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Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador

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Com a EC nº 45, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para o processo e o julgamento das "ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho".

1. Introdução

Com a publicação da Emenda Constitucional n. 45/2004 em 31 de dezembro de 2004, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para o processo e o julgamento das "ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho" (artigo 114, VII, da CRFB). Com isso, toda a matéria correspondente, que antes estava afeita à competência da Justiça Federal comum (uma vez que a fiscalização das relações do trabalho é realizada pelos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho, donde o iminente interesse da União Federal), passa à competência da Justiça do Trabalho, independentemente de qualquer alteração no artigo 109, I, da CRFB (haja vista a ressalva no final do inciso) [1].

Essa novidade aparentemente singela traz consigo um arcabouço temático esplêndido, que a Magistratura do Trabalho deverá redescobrir e realinhar nos anos vindouros, carreando-lhe as suas idiossincrasias e reconstruindo-o à sua imagem. Com toda certeza, a sua construção prudencial da matéria não será a mesma esboçada pelos juízes federais, até mesmo porque a nova especialidade tende a expandir, no primeiro momento, a litigiosidade imanente ao setor. Deve-se esperar, por isso, uma demanda crescente de jurisdicionados questionando a legalidade e/ou a legitimidade de sanções administrativas impostas pela autoridade fiscal do trabalho, que provavelmente se estabilizará em alguns anos.

A esse arcabouço positivo e juscientífico a doutrina estrangeira tem denominado "Direito Administrativo Sancionador" [2] (expressão que preferimos), ou "Direito Administrativo Penal" [3], ou ainda "Direito de Mera Ordenação Social" [4]. Trata-se de uma especialidade do Direito Administrativo particularmente próxima ao Direito Penal, a ponto de importar-lhe alguns elementos, como também ao Direito Processual Penal ― e, já por isso, merece cuidados mais atentos de seu operador como de seu intérprete.

Mas disso trataremos em seguida, após situarmos a questão constitucional e a sua melhor exegese. Voilà.


2. A interpretação do artigo 114, VII, da CRFB: breves considerações

Dentre os autores nacionais que discorreram a propósito da novel competência para a matéria administrativo-penal, talvez o melhor escólio seja ainda o de JOÃO ORESTE DALAZEN (que outrora desbastara o tema da competência material da Justiça do Trabalho em obra-referência da literatura nacional) [5]. Para o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, trata-se de uma das mais importantes inovações introduzidas pela EC n. 45/2004, pois atraiu para o âmbito competencial da Justiça do Trabalho um conjunto importante de lides conexas às derivadas da relação de emprego, que

advém do desrespeito à legislação trabalhista, sob cuja ótica precipuamente será solucionada. Assim, não havia mesmo razão alguma para escapar à órbita da jurisdição especializada trabalhista.

O mandamento constitucional em foco rompe com tradicional entendimento sufragado pela jurisprudência consistente em atribuir tais causas à esfera da Justiça Federal [6]. Doravante, malgrado figura a União em um dos pólos da relação processual, a lide é da competência material da Justiça do Trabalho [7].

Também DALLEGRAVE NETO enalteceu a mudança, já que a competência da Justiça Federal comum para essas questões

era incompreensível, sendo mais razoável atrair essa matéria para a esfera da Justiça do Trabalho, sobretudo porque tais penalidades estão previstas na CLT e se manifestam no descumprimento de normas cogentes incidentes sobre a relação de emprego. Não se pode negar que o juiz federal do trabalho (justiça especializada) se encontra mais habilitado a examinar a correta atuação e aplicação de multas trabalhistas por parte do MTE, se comparado com o juiz federal ordinário. […] Haverá salutar e necessária uniformização hermenêutica da norma trabalhista descumprida tanto para os efeitos da sentença condenatória em prol do trabalhador, quanto para os efeitos de incidência de multas administrativas [8].

Para DALAZEN, a competência em questão existe para qualquer ação, seja ela a execução de título extrajudicial proposta pela Fazenda Pública federal, seja ela a demanda ajuizada pelo empregador para invalidar a sanção administrativa que lhe haja infligido a fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho. Ao mais, não havendo norma expressa que atribua aos Tribunais Regionais do Trabalho a competência originária para o processo e julgamento de mandados de segurança, também eles, quando impetrados contra ato de autoridade fiscal do trabalho, sujeitam-se agora às regras gerais de competência funcional e devem correr perante as Varas do Trabalho [9], nos termos do artigo 114, VII, da CRFB c.c. artigo 2º da Lei 1.533/51, cabendo recurso ― inclusive de ofício (reexame obrigatório), se concedido o writ ― para os Tribunais Regionais (artigo 12, caput e par. único, da Lei 1.533/51).

