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Estabilização da tutela antecipada antecedente

Agenda 15/05/2019 às 15:10

A aplicação da estabilização da decisão antecipada antecedente representa uma evolução legislativa, de modo a desvincular a cognição sumária da exauriente quando aquela for suficiente para atender aos interesses do demandante.

Resumo: O Código de Processo Civil de 2015 inaugurou uma série de novidades processuais com o escopo de assegurar o respeito aos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, sobretudo com respeito à efetividade, razoável duração do processo e segurança jurídica. Nesse sentido, mudanças significativas no tocante às tutelas provisórias foram estabelecidas. Este artigo jurídico tem por finalidade analisar brevemente as alterações no campo das tutelas provisórias e realizar uma análise crítica da estabilização da tutela antecipada antecedente, com indicação de suas principais características e efeitos práticos. A realização do trabalho se deu por meio de pesquisas bibliográficas, doutrinas especializadas e jurisprudência dos tribunais pátrios, a fim de subsidiar uma análise crítica dos institutos ora analisados.

Palavras-chave: Código de Processo Civil. Efetividade Processual. Tutela Provisória. Estabilização Tutela Antecipada.


1. INTRODUÇÃO

A Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu o novo Código de Processo Civil (CPC/15) como resposta aos anseios do Poder Judiciário e de seus jurisdicionados, a fim de adequar-se à realidade jurídica brasileira, bem como inaugurar uma nova ordem jurídico-processual tendo em vista que a Lei 5.869/73 - Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73) - encontrava-se defasado.

Assim, o CPC/15 tem como fundamento o respeito às normas constitucionais, sobretudo os direitos fundamentais, celeridade, efetividade e segurança jurídica ao instituir um sistema de precedentes obrigatórios. Também houve significativa alteração do instituto da tutela provisória e a possibilidade de sua estabilização quando concedida de forma antecedente, cujas peculiaridades serão analisadas no presente estudo.

A tutela provisória está relacionada à efetividade processual, haja vista que a tardia concessão do objeto pleiteado em juízo poderia ensejar a perda do objeto, além de submeter o litigante a suportar o dano marginal, vinculado à demora na prestação jurisdicional e a ocorrência de severos prejuízos ao jurisdicionado.

Apesar da tutela de urgência ser concedida com base em uma análise sumária, em juízo de probabilidade e não de certeza (o que demandaria instrução processual) ela é fundamental para assegurar a rápida prestação jurisdicional, em razão da cultura vigente no cenário jurídico de esgotamento dos instrumentos processuais disponíveis e a submissão da lide a todas as instâncias jurisdicionais disponíveis.

Nesse sentido, há um aparente conflito de princípios, em razão da incompatibilidade entre o princípio da segurança jurídica (provimento jurisdicional após a instrução processual, além da garantia do contraditório e a ampla defesa) e o princípio da efetividade (rápida prestação jurisdicional a fim de garantir a utilidade do processo).

Esse conflito resolve-se pelo critério da ponderação, pois os princípios representam valores da sociedade e por isso não há hierarquia entre eles, mas em caso de chocarem-se, um deverá prevalecer sobre o outro, sem a declaração de invalidade daquele que fora afastado.

Logo, o legislador privilegiou o princípio da efetividade ao possibilitar a antecipação da entrega do bem jurídico pleiteado através da tutela de urgência, mas tão somente quando reunidos e demonstrados os requisitos legais.

Seguindo a linha da efetividade processual, o CPC/15 trouxe a possibilidade de estabilização da tutela antecipada concedida de forma antecedente (art. 303), ou seja, o pedido antecipatório é realizado antes da propositura da ação principal quando demonstrado o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

Entretanto, por se tratar de um novo instituto tem sido alvo de intensos debates doutrinários, principalmente pelas formas de impugnação da decisão interlocutória pela parte demanda, pois, a priori, poderá ensejar aumento descabido de recursos e ações ordinários, conforme será explanado adiante.


2. NOVO SISTEMA DE TUTELAS PROVISÓRIAS INSTITUÍDO PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Imprimindo uma visão moderna aos institutos, o atual código processual civilista abordou uma nova roupagem mais instrumental ao processo, a qual encontra guarida nos princípios de acesso à justiça, efetividade e razoável duração do processo, galgado à condição de direito fundamental do cidadão.

