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A relevância do relato da vítima com a Lei Maria da Penha

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Agenda 09/05/2019 às 16:38

Avalia-se qual carga valorativa deve ser dada ao relato da vítima de violência doméstica como meio hábil para sustentar suas alegações, uma vez que, em uma condenação penal, o juiz deve fundamentar a sentença com base nas provas produzidas no interregno da instrução probatória.

“Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo".

Bertolt Brecht

RESUMO: A violência doméstica e familiar é uma triste realidade que assola milhares de vítimas neste país. Tratam-se de mulheres que, seja pelo apego emocional para com o agressor, ou quiçá devido ao pouco conhecimento da forma como se deve proceder, calam-se diante da situação de vulnerabilidade, discriminação e desigualdade. Neste contexto, com o advento da Lei n.º 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, tem-se que o objetivo da presente monografia que é pormenorizadamente descrever quais as ações afirmativas trazidas pela aludida legislação, que proporciona assistência à mulher desde o momento em que registra a ocorrência policial contra quem a violentou. Além disso, através de reiterados entendimentos jurisprudenciais e estudos de caso, pretende-se demonstrar a relevância dada ao relato da ofendida como meio hábil de sustentar suas alegações, ainda que haja outros meios de prova, como exame de corpo de delito ou testemunhas presenciais. Como conclusão, verifica-se que o relato da ofendida, desde que coerente e bem fundamentado, mostra-se suficiente para fins de embasar eventual condenação criminal em face de seu agressor, corroborando a materialidade e autoria delitiva. Em síntese, este trabalho almeja contribuir para a sensibilização de toda a sociedade, conscientizando as vítimas acerca da necessidade de buscarem a proteção jurisdicional em busca da equidade de gêneros.

Palavras-chave: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Lei 11.340/06. Palavra da vítima.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 A PROTEÇÃO DADA ÀS MULHERES, NO BRASIL, COM O ADVENTO DA LEI N.º 11.340/06. 2.1 O objetivo da Lei e o combate à violência doméstica e familiar..2.2 A finalidade das medidas protetivas e consequências do seu descumprimento..2.3 O registro de ocorrência policial buscando a proteção jurisdicional.3 O RITO PROCESSUAL DOS CRIMES COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. 3.1 A competência para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar.  3.2 A audiência de conciliação e a confirmação da representação.. 3.3 A ação penal e os meios de prova da autoria e materialidade..3.4 A ADI n.º 4.424/DF e a vedação da aplicação da Lei n.º 9.099/95.4 A CARGA PROBATÓRIA DO RELATO DA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR..4.1 Valoração da palavra isolada da vítima no processo penal brasileiro.4.2 Insuficiência probatória e o princípio do in dubio pro reo..4.3 Efeitos da posterior reconciliação entre as partes.4.4 Estudos de caso..4.4.1 Condenação baseada na palavra da vítima..4.4.2 Absolvição com fulcro no princípio do in dubio pro reo.5 CONCLUSÃO..REFERÊNCIAS.ANEXOS.ANEXO A..


1 INTRODUÇÃO

A Lei n.º 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, é considerada um grande avanço no que se refere à luta contra a violência doméstica e familiar. Trata-se de um instrumento de tutela para enfrentar e prevenir a violência de gênero nas relações privadas, tendo entre seus bens tutelados a dignidade da mulher, bem como sua integridade física, moral e material.

Batizada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, a legislação tem em vista coibir a sistemática conivência de violência doméstica e familiar (seja ela de cunho físico, psicológico, sexual, patrimonial ou moral), considerando a falta de instrumentos legais para apurar e punir infrações relacionadas, assim como amparar as vítimas.

Antes da sua criação, competia ao Juizado Especial Criminal o processamento e julgamento das contravenções e dos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, delitos cuja pena máxima em abstrato não ultrapasse 02 anos. No entanto, com o advento da Lei 11.340/06, os procedimentos foram alterados, evidenciando-se a intenção de afastar o tratamento da violência doméstica no âmbito da Lei n.º 9.099/95, conforme pode-se verificar no art. 41 da aludida legislação, in verbis: “Aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. I, prevê a igualdade entre homens e mulheres, e, no art. 226, a família como base da sociedade, com proteção do Estado. Por esses motivos, não há como se falar em justiça e igualdade social sem que se erradique a violência e a discriminação contra a mulher, razão pela qual as medidas protetivas criadas a partir do advento da Lei possuem suma importância, sendo providências de caráter cautelar para enfrentar e prevenir a violência em âmbito doméstico e familiar.

Sabe-se que, para embasar uma condenação criminal, a acusação deve se basear em provas aptas ao convencimento do Juiz, destinatário final da prova no processo penal. Nesse sentido, tendo em vista que os crimes de violência doméstica e familiar geralmente ocorrem às escuras (ou seja, na convivência familiar e longe da presença de testemunhas oculares) e, muitas vezes, não deixam vestígios, surge o seguinte questionamento: qual deve ser a carga valorativa dada ao relato da vítima como meio hábil para sustentar suas alegações?

Dessa feita, vislumbra-se que o objetivo geral da presente monografia é analisar a pertinência do depoimento da mulher vítima de violência doméstica e familiar no transcurso do processo penal, explicando a sua relevância para sustentar uma condenação em face do agressor, ainda que, por ventura, esteja desacompanhado de outros meios probatórios.

A pesquisa, com relação à abordagem, adotará o modelo qualitativo, já que possui caráter subjetivo. Nas palavras de Goldenberg (1997, p. 34), “os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade”. Além disso, buscando alcançar a finalidade desejada pelo estudo, utilizou-se do método dedutivo, que parte de argumentos gerais para argumentos particulares nos quais a conclusão está implícita.

Para melhor compreender os objetivos específicos em torno deste trabalho, o primeiro capítulo terá como propósito explicar, além do intuito da Lei Maria da Penha no que diz respeito ao combate à violência em âmbito doméstico e familiar, a maneira como a vítima de agressões poderá requerer a proteção jurisdicional, comparecendo à delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência e solicitar ao Poder Judiciário a adoção de medidas protetivas de urgência.

