"Compre sempre na baixa, venda sempre na alta e não se abaixe para apanhar o sabonete”. A frase, atribuída ao genial Millôr Fernandes, retrata bem a cupidez e o escasso pudor das regras que predominam no mercado financeiro.
Essa falta de pudor ganha contornos ainda mais ousados quando a vontade de lucrar do mercado une forças com a perene necessidade dos governos em fazer dinheiro fácil e rápido, como, por exemplo, ocorre com a proposta de securitização da dívida ativa, que ultraja regras básicas de conservação da higidez fiscal.
Com o falacioso discurso de que a securitização tem por objeto os créditos podres que o Estado não consegue receber, esquiva-se de explicar por qual razão a cobrança do crédito continuará sob a responsabilidade do Estado mesmo depois de cedido ao mercado, que a partir de então seria o único interessado nessa cobrança
A razão da cobrança continuar com o Estado é que não existe a cessão do crédito em si, mas sim do dinheiro já recolhido pelo contribuinte. Termos da proposta como “direitos originários” e “cessão de fluxo financeiro”, autorizam que a receita pública arrecadada pela rede bancária seja diariamente capturada e desviada como garantia que o Estado não deixe de remunerar o investimento exatamente como pactuado.
Também não explica que os ativos classificados de “sênior” e “subordinado” distinguem os créditos bons dos podres, sendo os bons colocados no mercado por meio da modalidade “esforços restritos”, significando que serão discretamente direcionados a investidores privados privilegiados, e os créditos podres devolvidos ao ente público cedente.
A proposta nada mais é do que a possibilidade do rápido ingresso de dinheiro em caixa através de uma disfarçada e salgada operação de crédito, que será garantida pela alienação fiduciária da receita tributária oriunda de créditos líquidos e certos, produzindo com isso um passivo muito maior que o valor recebido, que será penosamente pago com exponencial dano à receita pública dos exercícios seguintes.
Não por acaso propostas semelhantes foram recebidas com duras críticas dos órgãos de controle de diversos entes da federação, alguns respondendo com ações de improbidade contra os idealizadores locais da securitização.
Caso a securitização se concretize por estas bandas, não tenho dúvidas de quem será obrigado a se abaixar para pegar o sabonete.
Então, torçamos para que não o deixem cair.
Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO