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Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador

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Agenda 24/05/2005 às 00:00

4. Conclusões

Alfim, diante dos elementos até aqui coligidos, alinhavam-se, à guisa de conclusão, as ilações que se seguem.

1. A Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu à Justiça do Trabalho a competência material para o processo e o julgamento das ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (artigo 114, VII, da CRFB), o que atrai para o seu universo litígios de cariz administrativo-penal, próprios do chamado Direito Administrativo sancionador.

2. A nova competência lança pá-de-cal sobre a tese do não-cabimento da impetração de mandados de segurança em primeira instância: são agora indelevelmente cabíveis, perante as Varas do Trabalho, contra atos de autoridade dos órgão da fiscalização laboral que malfiram direito líquido e certo do cidadão.

3. O artigo 114, VII, da CRFB também atribui à Justiça do Trabalho competência para as ações desconstitutivas (anulatórias) e declaratórias (de nulidade) que tenham por objeto ato administrativo punitivo derivado da fiscalização do trabalho e, bem assim, a execução dos títulos extrajudiciais derivados da atividade fiscal do Ministério do Trabalho. A propósito dessa execução ― que se aproxima, por um lado, daquelas do artigo 876, caput, 2ª parte, da CLT (títulos extrajudiciais) e, por outro, daquelas do parágrafo único do mesmo preceito (artigo 114, VIII, da CRFB) ―, convém que as Procuradorias Regionais do Trabalho exerçam, por seus procuradores, a "competência" dada pelo artigo 746, "g", da CLT, nas sedes de Tribunais Regionais do Trabalho, e a Procuradoria da Fazenda Nacional continue a fazê-lo nas demais localidades.

4. A nova competência cinge-se às penalidades oriundas do desrespeito à legislação trabalhista stricto sensu e às penalidades impostas ao empregador, muito embora possam se dar penalidades administrativas aplicadas a terceiros não-empregadores (tomador de serviços, intermediador de serviços, associações e, em geral, "órgãos ou entidades de qualquer natureza ou finalidade", ex vi do artigo 14 do Regulamento da Inspeção do Trabalho), que continuarão a ser da competência da Justiça Federal.

5. A diferença entre os ilícitos administrativos e os ilícitos penais é de mera intensidade (distinção quantitativa), com reflexos de caráter basicamente funcional (a polícia administrativa é exercida por meio de atos administrativos dotados de auto-executoriedade, enquanto a repressão penal pressupõe a movimentação da máquina judiciária), percebendo-se-a mais vivamente na comparação dos respectivos âmbitos de incidência (o Direito Administrativo sancionador incide prevalentemente sobre bens, direitos e/ou atividades, enquanto o Direito Penal e o Direito Processual Penal direta e prevalentemente sobre pessoas).

6. A Constituição da República Federativa do Brasil garante, por força dos incisos LIV e LV do artigo 5º, o devido processo administrativo (substantivo e adjetivo).

7. Nessa ensancha, o princípio da responsabilidade subjetiva tem aplicação no âmbito do Direito Administrativo sancionador, mas com conteúdo mitigado, uma vez que autuação administrativa gera uma praesumptio juris tantum de culpa lata, à vista do princípio da presunção de veracidade e de legitimidade dos atos administrativos.

8. A legislação brasileira sinaliza claramente a subjetivação da responsabilidade administrativa na matéria laboral, no sentido psicológico (atitude íntima) e no sentido social (reprovabilidade social in concreto), consoante artigos 3º e 5º da Lei 7.855/89, artigo 2º da Portaria n. 290, de 11.04.1997, e artigos 75, caput, e 351, caput, da CLT, entre outros.

9. O Direito Administrativo sancionador brasileiro ainda incorporou, em matéria laboral, o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da culpabilidade (artigo 5º, XLV e XLVI, da CRFB), com conteúdos mitigados.

10. No caso de pessoas jurídicas, a responsabilidade subjetiva afere-se, para fins de punição administrativa, consoante a construção francesa para o artigo 121-2 do Code penal (responsabilidade reflexa ou "par ricochet"), o que pressupõe que a infração seja cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu preposto, ou do seu órgão colegiado, em nome da entidade, no seu interesse e/ou em seu benefício (aplicação analógica e extensiva do artigo 3º, caput, da Lei 9.605/98). Assim é porque, no silêncio da lei, presume-se, como regra, a responsabilidade subjetiva (que assume, in casu, os contornos da "vacarious liability" dos sistemas jurídicos de raiz anglo-saxônica). Nada obsta, porém, que a lei ordinária crie hipóteses de responsabilidade objetiva da empresa em matéria administrativo-penal ("strict liability").