No segundo capítulo, propõe-se descrever os aspectos processuais a partir do momento em que são deferidas as medidas de proteção em favor da ofendida, que, posteriormente, terá a oportunidade de confirmar ou renunciar à representação em desfavor de seu agressor, perante o Juiz competente para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica, em audiência preliminar designada especialmente para tal finalidade.

Por fim, no terceiro capítulo, pretende-se explorar, dentre os diferentes meios de prova existentes em âmbito penal, a relevância do relato da vítima para sustentar uma condenação, além de averiguar os efeitos processuais de eventual reconciliação entre as partes e da retratação em Juízo. Ademais, ao final do presente trabalho de monografia, realizaram-se dois estudos de caso práticos, com base em processos criminais regidos sob as disposições da Lei Maria da Penha que tramitaram junto à 2º Vara Judicial da Comarca de Encantado/RS.

O objetivo desta análise não tem a pretensão de esgotar o tema, mas, sim, contribuir com a reflexão acadêmica sobre ele, demonstrando de que maneira as alegações tecidas pelo réu e pela vítima, bem como a (in)existência de outras provas angariadas no decorrer da instrução, podem influenciar diretamente na formação da convicção do magistrado que irá prolatar a sentença penal.


2 A PROTEÇÃO DADA ÀS MULHERES, NO BRASIL, COM O ADVENTO DA LEI N.º 11.340/06

A Lei n.º 11.340/06, comumente conhecida como Lei Maria da Penha, foi promulgada em 07 de agosto de 2006 e tem como objetivo principal a proteção da mulher e a prevenção da violência doméstica e familiar. Acima de tudo, a legislação representa uma tentativa de superar os remanescentes patriarcais na cultura e sociedade brasileira, tendo origem a partir do longo histórico de violência doméstica vivido pela farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de duas tentativas de homicídio cometidas por seu marido, o professor universitário e economista Marco Antonio Heredia Viveiros. Embora as investigações contra o agressor tenham começado no ano de 1983, somente em 2002 é que o réu foi preso, condenado a uma pena de dez anos e seis meses após ter recorrido em liberdade.

A fim de superar o passado histórico de assimetria de poder em relação ao homem, pressupõe-se que haja uma adequada compreensão do princípio da igualdade, de modo que seja reconhecida a vulnerabilidade e fragilidade feminina. Assim, com a criação deste mecanismo especial de proteção através de uma legislação mais rigorosa, o gênero feminino, desde sempre em posição de inferioridade no cenário social brasileiro, ganhou um tratamento diferenciado, de modo que será objetivo do capítulo descrever a proteção dada às mulheres com a criação da Lei n.º 11.340/06: de que forma a vítima pode requerer a proteção jurisdicional - mediante o requerimento de medidas protetivas-, bem como as consequências, para o agressor, do seu descumprimento injustificado.

2.1 O objetivo da Lei e o combate à violência doméstica e familiar

A Lei n.º 11.340/06 foi criada a fim de dar tratamento diferenciado à mulher, visando a protegê-la mediante uma discriminação positiva. Para Fernandes (2015), ela transpôs a violência contra a mulher do âmbito privado ao público ao criar normas jurídicas efetivas que transformam o Direito em uma realidade de justiça. Entretanto, doutrinariamente, argumentava-se que a Lei seria inconstitucional, posto que concederia tratamento legal mais rigoroso aos homens. Conforme explica Bastos (2013), desde o advento da Lei Maria da Penha, ela tem sido alvo de debates e críticas, sobretudo acerca da sua constitucionalidade, eis que feriria, em tese, o princípio da igualdade de gêneros, tratando a mulher como um sexo frágil e merecedor de especial proteção do Estado.

Segundo diz Fernandes (2015, p. 44), “não há inconstitucionalidade. Apesar das ações afirmativas, a mulher ainda é hipossuficiente e os números de feminicídios são alarmantes, o que justifica a discriminação positiva”. Além disso, a própria Constituição Federal de 1988 afasta tais alegações, consubstanciando-se no § 8º do art. 226, que preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. No entender de Belloque apud Dias (2012, p. 55), “é exatamente para pôr em prática o princípio constitucional da igualdade substancial, que se impõe sejam tratados desigualmente os desiguais”.

A tradicional fórmula genérica de igualdade de “todos” perante a lei não serviu para eliminar a discriminação contra as mulheres. A Constituição Federal de 1988, atenta aos movimentos de valorização da mulher, previu textualmente a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações. E o reconhecimento dessa igualdade formal foi o primeiro passo, retirando do ordenamento diferenças discriminatórias. Contudo, a efetividade da igualdade exige algo mais (FERNANDES, 2015, p. 41).

Fernandes (2015, p. 40) ainda complementa, sustentando que “no âmbito das relações de gênero e das relações familiares, a Constituição Federal prevê a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I) e a família como base da sociedade, com proteção do Estado (art. 226)”. Em consonância com o entendimento supracitado, Alferes, Gimenez e Alferes (2016, p. 14) entendem que “o comando positivado no art. 226 da Constituição Federal de 1988 impôs ao legislador infraconstitucional o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher [...]”.

Conforme expõem Nicolitt e Abdala (2015), a Lei Maria da Penha surgiu com a finalidade de superar, ou ao menos diminuir o preconceito e discriminação contra a mulher, trazendo instrumentos de empoderamento do feminismo, tais como as medidas protetivas e a assistência humanizada. Assim dispõe o art. 1º da aludida legislação:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

É importante que se esclareça o significado dos termos “feminismo” e “empoderamento feminino”, trazidos nesta monografia, uma vez que ambos são frequentemente confundidos pelo senso comum: o feminismo é um movimento social e político, existente desde o século XIX, que luta pelo acesso aos direitos iguais entre homens e mulheres. Difere do machismo, já que este coloca o gênero masculino em um patamar de superioridade e opressão diante da mulher. O empoderamento feminino, ao seu turno, é um sentimento individual que dá forças às mulheres para que busquem o seu lugar. Em outras palavras, significa dá-las poder e tratá-las como sujeitos ativos de mudança que se comprometem pela luta em favor da equidade.