Sabe-se que tanto o direito material quanto o processual são frutos da necessidade humana de pacificar os conflitos e manter a organização social. Por tal razão as normas estão sempre em evolução, tal como ocorreu com a atual sistemática das tutelas de urgência no novo diploma. Neste enfoque, é indiscutível que o código anterior, representou enorme avanço com as reformas de 1994, as quais introduziram no sistema o instituto da tutela antecipada, calcada na efetividade do processo e nos princípios retromencionados.

Na linha de efetivação do processo e a rápida resposta ao jurisdicionado, o código vigente introduziu uma série de mudanças no instituto da tutela antecipada e no sistema de cautelares. Dentre as primeiras modificações trazidas pelo novo diploma instrumental, tem-se o desaparecimento do procedimento cautelar, o qual era assunto de livro próprio no Código de Processo Civil de 1973. Com relação ao diploma vigente, não é audacioso dizer que o ápice das mudanças introduzidas esta relacionada à reconfiguração da tutela provisória. Neste Sentido, leciona RIOS (2016, p. 345):

De maneira mais sistemática que a legislação anterior, o CPC trata, em um livro único, de tutela provisória, suas espécies, características e procedimento. Nem poderia fazê-lo de forma diferente, porquanto, ainda que persistam as diferenças entre tutela satisfativas e cautelares, e ainda que as tutelas diferenciadas possam estar fundadas em urgência ou evidência, todas constituem espécies do mesmo gênero. Os pontos comuns entre elas são tais que justificam o tratamento unificado. E, diferentemente do que ocorria no sistema anterior, do CPC de 1973, não há mais a possibilidade de processo cautelar autônomo. As tutelas provisórias – tanto satisfativas quanto cautelas – jamais implicarão a formação de um processo autônomo. Com isso, desapareceu a razão para o CPC tratar, em livro próprio, do processo cautelar, que deixou de existir. Atualmente, o deferimento de tutelas provisórias dar-se-a sempre em processos de conhecimento ou de execução, seja em caráter antecedente, seja incidentalmente.

A tutela de urgência passou a ser viável diante de situações em que a urgência se origina do risco de um resultado inútil do processo e de perecimento do direito do autor. Doutro lado, não menos diferente, a tutela de evidência objetiva a proteção do direito evidente, sem levar em conta o perigo da demora. Neste sentido, já previa o anteprojeto do novo código processual:

No Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano. (BRASIL, 2015)

O art. 294. do CPC/15 resguarda que: “A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.” Por uma análise da nova sistemática, tem-se que a expressão “tutela provisória” passa a exprimir um conjunto de tutelas distintas, as quais podem ser requeridas tanto nos processos de conhecimento e de execução, e que abrangem tanto as medidas satisfativas quanto as cautelares. Neste sentido, diz-se que tutela provisória é gênero do qual tutela satisfativa e cautelar são espécies.

A tutela provisória continua a se caracterizar pelo juízo de cognição sumária, superficial, calcada na fumaça do direito, razão pela qual pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo. O art. 296. do CPC/15 prevê: “A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo ser revogada ou modificada.”

É evidente que a tutela provisória é uma espécie de tutela distinta, pautada em uma cognição não exauriente, e sim sumária, fundada na verossimilhança das alegações ou na evidência. Portanto, terá natureza provisória. Alhures colocado pode ser a qualquer tempo modificada.

A nova Lei Instrumental Civil substituiu a ação cautelar pela tutela de urgência, e a tutela antecipada pela tutela de evidência, as quais passam a ser requeridas no bojo de um único processo. Pois, não é mais exigida para a tutela de urgência – leia-se: tutela cautelar – o ajuizamento de sucessivos processos (cautelar e principal). Com a nova roupagem, os pedidos podem ser formulados tanto no início como no curso do processo.

De uma análise comparativa entre o sistema derrogado e o vigente, nota-se que parte dos fundamentos trazidos no art. 273. daquele - os quais embasavam a concessão da tutela antecipada - passaram a constituir fundamento para o deferimento da tutela de urgência: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; e, parte como fundamento para a concessão de tutela evidência: a prova inequívoca, verossimilhança da alegação, caracterização do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

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Este novo sistema resolve grande controvérsia acerca da distinção entre as tutelas antecipadas e cautelares, pois agora ambas são consideradas espécies do gênero tutela de urgência. Nota-se que para a tutela de evidência deslocou-se fundamentos da extinta tutela antecipada que não se alinhavam à ideia de urgência, elementos que são característicos da tutela cautelar assim como, em parte, a tutela antecipada.