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11. Aplica-se ao Direito Administrativo sancionador brasileiro, em matéria laboral, o princípio da oficialidade, consoante artigo 628, caput, da CLT e artigo 15 do Regulamento da Inspeção do Trabalho, entre outros. Esse princípio particulariza-se no curso do procedimento administrativo, impondo-se aí como princípio do impulso obrigatório, ut artigo 629, §2º, da CLT.

12. Aplica-se ao Direito Administrativo sancionador brasileiro, em matéria laboral, os princípios do contraditório e da ampla defesa, com projeções concretas nos artigos 629, §3º, e 632 da CLT. Nesse último caso, a prerrogativa administrativa de "julgar da necessidade" das provas não é discricionária, mas vinculada e motivada, desafiando a aplicação da teoria dos motivos determinantes.

13. O desrespeito aos princípios referenciados induzirá à nulidade e/ou à anulabilidade dos atos administrativos conseqüentes, desafiando impugnação judicial na Justiça do Trabalho (artigo 114, VII, da CRFB). Essas demandas virão, inexoravelmente. Da Magistratura do Trabalho espera-se, para agora e o futuro, que saiba ver além dos seus horizontes de outrora, canhestros para a sua capacidade de (re)produzir Justiça social. Há diante de si horizontes outros ― novos, ignotos, ambiciosos. Há, ainda, espaço e oportunidade para produzir jurisprudência valiosa no campo do Direito Administrativo sancionador, que entre nós ainda não se produzira. Para fazê-lo, porém, impende não amesquinhar-se.


