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Conselho Nacional do Ministério Público:

primeiras impressões

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Agenda 07/06/2005 às 00:00

5. Atribuições de Cunho Disciplinar.

Embora não seja divisada propriamente uma relação de hierarquia entre o Conselho Nacional do Ministério Público e as Instituições por ele controladas, pois consubstanciam estruturas organizacionais distintas e com individualidade própria, isto sem olvidar que o controle a ser desenvolvido é de cunho externo, a reforma atribuiu ao Conselho poder correicional e disciplinar (17).

Note-se que, diversamente do controle externo exercido pelo Ministério Público em relação à atividade policial, que não alcança a esfera disciplinar e cujo alcance correicional é nitidamente extraordinário, assumindo um contorno subsidiário e de cunho provocatório das autoridades hierarquicamente superiores às controladas, a atribuição do Conselho é muito mais ampla. Apesar de serem prestigiados os poderes disciplinar e correicional do Ministério Público, quer dos Estados, quer da União, o Conselho está autorizado a instaurar e a requisitar os procedimentos disciplinares já instaurados contra membros ou órgãos dessas Instituições, inclusive contra seus serviços auxiliares.

A instauração ou a avocação de procedimento disciplinar em curso, na dicção do art. 130-A, § 2º, III, da Constituição da República, se dará com o recebimento e o conhecimento de reclamação ofertada por qualquer do povo, nítido mecanismo de contenção dos poderes do Conselho, que, sob o prisma disciplinar, não está autorizado a agir de ofício. No entanto, ressalva o inciso seguinte que, em se tratando de procedimento disciplinar instaurado contra membros do Ministério julgado há menos de um ano, o Conselho poderá revê-los de ofício ou mediante provocação, não havendo qualquer óbice à reformatio in pejus. A ratio da distinção nos parece ser a de realçar a subsidiariedade da atuação do Conselho na aferição dos aspectos disciplinares ainda não submetidos aos mecanismos de controle interno, atividade esta que somente será deflagrada mediante provocação e conseqüente apresentação de motivos aptos a justificá-la.

Apesar de o inciso III dispor que a atuação do Conselho se dará sem prejuízo da "competência disciplinar e correicional da instituição", parece-nos que a preservação da harmonia entre as Instituições exige a adoção de uma postura de self restraint (auto-contenção), com a conseqüente injeção de influxos de razoabilidade na interpretação constitucional. Com efeito, não soa razoável a tramitação paralela de procedimentos disciplinares no Conselho e na Instituição controlada, o mesmo ocorrendo em relação à sua imediata avocação sem que sequer tenha sido possibilitada a deflagração dos instrumentos de controle interno. Além de irrazoável, é difícil acreditar que o Conselho seja dotado de uma estrutura tão ampla e complexa a ponto de absorver toda a demanda dessa natureza; logo, encampando-se diretiva diversa, das duas uma: ou o Conselho terá suas engrenagens emperradas ou sua atuação será direcionada por uma casuística não muito transparente e, ao fim, certamente censurável.

Uma forma de viabilizar a atuação do Conselho, compatibilizando-a com a autonomia das Instituições controladas, seria reservá-la às hipóteses em que os mecanismos internos de controle não tenham dispensado uma solução adequada à questão em prazo razoável (18). Formulada a reclamação diretamente ao Conselho, caberia ao órgão repassá-la à Instituição controlada, permitindo a deflagração dos mecanismos de controle interno. Decidido o procedimento, seria ampla a liberdade em revê-lo.

Apreciando os procedimentos disciplinares instaurados "contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares", caso entenda conveniente fazê-lo anteriormente à sua ultimação no plano interno, poderá o Conselho "determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa." (19) Note-se que, especificamente em relação às sanções, a parte inicial da norma atua como elemento limitativo da última. As únicas sanções da alçada do Conselho que podem dissociar o agente do respectivo órgão são as três primeiras: a remoção, embora mantenha o agente na carreira, resulta na sua alocação em órgão diverso; a disponibilidade faz com que o agente assuma o status de inativo, mas mantenha o vínculo com a carreira, do que resulta a possibilidade de aproveitamento futuro; e a aposentadoria, com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço, transfere o agente para a inatividade e o afasta da carreira, impedindo o reaproveitamento. Assim, as demais sanções administrativas ali referidas, de alcance e intensidade variáveis (v.g.: advertência, suspensão etc.), não alcançam a de perda do cargo, quer em relação aos servidores, quer em relação aos membros do Ministério Público não-vitalícios, pois, como se sabe, os vitalícios somente perdem o cargo mediante decisão judicial transitada em julgado. A preocupação do Constituinte derivado em enumerar as sanções que afastam o agente do respectivo órgão indica, claramente, que as demais sanções administrativas ali referidas devem produzir efeitos outros que não esse.

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Outro aspecto que deve ser objeto de reflexão é a definição do exato alcance do inciso III do parágrafo segundo do art. 130-A: trata-se de norma que tão-somente define a atribuição e os limites do poder disciplinar do Conselho Nacional ou dispõe, de forma ampla e genérica, sobre as próprias sanções disciplinares passíveis de serem aplicadas? Embora a literalidade da norma possa induzir a conclusão diversa, cremos que a primeira proposição é a correta. A definição da autoridade responsável pela aplicação de determinada sanção não significa possa ser ela aplicada sem a prévia individualização das infrações administrativas e, consoante o escalonamento dos distintos graus de lesividade, das sanções a que cada qual corresponde. Trata-se de um imperativo de segurança jurídica.

Como observa Alejandro Nieto, "el mandato de tificación tiene dos vertientes: porque no sólo la infracción sino también la sanción há de estar debidamente prevista en la norma que, mediando reserva legal, há de tener rango de ley. Com remisión o sin ella, una vez realizada la tipificación de las infracciones, las normas han de atribuirlas unas sanciones determinadas, estableciendo la correlación entre unas y otras. Operación que se realiza a través de dos distintas técnicas: En unos casos, lo menos, se atribuye directa e individualmente una sanción a cada infración. Pero, por lo comum, la ley procede de una manera muy distinta, genérica y no concreta, operando no con infracciones y sanciones individuales sino con grupos de una y otras, que permiten evitar el prolijo detallismo de una atribuición individual: un lujo que sólo se pueden permitir las leyes penales por gracia del reducido repertorio de sus ilícitos; pero que resulta imposible cuando se tienen que manejar docenas de miles de infracciones (y, para mayor dificultad, muchas de ellas tipificadas por remisión)" (20). Adiante, acrescenta que, "una vez clasificadas las infracciones, la Ley atribuye seguidamente a cada escalón de ellas un paquete de sanciones, que suele ser flexible, de manera que la Administración, a la vista de las circunstancias de cada caso, señala la sanción concreta dentro del abanico legalmente previsto" (21), concluindo que "la correspondencia, legalmente establecida, entre infracciones y sanciones es imprescindible, de tal manera que, si se ha tipificado correctamente la infracción pero no se le ha atribuído correspondiente sanción, no puede imponerse una sanción concreta" (22). Por identidade de razões, não se pode aplicar uma sanção sem a prévia definição da infração que ensejará a sua aplicação.

O Conselho Nacional, apesar de estar autorizado a aplicar as sanções previstas no inciso III do parágrafo segundo do art. 130-A, somente poderá fazê-lo com estrita observância das normas disciplinares reguladoras de cada Ministério Público, sendo cogente a observância da tipologia legal e das respectivas sanções cominadas. À sanção administrativa haverá de estar associada uma infração de igual natureza, sendo a lei o veículo adequado à definição desta, isto sob pena de legitimar-se a usurpação da própria atividade legislativa, que passaria a ser indevidamente exercida pelo Conselho. Entendimento diverso, além de violar os princípios da segurança jurídica e da divisão das funções estatais, também afrontaria o princípio do devido processo legal, consagrado no art. 5º, LV, da Constituição da República.

Com escusas pela obviedade, parece oportuno lembrar que também as sanções administrativas aplicadas pelo Conselho devem guardar uma relação de proporcionalidade com as infrações administrativas praticadas, aspecto que, segundo entendimento já sedimentado junto aos tribunais pátrios, foge à discricionariedade do órgão (23).


6.

O Corregedor Nacional e suas Atribuições.

Formado o Conselho, caberá ao órgão, em votação secreta, escolher um Corregedor Nacional, dentre os membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução (24). Sendo cinco os representantes do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República e um membro de cada ramo, é provável que tal escolha somente venha a ratificar a preeminência dessa Instituição no Conselho, que dificilmente deixará de eleger os candidatos por ela apoiados.

As atribuições do Corregedor Nacional estão previstas nos incisos do parágrafo terceiro, verbis: "I - receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; II - exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; III - requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público". As atribuições do Corregedor, como se percebe, estão voltadas às atividades de cunho disciplinar e correicional, cabendo-lhe o recebimento e a colheita de informações para fins de submissão ao Conselho, órgão com atribuição para valorá-las e decidir. Sua atividade é instrumental, não finalística.

Considerando que o inciso III do parágrafo segundo do art. 130-A dispôs ser atribuição do Conselho receber "reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares", resulta claro que tal se dará por intermédio do Corregedor Nacional, não sendo divisada qualquer antinomia entre os preceitos. Embora o inciso I do parágrafo terceiro, ao dispor sobre as atribuições do Corregedor Nacional, faça menção ao recebimento de reclamações e denúncias "de qualquer interessado", não nos parece que essa expressão tenha o condão de restringir a sua atuação às hipóteses em que o reclamante ou o denunciante demonstre possuir interesse jurídico na questão, restando ao Conselho Nacional a recepção daquelas em que tal não seja demonstrado. Essa conclusão terminaria por contrariar a própria razão de ser da função do Corregedor, que é a de recepcionar, preparar e encaminhar procedimentos, bem como exercer funções executivas do Conselho, não sobrecarregar os membros do órgão, em nítida superposição de esferas de atuação, com atividades de um agente que para tanto foi devidamente aparelhado.