Neste sentido, o art. 300. do CPC/15 traz a descrição da tutela de urgência: “será concedida quando houve elemento que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

De outro lado, a tutela de evidência, ao contrário da tutela de urgência, conforme expressamente prevê o CPC/15, sua concessão se dá independente de demonstração de perigo de dano ou resultado útil do processo. Exige-se apenas a comprovação das condições que denotam a evidência do direito. Para melhor elucidar, observa-se o art. 311:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. (BRASIL, 2015).

Logo, vê-se tratar de tutela provisória, mas não de urgência. A tutela de evidência ganhou destaque na nova sistemática do atual Código de Processo Civil, posto haver situações em que o direito invocado pela parte se revela num grau tão elevado de probabilidade, de verossimilhança, a ponto de se tornar evidente. Nestas situações, o não reconhecimento de tratamento diferenciado pode ser considerado como negação de justiça, pois o direito do autor restará sacrificado, indo contra princípios de ordem constitucional, o que acaba por inviabilizar a prestação da jurisdição ante a morosidade do processo.

As tutelas de urgência, conforme o nome denota, são aplicáveis em dadas situações que se demanda providência imediata e urgente, em que o decurso do tempo pode acarretar prejuízo ao bem jurídico. Podem ser de natureza antecipada (satisfativa) ou cautelar. Nas palavras de GARCIA (2015, p. 99) “especificamente para a tutela de urgência, de natureza antecipada, por ter caráter satisfativo, além dos requisitos citados, também se exige a ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art.300, § 3º)”.

Assim, o elemento que diferencia a tutela cautelar daquela de urgência é a natureza satisfativa da medida, considerando que ambas são espécies do gênero das tutelas de urgência. O novo CPC traz o rol exemplificativo das medidas de tutela cautelar. O art. 300. prescreve: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”

Ponto também a ser destacado é o fato de não ser mais necessário a propositura de ação cautelar e principal, que antes era exigida seu ajuizamento até 30 dias após a efetivação da medida cautelar em processo preparatório. No novo sistema, o legislador disciplinou a tutela de urgência apenas como gênero, fulminando com o antigo sistema de existência das cautelares típicas e atípicas.

O novo diploma não suprimiu por completo a diferenciação entre tutela cautelar e antecipada, adotando-se um regime praticamente único, todavia não houve total equiparação entre elas. O art. 304. denota tal diferenciação quando se percebe que há certa estabilização às tutelas antecipadas, excluindo-se as cautelares:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1o No caso previsto no caput, o processo será extinto.

§ 2o Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

§ 3o A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2o.

§ 4o Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2o, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5o O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2o deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1o.

§ 6o A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo. (BRASIL, 2015)

Inovação também importante gira em torna da possibilidade de pleitear a tutela antecipada – satisfativa, em caráter antecedente, nos moldes do art. 303: “Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.”

No CPC de 1973, normalmente só havia a possibilidade de manejo da tutela cautelar em caráter antecedente (cautelar preparatória). A nova sistemática muda completamente essa regra ao extinguir a autonomia do processo cautelar ao se permitir de forma expressa a possibilidade de buscar a tutela a tutela antecipada de forma antecedente.

A atual sistemática das tutelas provisórias pode ser visualizada no gráfico a seguir (ALVES, 2016, on-line):

A estrutura atribuída às tutelas denota a opção do legislador em reforçar o papel da tutela provisória no sistema brasileiro, na busca pela efetiva prestação jurisdicional e minimização da morosidade processual.


3. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

A possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente é uma inovação legislativa trazida pelo CPC/15 e que tem gerado grande debate doutrinário em razão da incerteza jurídica que circunda a sua aplicação prática. Possui previsão no art. 304. do códex processual, anteriormente citado.

Ao analisar o mencionado dispositivo legal conclui-se que a estabilização somente é cabível quando tratar-se de concessão de tutela antecipada antecedente e, portanto, incabível tal efeito na hipótese de tutela cautelar, tutela de evidência ou, ainda, quando requerida de modo incidental. Logo, o requerente deverá demonstrar a urgência que justifique a concessão da tutela antecipada antecedente, ou seja, a iminência de perigo ou perigo existente (art. 303. do CPC/15).