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Notas

  1. "Aos juízes federais compete processar e julgar […] as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho" (g.n.).
  2. Assim, e.g., no Direito espanhol. Cfr., por todos, Alejandro Garcia Nieto, Derecho Administrativo Sancionador, Madrid, Tecnos, 2002, passim.
  3. Assim, e.g., no Direito francês. Cfr., por todos, S. De Backer-Coche, Le droit administratif pénal en France, Paris, Min. Interieur/Police générale du Royaume, 1998, passim. Para a referência cruzada dos sistemas jurídicos francês e belga no âmbito comunal (municipal), cfr. ALAIN COENEN, secretário comunal de Beyne-Heusay e Maître de Conférences na Université de Liège: "Même s´il vient seulement d´être concédé aux communes, ce qu´on appelle en France le droit administratif pénal et, en Belgique, le système punitif administratif, n´est pas chose nouvelle" ("Les sanctions administratives dans les communes", in http://www.uvcw.be/police/poladmin/sec4-02.cfm, acesso em 23.04.2005). Da expressão francesa, servir-nos-á, no texto, apenas o adjetivo ("administratif-pénal"), por mera brevidade lingüística. Não se confunda, ademais, Direito Administrativo penal com Direito Penal administrativo, que é o Direito Penal voltado à tutela da regularidade de atividade administrativa (como, e.g., nos crimes contra a Administração Pública) e à proteção de outros bens jurídicos de índole administrativa (como na criminalidade econômico-financeira) ― embora, na origem, GOLDSCHMIDT empregasse essa expressão para designar mesmo o sistema legal de ilícitos administrativos.
  4. Assim, e.g., no Direito português, inspirado pelo Direito alemão das Ordnungswidrigkeiten (contra-ordenações). Cfr., por todos, João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais: Regime Jurídico Anotado contido no Código do Trabalho, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, passim. A predileção portuguesa pela expressão aparece já na nota à 2ª edição (p.09): "Quanto ao mais, na senda da 1ª edição, procurou-se manter o cariz prático do trabalho, privilegiando o conhecimento e análise das normas que à Administração do Trabalho cumpre interpretar e aplicar, bem como dos princípios que dela se extraem, sem prejuízo de se assinalar num ou noutro ponto uma opinião de carácter mais reflexivo, na almejada procura do Direito de Mera Ordenação Social Laboral" (g.n.). O próprio autor, todavia, distingue o processo de contra-ordenação do "Processo Administrativo de Tipo Sancionador", tal como o processo disciplinar dos servidores públicos e os processos de transgressões que dão origem a penas policiais, de modo que a aproximação ao Direito e ao Processo Penal ver-se-ia apenas no primeiro caso (pp.140-143). Para dizê-lo, fia-se em escólio de MARCELLO CAETANO (Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1980, pp.834-835). Não nos parece que, à luz da Constituição da República de 1976, a distinção seja assim tão clara, já que o seu artigo 32º, 10, não distingue entre "processos de contra-ordenação" e "processos sancionatórios", atribuindo-lhes mesmas garantias (cfr., infra, tópico 2). E, no Brasil, cremos que a distinção é seguramente descabida, senão pelo fato de que os processos disciplinares têm em mira a organização e a regularidade dos serviços públicos e os processos de infrações administrativas de particulares visam a acautelar interesses da coletividade; apenas por esse diverso objeto imediato, admitem-se distinções legais, no que for estritamente necessário. Quanto ao mais, o artigo 5º, LV, da CRFB não faz qualquer distinção entre um e outro processo administrativo.
  5. Competência Material Trabalhista, São Paulo, LTr, 1994, passim.
  6. E que, diga-se, perfilhávamos antes da promulgação da EC n. 45/2004, dados os termos induvidosos do artigo 109, I, da CRFB até aquele momento.
  7. João Oreste Dalazen, "A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil", in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Grijalbo Fernandes Coutinho, Marcos Neves Fava (coord.), São Paulo, LTr, 2005, pp.170-171.
  8. José Affonso Dallegrave Neto, "Primeiras linhas sobre a Nova Competência da Justiça do Trabalho Fixada pela Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004)", in Nova Competência da Justiça do Trabalho, cit., p.217 (g.n.). O autor ainda procurou demonstrar que, não raro, as decisões da Justiça Federal em matéria fiscal-trabalhista contrariavam a jurisprudência assente da Justiça do Trabalho, causando incertezas e insegurança jurídica; para tanto, referiu a Apelação Cível n. 199901000284230, da 3ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que invalidou multa administrativa aplicada pelo não-pagamento de FGTS sobre a remuneração de intervalos fracionados durante o dia de trabalho. Deve-se ter em conta, porém, que nesse caso o TRF não contrariou a tese do Enunciado 118 do C.TST (expressamente citado na ementa), mas apenas entendeu que o fracionamento do intervalo não se subsumia à hipótese do enunciado, porque não se tratava de "intervalo não previsto em lei", mas de intervalo legal (artigo 71, caput, da CLT) regularmente fracionado. A tese de DALLEGRAVE provavelmente ficaria melhor demonstrada em outras matérias (como, e.g., no que diz respeito ao caráter salarial ou indenitário de certas verbas legais de ambígua natureza jurídica ― e, nessa ensancha, a "uniformização hermenêutica" a que se refere será de fundamental importância).
