa a aumentar o caráter democrático dos órgãos do poder público e possibilitam romper as dificuldades de participação criadas pela política partidária, que normalmente não abre espaço para não-coligados.
Assim, os conselhos devem assemelhar-se a uma ordem corporativa, onde os projetos de ampla abrangência são difíceis de serem traçados, ocorrendo, ao contrário, uma multiplicidade de propostas de ações a curto prazo.
Embora busque a aproximação popular no círculo de decisões do poder, caso não haja critérios na sua composição, pode se transformar em mais um mecanismo de elitização, já que seus componentes podem ser eleitos por indicação ou eleições por um eleitorado previamente selecionado.
Não se pode olvidar da função precípua de consolidar os direitos sociais constitucionais que garantem as prestações positivas do Estado, bem como as políticas públicas. Assim, sendo os conselhos formados por cidadãos que demandam a ação imediata e setorizada do poder público, isso pode vir a prejudicar a generalidade das ações do Estado.
Pretendem ser um caminho de influência sobre o Poder Público, controlando seus fundos, dão publicidade e responsabilidade, aumentando a participação e educação cívica dos populares.
Neste sentido, os referidos conselhos podem vir a ser um grande avanço democrático, possibilitando o acesso aos setores menos favorecidos da sociedade. No entanto, deve ser observado que a participação de cada conselho fique limitada aos segmentos em que os membros sejam diretamente beneficiados, sob risco de um grupo decidir por outro, prejudicando a democracia. Da mesma forma, deve ser estimulado que os membros do conselho realizem alternância na função, possibilitando a rotatividade do poder de decisão e, evitando assim, a elitização do conselho.
Estas nuances devem ser previstas no momento de criação dos conselhos, quando da sua prévia regulamentação, garantindo o caráter democrático ao dar transparência a determinadas decisões, antes restritas a níveis de poder pouco acessíveis. Devem garantir ainda o livre acesso à sua composição pelos mais variados grupos sociais, de forma que, composto de forma heterogênea, haja diversidade de argumentos nos debates e possa garantir a visão universal da tomada de decisões (LIMA LOPES, 2013).
2.3 Lei de Acesso à informação
De acordo com a Constituição Federal, art. 5º, inciso XXIII, todos têm direito a receber dos órgãos públicos as informações do interesse particular ou coletivo.
Garante ainda a Carta Magna que o cidadão deve ter acesso aos registros administrativos e informações sobre os atos de governo, devendo este último providenciar a gestão da documentação de interesse do público.
Entretanto, até bem recentemente, tais direitos careciam de uma lei específica, somente com a recente Lei de acesso a Informação (12.527/11), de importância histórica levando em conta a era pós-ditadura militar, é que foram regulamentadas aquelas garantias constitucionais.
De acordo com o texto da nova lei, via de regra, todas as informações são acessíveis ao público, salvo exceções expressas, onde são estabelecidos os procedimentos que a Administração deve seguir para responder os pedidos de informação da população.
Além disso, estabelece que deve haver um processo administrativo a partir do pedido de informação, contendo prazos e procedimentos, criando o SIC (Serviço de Informações ao Cidadão), presente em todas as esferas de governo. Há ainda a previsão de recurso no processo administrativo, caso a informação não seja liberada.
Admite-se como exceção ao livre acesso os dados pessoais de terceiros e ainda aquelas informações cujo sigilo deve ser mantido a fim de resguardar a segurança nacional.
É certo ainda que muitos órgãos públicos ainda relutam em respeitar a nova lei, mesmo após sua vigência, sendo um dos maiores desafios para o direito de acesso à informação.
A lei de acesso a informação não é inovação do direito brasileiro, pois a Declaração Universal dos Direitos Humanos já dispunha que todo ser humano tem direito a liberdade de opinião e expressão, incluindo a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Para Marcelo Gruman:
Nos dias de hoje, espaço público está relacionado ao lugar da coletividade, onde se processam os temas relativos à vida em comum dos cidadãos. Assim, espaço público é tanto o espaço físico comum, a rua, a praça, a cidade, como também as instituições através das quais uma sociedade pensa sobre si mesma e encaminha soluções aos seus problemas, o espaço da cidadania. Há muitos exemplos de temas que eram considerados privados e hoje são tratados no espaço público, gerando debates mais ou menos acalorados de grupos favoráveis e contrários à sua incorporação na agenda política. Apenas como exemplo, podemos citar os temas da liberdade de orientação sexual, da liberdade religiosa, da violência contra a mulher e contra as crianças. Mas o fato de um tema “entrar” no espaço público, entrar na agenda política, não significa que medidas serão tomadas para resolvê-lo. Às vezes um tema entra no espaço público, é reconhecido como um problema da coletividade, mas medidas não são tomadas.