Segundo THEODORO JÚNIOR (2015, p. 674) as partes podem se contentar com uma decisão sumária, vez que não seria necessário o ajuizamento de uma nova ação de conhecimento exauriente para validade da decisão interlocutória.

Percebe-se que foi acolhida a ideia denominada genericamente de tutela sumária, em que se admite que a decisão de cognição não exauriente, que contém a antecipação de tutela, possa ter força para resolver a crise de direito material por si só, independentemente do desenvolvimento do pedido principal ou da ação principal em sede de processo de conhecimento de cognição plena. Com isso, a decisão proferida por meio de antecipação de tutela, no âmbito do procedimento preparatório, por opção dos próprios interessados, pode produzir seus efeitos sem depender de instauração do processo de conhecimento de cognição plena. São as partes mesmas que se mostram não interessadas no efeito da coisa julgada material. Se ficam satisfeitas com a decisão antecipatória, baseada em cognição sumária, sem força de coisa julgada, mas com potencial para resolver a crise de direito material, não se mostra conveniente obrigá-las a prosseguir no processo, para obter a decisão de cognição plena. Colocam-se à disposição das partes, ao lado do processo de conhecimento clássico, mais longo e hábil a operar a coisa julgada, procedimentos mais céleres, fundados em forma diversa de cognição, como a sumária, e voltados para a solução da crise de direito material, mas sem cogitar da definitividade da res iudicata.

Concedida a tutela antecipada antecedente pelo magistrado o requerido poderá interpor o recurso competente ou permanecer inerte. Por se tratar de uma decisão interlocutória o meio recursal cabível é o Agravo de Instrumento, nos termos do art. 1.015. do CPC/15.

Importante frisar que a decisão estabilizada que concede a tutela antecipada antecedente não faz coisa julgada material, mas tão somente formal. Nesse sentido, não é possível o ajuizamento de Ação Rescisória para desconstituir coisa julgada formal (art. 966. do CPC/15), em razão da falta de interesse de agir por inadequação da via eleita (art. 17. do CPC/15) e, consequentemente, a ação deverá ser extinta sem julgamento do mérito.

No caso de inércia do requerido em razão da não interposição do agravo de instrumento, o art. 304, § 5o, do CPC/15 prevê a possibilidade de ajuizamento de ação autônoma no prazo decadencial de 02 (dois) anos a contar da ciência da decisão que extinguiu o feito principal. Essa nova demanda não resolverá provisoriamente o litígio, mas sim uma decisão definitiva que substituirá a decisão provisoriamente proferida, seja para mantê-la ou para reformá-la (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 675).

Existe divergência quanto ao prazo decadencial de 02 (dois) anos para ajuizamento da ação ordinária com o fito de impugnar a tutela antecipada antecedente, em razão da incompatibilidade na fixação de prazo que levará a extinção do direito de questionar uma decisão proferida com base em cognição sumária. Todavia, nota-se que não há incompatibilidade, sobretudo pela existência de outros instrumentos paralelos à impugnação de decisões transitadas em julgado, mas sujeitas a prazos fatais, como, por exemplo, a ação rescisória, conforme defende THEODORO JÚNIOR (2015, p. 676/677):

Há quem pense ser inadmissível a marcação de um prazo fatal para o exercício da ação de revisão ou invalidação da medida antecipada estabilizada, ao argumento de que não seria constitucional a interdição a uma ação de contraditório pleno em torno de um litígio que apenas sumariamente se compôs. Ter-se-ia uma incompatibilidade, na espécie, com o processo justo. Dessa maneira, mesmo depois do prazo de dois anos do art. 304, § 5º, continuaria “sendo possível o exaurimento da cognição até que os prazos previstos no direito material para a estabilização das situações jurídicas atuem sobre a esfera jurídica das partes”, como o que ocorre, por exemplo, através da prescrição, da decadência e da supressio. 76. A crítica, a nosso sentir, não procede. Ao estabelecer o Código um prazo para o exercício do direito de propor a questionada ação de revisão ou de invalidação, nada mais fez do que criar um prazo decadencial, que tanto pode ser estabelecido em lei material, como em lei processual. Exemplo típico de prazo decadencial instituído pelo Código de Processo Civil é aquele referente à propositura da ação de rescisão da sentença de mérito transitada em julgado (art. 975, caput). Nunca se pôs em dúvida, em nosso direito positivo, a viabilidade de se instituir em lei prazos decadenciais para o ajuizamento de certas demandas, sejam elas precedidas ou não de algum acertamento em juízo. Além da ação rescisória vários são os casos de ações anulatórias ou revisionais, de larga presença no foro, que se extinguem pelo decurso do tempo (vícios de consentimento, incapacidade do contratante, renovação de locação, revisão de aluguel etc.).

