6 DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO
A Reforma Trabalhista que entrou em vigor no dia 11 de Novembro de 2017, trouxe muitas mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro. Dentre elas, algumas provocam limitações ou, pelo menos, embaraços ao acesso à justiça.
O livre acesso à justiça é um direito fundamental, que tem previsão expressa na Constituição Federal – artigo 5ª, XXXV; bem como nas declarações internacionais de Direitos Humanos. O retro mencionado artigo constitucional aduz que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n)
De igual forma, o Código de Processo Civil repete a redação do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição em seu artigo 3º, fomentando a importância do referido dispositivo.
Com relação a esta questão, os Tribunais pátrios vêm entendendo da seguinte forma:
O princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) não se limita ao acesso à Justiça ou direito à ordem jurídica justa, compreende também a garantia da duração razoável para a satisfação da pretensão processual (CF, art. 5º, LXXVIII, CPC/15, art. 4º) e, para que se obtenha o resultado útil do processo, podem ser expedidas ao poder público ordens cominatórias com pena de multas para o seu cumprimento em prazo razoável. (TJMG - Remessa Necessária-Cv 10479160132847001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/0017, publicação da súmula em 31/10/2017)
Já a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, aduz, em seu artigo 8º salienta:
Art. 8º Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.
Dessa maneira, além de ser garantia constitucional, o livre acesso à justiça é uma prerrogativa dos direitos humanos.
Apesar disso, alguns artigos da nova CLT, ao serem interpretados juntamente com o texto constitucional, trazem interpretações incompatíveis com a garantia do livre acesso à justiça. O que se denota da interpretação da lei contemporânea é que houve inequívoco desprezo ao entendimento normativo já existente, igualmente que não obedeceu ao entendimento jurisprudencial e doutrinário do Direito brasileiro.
Dentre as limitações ao acesso à justiça, ou simples embaraço a ele, será abordado às modificações acerca do Termo de Quitação Anual das Obrigações Trabalhistas, o novo entendimento sobre o Arquivamento das Reclamações e suas Renovações, adentrando ao mérito das custas processuais, o novo dispositivo trazido pela Reforma sobre os Honorários de Sucumbência Recíproca, os Honorários Periciais, a Cláusula Compromissória de Arbitragem e a Concessão de Gratuidade da Justiça.
Tais novidades ofendem a Constituição Federal e os Direitos Fundamentais, constituindo um retrocesso ao Estado Democrático de Direito.
Portanto, esse capítulo, corroborado com os demais delineados, faz permanecer a ideia que a Reforma Trabalhista é, prioritariamente, voltada ao atendimento dos interesses das grandes empresas e dos empregadores, justamente o oposto do que fora exposto quando da proposta da nova Lei.
6.1 Termo de quitação anual das obrigações trabalhistas
Com as modificações trazidas pela Lei nº 13.467 de 2017, o legislador acrescentou o artigo 507-B na Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n), que diz o seguinte:
Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicado dos empregados da categoria.
Da leitura do referido artigo, entende-se que as partes (empregado e empregador) poderão, anualmente, por meio do termo de quitação, dar fim às obrigações trabalhistas, com ciência e homologação do sindicato.
Outrossim, o parágrafo único do artigo 507-B estabelece que as partes darão eficácia liberatória às parcelas, uma vez firmado o termo. É o que se vê:
Parágrafo único: O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.
O artigo sugere a união entre empregador e patrão para, assim, realizarem esse termo junto ao sindicato. Entretanto, na prática, tal questão pode ser bem diferente. Na prática, haverá grande possibilidade de os empregadores coagirem os empregados para que firmem o termo, enquanto, por outro lado, os sindicatos, despreparados, irão analisar a veracidade do que está ali previsto.
Na medida em que se confirme o que está previsto no termo de quitação, as verbas que faria jus o trabalhador já se davam por quitadas, não podendo ele discuti-las na justiça.
Portanto, é certo que a regulamentação do termo de quitação anual de obrigações trabalhistas foi uma maneira que o legislador encontrou de evitar a atuação da Justiça laboral.