Acerca da análise acerca do art. 1º da Lei n.º 11.340/06, Bastos (2013) pondera que o dispositivo elenca as quatro principais finalidades da Lei Maria da Penha, quais sejam: criar mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabelecer medidas de assistência à mulher e estabelecer medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Conforme explica a autora (2013, p. 92), pode-se afirmar, portanto, “que a Lei Maria da Penha é uma lei multidisciplinar, que tem por principal foco a prevenção, a proteção e a assistência às mulheres que se encontram em situação de violência doméstica e familiar”.

Embora o artigo retro aludido refira-se à “violência doméstica e familiar contra mulher”, Bianchini (2014) explica que o art. 5º, ao seu turno, delimita o objeto de incidência da Lei, preceituando que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero [...]”. Consoante Fernandes (2015, p. 50), “o conceito de gênero existe em razão das desigualdades históricas, econômicas e sociais entre homens e mulheres e do modo como eles se relacionam, naturalizando um padrão desigual [...]”. Nucci (2014, p. 1.040) faz algumas observações acerca da imprecisão do termo “violência doméstica e familiar”, ponderando que:

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Há casos em que a violência contra a mulher ocorre no cenário das relações domésticas, sem contexto familiar, bem como há situações em que se dá no contexto familiar, mas não em relações domésticas. Dever-se-ia considerar, portanto, a alternatividade, mencionando-se violência doméstica ou familiar.

Em outras palavras, toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, envolvendo a relação de poder e dominação do homem, mas nem toda a violência contra a mulher é uma violência de gênero. Para melhor exemplificar, Bianchini (2014, p. 31) se utiliza de um exemplo concreto: “mulher é baleada por seu companheiro. Motivo: ela iria delatá‐lo à polícia. Não se aplica a Lei Maria da Penha, pois não há uma questão de gênero”. De acordo com Bastos (2013), existem fatores que influenciam a incidência de violência conjugal, destacando-se dentre eles a fragilidade e baixa autoestima da vítima, a sua dependência econômica do agressor, o sentimento de posse e dominação do homem para com a ofendida, o longo histórico de violência conjugal, etc.

O art. 7º da Lei, ao seu turno, explicita as formas de violência doméstica e familiar, e de acordo com Lima (2015), segundo parte da doutrina, não se exige habitualidade na violência, de modo que a expressão “entre outras” empregada no caput do artigo supracitado deixa claro serem elas um rol meramente exemplificativo:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Bianchini (2014) argumenta que a violência contra a mulher ocorre predominantemente no lar e especialmente em razão de agressões dos maridos e companheiros, o que consequentemente aumenta o fator de risco, já que o agressor tem uma enorme proximidade com a vítima. Neste sentido, sabendo que a violência doméstica e familiar é um problema de saúde pública, o Mapa da Violência do ano de 2015 estimou que o Brasil ocupava a 5º colocação em níveis de feminicídio, dentre um grupo de 83 países com dados homogêneos fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em síntese, entende-se que o objetivo da Lei Maria da Penha é, portanto, coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher baseada no gênero. De acordo com o entendimento de Fernandes (2015, p. 42), “a Lei n. 11.340/06 definiu a posição jurídica da vítima e criou esse instrumento de tutela, um sistema interdisciplinar de enfrentamento e prevenção à violência”. Do mesmo modo, Bastos (2013) argumenta que embora a lei não tenha previsto nenhum tipo penal novo, veio a promover um tratamento penal diferenciado aos crimes cometidos no seio da relação doméstica, familiar e afetiva, com vistas a proteger as mulheres em situação de vulnerabilidade.

Ainda que a Lei Maria da Penha tenha surgido para romper esse paradigma de inferioridade, a efetividade da lei fica dificultada pela forma como a vítima, o agressor e a sociedade se portam diante de um ato de violência de gênero em razão de preconceitos e conceitos naturalizados (FERNANDES, 2015, p. 06).

Dias (2013) entende que o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha reside no fato de que a legislação conceitua a violência doméstica de forma alheia à prática delitiva, além de não inibir a concessão de medidas protetivas por parte do juiz e da autoridade policial. Neste sentido, o estudo avaliando a efetividade da Lei n.º 11.340/06, realizado pelo IPEA (2015, p. 32), a fim de comprovar que a Lei Maria da Penha teve impacto positivo na redução de assassinatos e mulheres, assim concluiu:

Consideramos que a LMP afetou o comportamento de agressores e vítimas por três canais: i) aumento do custo da pena para o agressor; ii) aumento do empoderamento e das condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça criminal que atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica. A conjunção dos dois últimos elementos seguiu no sentido de aumentar a probabilidade de condenação. Os três elementos somados fizeram aumentar o custo esperado da punição, com potenciais efeitos para dissuadir a violência doméstica.

Como explica Alferes et al. (2016), a legislação ora discutida é uma ação afirmativa que busca igualdade substantiva decorrente do desnível sociocultural que distingue homens e mulheres. Assim, sabendo que a Lei n.º 11.340/06 trouxe amparo legal para os crimes cometidos em âmbito doméstico, deve-se, portanto, desvendar o que são as medidas protetivas de urgência, de que forma podem ser requeridas pela ofendida junto à Delegacia de Polícia, quais são as consequências do seu deferimento pelo Juiz e, inclusive, do seu descumprimento por parte do agressor, bem como qual a relevância dada ao relato da parte hipossuficiente como forma de comprovar suas alegações.