Inicialmente, pode haver dúvidas quanto à natureza jurídica de tal ação. Entretanto, em razão da ausência de coisa julgada material tem-se que mencionada ação possui natureza ordinária, a ser interposta no juízo que concedeu a tutela antecipada antecedente por estar prevento para o julgamento da nova demanda.

Necessário ressaltar que a ação destinada a afastar a estabilização da decisão interlocutória não se confunde com ação revisional, pois esta tem como fundamento a alteração posterior dos elementos fáticos ou jurídicos que ensejaram a concessão dão provimento jurisdicional anterior. Já a ação prevista no art. 304, §6º do CPC/15 está adstrita aos fundamentos pretéritos, ou seja, aqueles já existentes quando do deferimento da tutela antecipada antecedente, mas que por inércia do requerido não foram arguidas por intermédio do recurso de agravo de instrumento.

Ocorre que a estabilização da tutela antecipada antecedente e os meios de impugnação tem sido alvos de críticas pela doutrina, haja vista a possibilidade de ocasionar aumento descabido de recursos ou de ações quando a controvérsia poderia ser resolvida nos próprios autos em que concedida a tutela antecipada antecedente.

Nesse sentido, o requerido poderia demonstrar seu irresignação nos próprios autos ou praticar atos incompatíveis com a estabilização da tutela antecipada antecedente, de modo que uma postura ativa inevitavelmente afasta sua inércia e demonstra o interesse em discutir a matéria.

Entretanto, com a atual sistemática, mesmo que o requerido demonstre sua insatisfação com a decisão proferida caso não adote uma das duas medidas previstas em lei (agravo de instrumento ou ação ordinária no prazo de 02 anos), ocorrerá a estabilização do decisum.

Logo, tem-se um verdadeiro contrassenso que vai de encontro à celeridade processual e racionalização dos atos processuais, na medida em que a irresignação do requerido poderia ser oposta nos próprios autos em que fora concedida a tutela antecipada, sob pena de preclusão da matéria não impugnada. Assim, a discussão da matéria se encerraria nos próprios autos:

Não tem sentido a legislação obrigar o réu a recorrer quando na realidade ele pretende somente se insurgir no próprio grau jurisdicional onde foi proferida a decisão. É a própria lógica do sistema que aponta nessa direção porque a própria razão de ser da estabilização é o réu deixar de se insurgir contra a tutela provisória concedida. Por outro lado, se o objetivo do sistema é a diminuição do número de recursos, a interpretação literal do art. 304, caput, do Novo CPC, conspira claramente contra esse intento. Resta ao intérprete dizer que onde se lê “recurso” deve se entender “impugnação”, criticando-se o legislador por ter preferido a utilização de espécie (recurso) em vez do gênero (impugnação). Há entendimento doutrinário no sentido de ser afastada a estabilização ora analisada havendo impugnação da decisão concessiva da tutela antecipada por qualquer forma, recursal ou não. Também a contestação do réu é apontada como hábil a evitar a estabilização da tutela antecipada. Nesse caso é preciso lembrar que o art. 303, II, do Novo CPC, prevê que no pedido de tutela antecipada antecedente o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334. do Novo CPC. Significa dizer que o réu não será intimado para contestar, sendo que, tecnicamente, seu prazo para a apresentação de defesa nem terá se iniciado. É natural que se o réu se adiantar e já contestar o pedido a tutela antecipada não se estabilizará. Mas também não deve ser descartada a possibilidade de o réu simplesmente peticionar nos autos expressando o desejo de participar de tal audiência, o que demonstrará, de forma clara, sua intenção de que o procedimento siga seu rumo regular. (NEVES, 2016, p. 867. e 868)

Assim, um possível efeito decorrente da estabilização da tutela antecipada antecedente é o aumento do número de Agravos de Instrumento, pois mesmo que haja impugnação nos autos principais a lei exige a interposição do mencionado recurso ou o ajuizamento de ação ordinária posterior.