  9. "A Reforma…", p.171.
  10. E, nesse sentido (referenciando o nosso pensamento), cfr. José Roberto Dantas Oliva, Tutela de urgência no processo do trabalho, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002, p.123. O autor admitia, conosco, uma interpretação construtiva baseada nos artigos 1º, caput, da Lei 1.533/51, 652, "a", I, e 653, "f", da CLT.
  11. Assim, verbi gratia, se concretamente colidem os direitos de propriedade e de livre iniciativa, por um lado, e os direitos à vida e à integridade física, por outro (aqueles tisnados pela ilegalidade, como se viu, e esses sob efetiva ameaça contextual). A esse respeito, confira-se, para uma visão abrangente, Nicolas Gonzales-Cuellar Serrano, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal, Madrid, Colex, 1990, pp.36-48 (trata-se do capítulo 3: "El principio de proporcionalidad en el Derecho Administrativo"). In verbis: "Tras la consagración del principio de legalidad en el Derecho administrativo y el sometimiento de la actividad de la Administración al control jurisdiccional ― con la excepción de contadas actuaciones de carácter «político» ―, era necesario contar con instrumentos que permitiesen en todo momento impedir que los órganos encardinados en el Poder Ejecutivo se desviaran de la actuación conforme a los fines de la ley o que el ejercicio de sus funciones, aun siendo adecuado en relación con dichos fines, resultara excesivamente gravoso para los derechos de los ciudadanos, y ello incluso cuando la Administración se encontrara autorizada para desplegar potestades excepcionales" (p.37). Parece-nos que a recíproca é por tudo verdadeira: apegar-se irracionalmente à lei significará, às vezes, perpetrar injustiças e deixar perecer direitos.
  12. O entendimento de que o sujeito passivo é a própria autoridade coatora "deve ser afastado quando se observa que a fase recursal fica a cargo da pessoa jurídica e não do impetrado e que os efeitos decorrentes do mandado são suportados pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora" (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 12ª ed., São Paulo, Atlas, 2000, p.621).
  13. Donde a referência de DALAZEN à "Fazenda Pública federal", sem cogitar do Ministério Público ("A Reforma …", p.171).
  14. "Compete à Procuradoria-Geral da Justiça do Trabalho […] promover, perante o juízo competente, a cobrança executiva das multas impostas pelas autoridades administrativas e judiciárias do trabalho".
  15. Cfr., e.g., João Oreste Dalazen, "A Reforma…", p.170. Na verdade, até mesmo a legislação trabalhista stricto sensu por vezes se aplica a trabalhadores não-empregados; veja-se, e.g., o caso do artigo 17 da Lei 5.889/73. Imaginem-se os casos do meeiro, do parceiro e do avulso rural. Nada obstante, as ações relativas às penalidades aplicadas ao proprietário rural não serão, nessas hipóteses, da competência da Justiça do Trabalho…
  16. Que, para nós, são a prestação de trabalho humano (elemento objetivo ou fenomênico), o fundo consensual (elemento volitivo), a pessoalidade mínima (elemento tendencial) e o caráter continuativo ou coordenado da atividade (elemento funcional ou operacional). Cfr. nosso artigo "Justiça do Trabalho — nada mais, nada menos", disponibilizado à ANAMATRA/LTr para obra monográfica coletiva (ainda no prelo).
  17. Aprovado pelo Decreto 4.552, de 27.12.2002.
  18. Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho: Dogmática Geral, Coimbra, Almedina, 2005, p. I, pp.16-17.
  19. Associações lato sensu, porque a rigor as cooperativas são, nos termos do artigo 982, par. único, do Novo Código Civil, sociedades simples. Em Portugal, sustentou-se já a sua natureza estrita de associação, uma vez que a não repartição de lucros impede a subsunção à fattispecie societária (artigo 980º do Código Civil português). É contudo indiscutível ― apesar do romantismo da lei brasileira ― que idealmente são empresas, porque em geral se destinam ao exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. Daí reputar-se-as, em boa doutrina, uma síntese de associação e empresa (cfr., por todos, Georges Fauquet, Le secteur coopératif, 4e. ed., Bale/Paris/Bruxelles, L’Union Suisse des Coopératives de Consommation et al., 1942, pp.19-25).