Entretanto, o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, sendo que os ditames da Constituição não podem ser revogados por lei ordinária.
Com a intenção de evitar débitos trabalhistas pelas empresas, criaram-se obstáculos aos trabalhadores que buscam a garantia de seus direitos, e este foi um deles.
6.2 Concessão da gratuidade da justiça
Segundo a doutrina pátria, o benefício da justiça gratuita consiste na possibilidade da parte litigar em juízo sem que tenha que arcar com as despesas do processo. Tal benefício se justifica ante a sua insuficiência de recursos. (MIESSA et al., 2018, p. 356)
Por outro lado, Didier Junior e Oliveira (2008, p. 10-11) afirmam:
Justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento dos honorários do advogado. Assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público ou particular.
No mesmo sentido sustenta Miessa (2018, p. 356):
O benefício da justiça gratuita consiste na possibilidade de a parte postular em juízo sem ter de arcar com as despesas do processo, ante sua insuficiência de recursos
Referido benefício tem como objetivo possibilitar o acesso à justiça de pessoas que não possuam recursos financeiros, de modo que o custo do processo não seja obstáculo para se ter acesso à ordem jurídica.
O benefício tem o objetivo de permitir que qualquer pessoa, inclusive aquela que não tenha condições financeiras, possa postular em juízo qualquer direito que ache conivente, de modo que o custo do processo não lhe seja um óbice. Tal condição tem fundamento no princípio da inafastabilidade de jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, que já foi comentado no decorrer dessa pesquisa por diversas vezes.
De igual modo, o benefício da justiça gratuita e assistência judiciária gratuita estão previstas no artigo 5º, LXXIV da Constituição da República (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n) e se faz mister destacar:
Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-lhe aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos:
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Na Justiça Laboral, a assistência judiciária gratuita é regulada pelo artigo 14 da Lei nº 5.584 de 1970, que diz: “Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador”.
De outro âmbito, o benefício da gratuidade da justiça vinha previsto originalmente no parágrafo terceiro do artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943:
CLT 1943 - §3º - é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a translados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (Redação dada pela lei nº 10.537, de 27.8.2002).
Pela sua redação, se entende que, antes da Reforma Trabalhista, o benefício da justiça gratuita seria concedido àqueles que percebessem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou que declarassem não estar em condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo seu ou da família.
Ocorre, contudo, que o legislador reformista modificou esse entendimento por meio da alteração realizada no parágrafo 3º e no acréscimo do parágrafo 4º do artigo 790 da Lei nº 13.467 de 2017:
§3º - é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a translados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
Antes de tudo, cumpre esclarecer que, no que concerne à alteração trazida nesse artigo, a doutrina diverge sobre a interpretação dos parágrafos mencionados, apresentando duas correntes. Miessa (2018, p. 367) explica cada uma delas, entretanto, deixa claro que entende prevalecer a segunda corrente:
1ª Corrente: os §§3º e 4º do art. 790 da CLT devem ser interpretados de forma cumulada, ou seja, permite-se a concessão do benefício da justiça gratuita apenas quando se tratar de salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social e desde que comprove tal condição. Portanto, a concessão somente deriva de critério objetivo.
2ª Corrente: os §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT devem ser interpretados de forma separada (independente), viabilizando a concessão do benefício por dois critérios alternativos: objetivo (perceber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social) ou subjetivo (comprovar a insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo).
Ora, independente da corrente que prevaleça, percebe-se que o intuito do legislador reformista em dificultar o acesso do trabalhador à justiça foi tamanho que lhe retirou a possibilidade de obter o benefício da gratuidade de justiça por meio da declaração de pobreza. Após a vigência da nova lei, o trabalhador deve comprovar a insuficiência de recursos para que lhe seja concedido tal benefício.
Embora na justiça do trabalho, normalmente, figurem no pólo ativo da demanda empregados hipossuficientes, que estão em busca de verbas alimentares não pagas no decorrer do contrato de trabalho, o legislador reformista foi na contramão dos movimentos que consolidam as garantias de amplo acesso à jurisdição.
No processo comum, por exemplo, atribui-se a gratuidade da justiça àquele que formular o pedido, não devendo comprovar nada, desde que se trate de pessoa física. É o que diz o artigo 99, §2º e §3º do Código de Processo Civil de 2015:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
§3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
Sendo assim, resta comprovado o objetivo da Reforma Trabalhista em obstruir o acesso do trabalhador à justiça na busca por seus direitos. Embora fundamentado no princípio da proteção, o processo do trabalho, com a nova legislação que o rege, está bem distante de resguardar o trabalhador hipossuficiente.
Não fosse demais, adiante serão abordados alguns tópicos em que o benefício da justiça gratuita será novamente discutido.
6.3 Arquivamento das reclamações e sua renovação
No tocante ao comparecimento das partes em audiência, a doutrina diz que, no processo do trabalho, o processo é das partes. E isso se dá em decorrência do artigo 843 da Consolidação das Leis do Trabalho (MIESSA, 2018, p.577).
Art. 843: Na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo sindicato de sua categoria.
§1º. É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente.
§2º. Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato.
Constata-se pelo dispositivo supra que tanto reclamantes quanto reclamados podem ser representadas nas audiências. O empregado pode ser representado pelo sindicato em ações plúrimas ou de cumprimento e, por outro empregado, que pertença à mesma profissão ou pelo próprio sindicado em razão de doença ou outro motivo poderoso. Enquanto o empregador pode ser representado pelo gerente ou pelo preposto, importante ressaltar que este último não precisa mais ser empregado da empresa, o que se deu com a mudança na legislação e acréscimo do parágrafo terceiro ao artigo 843 da CLT.
Porém, em caso de ausência das partes em audiência, serão produzidos efeitos, a depender da audiência que tenham faltado.
Caso a ausência ocorra na audiência inaugural, provocará o arquivamento da reclamação trabalhista, ou seja, a extinção do processo sem resolução do mérito. Caso a audiência seja adiada após a apresentação da contestação, o não comparecimento do reclamante dá origem à confissão ficta, desde que ele tenha sido devidamente intimado. Por fim, caso a ausência se dê na audiência de julgamento, não haverá qualquer punição para o reclamante.
Pois bem, o artigo 844 da CLT (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n) que permaneceu após a mudança trazida pela Lei 13.467 de 2017, é o responsável por tratar sobre o comparecimento das partes em audiência. E diz o seguinte:
Art. 844. O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia além de confissão quando à matéria de fato.
Ocorre que, o caput do referido artigo permaneceu o mesmo após a mudança na lei. A verdadeira alteração sobre a matéria foi trazida pelos parágrafos que seguem este artigo, senão vejamos:
§2º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do artigo 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
§3º O pagamento das custas a que se refere o §2º é condição para a propositura de nova demanda.
No que tange ao parágrafo terceiro, a doutrina estabeleceu que motivos legalmente justificáveis são os casos previstos no artigo 473 da CLT, que permitem ao empregado não comparecer ao trabalho sem que sejam prejudicados (MIESSA, 2018, p. 581).
Como demonstrado alhures, o artigo 844, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que foi acrescentado com a Reforma Trabalhista trouxe o verdadeiro abuso: determinou que a ausência do reclamante na audiência inaugural, além do arquivamento da ação, ensejará no pagamento de custas, ainda que ele seja beneficiário da justiça gratuita. O que é uma nítida afronta ao artigo 5º, LXXIV (BRASIL, Constituição Federal de 1988, 2018, p. s/n), que diz:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Como já comentado em outro momento, a grande maioria das pessoas que recorrem à Justiça Laboral estão desempregadas e, consequentemente, não possuem condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo do próprio sustento e de sua família. E é exatamente isso que fundamenta o benefício da gratuidade de justiça.
Ora, se a parte incorrer em ausência na audiência e, em consequência, ocorrer o arquivamento do processo, de que serviria a gratuidade de justiça concedida ao obreiro? O dispositivo do parágrafo segundo do artigo 844 da CLT acaba por modificar a natureza das custas processuais para sanção.
O que se percebe é que a inclusão do dispositivo na legislação trabalhista busca não só evitar ações temerárias, mas também dificultar o acesso do trabalhador à jurisdição. Todavia, tal mudança não deve ser aplicada, seja pela transformação inviável da matéria ou porque se trata de dispositivo inconstitucional (MIESSA, 2018, p. 583).
Ademais, há que se afirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho já prevê punições para aqueles que litiguem de má-fé e para o reclamante que não comparece à audiência. Elas estão previstas nos artigos 732 e 793-A (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n) da referida legislação.
Art. 732. Na mesma pena do artigo anterior (perda do direito de reclamar por 6 meses) incorrerá o reclamante que, por duas vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata no art. 844.
Art. 793-C. De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
No mais, necessário fazer constar a ADI nº 5766 ajuizada pela Procuradoria Geral da República que busca a declaração de inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Reforma Trabalhista, dentre os quais o que está sendo comentado no presente tópico.
“Na contramão dos movimentos democráticos que consolidaram essas garantias de amplo e igualitário acesso à Justiça, as normas impugnadas inviabilizam ao trabalhador economicamente desfavorecido assumir os riscos naturais de demanda trabalhista e impõe-lhe pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos no processo, de natureza alimentar, em prejuízo do sustento próprio e do de sua família”, afirma o procurador-geral.
Desta forma, a única conclusão que pode-se chegar é a de que resta violado o direito de acesso à justiça do cidadão brasileiro, garantido constitucionalmente.
6.4 Honorários de sucumbência recíproca
A partir do surgimento da Constituição Federal, o advogado passou a ser considerado essencial à administração da justiça, pelo que determina o artigo 133. Anos mais tarde, em 1994, a Lei nº 8.906 estabeleceu como atividade privativa do advogado postular em qualquer órgão da justiça.
Entretanto, a Justiça do Trabalho não seguiu à risca tais determinações, haja vista que permite o jus postulandi, ou seja, possibilita que a parte ingresse no juízo sem a presença de advogado.
Não obstante, o Tribunal Superior do Trabalho sumulou a regulamentação acerca do cabimento e da condenação dos honorários, onde, se fazia necessário, além da sucumbência, a presença de outros requisitos, conforme se vê adiante:
Súmula 219 TST: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO (alterada a redação do item I e acrescidos os itens IV a VI em decorrência do CPC de 2015)
I – Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte, concomitantemente: a) estar assistida por sindicato da categoria profissional; b) comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família (art. 14, §1º, da Lei 5.584/1970).
II – É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista.
III – São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego.
IV – Na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90)
V – Em caso de assistência judiciária sindical ou de substituição processual sindical, excetuados os processos em que a Fazenda Pública for parte, os honorários advocatícios são devidos entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
VI – Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, aplicar-se-ão os percentuais específicos de honorários advocatícios contemplados no CPC.
Porém, com a promulgação da nova legislação trabalhista, esta súmula perdeu sua eficácia, sendo cancelada. A doutrina, inclusive, anteriormente, já apoiava seu cancelamento (MIESSA, 2018, p. 334), pois criticava a aplicação de honorários sucumbenciais somente na ação rescisória e nas lides que não derivassem de relação de emprego, conforme item III e IV da súmula retro.
De qualquer sorte, vale esclarecer que honorários sucumbenciais são aqueles que são devidos pela derrota da parte, ou seja, o vencido ficará responsável pelo pagamento.
Outrossim, a reforma trabalhista introduziu o artigo 791-A na CLT (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n) que aduz:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
[...]
§3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre honorários.
Importa aclarar que a sucumbência recíproca no processo do trabalho ocorre quando o reclamante obtém a procedência parcial dos seus pedidos. Ou seja, na hipótese de o reclamante realizar inúmeros pedidos e um deles não ser provido, tanto reclamante como reclamado sairão da lide como vencedores e vencidos em parte.
A questão da sucumbência recíproca também gerou bastante controvérsia. Deveras, este também foi um dos tópicos discutidos na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5766 que trata sobre alguns aspectos da Reforma Trabalhista.
Não obstante, por conta disso é que também será, futuramente, objeto de discussão entre os tribunais superiores.
Insta esclarecer novamente que, embora exista previsão na justiça comum, o artigo novel trabalhista fez questão de trazer um ônus ao reclamante, inexistente em outras searas da justiça brasileira. O que é assustador, tendo em vista o caráter protecionista da justiça laboral.
Nesse viés, o artigo 86 do CPC e a Súmula 326 do STJ tratam sobre a sucumbência recíproca de maneira diversa da inserida no processo do trabalho:
Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Parágrafo Único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.
Súmula nº 326: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.
Sabendo que a grande maioria dos litigantes da justiça do trabalho que figuram no polo ativo da demanda são pessoas pobres e que são beneficiárias da justiça gratuita, o legislador acrescentou o parágrafo quarto no artigo 791-A, que diz o seguinte:
§4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subseqüentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão ode gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Ademais, faz mister consignar o artigo 98 do CPC, que afirma que os honorários do advogado e do perito compreendem a gratuidade da justiça.
Como dito alhures, embora no processo do trabalho vige o princípio tutelar, o legislador permitiu que o reclamante beneficiário da justiça gratuita, sucumbente, pagasse honorários. Tal norma desconsidera o que fundamentou a concessão da gratuidade da justiça e a subtrai do beneficiário para o pagamento de despesas processuais, o que sem dúvidas, será realizado com recursos econômicos indispensáveis à subsistência do trabalhador e de sua família.
Não fosse pouco, o parágrafo quarto citado ao norte prevê que o reclamante beneficiário da justiça gratuita sucumbente, arcará com os honorários do advogado da parte contrária se, obter em juízo, mesmo que em outro processo créditos capazes de suportar essa despesa.
Ora, como aduzido no princípio da presente pesquisa, os reclamantes das ações trabalhistas, normalmente, visam o recebimento de verbas salariais. Nesse sentido, o legislador pretende que as verbas salariais percebidas em ações trabalhistas sejam usadas para pagamento de honorários advocatícios?
É certo que a possibilidade do reclamante pagar honorários ao advogado da parte contrária, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita, traz certa insegurança ao postulante. É um claro óbice à sua pretensão jurídica.
A exemplo, necessário citar a decisão de Juíza do Trabalho de Rondonópolis/MT que sentenciou condenando o reclamante ao pagamento de honorários de sucumbência no importe de R$ 700.000,00 no processo nº 0001922-90.2016.5.23.0021:
A parte autora é sucumbente quanto aos pedidos de pagamento de diferenças de comissões de venda de veículos, de horas extras, dias de descanso remunerado em dobro, de multa do art. 477 da CLT, de indenização adicional do art. 9º da Lei 7238/84 e indenização por danos morais.
O autor atribuiu aos pedidos, respectivamente os valores de R$ 1.143.120,50, R$ 555.066,22, R$ 94.178,14, e R$ 12.825.768,00. Sobre todos estes valores atualizados deve o autor pagar honorários de sucumbência no percentual de 5%.
Nesse sentido, resta claro que o legislador reformista trouxe entraves ao direito constitucional do livre acesso à jurisdição, previsto no artigo 5, XXXV, da Constituição Federal, ferindo os princípios da proteção e da vedação ao retrocesso social.
6.5 Honorários periciais
É simples afirmar a notoriedade, principalmente após a leitura do primeiro capítulo desta pesquisa, do Direito do Trabalho ter como pressuposto a resolução de litígios decorrentes das relações laborais. Onde, normalmente, figuram nos pólos ativos e passivos o empregado e o empregador, respectivamente.
Pois bem, nesse sentido, via de regra o pólo ativo é ocupado por um trabalhador desempregado ou acidentado. Ou seja, quase sempre o reclamante é hipossuficiente e não tem condições de arcar com qualquer custa processual.
Nesta senda, ao tratar sobre o princípio da proteção em tópico acima, esclareceu-se que, por esse motivo – hipossuficiência do trabalhador – o legislador celetista de 1943, buscou igualar o desequilíbrio existente entre as partes, prestigiando a parte pobre em alguns dispositivos.
No que tange ao princípio do livre acesso à jurisdição, percebeu-se que é necessário que não haja entraves probatórios a dificultar a tutela jurisdicional.
Ao contrário do que determina esses princípios, inúmeros processos na Justiça do Trabalho restam esquecidos por conta do não pagamento dos honorários periciais, o que se dava por aplicação do artigo 19, §º e artigo 95 do Código de Processo Civil (BRASIL, Código de Processo Civil, 2018, p. s/n), que dizem:
Art. 19. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o inicio até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.
§2º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
Exigir do trabalhador o adiantamento é lhe negar o livre exercício do direito de ação; é lhe forçar a desistir do direito inalienável ou fazê-lo renunciar o direito de receber a completa prestação jurisdicional. Porém, há quem acredite que não teria óbice alguma repassar ao economicamente mais forte o adiantamento dos honorários periciais. (CORRÊA; FROTA, 2014, p. 04)
Embora existam entendimentos contrários sobre o adiantamento dos honorários periciais, como o dos magistrados do TRT da 16ª Região, citados logo acima, o TST sedimentou jurisprudência sobre o assunto através da Orientação Jurisprudencial 98 da SBDI-2, conforme se vê:
MANDADO DE SEGURANÇA. CABÍVEL PARA ATACAR EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. (NOVA REDAÇÃO DETERMINADA PELA RES. 137/2005 – DJU DE 22.08.2005)
É ilegal a exigência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à reabilitação da pericia independentemente do depósito. Acordão: 2014-07-31;0010579-13.2014.5.03.0000
Ao seguir esse direcionamento, o colendo Tribunal Superior do Trabalho acaba por permitir o travamento do processo, eternizando demandas e impossibilitando o jurisdicionado de ter o seu direito garantido.
Sobre o assunto, Corrêa e Frota (2014, p. 05) concordam no seguinte entendimento:
A falta de adiantamento de honorários periciais nos feitos trabalhistas, além de contrariar os princípios antes referidos, tem servido para eternizar demandas, principalmente aquelas decorrentes de acidentes de trabalho. E esse fato acaba por beneficiar o economicamente mais forte, sendo que a morosidade na resolução dessas lides ainda influi, decisivamente para agravar as vergonhosas estatísticas de acidentes de trabalho e de outras violações à saúde do trabalhador. [...] lamentavelmente, os honorários periciais têm sido um verdadeiro obstáculo à entrega da prestação jurisdicional de forma completa e adequada ao menos afortunado.
Cumpre citar julgado em que o Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão adota o mesmo posicionamento dos magistrados supra:
MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS PERICIAIS PROVISÓRIOS. ADIANTAMENTO. PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO À JUSTIÇA. HIPOSSUFICIÊNCIA. ART. 790-B DA CLT.
Mostra-se prudente a determinação da autoridade coatora ante a imprescindibilidade da prova pericial a ser produzida, se contrapondo à hipossuficiência presumida do reclamante. Dessa forma, a fim de garantir o livre acesso ao judiciário, correta foi a decisão do magistrado em determinar o adiantamento dos honorários periciais pela parte ré.
Segurança conhecida e denegada. 28/04/2014. ACORDÃO TRT 16ª / Tribunal Pleno / MS 0019400-14.2012.5.16.0000. Tribunal Regional do Trabalho. Tribunal Pleno. 16ª Região – Maranhão.
Embora o Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão estivesse dando entendimento protecionista ao trabalhador no tocante aos honorários periciais, o legislador reformista resolveu positivar o entendimento do TST, através da modificação realizada no artigo 790-B e parágrafos:
Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
§3º O juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias.
§4º Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.
Antigamente, os honorários periciais eram devidos pela parte sucumbente, salvo se beneficiária da justiça gratuita. Isso mudou.
Com a Reforma Trabalhista, autorizou-se até o uso de créditos trabalhistas auferidos em qualquer processo pelo demandante beneficiário da justiça gratuita para pagamento de honorários periciais. Ou seja, pela nova regra da CLT, o beneficiário da justiça gratuita sucumbente arcará com o pagamento das custas da prova pericial se neste ou em qualquer outro processo tenha obtido créditos capazes de suportar essa despesa. A União só arcará se não houver ganho patrimonial algum.
Tal previsão se destoa por completo do que determina o artigo 95, §3º, II, do Código de Processo Civil, quando estabelece que a fonte de custeio da prova pericial em favor da parte beneficiária da justiça gratuita será feita pelos recursos alocados no orçamento do Estado.
Aqui, o legislador reformista, inclusive, desrespeitou o Código de Processo Civil, a exemplo do artigo 98, §1º, VI:
§1º A gratuidade da justiça compreende:
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira.
Surge o seguinte questionamento: como a parte hipossuficiente que, comprovadamente não tem condições de arcar com as custas decorrentes do processo, terá condições de arcar com honorários do perito?
Ademais, insta destacar que a Procuradoria Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766 onde busca a revogação de alguns dispositivos da Reforma Trabalhista, dentre os quais o artigo 790-B, tratado aqui neste tópico.
A ADI requer a declaração de inconstitucionalidade do artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º), que responsabiliza a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Na redação anterior da norma, os beneficiários da justiça gratuita estavam isentos; com a nova redação, a União custeará a perícia apenas quando o beneficiário não tiver auferido créditos capazes de suportar a despesa, “ainda que em outro processo”. Assinala que o novo Código de Processo Civil (CPC) não deixa dúvida de que a gratuidade judiciária abrange custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
O que se depreende desse novo entendimento é que o processo ficará bem caro a quem necessite de provas periciais, tornando mais embaraçoso ao demandante. Como já mencionado alhures, boa parte dos interessados que ingressam na Justiça do Trabalho são trabalhadores hipossuficientes. O provável resultado da cobrança de honorários periciais ao reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita, será a desistência do pedido que necessite dessa perícia, visando assegurar o recebimento das demais verbas pleiteadas.
Sendo assim, as imposições sobre o reclamante feitas pela Reforma Trabalhista ultrapassam aquelas previstas na Justiça Comum, o que desequilibra mais ainda a relação entre patrão/empregado, desobedecendo aos princípios da proteção do trabalhador e, principalmente, do livre acesso à justiça.
6.6 Cláusula compromissória de arbitragem
A arbitragem é um método alternativo de solução de conflitos, onde as partes escolhem um terceiro para decidir. Segundo a doutrina de Alvim (2004, p.24), a arbitragem é um sistema:
(...) em que o Estado, em vez de interferir diretamente nos conflitos de interesses, solucionando-os com a força da sua autoridade, permite que uma terceira pessoa o faça, segundo determinado procedimento e observado um mínimo de regras legais, mediante uma decisão com autoridade idêntica à de uma sentença judicial.
Pelo que se percebe, a arbitragem é um procedimento facultativo às partes contratantes, e a sentença proferida pelo árbitro (alheio à Justiça do Trabalho) terá a mesma força que uma decisão judicial.
Regulada pela Lei nº 9.307, de 23 de Setembro de 1996, a arbitragem surge para solucionar conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, conforme preconiza o artigo 1º da referida Lei. Sobre a questão suscitada e a aplicação da arbitragem no processo do trabalho, Cassar (2017, p. 1263) sustenta:
De acordo com o art. 1º da Lei 9.307/96 a arbitragem só pode ser utilizada para dirimir conflitos cujos direitos sejam de natureza patrimonial disponível, o que não ocorre com a maioria das lides individuais trabalhistas, pois tratam de direitos previstos na legislação, logo, de caráter imperativo, de ordem pública. Em função disso, a arbitragem tem maior aplicabilidade no âmbito do direito coletivo que trata de direitos patrimoniais disponíveis.
No mesmo sentido, Correia (2018, p. 1730) salienta que no processo do trabalho, a arbitragem era prevista somente para dirimir conflitos coletivos. É o que estabelece a Constituição Federal, especificamente em seu artigo 114, §1º, que diz: “Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”
Não obstante, o autor supramencionado (2018, p. 1731) também afirma que, doutrina e jurisprudência não permitem a utilização na arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas pelo fato de os direitos trabalhistas serem irrenunciáveis, pelo estado de subordinação do trabalhador, o que faz presumir duvidosa a sua vontade de aderir à Cláusula Compromissória e em virtude da hipossuficiência do trabalhador. Segundo Cassar (2017, p. 1264) essa cláusula é o pacto que estabelece que, em caso de divergência contratual, as partes deverão solucioná-la por intermédio de um arbitro.
Ocorre que, dentre as mudanças da Lei nº 13.467 de 2017, houve a inclusão do artigo 507-A, que passou a permitir que, nos contratos individuais de trabalho, possa ser pactuada a Cláusula Compromissória de Arbitragem, desde que a remuneração do empregado seja, pelo menos, duas vezes superior ao limite máximo do Regime Geral da Previdência Social.
Se faz imprescindível mencionar:
Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de Setembro de 1996.
Como se vê, além do trabalhador receber salário duas vezes superior ao Regime Geral da Previdência Social – R$ 11.062,62 – a cláusula compromissória deve ocorrer por iniciativa do obreiro ou pela sua concordância expressa, passando a idéia que, embora subordinados, os empregados terão capacidade de manifestar livremente sua vontade, em decorrência do seu padrão salarial (CORREIA, 2018, p. 1731).
Ocorre que, diante da crise enfrentada no Brasil e da situação de baixa empregabilidade, dificilmente se verá um trabalhador se opor a uma proposta, ou mesmo imposição, do empregador. Assim, mesmo recebendo um alto salário, dificilmente o obreiro negará uma proposta da cláusula compromissória de arbitragem. Dessa maneira, concordando com a cláusula, em caso de descumprimento de contrato por parte do empregador, a resolução do conflito será buscada através da arbitragem, seguindo os procedimentos da Lei 9.307 de 1996.
Entretanto, há que se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em caso da justiça comum envolvendo duas empresas, proclamou a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, por meio do Agravo Regimental nº 5206 (1997). Da mesma forma entendeu no sentido de que a cláusula compromissória não ofende o amplo acesso à Justiça.
Segue decisão:
O Tribunal, por unanimidade, proveu o agravo para homologar a sentença arbitral, vencidos parcialmente os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, no que declaravam a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º, do artigo 7º e seus parágrafos; no artigo 41, das novas redações atribuídas ao artigo 267, inciso VII, e ao artigo 301, inciso IX do Código de Processo Civil; e do artigo 42, todos da Lei nº 9.307, de 23 de Setembro de 1996. Votou o presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário 12.12.2001.
Porém, cumpre destacar que, mesmo tendo decidido o STF dessa maneira, na seara justrabalhista a aplicabilidade da arbitragem aos contratos individuais pode ser visto de maneira divergente.
Ou seja, em tese o dispositivo pode não ser uma ofensa à inafastabilidade da jurisdição. Todavia, na prática, o empregado que recebe salário acima dos R$ 11.000,00 deverá se submeter à Cláusula Compromissória de Arbitragem não por opção, mas por necessidade.
Presumidamente, caso o empregado se negue a concordar com a imposição da Cláusula Compromissória, o empregador não o contratará, preferindo alguém que atenda a submissão da cláusula. Assim, se não é de todo um impedimento ou mesmo um obstáculo ao acesso a justiça, é uma maneira de o patrão poder cercear o direito do empregador de discutir direitos na justiça.