À mercê dessas ilações, convém desde logo desenvolver duas idéias e pontuar uma crítica.

A uma, convém observar que a nova competência faz soçobrar por inteiro a tese, há pouco dominante, da incompetência das Varas do Trabalho para o conhecimento de ações de mandado de segurança em primeira instância (ao argumento de que os atos perpetrados por empregadores públicos em detrimento de direitos líqüidos e certos de seus empregados seriam atos de gestão, baseados no contrato, e não atos de império, baseados na potestade pública). Sem ferir o mérito da tese a se (à qual nunca acedemos) [10], o fato é que a EC n. 45/2004 trouxe para a Justiça do Trabalho uma casuística diversa, rica e multiforme, apta a desafiar episodicamente a impetração de mandado de segurança contra ato de autoridade de fiscalização laboral (auditores-fiscais do trabalho e, no limite, a própria Delegacia ou Subdelegacia Regional do Trabalho). Tal será, por exemplo, o caso de uma interdição administrativa de estabelecimento por suposto risco grave e iminente aos trabalhadores do local (artigo 161, caput, da CLT), levada a cabo pelo delegado regional do trabalho à míngua de laudo técnico do serviço competente: à vista do que dispõem os artigos 5º, XXII e 170, caput e inciso II, da CRFB, e em face dos condicionamentos do próprio artigo 161 da CLT, a aparente lesão atual a direitos líquidos e certos do empregador (o direito de propriedade e o direito de empresa), com ferimento da legalidade, autorizará a impetração da segurança, cabendo ao juiz do Trabalho decidir in concreto, na perspectiva do princípio da proporcionalidade [11]. Diga-se que, em tais casos, o réu (= legitimado passivo) será a UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, e não a autoridade coatora a quem incumbirá prestar as informações e cumprir o mandamus [12]. O rito, por outro lado, será o sumaríssimo da Lei 1.533, de 31.12.1951, com remissão subsidiária ao Código de Processo Civil (interpretação extensiva do artigo 18 da Lei 1.533/51) e não à Consolidação das Leis do Trabalho. Ao mais, nos termos do artigo 17, caput, os processos de mandado de segurança terão prioridade sobre todos os outros atos judiciais, exceto habeas corpus (ou, em primeira instância, alvarás de soltura), cabendo observar o prazo de vinte e quatro horas para a conclusão do processo, com vistas ao disposto no artigo 7º (notificação do indigitado coator e concessão liminar do writ), a contar da distribuição do feito (artigo 17, par. único).

A duas, assiste inteira razão a DALAZEN quando ressalta a competência da Justiça do Trabalho para a execução dos títulos extrajudiciais derivados da atividade fiscal do Ministério do Trabalho. Com efeito, as execuções têm indiscutível natureza de ação, à luz da teoria geral do processo; logo, nada justifica que sejam alijadas do conceito complessivo encerrado na expressão "ações relativas às penalidades administrativas". Entre as penalidades previstas na legislação brasileira, as multas aplicadas pelos delegados regionais do trabalho (artigos 48 e 634, caput, da CLT) são as mais recorrentes, disseminando-se por toda a Consolidação das Leis do Trabalho, desde o artigo 47 até os artigos 626 a 642, que disciplinam o processo das multas administrativas. Nos termos do artigo 642 da CLT, a cobrança judicial dessas multas obedecerá ao disposto na legislação aplicável à cobrança da dívida ativa da União (i.e., Lei 6.830/80), "sendo promovida, no Distrito Federal e nas capitais dos Estados em que funcionarem Tribunais Regionais do Trabalho, pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, e, nas demais localidades, pelo Ministério Público Estadual, nos termos do Dec.-lei 960, de 17 de dezembro de 1938". Ocorre, porém, que os órgãos do Ministério Público do Trabalho ― e tanto menos os dos Ministérios Públicos Estaduais ― já não exercem, no dia-a-dia, essa função executiva, até mesmo porque a atividade fiscal estava absolutamente dissociada de seus ambientes de atuação (respectivamente, a Justiça do Trabalho e as Justiças estaduais). A execução ocorria na Justiça Federal e, por conseguinte, era promovida pela Procuradoria da Fazenda Nacional [13]. Agora, a questão reaviva-se: tratando-se de débito inscrito na dívida ativa da União, é inegável a legitimidade ativa da Procuradoria da Fazenda Nacional; mas, à mercê do teor do artigo 642 da CLT (ainda em vigor), tampouco se pode negar legitimidade ao Ministério Público do Trabalho e aos próprios Ministérios Públicos estaduais. A nosso ver, há uma legitimidade concorrente (que, na verdade, sempre existiu, já que a Procuradoria da Fazenda Nacional foi criada em 1850, pelo Decreto n. 736, e depois reorganizada em 1934, pelo Decreto n. 24.036), que se resolverá bem, caso as Procuradorias Regionais do Trabalho exerçam, por seus procuradores, a "competência" dada pelo artigo 746, "g", da CLT [14], nas sedes de Tribunais Regionais do Trabalho, e a Procuradoria da Fazenda Nacional continue a fazê-lo nas demais localidades, onde o Ministério Público do Trabalho não está instalado e os Ministérios Públicos Estaduais são tendencialmente refratários.