2.2 A finalidade das medidas protetivas e consequências do seu descumprimento

A Lei Maria da Penha elenca um rol de providências cujo objetivo é dar efetividade ao seu propósito de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar e combate à impunidade do agressor. São as chamadas “medidas de proteção”, elencadas nos arts. 18 a 24 do Capítulo II da Lei n.º 11.340/06, que dispõe sobre as medidas protetivas de urgência. Cavalcanti apud Bastos (2013) explica que as medidas de proteção são as principais inovações da lei, e possuem cunho preventivo e repressivo, além de caráter penal, extrapenal e administrativo, tratando-se, em síntese, de mecanismos à disposição das mulheres em situação de risco que as possibilitam uma providência jurisdicional imediata antes mesmo de o processo judicial ter início.

Sustenta-se que as medidas protetivas de urgência vieram no contexto de uma série de medidas constituídas em favor da mulher, vítima de violência doméstica, no intuito de resguardá-la de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (NICOLITT E ABDALA, 2015, p. 70).

Lima (2015) sustenta que as medidas protetivas se mostram necessárias para instrumentalizar a eficácia do processo, uma vez que, no curso da ação penal, é comum que ocorram situação nas quais as providências urgentes, tais como as medidas cautelares em comento, sejam imperiosas para assegurar a devida apuração dos fatos e consequente futura execução da sanção que for proferida pelo magistrado, além de garantir a proteção da vítima ameaçada e eventual ressarcimento pelo dano causado pelo delito. Da mesma forma, conforme Dias (2013), as aludidas medidas protetivas têm por objetivo dar efetividade ao seu propósito que é assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. Sabe-se que, muitas vezes, passam-se anos até que a vítima efetivamente rompa o silêncio e vá buscar a proteção do sistema de justiça, sobretudo porque, nas palavras da autora, na maioria dos casos, ela não deseja a punição do agressor, mas, sim, a sua libertação da violência.

Para Teles e Melo (2002, p. 02), “a violência de gênero ou contra a mulher está de tal forma arraigada na cultura humana que se dá de forma cíclica, como um processo regular com fases bem definidas: tensão relacional, violência aberta, arrependimento e lua de mel”. Em outras palavras, trata-se de uma relação de amor e ódio na qual somente haverá uma exibição pública quando a conduta agressiva do parceiro se tornar insuportável.

Logo, no entender de Fernandes (2015), após a agressão, é costumeiro que o homem se arrependa, o que é conhecido como “fase lua de mel”, uma vez que ele chora, pede perdão e promete que não voltará a agir de tal maneira. Embora o arrependimento possa efetivamente ser sincero, a mulher então deixa de tomar qualquer atitude, acreditando em suas palavras e, em contrapartida, buscando razões que possam justificar os acontecimentos. A fase lua de mel pode ser deflagrada com o registro de ocorrência, de modo que, tão logo o homem venha a lhe pedir desculpas, por medo da punição e do abandono, a ofendida acaba por retratar-se diante da autoridade policial, inocentando-o.

Cunha (2007, p. 91) acrescenta a cíclica violência conjugal e dificuldades e esperanças que a vítima enfrenta no decorrer da relação:

Este ciclo da violência conjugal provoca muitas dificuldades nas tomadas de decisão da mulher-vítima, pois nele a mulher vivencia fases dramáticas (a tensão e o ataque violento), que terminam numa fase considerada gratificante (o apaziguamento), na qual a esperança de ter um casamento sem violência a faz acreditar e tentar novamente realizar o projeto de vida tão almejado.

Prevê o art. 18 da Lei n.º 11.340/06 que ao receber o expediente com o pedido da ofendida, o juiz deverá tomar uma das seguintes providências:

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Em síntese, as medidas protetivas possibilitam à ofendida obter a proteção jurisdicional que, por sua vez, justifica-se pela realidade de violência doméstica e familiar a que são submetidas as mulheres brasileiras. A finalidade de tais medidas de proteção é, portanto, dispensar tratamento desigual às situações de desigualdade, cessando a violência sobre a vítima. Ao agressor poderão as aplicadas, dentre outras, medidas tais como a prestação de alimentos provisórios; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de contato com a vítima; proibição de determinadas condutas, etc.

As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso. O agressor também pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio ou, ainda, deverá obedecer à restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar. Outra medida que pode ser aplicada pelo juiz em proteção à mulher vítima de violência é a obrigação de o agressor pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios (CONHEÇA..., 2015, texto digital).

Nos termos do art. 19 da Lei Maria da Penha[1], elas são concedidas pelo juiz e podem ser requeridas pelo Ministério Público ou pela própria vítima, como gênero vulnerável, tanto imediatamente quanto a qualquer momento ao longo do curso de um processo. Além disso, prevê o § 1º do aludido artigo que elas “poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado”. Em outras palavras, significa dizer que a concessão das medidas de proteção pode ser feita inaudita altera parte, desde que tal concessão - de ofício - esteja condicionada à sua urgência, “sendo que a consulta ao Ministério Público ou a audiência das partes comprometeriam a eficácia da medida” (ALFERES et al., 2016, p. 61).

O tempo de duração das medidas protetivas de urgência varia de acordo com o entendimento de cada magistrado e a depender do grau de periculosidade do caso em concreto. Assim foi o entendimento do Relator Desembargador Carlos Augusto Borges, no HC n.º HC 2007.059.08520, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

As medidas protetivas de urgência devem perdurar no tempo enquanto necessárias à proteção da ofendida e inibição do ato agressor. Se as medidas protetivas de proibição de aproximação e de comunicação com a vítima foram deferidas em razão de um histórico de agressões, dentre as quais a última e mais grave, sofrida a facadas, objeto de registro de ocorrência do crime de tentativa de homicídio, nada justifica que, há menos de dois meses da concessão das cautelas, com base nas declarações da vítima de que não tem mais problemas e nem medo do agressor, sejam revogadas as medidas. Se a vítima afirma que o agressor não mais a importunou, é porque a medida se mostrou eficaz, causa de sua manutenção, e não de revogação. Periculum in mora não desconvalescido pelas declarações da vítima. Manutenção da cautelar. Ordem que se denega.