Note-se que somente ao Corregedor Nacional foi outorgado o poder de requisitar membros do Ministério Público e servidores dos seus serviços auxiliares, não ao Conselho Nacional em si. Embora se reconheça que o Corregedor Nacional integra o Conselho, trata-se de um nítido exemplo de silêncio eloqüente, sendo assistemática a tese de que o poder de requisição do último decorreria da amplitude de suas funções, refletindo uma clara manifestação da teoria dos poderes implícitos. Incumbe ao Corregedor a realização de inspeções e correições, justificando que o referido poder esteja nele concentrado: ademais, fosse outra a ratio da norma, o poder de requisição não seria expressamente outorgado a órgão específico, mas, sim, concentrado no próprio Conselho.

Vale realçar a amplitude dos poderes a serem exercidos pelo Corregedor Nacional, pois, sob as epígrafes da inspeção e da correição, atividades executivas que o inciso II do parágrafo terceiro do art. 130-A indica pertencerem ao Conselho, encontra-se uma ampla e irrestrita liberdade de acesso às instalações e documentos relativos às atividades desenvolvidas pelos agentes fiscalizados. Uma interpretação sistemática indica que, como o Conselho, anteriormente à instauração do procedimento disciplinar, somente pode atuar quando provocado, não será possível a realização de inspeções e correições "de rotina", sem a existência de um procedimento prévio, em tramitação no órgão, noticiando a existência de irregularidades a serem apuradas.


7.

O Procurador-Geral e as Atribuições de Cunho Disciplinar do Conselho Nacional.

Considerando a amplitude dos poderes correicional e disciplinar do Conselho, releva analisar se o Procurador-Geral, de Justiça ou da República, terá a sua esfera jurídica por eles alcançada.

A nosso ver, não são necessários maiores desenvolvimentos para se concluir pela negativa. Ao Conselho incumbe aplicar sanções administrativas, não estando o Procurador-Geral, nessa condição, sujeito a sanções de tal natureza. O Chefe da Instituição ocupa o ápice do escalonamento funcional, inexistindo órgão de hierarquia superior com atribuição para lhe aplicar sanções administrativas.

Em questões afetas ao exercício funcional e ao padrão comportamental por ele desenvolvido no âmbito institucional, somente restará a responsabilização política (excluindo-se os planos cível e criminal, que alcançam todo e qualquer agente público), a ser promovida no âmbito do Poder Legislativo (25).

Não estando sujeito ao poder disciplinar do Conselho, será ilegítima a realização de correições e inspeções junto à estrutura administrativa especificamente vinculada à atuação do Procurador-Geral de Justiça, salvo se o desiderato final, sem dissimulações, for o de aferir a conduta de determinado membro ou servidor do Ministério Público.


8.

As Ouvidorias.

Consoante o art. 130-A, § 5º, da Constituição, "leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público."

Tratando-se de órgão cujas atribuições estão estritamente vinculadas ao Ministério Público, entendemos que tanto o Chefe do Executivo como o Chefe do Ministério Público detém iniciativa legislativa concorrente para deflagrar o processo legislativo: na União, o Presidente da República e o Procurador-Geral da República; nos Estados, o Governador do Estado e o Procurador-Geral de Justiça. Como se constata pela sistemática adotada no parágrafo quinto, cada ente da Federação, consoante a natureza do respectivo Ministério Público (dos Estados ou da União), terá competência legislativa plena, não havendo que se falar em edição de normas gerais pela União.

Para o fiel cumprimento dos seus objetivos, é necessário que a ouvidoria, ainda que integrada em sua estrutura, seja funcionalmente independente do respectivo Ministério Público, não sendo aceitável uma relação de subordinação quanto aos agentes cuja conduta possa vir a ser questionada.

Não compete à ouvidoria a prolação de decisões, mas, tão-somente, a partir da verossimilhança dos fatos narrados, promover a sua apreciação pelo órgão competente, in casu, o Conselho. Esse juízo prévio, ainda que superficial, é da essência da própria atividade a ser desenvolvida, pois, não fosse assim, não seria necessário um ouvidor, mas um mero protocolo.

Como desdobramento do que dissemos em relação aos poderes disciplinar e correicional do Conselho, é igualmente aconselhável que o ouvidor venha a cientificar os órgãos da Administração Superior do Ministério Público das irregularidades que lhe sejam narradas, permitindo a deflagração dos mecanismos de controle interno.

Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. Conselho Nacional do Ministério Público:: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 702, 7 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6848. Acesso em: 23 dez. 2024.

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