Quanto à crítica, de fundo sistemático, diz respeito ao fato de que a nova competência cinge-se às penalidades oriundas do desrespeito à legislação trabalhista stricto sensu [15], i.e., às penalidades impostas ao empregador. Não cabe discutir essa tese, porque ― insista-se ― não é sequer tese, mas fato: a EC n. 45/2004 não deixou margem a dúvidas quando outorgou à Justiça do Trabalho competência para as causas relativas às sanções administrativas impostas ao empregador, e tão-só a ele, pelos órgão de fiscalização laboral.

Nada obstante, e em inexplicável dissonância, o novel artigo 114, I, da CRFB fia-se em uma acepção ampla de "relação de trabalho", que a doutrina unânime reconhece não se ater à relação de trabalho subordinado. Antes, alcança o trabalho eventual, o trabalho autônomo, o trabalho liberal e o trabalho gracioso, desde que presentes certos pressupostos [16]. Ora, também essas formas de trabalho sujeitam-se à fiscalização, uma vez que o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho tem por finalidade assegurar, em todo território nacional, a aplicação das disposições legais, internacionais (ratificadas), administrativas e convencionais (convenções, acordos e contratos coletivos) relativas à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral (artigo 1º do Regulamento da Inspeção do Trabalho) [17], sem distinções. Evidentemente, finalidade tão ambiciosa, que diz com a própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CRFB), não se reduz à hipótese do trabalho subordinado. Assim, e.g., certo hospital poderá ser autuado pela fiscalização do trabalho se não garantir aos profissionais liberais que ali atuam condições mínimas de higiene e salubridade (a par da fiscalização sanitária, que haverá de ser igualmente acionada); da mesma forma, uma empresa tomadora de serviços pode ser autuada pelas péssimas condições de trabalho proporcionadas aos prestadores de serviço que se ativam no local sem vínculo de subordinação (e.g., trabalhadores temporários ou prestadores-cooperadores ― sem prejuízo da multa que porventura se aplique ao fornecedor de mão-de-obra). E não é outra a conclusão derivada da interpretação sistemática do Regulamento da Inspeção do Trabalho. Se não, vejamos:

(a) o artigo 9º estabelece que a inspeção do trabalho será promovida em todas as empresas, estabelecimentos e locais de trabalho, públicos ou privados, estendendo-se aos profissionais liberais e instituições sem fins lucrativos, bem como às embarcações estrangeiras em águas territoriais brasileiras;

(b) o artigo 14 sujeita à fiscalização não apenas os empregadores, mas também os tomadores e intermediadores de serviços, empresas, instituições, associações, órgãos e entidades de qualquer natureza ou finalidade, estando todos obrigados a franquear, ao auditor-fiscal do trabalho, o acesso aos respectivos estabelecimentos, dependências e locais de trabalho, bem como a exibir os documentos e materiais requisitados para fins de inspeção;

(c) o artigo 18, I, diz competir aos auditores-fiscais do trabalho, em todo o território nacional, verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, "no âmbito das relações de trabalho e de emprego".

Ora, é por isso inapelável, mormente à vista da menção dicotômica do artigo 18, I, do Regulamento, que para haver inspeção do trabalho basta ocorrer trabalho humano, i.e., atividade produtiva valorizada a se [18]. Nem poderia ser diferente: do ponto de vista substancial, dizer o contrário seria restringir a tutela pública da integridade humana (física e moral) aos trabalhadores subordinados sob regência celetária; e, do ponto de vista operacional, seria deixar em suspenso a legitimidade in tese da inspeção laboral até que houvesse manifestação do Poder Judiciário acerca da natureza empregatícia de relações jurídico-laborais sob controvérsia ontológica.

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Tudo isso entendido, conclui-se que ― conquanto mais raramente, em face da acentuada vulnerabilidade ínsita aos regimes de subordinação direta ― poderão resultar, da fiscalização ordinária, penalidades administrativas a terceiros não-empregadores: ao tomador de serviços, ao intermediador de serviços, às associações (e.g., as genuínas cooperativas) [19] e, para mais, a "órgãos ou entidades de qualquer natureza ou finalidade" (artigo 14). Seria de se esperar que a expressão "relações de trabalho", inscrita no inciso VII do artigo 114, tivesse os mesmos sentido e alcance adquiridos no inciso I, de molde a atrair para a Justiça do Trabalho as ações relativas a todas aquelas penalidades. Mas não foi assim. Em todos esses casos (terceiros não-empregadores), conquanto se trate de fiscalização do cumprimento de disposições internacionais, legais, regulamentares e/ou convencionais de proteção de trabalhadores, as ações relativas às sanções administrativo-laborais continuarão a ser da competência da Justiça Federal. No caso do inciso I, vale a máxima latina ― "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus". Já nesta espécie (inciso VII), houve clara e irretorquível distinção.


3. O Direito Administrativo Sancionador. Princípios retores

Quanto se cuida de litígios relativos às penalidades (sanções) impostas pelo Estado-Administração a pessoas físicas ou jurídicas, cuida-se de Direito Administrativo Sancionador.

O Direito Administrativo Sancionador pode ser definitivo como o sub-ramo do Direito Administrativo que enfoca, regula e estuda o exercício da potestade sancionatória administrativa pelo Estado-Administração, e bem assim os seus princípios, institutos e procedimentos. Como antecipado (tópico 1), não tem autonomia, inserindo-se nos quadros do Direito Administrativo; nesse âmbito, todavia, aproxima-se sobremodo do Direito Penal, com o qual faz divisas não raro tênues (como, e.g., em matéria de responsabilidade penal [?] de pessoas jurídicas) [20]. Neste, porém, é o Estado-Juiz quem exerce a potestade sancionatória penal.

Nessas bases, doutrina e jurisprudência alienígenas buscaram discrepar, com alguma segurança, o Direito Penal do Direito Administrativo Sancionador. Entre tantos escólios nesse sentido, convém reproduzir, pela importância institucional, pela relativa identidade geopolítica e também pela concisão científica, julgado célebre do Tribunal Supremo de Justicia da Venezuela, dado em março de 2001 (já sob a égide da Constitución de 1999), que naquelas plagas resolveu em definitivo o dilema. Na oportunidade, decidiu o Tribunal que

el criterio sostenido por la jurisprudencia patria asume la tesis de la dualidad del ejercicio del ius puniendi del Estado, estableciendo como elemento diferenciador el telos perseguido por una u otra manifestación de la potestad punitiva.

Así las cosas, observa esta Sala que según el criterio establecido, la potestad punitiva del Estado corresponde al campo de estudio y aplicación del Derecho Penal, cuando la conducta antijurídica haya sido catalogada como tal, siendo necesario castigar dichas conductas a los efectos de mantener la paz social, como única herramienta para la consecución del bien común. Es justamente por esta razón que el castigo tradicionalmente y generalmente aplicado es la pena de privación de libertad.

De otra parte, el objeto de estudio y aplicación del Derecho Administrativo Sancionador, es el ejercicio de la potestad punitiva realizada por los órganos del Poder Público actuando en función administrativa, requerida a los fines de hacer ejecutables sus competencias de índole administrativo, que le han sido conferidas para garantizar el objeto de utilidad general de la actividad pública [21].

Com isso, a Corte suprema venezuelana filiou-se à tese da distinção qualitativa entre os ilícitos administrativos e os ilícitos penais. A construção dessa tese deve-se ao alemão EBERHARD SCHMIDT que, baseado nos estudos de GOLDSCHMIDT, procurou harmonizar, no pós-guerra, a intervenção conformadora do Estado (indispensável para a tarefa de reconstrução nacional da Alemanha ocidental) e o respeito pelo cidadão e pelos direitos humanos (à mercê do estigma impingido pelos horrores do nazismo) [22]. Nesse diapasão, identificaram-se quatro diferenças qualitativas, duas de primeira ordem (as primeiras na seqüência) e outras duas secundárias. Quanto ao bem jurídico, ponderou-se que os ilícitos penais lesam ou põem em perigo bens jurídicos fundamentais de dignidade constitucional, enquanto os ilícitos administrativos constituem pura desobediência a comandos da Administração e, quando muito, são infrações de perigo abstrato (daí a crítica aos crimes de perigo abstrato e a paulatina despenalização das contravenções penais, passando a ilícitos de mera ordenação social, como se viu na Alemanha ― com a Gesetz über Ordnungswidrigkeiten [23] ―, em Portugal ― Decreto-lei n. 232/79 e, depois, Decreto-lei n. 433/82 [24] ― e também em outros países) [25] [26]. Quanto à ressonância ética, o ilícito penal é eticamente desvalorado (= desvalor da ação), enquanto o ilícito contra-ordenacional ou administrativo é eticamente neutro ou indiferente (o que converge, na doutrina brasileira, para o pensamento de que a mera omissão negligente de anotar a CTPS ― que é infração administrativa, ut artigo 47 da CLT ― não faz do empregador um criminoso) [27]. Quanto à culpabilidade, ela se dirige, no ilícito penal, ao íntimo de cada agente, para ali encontrar a consciência da ilicitude (atual ou potencial), assumindo foros estigmatizantes; já no ilícito administrativo, há tão-só um juízo de mera censura social, presumindo-se consabida a ilicitude da conduta. Enfim, quanto à sanção, entre os ilícitos penais trata-se de uma pena, que tem sentido expiatório e ressocializador; no ilícito administrativo, não há pena stricto sensu, mas ato de coerção administrativa sem função ressocializadora [28].

De outra parte, há os que sustentam que a diferença entre os ilícitos administrativos e os ilícitos penais é de mera intensidade (distinção quantitativa), assim como, entre os ilícitos penais, discrepam em intensidade o crime e a contravenção penal (que NELSON HUNGRIA chamava de "crime-anão"). Nesse sentido, HANS WELZEL sustentava haver uma linha contínua de ilicitude material que é mais forte no âmbito do Direito Penal e vai se tornando progressivamente mais fraca fora dele; mas é ainda no curso dessa linha que se situa o Direito Administrativo sancionador. Na mesma ensancha, HELMUTH MAYER e LANG HINRICHSEN sustentaram, em crítica à tese anterior, que há realmente infrações administrativas ético-socialmente neutras, como outras existem que são providas de claro desvalor ético-social (imagine-se, e.g., o descumprimento patronal contumaz das normas de segurança do trabalho) [29], de modo que, à mercê de uma tal heterogeneidade, a distinção não poderia ser de substância, mas de intensidade [30].

Filiamo-nos a essa segunda orientação. Não raro, distinguir ontologicamente entre uma infração penal e uma infração administrativa é obra fictícia, porque as opções legislativas são feitas em contextos históricos e socioeconômicos diversos. Assim, enquanto a contratação de empregados menores de dezesseis anos é mera infração administrativa (artigo 403 c.c. artigo 434 da CLT), distribuir ornamento que utilize a cruz gamada para fins de divulgação do nazismo é crime inafiançável punido com reclusão de dois a cinco anos (artigo 20, §1º, da 7.716/89, na redação da Lei 9.459/97) ― e, no entanto, queremos crer que o desvalor ético-social da primeira conduta supere em boa medida o dessa última [31]. Ademais, em matéria de contra-ordenações laborais o certo é que, em regra, a infração administrativa traz consigo forte carga de desvalor ético, já que afeta direta ou indiretamente a dignidade da pessoa humana trabalhadora. Logo, a diferença entre o ilícito administrativo e o ilícito penal decerto não é, sobretudo em matéria juslaboral, de substância ou ontológica; mas de mera intensidade ("quantidade"), variando ao sabor da consciência coletiva e dos arroubos políticos.

E, já por isso, torna-se fácil apreender aquela proximidade básica entre o Direito Administrativo sancionador ― especialmente o laboral ― e o Direito Penal. Aproximação que, por sua vez, tem conseqüências inevitáveis, no plano substancial e no plano procedimental. Para percebê-las, porém, importa encontrar o que afinal deriva daquela diferença meramente "quantitativa" entre o ilícito penal e o ilícito administrativo.

Como bem obtempera SABBAD SOARES, o Direito Administrativo sancionador distingue-se do Direito Penal, em termos práticos, por três aspectos: (a) a culpa é de rigor, e não o dolo (i.e., a culpa não precisa vir expressa no tipo, diversamente do que ocorre no Direito Penal, ut artigo 18, par. único, do CP); (b) o Direito Administrativo sancionador é um Direito sumamente preventivo e não preventivo-repressivo, como é o Direito Penal; e (c) prevalece, no campo de ação do Direito Administrativo sancionador, os ilícitos de perigo abstrato e ― acresça-se ― os de mera desobediência [32]. A par disso, aduza-se ainda que os tipos administrativos são, de regra, mais abertos que os tipos penais estritos, que vazam normas penais incriminadoras (e, no entanto, ainda assim são ― ou devem ser ― tipos). Quanto ao mais, porém, o Direito Administrativo sancionador segue as linhas gerais do Direito Penal, mesmo porque, a rigor,

a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente (como, por exemplo, proibindo o porte de arma ou a direção de veículos automotores), como pode agir repressivamente (a exemplo do que ocorre quando apreende a arma usada indevidamente ou a licença do motorista infrator). No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade; nesse sentido, é certo dizer que a polícia administrativa é preventiva [33].

Daí que, ao cabo e ao fim, a diferença fundamental é de caráter funcional (a polícia administrativa é exercida por meio de atos administrativos dotados de auto-executoriedade, enquanto a repressão penal pressupõe a movimentação da máquina judiciária) [34] e se percebe mais vivamente no que diz com os respectivos âmbitos de incidência: a primeira se rege pelo Direito Administrativo e incide sobre bens, direitos ou atividades, enquanto a segunda sujeita-se ao regramento do Direito Processual Penal e incide diretamente sobre pessoas [35].

Nada obstante, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, qualquer privação ou constrangimento, num e noutro caso, pressupõe garantias mínimas em favor do cidadão. Com efeito, o inciso LIV do artigo 5º da CRFB dispõe que "ninguém será privado da liberdade [pessoas] ou de seus bens [bens, direitos, atividades] sem o devido processo legal", enquanto o inciso LV do mesmo preceito estabelece que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (g.n.). Da leitura conjunta dos dois dispositivos extrai-se que há, também na órbita administrativa, o direito fundamental ao devido processo administrativo. Note-se que, na perspectiva do Direito anglo-saxônico (de onde é originária), a expressão "due processo f law" não abrange apenas as garantias processuais do cidadão, mas também os pressupostos materiais que conferem legitimidade à atividade potestativa do Estado [36]. Com essa visão, haveremos de tratar indiscriminadamente, doravante, os princípios de Direito e de Processo Penal que são importados pelo Direito Administrativo penal.

A exigência do devido processo administrativo (substantivo e adjetivo) é tanto mais verdadeira quando se trate de Direito Administrativo sancionador ("acusados em geral"), a ponto de, p. ex., a Constituição portuguesa ter equiparado esse sub-ramo do Direito Administrativo, para certos efeitos processuais, ao próprio processo penal (artigo 32º, 10, da Constituição da República Portuguesa). Veja-se:

Nos processo de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa [37].

Dada essa premissa constitucional, que não é menos verdadeira no Brasil (se bem que menos explícita e muito menos explorada), compreende-se, em boa doutrina, que

Existe uma [relativa] identidade de princípios do Direito Penal e do Direito Administrativo Sancionador. Como corolário dessa identidade de princípios deriva a exigência de um elemento subjectivo na infracção administrativa, o que implica que a reprovação que a sanção representa só será procedente quando a conduta tipificada possa ser atribuída ao autor, a título de dolo ou culpa [38].

Essa é a primeira ilação relevante para a nossa abordagem: o princípio da responsabilidade subjetiva ― chamado "princípio da culpabilidade" nas construções fiéis à teoria causal-naturalista da ação [39] tem aplicação mitigada no âmbito do Direito Administrativo sancionador. Ainda que não se exija, em matéria administrativo-penal, que a Administração prove o dolo ou a culpa do cidadão, é fato que o elemento subjetivo é imprescindível para a punibilidade da conduta, porque não há consagração legal, nessa espécie, da responsabilidade objetiva do indigitado infrator (sendo ab ovo inaplicável a regra do artigo 927, par. único, do NCC, porque não se trata de responsabilidade civil stricto sensu, mas de responsabilidade administrativa) [40]. Isso significa que a autuação administrativa gera uma praesumptio juris tantum de culpa lata, à vista do princípio da presunção de veracidade e de legitimidade dos atos administrativos [41]. Nada obstante, é dado ao indigitado infrator, em ação desconstitutiva (anulatória) ou declaratória de nulidade, fazer a prova de que os atos ou omissões deveram-se ao caso fortuito, à força maior, à culpa da "vítima" ou à culpa de terceiro (assim, e.g., o empregador rural poderá demonstrar, para os fins do artigo 18, caput, da Lei 5.889/73, que não conservou em funcionamento a escola primária a que se refere o artigo 16 porque todos os professores se recusaram ao comparecimento, em face das dificuldades de acesso agravadas pelas chuvas torrenciais). Note-se, porém, que a presunção de culpa alcança as diversas modalidades da culpa (inclusive a culpa in omittendo, in vigilando e in eligendo), de modo que não bastará provar que a infração foi materialmente praticada por um empregado ou preposto, à revelia do empregador; ter-se-á de demonstrar, igualmente, que a conduta desatinada contrariou qualquer expectativa razoável e se esquivou sintomaticamente das ações ordinárias de fiscalização do proprietário (como, e.g., nos casos em que o gerente ou administrador age com a intenção deliberada de prejudicar o empregador).