Além disso, consoante o § 3º do art. 19 da Lei n.º 11.340/06, caso entenda necessário à proteção da ofendida, seus familiares ou seu patrimônio, “poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas [...]”. Conforme explica Alferes et al. (2016), as medidas protetivas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulada, bem como substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia. Outrossim, consoante Nicolitt e Abdala (2015, p. 71), “preenchidos os pressupostos, pode o juiz avaliar a forma de aplicação das medidas, podendo ser substituídas e cumuladas, direcionadas ao agressor (art. 22) ou à ofendida (arts. 9º, § 2º c/c 23)”. Resumidamente, podem elas ser concedidas, revistas, substituídas ou acrescidas tanto na fase inquisitorial quanto processual.

Sobre as providências que a Lei Maria da Penha traz, além das medidas protetivas de urgência previstas nos artigos 22 a 24, Dias (2013) também aduz que outras medidas se encontram esparsas por toda a legislação, igualmente voltadas à proteção da ofendida. A título exemplificativo, pode-se elencar a inclusão da vítima em programas assistenciais, prevista no § 1º do art. 9º da Lei n.º 11.340/06, segundo o qual “o juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal”.

Parte da doutrina e da jurisprudência passada argumentava que o descumprimento de uma ordem judicial de aproximação ou afastamento do lar configurava o crime de desobediência, previsto no art. 330[2], ou ainda, o delito de desobediência à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, tipificado no art. 359[3], ambos do Código Penal. Segundo Greco (2009, p. 493), “o núcleo do tipo é o verbo desobedecer, que significa deixar de atender, não cumprir a ordem legal de funcionário público, seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer alguma coisa que a lei impunha”. Para a corrente até então adepta a esta ideia, “a determinação judicial consistente em medida protetiva de urgência requer um instrumento coercitivo enérgico, sob pena de ser considerado mero formalismo, levando a lei em comento ao total descrédito da sociedade[4]”.

Dentre os defensores da penalização da tipificação do descumprimento das medidas protetivas, destaca-se Nucci (2012, p. 1.279):

As medidas restritivas, previstas na Lei de Violência Doméstica (art. 22, II, III, Lei 11.340/06), proibindo o marido ou companheiro de se aproximar da mulher ou determinando seu afastamento do lar constituem ordens judiciais. Logo, nesses casos, se descumpridas, acarretam o crime de desobediência (art.330, CP). Não se configura o delito do art. 359, pois a situação de marido ou companheiro não constitui função, atividade, direito, autoridade ou múnus.

Em síntese, a fim de refutar a alegação defensiva de atipicidade delitiva dos agressor preso preventivamente pelo delito de desobediência, o Relator Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto argumentou, na Apelação Crime n.º 70054149042, da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que a prisão preventiva visava a proteger a ofendida de novas agressões, haja vista que descumpridas as medidas protetivas impostas em seu favor, ao passo que o delito de desobediência que fundamentou a segregação cautelar considerava-se consumado do momento em que exercido o direito que foi suspenso ou privado por decisão judicial. 

Por outro lado, em que pesem as diferentes opiniões sobre a temática, com o julgamento do REsp n.º 1374653/MG, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia pacificado o entendimento de que o descumprimento da ordem judicial que defere medida protetiva de urgência com base na Lei n.º 11.340/06 não configurava o delito de desobediência, uma vez que, para a sua caracterização, é necessário o descumprimento de ordem judicial e a inexistência de previsão de sanção específica, como a imposição de uma multa, a decretação da prisão preventiva, enfim.

Em razão do receio concreto de reiteração delitiva e visando à garantia da ordem pública, assim vinha se posicionando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em casos de descumprimento reiterado das medidas protetivas de urgência impostas pelo Juiz:

HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. AUSÊNCIA DE ÓBICE À CUSTÓDIA CAUTELAR. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. Hipótese em que o paciente descumpriu, reiteradamente, as medidas protetivas de urgência a ele impostas pelo juízo de origem e, por esta razão, foi decretada a prisão preventiva. Decisão que atende aos comandos constitucionais e legais, porquanto refere concretamente as circunstâncias fáticas que evidenciam a necessidade da custódia processual como garantia da ordem pública, efetiva aplicação da lei penal e para proteção da vítima, na forma dos art. 312 e 313, inciso III, ambos do CPP. Além disso, não é possível de exame de provas, de forma pormenorizada, na via estreita do habeas corpus, de sumária cognição. A existência de condições pessoais favoráveis não tem o condão de afastar a decretação da segregação cautelar. A projeção da pena ou do regime a ser fixado em caso de condenação também não justifica a concessão da liberdade provisória, pois a prisão, neste momento, tem natureza cautelar. Medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes e inadequadas ao caso. Prisão necessária para resguardar a integridade física e psicológica da vítima. A prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, nem se trata de execução antecipada da pena. Art. 5º, LXI, da CRFB. ORDEM DENEGADA. UNÂNIME. (Habeas Corpus N.º 70075057679, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 28/09/2017).

Após a decisão do REsp supracitado, que vinha defendendo a atipicidade da conduta de descumprir medidas protetivas de urgência, de forma totalmente oposta, criou-se um tipo penal específico para punir a desobediência a decisões judiciais que impõem medidas protetivas, consubstanciado na Lei n.º 13.641/18. Neste sentido, de acordo com o art. 24-A da legislação publicada em 04 de abril de 2018, inserido na seção denominada “Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência”, a pena para quem desobedecer ou descumprir a decisão judicial - seja na esfera cível ou criminal -deferindo as medidas de proteção, é de 03 meses a 02 anos de detenção.

Trata-se, portanto, de crime próprio, cujo sujeito ativo será aquele que deve observar às medidas protetivas decretadas em seu desfavor, em observância à Lei n.º 11.340/06. Além disso, embora se trate uma infração de menor potencial de ofensivo (já que sua pena máxima não ultrapassa 02 anos), o legislador expressamente consignou, no § 2º do artigo em questão, que apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança na hipótese de prisão em flagrante.

Além disso, prevê o § 3º do art. 24-A que “o disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis”. Significa, em outras palavras, que o agressor que desrespeitar as medidas impostas pelo Juiz estará sujeito às penalidades previstas no art. 20 da Lei Maria da Penha, o qual preceitua que “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.

Por fim, o § 3º do art. 24-A dispõe que a caracterização do crime de desobediência não prejudica a aplicação de outras sanções cabíveis em decorrência do descumprimento das medidas protetivas. Com efeito, as medidas protetivas têm caráter progressivo, que pode fazê-las evoluir até a decretação da prisão preventiva. Esta progressividade não é influenciada pelas consequências que o agente possa vir a sofrer em razão da prática do crime.

Trata-se, como se vê, de uma resposta do legislador à lacuna normativa que impedia a punição específica de atos de desobediência relativos a medidas protetivas. São inúmeros os casos em que vítimas de violência doméstica e familiar têm decretada em seu favor uma medida que, na prática, acaba esvaziada porque o agressor simplesmente ignora a ordem judicial. Agora, além das consequências processuais que podem advir do descumprimento, tem-se uma figura criminal específica para garantir a punição do agressor renitente (CUNHA, 2018, texto digital).

Dessa forma, entende-se que caso haja o descumprimento da medida protetiva de urgência, além da possibilidade de decretação da prisão preventiva ao réu (que se constitui em uma medida cautelar que só será decretada em último caso, na forma do art. 282, §§ 4º e 6º, do CPP), após o surgimento da Lei n.º 13.641/18, também será possível que o Ministério Público ofereça denúncia pelo crime tipificado no art. 24-A da Lei supra referida. Assim, “[...] além de responder pelo crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, pode, ainda, ser decretada pelo magistrado, desde que presentes os requisitos, a prisão preventiva do descumpridor da medida protetiva de urgência” (BIANCHINI, 2018, texto digital).

Nicolitt e Abdala (2015) asseveram que a prisão preventiva exige um decreto anterior de medidas protetivas e um risco concreto de inexecução da medida por parte do agressor, não sendo possível, contudo, que se descuide do princípio da proporcionalidade, ou seja, a medida antecipada (qual seja, a prisão preventiva) não pode ser mais gravosa que o provimento final.

Neste sentido, veja-se a ementa do Habeas Corpus n.º 70058100520, julgado na data de 12/02/2014 pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO. PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO MEDIDAS PROTETIVAS. AUSÊNCIA DE ÓBICE À CUSTÓDIA CAUTELAR. 1. Impetrante sustenta que não existem motivos para a prisão provisória do paciente, o qual se encontra foragido do sistema prisional. Pede a revogação da medida. 2. Prisão preventiva decretada em virtude do descumprimento de medidas protetivas deferidas em ação cautelar de violência doméstica. 3. A fundamentação do decreto preventivo está adequadamente posta, eis que precedido de análise dos requisitos legais e fáticos. 4. A alegação de que o paciente é inocente trata-se de tese que não pode ser aceita no estreito âmbito do writ, que não comporta cotejo probatório, devendo ser esgrimida no decorrer do processo, sob o crivo do contraditório. 5. A existência de condições pessoais favoráveis não se constitui em óbice para a decretação da prisão preventiva. 6. Inexistência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus N.º 70058100520, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 12/02/2014)

No ponto, é interessante analisar que a partir do advento da Lei n.º 12.403, de 04 de maio de 2011, comumente conhecida como Lei de Prisões, a redação do artigo retro mencionado foi alterada, passando a “excluir a possibilidade do juiz, na fase investigatória, decretar a prisão preventiva do agressor, de ofício” (BASTOS, 2013, p. 140). Conforme dispõe a Lei de Prisões, o art. 311 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a prisão preventiva, passa a vigorar da seguinte forma: "Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício[...]”. No entanto, há entendimentos que discordam de tal alteração, argumentando que é possível que o juiz decrete a prisão domiciliar de ofício, ainda na fase pré-processual, com vistas a proteger a mulher em situação de risco:

Questão controvertida: continua valendo a regra contida na LMP que permite a decretação da prisão preventiva, pelo juiz, de ofício, na fase do inquérito policial (art. 20)? Ou seja, aplica-se a nova regra contida na Lei 12.403/11 (que não mais admite tal situação) ou, por ser, a LMP, norma especial, ela deve prevalecer sobre a regra geral?

Em nosso entendimento, a segunda posição é a mais correta, pois, não obstante ofender o sistema acusatório (já que o juiz acaba por perder a necessária posição equidistante), no momento da ponderação de interesses, há que preponderar a norma de proteção integral à mulher em situação de risco (art. 4º, LMP).

Tal posicionamento é respaldado pelas estatísticas, as quais demonstram o elevadíssimo índice de homicídios, dentre outras violências, praticados por homens cuja vítima mulher mantinha ou manteve com ele uma relação íntima de afeto (BIANCHINI, 2011, texto digital).

Assim, conforme defende Bastos (2013), uma vez presentes os requisitos gerais do art. 312 do Código de Processo Penal, desde que haja o descumprimento das medidas protetivas e fundamento que justifique tal medida, caberá a prisão preventiva do agressor, de modo excepcional, a fim de coagi-lo a cumprir as medidas deferidas pelo juiz.

2.3 O registro de ocorrência policial buscando a proteção jurisdicional

Prevê o art. 10 da Lei Maria da Penha que “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis”. De acordo com Bastos (2013), o aludido artigo frisa o dever de atendimento imediato pela autoridade policial e seus agentes sempre que uma mulher estiver prestes a sofrer qualquer tipo de violência doméstica e familiar, incumbindo ao Poder Judiciário proceder às diligências elencadas nos artigos seguintes, que preveem medidas assistenciais e providencias a serem tomadas após o registro de ocorrência policial.

No entendimento de Farias (2008), ao deixar de se submeter ao jogo masculino e reclamar seus direitos e proteção igualitária, a mulher põe fim a qualquer tipo de discriminação. Assim, o primeiro passo que deve ser tomado pela vítima é o imediato comparecimento à delegacia de polícia para registrar boletim de ocorrência, ocasião em que a autoridade policial tomará as medidas que preveem o art. 11 da Lei n.º 11.340/06, dentre elas a garantia da proteção policial, o encaminhamento da ofendida ao hospital, o fornecimento de transporte para abrigo ou local seguro, etc.

Uma das grandes novidades da Lei Maria da Penha e admitir as medidas protetivas de urgência no âmbito do Direito das Famílias sejam requeridas pela vítima perante a autoridade policial. A vítima, ao registrar a ocorrência da pratica de violência doméstica, pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor aproximar-se da vítima e de seus familiares ou que seja ele proibido de frequentar determinados lugares. Essas providencias podem ser requeridas pela parte pessoalmente na polícia Requerida a aplicação de quaisquer dessas medidas protetivas, a autoridade policial deverá formar expediente a sei encaminhado ao juiz (art. 12, III) (DIAS, 2013, p. 80).

Dias (2013) explica que o art. 12 da Lei Maria da Penha prevê que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro de ocorrência, deverá a autoridade policial, de imediato, adotar três procedimentos: a) lavrar o boletim de ocorrência; b) tomar a termo a representação, no caso de ação pública condicionada à representação; e c) tomar a termo o pedido de medidas protetivas formulado pela vítima, formando o expediente que será posteriormente remetido a juízo.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Na opinião de Alferes et al. (2016), as providências afetas à autoridade policial acima elencadas, com exceção da prevista no inciso III (que determina a remessa em 48h do expediente apartado ao juiz, contendo o pedido da ofendida de concessão da medida protetiva de urgência), são repetições do que já estaria disposto no Código de Processo Penal, de modo que a Lei Maria da Penha teria se ocupado em repetir disposições já existentes e em pleno vigor, na tentativa de que, de tanto insistir, a norma de proteção se tornasse mais efetiva.

Segundo Bianchini (2014), as atividades que incumbem à autoridade policial estão elencadas nos arts. 10 a 12 da Lei n.º 11.340/06, que fazem parte do Capítulo denominado “Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar”. Outrossim, conforme acima dito, logo após o registro, ser-lhe-á tomada a representação, que para Bitencourt (2005, p. 335), “é a manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor.

A representação, em determinadas ações, constitui condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal”. De acordo com Fernandes (2015), a representação deverá ser colhida de pronto nas infrações de ação penal pública condicional, não sendo aconselhável que se oriente a vítima a refletir a respeito e retornar em momento posterior. O inquérito policial somente será instaurado após a expressa manifestação de vontade pela vítima, confirmando a representação criminal: “[...] ainda que a vítima tenha registrado cinco, dez, quinze boletins, se não houve a instauração de inquérito policial o agressor figura como primário e de bons antecedentes” (FERNANDES, 2015, p. 210).

Nucci (2012, p. 585-586) defende a tese de prescindibilidade da representação criminal para a instauração do inquérito policial:

Se alguma vantagem houve, está concentrada na ação penal, que passa a ser pública incondicionada, em nossa visão, retornando para a iniciativa do Ministério Público, sem depender da representação. Isto porque o art. 88 da Lei 9.099/95 preceitua que dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves (prevista no caput do art. 129) e lesões culposas (constante do § 6º do mesmo artigo). Ora, a violência doméstica, embora lesão corporal, cuja descrição típica advém do caput, é forma qualificada da lesão, logo, não mais depende de representação da vítima.

Por outro lado, Fernandes (2015) explica que há posicionamentos no sentido de que a opinião das vítimas que se retratam da representação deve ser respeitada, devendo prevalecer o interesse familiar sobre o interesse público de repressão ao delito, eis que a instauração de um processo poderia a vir, inclusive, a afetar a conciliação do casal. Para a doutrinadora, por outro lado, vige a opinião de que a representação transfere à vítima a responsabilidade pela punição do crime: “Ora, se a ofendida não consegue opor-se à própria violência, como poderá ter forças para enfrentar um processo e assumir a responsabilidade por processar ou não o homem que a vitimou?” (FERNANDES, 2015, p. 198).

Assim, a fim de dirimir as diferentes interpretações acerca da aplicação ou não do art. 88 da Lei n.º 9.099/95 às lesões corporais leves e culposas praticadas contra a mulher no âmbito de violência doméstica, foi publicada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a Súmula 542, a qual prevê que “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”. Em outras palavras, entende-se que na hipótese de se tratar do crime de lesões corporais no âmbito de violência doméstica, previsto no § 9º do art. 129 do Código Penal, é prescindível a exigência de representação pela vítima, que tampouco poderá renunciar ou desistir da ação penal, por ser a ação de cunho público e incondicionado.

É forçoso observar que tal restrição à aplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 só se aplica à mulher vítima de violência de gênero, nos casos previstos pela Lei Maria da Penha, de modo que quando o homem for vítima e lesão corporal leve praticada por sua companheira, por exemplo, apesar da conduta ser enquadrada no mesmo art. 129, § 9º, do Código Penal, não será processada mediante ação penal pública incondicionada, e sim, condicionada à representação da vítima (BASTOS, 2013, p. 160-161). 

Neste sentido, vale frisar o disposto no art. 16 da Lei n.º 11.340/06, segundo o qual “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida [...], só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”[5]. O aludido dispositivo faz concluir, conforme explica Alferes et al. (2016), que subsiste a necessidade de representação no caso de delitos dispostos em leis diversas à Lei n.º 9.099/95, tais como o de crime de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal) e crimes contra a dignidade sexual (art. 225, caput, do Código Penal).

