Enquanto há crescimento econômica e alta arrecadação tributária o Estado social pode sofisticar-se, com serviços públicos cada vez melhores. A educação é inteiramente pública e gratuita assim como a assistência médica de qualidade, em vários Estados europeus. Entretanto a capacidade do Estado de resistir a crises tem limites de intensidade e duração, e poucos contavam com a crise profunda da década de 70.
Com a crise econômica há uma diminuição da arrecadação tributária. Para isto o Estado Social estava preparado, pois vinha trabalhando com a idéia de superavit e deficit orçamentário. Poupar nos momentos de crescimento e investir para recuperar a economia nos momentos de crise. Entretanto a crise profunda diminui a capacidade do Estado responder a crescente demanda social, estando mais frágil justamente no momento onde é mais requisitado.
Este é o momento de penetração da proposta neoliberal já presente como uma crítica ao Estado Social desde o pós guerra. Os neoliberais apresentam uma solução para a crise que o Estado Social naquele momento não era capaz de superar. Entretanto, para supera-la, era necessário criar-se as condições para acumulação e expansão do capital, com a posterior criação de riquezas e empregos.
Para que o capital se expandisse era necessário que o Estado criasse as seguintes situações ideais:
- diminuição do Estado com processos de privatização, permitindo que o setor privado pudesse atuar naqueles setores onde o Estado era concorrente ou único ator.
- com a diminuição do Estado, inclusive nas suas prestações sociais fundamentais, é possível a diminuição ou eliminação dos tributos do capital, deixando que a classe assalariada arque com o que subsiste dos serviços públicos (os dados do período Reagan nos EUA ilustram esta afirmativa ).
- enfraquecimento dos sindicatos para que não haja pressão eficiente sobre o valor do trabalho ameaçando os lucros crescentes.
- para enfraquecer os sindicatos é necessária políticas econômicas de geração do desemprego, com a substituição gradual do trabalho humano pela automação (o capital tem investimento maciço em serviços e bens sofisticados para ampliação dos lucros aumentando o consumo sem aumentar os consumidores, permitindo assim, também, a geração do desemprego, o que pode parecer incompatível)
- com o enfraquecimento dos sindicatos, a diminuição dos salários em determinada área de produção. (os salários perdem seu valor real com uma inflação controlada, que permita a sua diminuição sem afetar o setor produtivo - em outras palavras, inflação existente mas sob controle).
- com o enfraquecimento dos sindicatos, a diminuição dos direitos sociais especialmente os direitos constitucionais do trabalhador, o que significa um retorno a características da terceira fase evolutiva do Estado.
Nas economias periféricas, onde o Estado Social é muito mais frágil, este processo ocorre com maior velocidade e profundidade, trazendo um novo e importante dado neste processo: o capital globalizado começa a se deslocar com enorme facilidade a procura de Estados que lhe ofereçam melhores condições para expansão dos seus lucros. Ao contrário do Estado Social fascista, onde o grande capital se tornou nacional para defender seus interesses, agora o grande capital é apátrida, não tendo nenhum compromisso com o Estado nacional que se enfraquece cada vez mais diante da impossibilidade de controlar a economia e o poder econômico privado.
Este fato faz com que ocorra uma migração do investimento, principalmente da Europa, onde o Estado, por exigência de uma população informada e organizada, é ainda grande e caro, para Estados do terceiro mundo. Talvez este seja um golpe fatal no Estado Social. Não podendo ignorar a globalização da economia os governos europeus conservadores e mesmo os de tendência social-democrata, procuram de certa forma estabelecer as condições exigidas pelo capital.
Recentemente a população européia disse
não ao neoliberalismo, quando colocou no poder os socialistas
e trabalhistas em grande parte dos Estados. Resta saber sobre
a possibilidade de se construir uma alternativa econômica
capaz de manter a segurança social com crescimento econômico
e geração de emprego. Se isto não ocorrer
o que vem a seguir já foi anunciado: com a crise do Estado
Social e democrático de direito, a inviabilidade de uma
solução socialista, o fim do liberalismo e a farsa
da solução neoliberal, os europeus anunciam o neofascismo,
força parlamentar importante hoje na Noruega e Áustria
e conquistando espaço na Alemanha, França e em quase
toda Europa central e oriental. (Ler "O Fascismo está
voltando?" de Jacques Juliard , Ed. Vozes, 1997, Petrópolis,
que aborda a queda do comunismo e a crise do capitalismo. Sobre
a realidade econômica atual ler: FORRESTER, Viviane. O Horror
Econômico, Editora Unesp, São Paulo, 1997 e GALBRAITH,
John Kenneth. A Sociedade Justa - uma perspectiva humana, Editora
Campus, Rio de Janeiro, 1996)
O que é a globalização? Para responder esta pergunta vamos consultar os mais recentes estudos sobre a questão.