  20. Que, para nós, tem natureza estritamente penal, desde que disposta em lei ordinária segundo o paradigma constitucional (artigos 173, §5º, e 225, §3º, da CRFB), como é o caso do artigo 3º da Lei 9.605/98. A matéria, porém, é ainda absolutamente controvertida, havendo não poucos autores que entendem se tratar de responsabilidade meramente administrativa, ante os princípios da personalidade e da culpabilidade penal que, nas brumas da História, engendraram a máxima "societas delinquere non potest". Para uma visão panorâmica do dissídio doutrinal seguida pela afirmação juscientífica da hipótese, cfr., de nossa lavra, Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental brasileiro, Tese de Doutorado, São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2003, v. II, pp.188-225 (no prelo).
  21. STJ, Cervecería Polar del Centro vs. Ordenanza sobre Patente de Industria y Comercio del Municipio San Joaquín del Estado Carabobo, Sala Constitucional, 06.03.2001.
  22. João Soares Ribeiro, op.cit., p.26.
  23. "Lei de Contra-ordenações". Na verdade, foram duas (1952 e 1987). Já em 1975, haviam desaparecido do odenamento alemão todas as contravenções penais.
  24. O Decreto-lei n. 232/79 suscitou uma série de dúvidas sobre a sua constitucionalidade, sobrevindo o Decreto-lei n. 433/82, considerado a "lei-quadro" das contra-ordenações portuguesas. Nada obstante, contravenções e contra-ordenações ainda convivem no ordenamento português, notadamente em tema de ilícitos rodoviários. A isso, SOARES RIBEIRO chamou de "coabitação espúria" (op.cit., p.46).
  25. Na Espanha, e.g., confira-se atualmente a Ley n.30/1992.
  26. Convém dizer, nessa altura, que o Brasil (ainda) não passou por essa fase legislativa de "enxugamento" da legislação penal, nem tampouco desenvolveu a contento, no âmbito legislativo ou doutrinal, o Direito Administrativo sancionador e seus institutos. No campo laboral, as infrações administrativas ― a que correspondem as "contra-ordenações laborais" do sistema português ― historicamente surgiram com essa qualidade, sem jamais terem tido dignidade penal.
  27. Para uma posição ainda mais veemente, compreendendo que mesmo a omissão dolosa de anotar a CTPS não configura crime, cfr. Damásio E. de Jesus, "Deixar de registrar empregado não é crime", in RT 799/483-488 (recorrendo aos pressupostos lógicos da teoria da imputação objetiva).
  28. Para uma abordagem geral da tese de distinção qualitativa, cfr. João Soares Ribeiro, op.cit., pp.26-27 (atentando, porém, para as adaptações do nosso texto, em face da posição dominante da teoria final da ação na doutrina penal brasileira).
  29. Que, no limite do artigo 161 da CLT, configurará amiúde o crime do artigo 133 do Código Penal brasileiro (perigo para a vida ou saúde de outrem).
  30. Cfr. João Castro e Sousa, As pessoas colectivas em face do Direito Criminal e do chamado "Direito de Mera Ordenação Social", Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp.142-145; João Soares Ribeiro, op.cit., pp.25-26.
  31. E, não por outra razão, há dois anos sugeríamos, em trabalho coletivo para a AMATRA-XV ("Sugestões para reforma trabalhista e processual trabalhista da AMATRA XV", Campinas, AMATRA-XV, 2003), a criminalização da dação de trabalho produtivo a menor de catorze anos e da dação de trabalho degradante a menor de dezoito anos, na esteira da norma do artigo 7º, XXXIII, da CRFB. Da redação final constou o seguinte: "Tipificar o crime de exploração ilícita do trabalho infanto-juvenil, introduzindo o artigo 244-B da Lei 8.069/90, com a seguinte definição: «Submeter, favorecer, ou constranger criança ou adolescente a trabalho noturno, insalubre, penoso ou perigoso, ou a qualquer trabalho, se menor de 14 anos. Pena: 1 a 6 anos e multa. Parágrafo 1º: Se o trabalho infanto-juvenil for desenvolvido por estrita necessidade de subsistência da unidade familiar, no âmbito desta, o Juiz poderá deixar de aplicar a pena ou reduzi-la de um sexto a um terço»".
  32. Cfr. Glênio Sabbad Guedes, "O Direito Administrativo Sancionador e as infrações de perigo abstrata ― breves considerações", p.01, in http://www.bcb.gov.br/crsfn/doutrina/Artigo%20-%20Infra%C3%A7%C3%B5es%20 de%20perigo%20abstrato.pdf (acesso em 24.04.2005). O autor é procurador da Fazenda Nacional com assento no C.R.S.F.N.
  33. Di Pietro, op.cit., p.111 (grifos no original).
  34. Já por isso, DELMAS-MARTY MIREILLE lançou monografia em França, no ano de 1998, explorando precisamente esse aspecto (sob os pontos de vista histórico e constitucional, entre outros). Cfr. Delmas-Marty Mireille. Punir sans juger: de la repression administrative au Droit administratif penal, Paris, Economica, 1998, passim.
  35. Di Pietro, op.cit., p.111.
  36. Logo, nessa perspectiva, condenar o réu por fato à época não definido como crime fere tão mortalmente o due process of law como feriria condená-lo sem direito à defesa ou ao contraditório.
  37. O artigo 32º trata das "garantias do processo criminal" e a melhor doutrina entende que, em geral, as garantias previstas nos demais itens também se aplicam ao processo contra-ordenacional e aos processos sancionatórios em geral (e.g., presunção de inocência até o trânsito em julgado administrativo, direito de intervir no processo e nulidades das provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações ― itens 1, 7 e 8 do artigo 32º). Especificamente em matéria de contra-ordenações, o artigo 41º do Decreto-lei n. 491/85 manda que se apliquem ao processo contra-ordenacional, em caráter subsidiário, os preceitos reguladores do processo criminal.
  38. Álvaro Lopes-Cardoso, Estatuto dos Magistrados Judiciais Anotado, Coimbra, Almedina, 2000, p.77. No mesmo sentido, na doutrina brasileira, Glênio Sabbad Guedes, "Da responsabilidade subjetiva nos domínios do Direito Administrativo punitivo", in http://www.suigeneris.pro.br/direito_dadm_glenio.htm (acesso em 24.04.2005), in verbis: "Se afirmamos, logo no início, estarem os princípios do Direito Penal sendo aplicados no âmbito do Direito Administrativo Punitivo, de plano nos indagamos: não há responsabilidade objetiva no Direito Administrativo Punitivo? Ou, por outra, só se lhe deve falar de responsabilidade subjetiva? […] A resposta a essas perguntas há de ser categórica: sim, não há responsabilidade objetiva nesta área. Em outras palavras: culpa e dolo hão de integrar o tipo administrativo punitivo, em consonância, portanto, com nossa CF/88 e CP vigentes (o princípio da culpabilidade foi à evidência insculpido em nosso Códice Supremo em sede de infrações comportamentais). Mas, repita-se, o que a nosso pensar vem sendo objeto de confusões conceituais ou doutrinárias é o aspecto do ônus da prova. Que a culpa e o dolo sejam elementos ínsitos ao tipo administrativo, disso não há duvidar. Mas, a quem pertine ônus de provar-lhes a existência? […] Perfilha-se, nessa questão, o seguinte ponto de vista: comprovadas materialidade e autoria, por parte do agente fiscalizador ( ex.: Bacen, CVM e Agências Reguladoras), há presumir-se o dolo ― como também o entende a Justiça Criminal e, "a fortiori", há de entender a Administração Pública ― , e por igual a culpa, nas modalidades "in vigilando, in ommitendo aut in eligendo". E assim entendemos pelos motivos a seguir expostos : a. o combate ao ilícito administrativo tem por objetivo proteger os interesses da Administração Pública, punindo-se aqueles atos consistentes em embaraços ao desenvolvimento regular da ação administrativa, causadores de prejuízos à causa pública. Portanto, a pauta axiológica, continente dos bens maiores da Sociedade dá legitimidade ao entendimento suso exposto ; b. o próprio sistema legal, muitas vezes, veda a que a Administração Pública obtenha provas importantes para a prova do fato, como, v.g., o sigilo bancário ou fiscal, ou a proteção a intimidade. Daí a necessidade de inverter-se o ônus da prova, desde que satisfeitos os requisitos supra-expostos (materialidade e autoria); c. poderá o indiciado ou condenado continuar com o direito de provar não ser culpado, com a diferença de que, dessa vez, o ônus é seu, o dever de desincumbir-se da prova de inocência é seu, não da autoridade indiciante" (g.n.). Para uma perspectiva haurida dos quadros do Poder Judiciário, cfr. Edilson Pereira Nobre Júnior, "Sanções administrativas e princípios de Direito Penal", in http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina94.doc (acesso em 24.04.2005); o autor é juiz Federal e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN).Enfim, para uma abordagem monográfica do tema, confira-se, na Espanha (onde os princípios retores do Direito Administrativo sancionador constam do título IX da Ley n. 30/1992, já referida supra), a obra de Ángeles de Palma del Teso, El Principio de Culpabilidad en el Derecho Administrativo sancionador, Madrid, Tecnos, 1996, passim. O autor inverte o raciocínio aqui perfilhado e sustenta que o princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 24, 2, da Constitución espanhola) alcançaria também a prova do caráter doloso ou culposo dos fatos imputados no plano administrativo-penal.
  39. Teoria penal que situa o dolo e a culpa na esfera da culpabilidade (= culpabilidade psicológica). Com o advento da teoria final da ação, firmou-se o entendimento de que o dolo e a culpa são parte integrante da própria conduta humana, porque toda ação genuinamente humana é final (i.e., tem um planejamento e um objetivo consciente). Logo, o elemento subjetivo ― inclusive a consciência e a vontade da conduta ― radicou-se no fato típico, restando ao plano da culpabilidade a imputabilidade penal, a consciência da ilicitude e a exigibilidade da conduta diversa (= culpabilidade normativa).