Não obstante, o CPC/15 traz a possibilidade de as partes litigantes convencionarem acerca da aplicação do processo civil ao caso concreto, de modo a adequar a sistemática processual aos interesses das partes, uma vez que a norma instrumental é tão somente a forma de realização do direito material, conforme dispõe ao art. 190:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Como o atual CPC permite a adequação do processo à vontade das partes, caso se trate de direitos sujeitos à autocomposição, tem-se que é admissível os litigantes convencionarem acerca da possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente, conforme restou convencionado no Enunciado n. 32. do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência antecedente. (Grupo: Tutela Antecipada; redação revista no V FPPC-Vitória)”

Os enunciados do Fórum Permanente de Processualistas preveem ainda ser cabível a estabilização, ainda, quando a decisão for concedida em desfavor da Fazenda Pública e quando referir-se a alimentos provisórios. Observa-se: “Enunciado n. 582. (arts. 304, caput; 5º, caput e inciso XXXV, CF) Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública.” e “Enunciado n. 500. (art. 304) O regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica-se aos alimentos provisórios previstos no art. 4º da Lei 5.478/1968, observado o §1º do art. 13. da mesma lei.”

Já o enunciado n. 420. não admite estabilização de tutela cautelar: “Não cabe estabilização de tutela cautelar.”

Ante o exposto, a estabilização da tutela antecipada antecedente tem por objetivo concretizar o direito pleiteado pelo requerente, ainda que concedido em base de cognição sumária, com o intuito de possibilitar rápida e célere prestação jurisdicional. Entretanto, a forma de impugnação dessa decisão interlocutória conforme instituído pelo CPC/15 poderá ocasionar elevado acréscimo de interposição de Agravo de Instrumento ou ações originárias com o fito de discutir o decisum, quando se poderia ser resolvida a questão nos próprios autos em que proferida a decisão provisória.


4. CONCLUSÃO

O CPC/15 representa uma conquista da sociedade, vez que a elaboração de seu projeto é fruto de debates democráticos, em que fora oportunizado o direito de voz às classes diretamente envolvidas na sua aplicação e que colaboraram para a construção da atual legislação processual civil.

Pode-se dizer que o diploma vigente objetiva, precipuamente, a materialização do direito substantivo, haja vista que o processo é tão somente um instrumento para a concretização e entrega da prestação jurisdicional que a parte anseia.

Nesse sentido, a tutela provisória representa a efetividade do processo, celeridade e a satisfação do direito material urgente ou evidente, de modo que o litigante não necessite aguardar o término da demanda para obter o bem da vida pleiteado, quando demonstrada a plausibilidade do direito.

Dessa forma, o CPC/15 deu ensejo ao aprimoramento do instituto da tutela provisória e a possibilidade de estabilização da decisão quando proferida antecipadamente em caráter antecedente. Todavia, esta última figura jurídica tem sido alvo de severas críticas doutrinárias, sobretudo por, em tese, representar aumento descabido de recursos e ações judiciais autônomas a fim de evitar a estabilização da decisão interlocutória concedida em caráter antecedente.

Entretanto, a par das críticas e possíveis modificações legislativas que eventualmente possam ocorrer, tem-se que a aplicação da estabilização da decisão antecipada antecedente representa uma evolução legislativa, de modo a desvincular a cognição sumária da exauriente quando aquela for suficiente para atender aos interesses do demandante.

Não há dúvidas que o atual cenário jurídico de transição entre os diplomas processuais é de reflexão e aprimoramento dos novos institutos, a fim de prevalecer no caso concreto os direitos fundamentais elencados na Magna Carta, sobretudo o do devido processo legal e razoável duração do processo. Ademais, o processo civil deve efetivamente ser um instrumento para a concretização do direito material e não um obstáculo para seu alcance.


REFERÊNCIAS

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ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS (Disponível em: https://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. Acesso em 12 de set. de 2016)

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Sobre a autora
Gimena De Lucia Bubolz

Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Advogada. Pós-graduada em Direito do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUBOLZ, Gimena Lucia. Estabilização da tutela antecipada antecedente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5796, 15 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67404. Acesso em: 22 dez. 2024.

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