Para Jean Luc Ferrandérry a globalização é um conceito que apareceu no meio dos anos 1980 nas escolas de negócios norte-americanas e na imprensa anglo-saxã. Esta expressão designa um movimento complexo de abertura de fronteiras econômicas e de desregulamentação, que permite às atividades econômicas capitalistas estenderem seu campo de ação ao conjunto do planeta. O aparecimento de instrumentos de telecomunicação extremamente eficientes permitiu a viabilidade deste conceito, reduzindo as distancias a nada. O fim do bloco soviético e o aparente triunfo planetário do modelo neoliberal no início dos anos 1990 parecem dar a esta noção uma validade histórica. Na França foi escolhido o nome mundialização para substituir glabalização, que insiste, particularmente, sobre a dimensão geográfica e tentacular, sem esquecer o sentido original. (FERRANDÉRRY, Jean Luc. Le point sur la mondialisation. Presses Universitaires de France PUF, Paris, 1996, p.3)
Podemos então dizer que a globalização tem sua origem na literatura destinada às firmas multinacionais, designando inicialmente um fenômeno limitado a uma mundialização da demanda se enriquecendo com o tempo até o ponto de ser identificado atualmente a uma nova fase da economia mundial.
Não há entretanto uniformidade na conceituação do termo podendo-se encontrar quatro significados distintos mas semelhantes:
Théodore Levitt propõe este termo para designar a convergência de mercados no mundo inteiro. Globalização e tecnologia serão os dois principais fatores que fazem as relações internacionais. Em consequência, a sociedade global opera com constância e resolução, com custos relativamente baixos, como se o mundo inteiro ( ou as principais regiões) constituíssem uma entidade única; ela vende a mesma coisa, da mesma maneira em todos os lugares [Levitt, Theodore. "The Globalization of Markets", Harvard Bussiness review, Harvard, Maio- Junho, 1983.]. Neste sentido, a globalização dos mercados se opõe a visão anterior de um ciclo de produção que consistia na venda ao países menos avançados os produtos que ficaram obsoletos nos países mais ricos. O termo se aplica mais a gestão da multinacionais e diz respeito exclusivamente às trocas internacionais. (Mondialisation au-dela des mythes, La Découverte - Les dossiers de L´état du Monde, Paris, 1997, p.15)
- Em 1990, esta noção é estendida por Kenichi
Ohmae ao conjunto da cadeia de criação do valor
(pesquisa-desenvolvimento [P-D], engenharia, produção,
mercado, serviços e finanças). Se num primeiro momento
uma firma exporta a partir de sua base nacional, ela estabelece
em seguida serviços de vendas no estrangeiro, depois produzidos
na localidade e ulteriormente ainda estabelece uma medida completa
da cadeia de valor na sua filial. Este processo converge em direção
a uma quinta etapa: a integração global, uma vez
que as firmas que pertencem a um mesmo grupo conduzem o seu P-D,
financiam seus investimentos e recrutam pessoal em escala mundial.
Desta forma globalização designa ainda uma forma
de gestão, totalmente integrada em escala mundial da grande
firma multinacional.
(OHMAE, Kenichi. L´entreprise sans frontière: nouveaux imperatifs stratégiques, InterÉditions, Paris, 1991, trad. De: The Bordless World: Power and Strategy in teh Interlinked Economy, Fontana, Londres, 1990.
OHMAE, Kenichi. Triad Power, The free press, New York, 1985. OHMAE, Kenichi.. De l´État Nation aux Etats Regions. Dunod, Paris, 1996 trad. de : The end of the Nation State, The free press, New York, 1995. MONDIALISATION AU DELA DE MYTHES, ob.cit, p.15)
- Desde que estas multinacionais representam uma fração
importante da produção mundial, os diversos espaços
nacionais se encontram obrigados a se ajustarem às suas
exigências pelo fato da extrema mobilidade que elas se beneficiam
hoje (comércio, investimento, finanças e P-D). Desta
forma a globalização significa então o processo
através do qual as empresas, as mais internacionalizadas,
tentam redefinir a seu proveito as regras do jogo antes impostas
pelos Estados-Nação. Nesta conceituação
deixamos o domínio da gestão interna das firmas
para abordamos a questão da arquitetura do sistema internacional.
Passamos da micro para a macro economia, das regras da boa gestão
da economia privada para o estabelecimento de políticas
econômicas e a construção ou redefinição
das instituições nacionais. Esta noção
evoca muito mais o processo em curso do que um estado final do
regime internacional que substituirá aquele de Bretton-Woods.
Constantemente, alguns sublinham o caráter irreversível
das tendências em curso frente a impotência das políticas
tradicionais dos governos diante das estratégias das grandes
firmas.
- Finalmente, a globalização pode significar uma nova configuração que marca a ruptura em relação às etapas precedentes da economia internacional. Antes a economia era inter-nacional , pois sua evolução era determinada pela interação de processos operacionais essencialmente no nível dos Estados-nação. No período contemporâneo vemos emergir uma economia globalizada na qual as economias nacionais serão decompostas e posteriormente rearticuladas no seio de um sistema de transações e de processos que operam diretamente no nível internacional. Esta definição é a mais geral e sistemática. De uma parte, os Estados-nação, e, por consequência os governos nacionais, perdem toda a capacidade de influenciar as evoluções econômicas nacionais, ao ponto que as instituições centralizadas herdadas do pós-guerra devem ceder lugar a entidades regionais ou urbanas, ponto de apoio necessário da rede tecida pelas multinacionais. De outro lado, os territórios submetidos a este novo modelo ficam fortemente interdependentes ao ponto de manifestar evoluções sincronizadas, por vezes idênticas, mas em todo caso em via de homogeinização. Adeus portanto ao compromisso político nacional e a noção mesmo de conjuntura local.
Adeus ao compromisso nacional e a noção de conjuntura local?
Olivier Dolfus afirma:
"A mundialização não suprimiu as atividades
locais, de proximidade: como aquelas do cabeleireiro ou da escola
maternal. Alguns processos, locais, não têm influência
e seus efeitos sobre o lugar se apagam rápido ( a fumaça
de uma chaminé ). Mais adicionados na escala global, produzem
fenômenos de uma natureza diversa que intervém em
níveis espaciais e temporais sem uma medida comum com os
fluxos modestos originais. Desta forma nada será mais falso
que pensar que do local ao global, os fenômenos se repetem
um dentro do outro como as bonecas russas. Praticamente, a cada
nível, eles mudam de valor, senão de natureza ou
de sentido: alguns se somam, outros se multiplicam e outros se
anulam."
(DOLFUS, Olivier. "La mondialisation".
Presses de Sciences Po, Paris, 1997, La Bibliotheque du Citoyen,
p. 145)
Por tudo que estudamos até aqui percebemos que permanece uma grande interrogação: para onde ir. O neoliberalismo não é capaz de responder às necessidades de trabalho e bem estar social da população mundial, o socialismo real está ameaçado de desaparecimento assim como muito o liberalismo clássico morreu para não mais voltar, e o Estado social está em crise de difícil solução pois mergulhado num mundo globalizado. Para onde ir?
A resposta está na construção da sexta fase de evolução do Estado, uma alternativa de uma democracia participativa que deve ser construída em nível local, na cidade, espaço da cidadania, encontrando um novo papel para o Estado e para a Constituição. (Sobre o assunto ler: QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz. Poder Municipal: paradigmas para o Estado Constitucional brasileiro, Editora Del Rei, Belo Horizonte, 1997)
Todos os três tipos de Estados que estudamos aqui, nas suas variadas formas e nas distintas fases de evolução, têm um ponto fundamental em comum: todos estabelecem na Constituição um modelo de sociedade e de economia. Seja o modelo liberal, cuja regra básica é a não intervenção no domínio econômico numa sociedade que tem como valor principal o individualismo e a propriedade privada, seja no Estado Socialista que tem Constituições que estabelecem uma economia e uma sociedade socialista, com fundamentos e valores coletivos, até o Estado Social, modelo de Constituição eclética na qual convivem lado a lado os princípios dos tipos de Estados ortodoxos socialista e liberal, invariavelmente as Constituições a partir do século XVIII estabelecem um modelo de Estado, sociedade e economia que deve ser obrigatoriamente seguido por todos os cidadãos. Os que não seguem o modelo posto são os excluídos, os miseráveis, os loucos e os presos, marginais do sistema.
O papel do Direito, da Constituição é o de estabelecer as margens, os limites desta sociedade, e, embora estes limites sejam cada vez mais largos, eles continuam a existir, como requisito e mesmo, razão de ser do Estado.
Desta forma o Estado tem como finalidade importante a função de reagir e conservar. Conservar o modelo de sociedade e reagir com sua força a qualquer tentativa de mudança fora das permitidas pelo modelo posto. Mesmo com o atual enfraquecimento do Estado nacional, este ainda é importante dentro do sistema globalizado para reagir a qualquer tentativa de mudança fora dos limites estabelecidos, agora, pelo grande capital transnacional globalizado, conservando desta forma o modelo existente e seus interesses e sistema de privilégios.
No lugar deste Estado reacionário, nas suas formas liberal, socialista, social-liberal, social-fascista e neoliberal devemos propor um Estado democrático onde a Constitucional nacional garanta os processos democráticos de constante mudança da sociedade, com respeito aos direitos humanos universais não culturais, deixando que cada município estabeleça na sua constituição de forma livre e democrática o seu próprio modelo de sociedade, de economia, de repartição de riquezas, e de convívio social, desde que respeitados os processos democráticos da Constituição nacional e que sejam respeitados os princípios universais de direitos humanos.
O caminho em direção ao novo poder das cidades, o poder local, hoje é sentido de maneira inequívoca em todo o mundo. Os mecanismos, princípios, modificações estruturais na administração municipal são estudados no nosso livro "Poder Municipal: paradigmas para o Estado Constitucional brasileiro", para o qual remetemos o leitor para compreensão da alternativa democrática proposta.