  40. Donde o interesse de se legislar sobre a matéria, estabelecendo um programa de princípios e regras para a disciplina geral do Direito Administrativo sancionador, em todas as esferas (laboral, econômica, sanitária, viária, biogenética, consumerista, do serviço público etc.), como já se fez na Alemanha ou em Portugal (supra). Quanto à aplicação de princípios de Direito e Processo Penal aos processos disciplinares no serviço público (contrariando a tese de SOARES RIBEIRO apresentada supra, na nota n. 4), cfr. por todos, em Portugal, Álvaro Lopes-Cardoso (op.cit., pp.77-100), que é Juiz-Desembargador naquele país.
  41. Cfr., por todos, Di Pietro, op.cit., pp.182-183: "A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei. […] A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública". Acresça-se, aos atos administrativos citados (certidões, atestados etc.), os autos de infração.
  42. Cfr., por todos, Luiz Vicente Cernicchiaro, Paulo José da Costa Júnior, Direito Penal na Constituição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, pp.139-140 (escólio de Cernicchiaro).
  43. Loi 92-683, 22 juill. 92.
  44. Mutatis mutandi, foi essa precisa característica que "institucionalizou", na Polícia Judiciária brasileira (à qual este Autor pertenceu por alguns anos), a figura do "informante" (al-caguete).
  45. "Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura do auto de infração". Trata-se, pois, de poder-dever que, se não exercido, sujeita os auditores a penas disciplinares e, mais, à própria responsabilidade criminal (como, v.g., no caso de prevaricação).
  46. "As inspeções, sempre que necessário, serão efetuadas de forma imprevista, cercadas de todas as cautelas, na época e horários mais apropriados a sua eficácia". Veja-se que, se por um lado o preceito consagra o princípio da oficialidade (as inspeções são incertas e, por conseqüência, independem de provocação), por outro positiva uma mandado de surpresa que não se concebe na órbita penal e processual penal, senão excepcionalmente (e.g., nos contextos de criminalidade organizada e no chamado "Direito Penal do Inimigo") e também nos supostos da repressão penal extrajudicial (com as sutis distinções que a acompanham, como a diferença entre "flagrante esperado" e "flagrante preparado").
  47. João Soares Ribeiro, op.cit., p.156.
  48. "O infrator terá, para apresentar defesa, o prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento do auto".
  49. É importante dizê-lo porque, na esfera do Direito viário, o Código de Trânsito brasileiro (Lei 9.503/97) prevê apenas um recurso para o condutor ou proprietário do veículo (ou para o pedestre), sem que anteriormente à aplicação da penalidade se admita por expresso o exercício do direito de defesa ("defesa prévia", tal como se dava sob a égide do código anterior). Tal procedimento fere de morte a norma do artigo 5º, LV, da CRFB e, não por outra razão, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "a autoridade de trânsito, qualquer que seja a penalidade, antes do julgamento da consistência do auto de infração e da aplicação da penalidade, deverá notificar o ainda suposto infrator da existência do auto, para que ele ofereça a defesa" (STJ, Recurso Especial n. 466836, rel. Min. José Delgado, in www.stj.gov.br). Com efeito, as autoridades de fiscalização usualmente multam (i.e., penalizam) para depois notificar o infrator com vistas à "defesa". Absurdos como esse seriam coibidos se o Direito Administrativo sancionatório fosse objeto de uma lei-quadro de princípios e regras gerais, como já pontuamos supra (nota n. 40).
  50. "Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros". Ou seja: "quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência" (Di Pietro, op.cit., pp. 196 e 202).
  51. Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, São Paulo, Saraiva, 1984, pp.42-47.
  52. Op.cit., p.158.
  53. Op.cit., p.492: "é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência no serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutáriaa".
  54. Ao contrário, e.g., do caso português, em que há a pena de transferência, consoante artigos 88º e 93º da Lei n. 21/85 de 30 de julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), para o caso de "quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções".
Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 692, 24 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6755. Acesso em: 23 dez. 2024.

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