E acrescenta:
Percebe-se, portanto, que a transformação de um tema da agenda política em política pública, com desdobramentos objetivos, com mudanças da realidade sócio-política, depende sobremaneira do acesso à informação por parte dos grupos interessados, seja a favor ou contra a causa em questão. Na administração pública, a assimetria de informação é a diferença de conhecimento das ações governamentais entre os agentes do Estado e a população, que precisa ser progressivamente superada para poder tornar visível o que está oculto nas ações governamentais (GRUMAN, 2013).
Assim, a tendência contemporânea na administração pública tende para a consolidação da democracia, e o direito de acesso à informação é requisito indispensável para a consolidação do Estado Democrático, possibilitando aos cidadãos o exercício do controle social.
Desta feita, cabe ao cidadão comum a iniciativa de participar ativamente deste processo a fim de amadurecer a maneira de gerir a coisa pública.
2.4 Ouvidorias
As ouvidorias são mecanismos de controle social muito efetivos, pois possibilitam um canal de comunicação direta entre a administração e o administrado. Embora não consistam em meio de participação direta nas decisões públicas, servem como meio de manifestar aos gestores as necessidades dos cidadãos, exigindo providências e influenciando-os.
Nelas o cidadão realiza denúncias e registra demandas, que são encaminhadas ao órgão responsável da administração, tornando-se um meio de comunicação com a administração de forma rápida e desburocratizada que propicia a melhoria da gestão.
Essa estrutura, mesmo tendo recebido críticas em relação a sua origem –Ombudsman, tem tido sucesso quando valorizada pela administração. Constitui um recurso de gestão pública eficaz, eficiente e efetivo ao assumir o interesse do cidadão no cumprimento de seu papel, fornecer informações que oportuniza à gestão se alertar aos problemas e como resolve-los antes de outras reações sociais como denúncias à imprensa, ou mesmo aos Órgãos competentes (ANTUNES, FREITAS, RIBEIRO).
A própria Constituição Federal estabelece, em seu art. 37, parágrafo 3º, inciso I, que a lei deverá disciplinar expressamente os procedimentos de reclamação em relação ao serviço público em geral, sendo assegurada a manutenção do serviço de atendimento, bem como da avaliação periódica, seja interna ou externa.
Importante ressaltar que as ouvidorias se tornaram importante ferramenta após a edição da lei de acesso à informação, pois, até à implementação do SIC (sistema de acesso à informação), estas têm absorvido as atribuições de receber e processar os pedidos de informações na forma estabelecida pela lei.
Assim, as ouvidorias constituem em mais um mecanismo de controle social e aprimoram a participação democrática.
2.5 Conferências e Audiências Públicas
Sãos instrumentos de chamamento público para debate de assuntos específicos de interesse da coletividade, possibilitando a particularidade de colocar as autoridades e os cidadãos de frente e oportunizando o debate direto.
O art. 58, inciso II da Constituição Federal regula expressamente sobre a importância destes instrumentos para a consolidação da democracia.
As conferências possibilitam a tomada de decisões conjuntas, a elaboração de princípios e diretrizes, concessão de voz e voto a diversos segmentos da sociedade e ainda eleger delegados que representarão as cidades nas conferências regionais e nacionais. Possuem grande capacidade de mobilização.
Já as audiências públicas, cuja obrigatoriedade foi implementada pela LRF (Lei de responsabilidade fiscal) embora não possibilitem o direito de voto, constituem-se em grande oportunidade de debate entre a administração e a sociedade, com vistas a aprofundar a discussão e fomentar as decisões dos gestores, bem como uma oportunidade para esses exporem resultados de maneira pormenorizada.
Há uma multiplicidade de funções que podem ser desempenhadas pelas audiências e conferências públicas, dentre as quais podemos destacar as de maior relevância: espaço para receber reivindicações dos representantes da sociedade, possibilitando o acolhimento das demandas sociais; avaliação de ações governamentais colocando em debate a gestão pública; informar a população a respeito de ações governamentais, exercendo papel difusor; mobilização e ampliação de debates a fim de incluir determinados temas na agenda pública; etapa de formulação de diretrizes para políticas públicas; oportunização do diálogo diretamente com o público-alvo das ações governamentais; estreitamento dos laços da União Federal com os estados e municípios, oportunizando o diálogo direto; possibilitar que as instituições públicas ou privadas se façam representadas na construção de soluções para os mais diversos temas; (LEITE DE SOUZA, COELHO PIRES, 2012).
Assim, a grande peculiaridade dessa modalidade de controle social é o diálogo direto entre os representantes do poder público e o cidadão, que pode fazer uso da palavra de forma individual ou representando um grupo social.