Resumidamente, feita a comunicação de ocorrência e instauração do inquérito, caso a vítima requeira a adoção de medidas protetivas de urgência, será formado expediente no qual conterá a sua qualificação, a do agressor e a de seus dependentes, assim como, conforme dito, a tomada de sua representação e a sucinta descrição dos fatos e das medidas pleiteadas. “Em síntese, cabe à vítima, segundo seu livre discernimento e após a devida orientação a ser dada pela autoridade policial (art. 11, V), auferir da necessidade das medidas de proteção” (CUNHA E PINTO, 2008, p. 95). Neste sentido, conforme Porto (2007, p. 76):

Convém, pois, proceder-se a uma análise mais detalhada de cada um desses procedimentos atribuídos à autoridade policial, que, em seu conjunto, relacionam-se, basicamente, a dois aspectos preponderantes: a) a conclusão do inquérito policial, eb) a elaboração do pedido da ofendida, direcionado ao juízo, para o deferimento de medidas protetivas de urgência.

Em seguida, o expediente de medidas protetivas é imediatamente remetido à autoridade Judiciária, em expediente próprio e especificamente ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JVDFM), se existente, ou a uma das Varas Judiciais, acompanhado de todos os documentos eventualmente apresentados pela vítima na Delegacia de Polícia. Dias (2013) explica que a ofendida pode se utilizar da regra de competência prevista no art. 15 da Lei n.º 11.340/06[6], que prevê a possibilidade de escolha do registro de ocorrência no foro do seu domicílio, do domicílio do agressor ou no local onde ocorreu a violência.

É importante salientar que cada caso de violência doméstica pode vir a gerar mais de um processo: um expediente solicitando medidas protetivas, uma ação penal e eventuais ações cíveis.

Registrada a ocorrência perante a autoridade policial, havendo requerimento de concessão de medida protetiva de urgência, o expediente deve ser enviado a juízo no prazo de 48 horas (art. 12, III). Tal providência não obsta a instauração do inquérito policial, que será remetido a juízo em 30 dias. O prazo é de 10 dias se o indiciado estiver preso (CPP, art. 10). Essas demandas não impedem que a vítima intente a demanda cível que entender cabível, quando o fundamento da ação é a violência doméstica (DIAS, 2013, p. 139).

Em 09/11/2017, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei n.º 13.505, que acrescenta alguns dispositivos na Lei Maria da Penha, podendo-se destacar, dentre eles, o atendimento policial e pericial especializado, as diretrizes e cuidados que deverão ser adotados para a inquirição da vítima e das testemunhas de crimes de violência doméstica contra a mulher, etc. Contudo, um dos artigos do então Projeto de Lei Complementar (PLC) 07/2017 previa que os delegados de polícia teriam o direito de expedir medidas protetivas em favor das vítimas nos casos de risco, sob a justificativa de que o Poder Judiciário seria lento no deferimento das medidas protetivas, o que foi vetado pelo presidente Michel Temer. Assim dispunha o art. 12-B da aludida Lei:

Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o agressor.

§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.

§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.

Em suma, o argumento utilizado pelo presidente para justificar o veto à proposta do deputado Sérgio Vidigal reside no fato de que o artigo, ao estabelecer competência não prevista para as polícias civis, violaria aos artigos 2º e 144, § 4º, da Constituição Federal, além de invadirem uma competência afeta ao Poder Judiciário. Assim, a competência para deferir, ampliar ou revogar as medidas protetivas de urgência continua sendo do magistrado, de modo que, conforme dito por Flávia Piovesan (Secretária Especial de Direitos Humanos), “a Polícia Civil não tem estrutura adequada para assumir essa tarefa”.

A Associação dos Delegados de Polícia (ADEPOL), em nota técnica emitida acerca do aludido Projeto de Lei Complementar[7], defendeu que ele não altera ou revoga qualquer dispositivo da Lei Maria da Penha: pelo contrário, o PLC 07/2016 aceleraria o contato entre a vítima e o juiz e garante a aplicação imediata de algumas medidas protetivas diretamente na delegacia de polícia, quando do registro de ocorrência e em caso de urgência. Segundo pontuado, “o que o PLC 07 propõe é que a vítima, em caso de risco iminente, já tenha algumas medidas protetivas deferidas pela delegada de polícia na hora, e que tenha a segurança de que voltando para a casa o agressor não se aproximará dela”.

Por sua vez, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) emitiu nota se manifestando contra a alteração da Lei Maria da Penha e pedindo o seu veto. Após exporem os argumentos pelos quais concluíam pela inconstitucionalidade da proposta, expuseram na íntegra o ofício direcionado ao presidente da República, alegando resumidamente que a “PLC 07/2016 apenas aparentemente traz um avanço, que se inicia com propostas legítimas e com discurso de proteção às mulheres, mas, sub-repticiamente, desfigura o sistema processual de proteção aos direitos fundamentais”.

Destarte, o surgimento da Lei Maria da Penha possibilitou a repressão de vários tipos de violência suscetíveis de serem praticados em âmbito doméstico e familiar, bem como a concessão, à mulher vitimizada, de uma gama abrangente de medidas protetivas, cuja finalidade abordou-se no decorrer deste capítulo. Basta que a ofendida, consciente de que há uma estrutura administrativa prevista na legislação com vistas a acolhê-la, dirija-se a uma unidade policial para registrar o fato criminoso e solicite ao Poder Judiciário que imponha a medida cautelar adequada, a fim de tentar eliminar o perigo e afastar de imediato a situação de risco que a vulnerava física, mental e psicologicamente.

Ademais, caso a vítima, perante o juízo competente para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar, confirme a intenção de representar criminalmente contra o agressor, ou ainda, nas hipóteses de ação penal pública incondicionada à sua representação, será dado início à ação penal intentada pelo Ministério Público, titular da ação penal pública. Assim, sendo suficientemente comprovadas, no curso da instrução processual, a autoria e materialidade delitiva, pode o réu vir a ser condenado criminalmente, conforme será a seguir melhor explicado.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Luísa. A relevância do relato da vítima com a Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5790, 9 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67992. Acesso em: 21 nov. 2024.

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