No Brasil, a legislação dá indícios veementes da subjetivação da responsabilidade administrativa na matéria laboral, no sentido psicológico (atitude íntima) e no sentido social (reprovabilidade social in concreto ― que é, a rigor, o sentido da culpabilidade normativa no Direiro Penal). O artigo 5º da Lei 7.855/89, que "altera a Consolidação das Leis do Trabalho, atualiza os valores das multas trabalhistas, amplia sua aplicação, institui o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, e dá outras providências", já o revela: as multas previstas na legislação trabalhista serão agravadas até o grau máximo nos casos de artifício, ardil, simulação, desacato, embaraço ou resistência à ação fiscal (= comportamentos indiciários da consciência atual do ilícito e da predisposição em infringir a lei) e, por outro lado, levar-se-á em conta, "além das circunstâncias atenuantes ou agravantes", a situação econômico-financeira do infrator e os meios a seu alcance para cumprir a lei (i.e., o índice objetivo e subjetivo da exigibilidade da conduta diversa). Da mesma forma, o artigo 3º, caput, prevê a dobra da multa em caso de reincidência, que é igualmente indiciária de maior culpabilidade. É o que se vê, enfim, no artigo 2º da Portaria n. 290, de 11.04.1997, do Ministério do Trabalho ("Aprova normas para a imposição de multas administrativas previstas na legislação trabalhista"), que estabelece a graduação das multas por intermédio de vários critérios individualizadores da responsabilidade, entre os quais a "intenção do infrator" (inciso II), ut artigos 75, caput, e 351, caput, da CLT.

Diante das constatações do parágrafo anterior, termina-se por concluir que, para além do princípio da responsabilidade subjetiva, o Direito Administrativo sancionador brasileiro ainda incorporou, em matéria laboral ― se bem que de forma mitigada ―, o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da culpabilidade, no que diz com a pessoa física infratora. Esses são princípios penais que a doutrina usualmente deriva dos incisos XLV e XLVI da CRFB [42].

No caso de pessoas jurídicas, a responsabilidade subjetiva afere-se "par ricochet", consoante a construção francesa para o artigo 121-2 do Code pénal [43]. Nessa esteira, tal responsabilidade pressupõe que a infração seja cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu preposto, ou do seu órgão colegiado, em nome da entidade, no seu interesse e/ou em seu benefício (aplicação analógica e extensiva do artigo 3º, caput, da Lei 9.605/98). Dando-se o fortuito, a força maior ou a culpa da "vítima" ou de terceiros (excluídos desse conceito os representantes, os prepostos e os órgãos de gestão, que são "parte" da pessoa jurídica), exime-se a pessoa jurídica de responsabilidade administrativa; mas o ônus da prova é sempre da pessoa jurídica. Em suma, tudo o que se disse até aqui apura-se em relação aos braços humanos da empresa (exceto no que for objetivo, como p. ex. a reincidência, que pode ser apurada objetivamente, independentemente da persecução do dado subjetivo-psicológico). Nada obsta, outrossim, que a lei ordinária crie hipóteses de responsabilidade objetiva da empresa em matéria administrativo-penal. Para tanto, contudo, deverá dizê-lo expressamente.

Mas não é apenas o princípio da responsabilidade subjetiva que é atraído para a seara do Direito Administrativo sancionador. Outros também o são ― vários oriundos do Direito Processual Penal e outros tantos do Direito Penal. Passemos à menção daqueles mais relevantes (referindo, quando o caso, a legislação das inspeções laborais).

O princípio da oficialidade é certamente aplicável. O processo administrativo inicia-se oficiosamente, com a participação das autoridades policiais ou de fiscalização, de ofício ou mediante denúncia particular, que sequer necessita ser identificada. Não há, portanto, qualquer vício na autuação fundada em "denúncia anônima", visto como a autoridade pode agir de ofício [44]. Em Portugal, essa característica decorre do teor dos artigos 33º e 54º do Decreto-lei 433/85. No Brasil, em matéria de inspeção laboral (à falta de uma legislação geral que planifique o Direito Administrativo sancionador), a oficialidade deflui da interpretação conjugada dos artigos 628, caput, da CLT [45] e 15 do Regulamento da Inspeção do Trabalho [46], entre outros.

O princípio da oficialidade ainda se particulariza, no curso do procedimento, como princípio do impulso obrigatório, tal qual se lê no artigo 629, §2º, da CLT:

Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.

Com amparo nesse preceito, o Ministério Público do Trabalho poderá questionar, em juízo, a abrupta interrupção de um processo administrativo infracional instaurado em face de certo empregador, colimando instar a autoridade fiscal a prosseguir com a apuração administrativa (provimento mandamental) e apurar responsabilidades funcionais na esfera civil (provimento condenatório). Fá-lo-á mediante ação civil pública, nos termos dos artigos 1º, IV, e 11 da Lei 7.347/85; e, para ambas as pretensões, será competente a Justiça do Trabalho, ex vi do artigo 114, VII, da CRFB.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa também aparece no imo do Direito Administrativo sancionador ― entre nós, quiçá com maior visibilidade que todos os outros, em face da norma disposta no artigo 5º, LV, da CRFB. Corresponde

ao mais elementar direito que assiste a qualquer arguido, que é o de confrontar a acusação com a posição que ele assume relativamente a cada facto, a possibilidade de questionar toda e qualquer diligência que possa pôr em causa a presunção de inocência de que beneficia até à condenação transitada em julgado [47].

O exercício desse direito pressupõe, em bom Direito, os corolários da audiência e da defesa. Como vimos, a Constituição portuguesa os garante ― inclusive o direito de audiência ― mesmo em matéria administrativo-penal. E é o que se passa entre nós, no campo das infrações administrativo-laborais, embora de modo menos categórico: o direito de defesa consta do artigo 629, §3º, da CLT [48], precedendo a imposição da penalidade (como é de rigor) [49], enquanto o direito de audiência decorre do artigo 632 da CLT, o qual garante que

Poderá o autuado requerer a audiência de testemunhas e as diligências que lhe parecerem necessárias à elucidação do processo, cabendo, porém, à autoridade julgar da necessidade de tais provas.

Admitir o direito de realizar provas orais significa admitir a fortiori o direito de audiência, porque é nela que as provas orais serão produzidas. E, é claro, de tudo lavrar-se-á ata circunstanciada, não sendo lícito deixar de consignar a tese e a versão do indigitado infrator, caso acresçam àquilo que já constou da peça de defesa. É importante observar que a prerrogativa de "julgar da necessidade" das provas não é discricionária, mas vinculada: a autoridade administrativa deve motivar o indeferimento (e.g., propósito protelatório ou chicana) e, em o fazendo, condiciona a legalidade do ato administrativo à veracidade dos motivos (teoria dos motivos determinantes) [50].

Nesse diapasão, imposta a penalidade sem que ao indigitado infrator se tenha o exercício adequado do direito de defesa (se, e.g., por culpa alheia não lhe chegar às mãos o auto de infração, quando enviado por meio postal ― artigo 629, caput, in fine, da CLT), ou sem que lhe tenha sido concedido o direito de audiência (se, e.g., as provas testemunhais não eram protelatórias, mas a autoridade as indeferiu por esse motivo), o ato administrativo punitivo é nulo de pleno direito, por afrontar norma constitucional (artigo 5º, LV, da CRFB) e conseqüentemente violar regra fundamental atinente à forma do procedimento, que é de obediência indispensável pela sua natureza e pelo interesse público que a inspira [51]. A ação declaratória da nulidade, que se julgará procedente, tramitará pela Justiça do Trabalho (artigo 114, VII, da CRFB).

É esse mesmo artigo 632 da CLT que demonstra se aplicar ao Direito Administrativo sancionatório, em seara laboral, o princípio da investigação ou da verdade material. Daí se autorizar ao indigitado infrator a produção de provas que seriam impensáveis numa concepção arcaica de processo administrativo infracional. É evidente que à autoridade administrativa não compete produzir provas da inocência do indigitado; não pode, porém, negar-se às diligências que efetivamente contribuam à elucidação dos fatos, sob pena de comprometer a legalidade e a legitimidade de um futuro ato administrativo punitivo. Na dicção de SOARES RIBEIRO, que parece servir para o Direito nacional,

Naturalmente que é o princípio da verdade material o que tem aplicação no campo do direito de mera ordenação como, de resto, no direito processual penal, onde de nada valerá uma rigorosa e impecável interpretação e aplicação dos preceitos legais se previamente não tiverem sido devidamente apurados os factos materiais a que elas têm de se subsumir [52].

Enfim, do Direito Penal proviria, ainda, o princípio da tipicidade, de modo a não permitir o exercício absolutamente discricionário da potestade sancionatória administrativa. Trata-se, porém, de um princípio de tipicidade relativa, já que não se justifica, pelo âmbito de incidência do Direito Administrativo sancionador (bens, direitos e atividades), aplicar à hipótese o princípio da fragmentariedade, tão caro ao Direito Penal. Ademais, a existência desse princípio é contestada em alguns nichos, como p. ex. no Direito Administrativo disciplinar (em cujos lindes DI PIETRO advoga, ao contrário, um "princípio da atipicidade") [53]. Isso não nos parece verdadeiro, notadamente quanto à penalidade em si mesma: não pode a autoridade administrativa criar uma penalidade, ao alvedrio da lei, e tanto menos poderá fazê-lo em matéria disciplinar (e.g., transferir um juiz não-vitalício como efeito de punição, conquanto a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não preveja, entre as sanções aplicáveis, a penalidade de transferência) [54]. Isso significa que viceja, in casu, o princípio "nulla poena sine lege". Deixamos, porém, essa discussão para outro estudo, face às restrições de espaço.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 692, 24 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6755. Acesso em: 23 dez. 2024.

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