5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma vez que se concebe a discricionariedade como margem de liberdade que a norma faz remanescer ao administrador para que escolha, por meio de critérios extrajurídicos, entre soluções juridicamente indiferentes, cumpre perquirir se a presença de conceitos indeterminados na norma disciplinar enseja ou não apreciação discricionária, por parte do administrador, dos motivos que autorizam a emissão do ato que aplica o comando legal.
Freqüentemente, pode-se verificar pluralidade de juízos quanto à subsunção ou não de uma conduta a determinada hipótese legal descrita por conceitos fluidos. Não obstante, do ponto de vista do direito, a apreciação destes não enseja margem de escolha entre indiferentes jurídicos e reclama solução unívoca: ou se dá, ou se não dá o conceito. O elemento valorativo presente na atividade de interpretação/aplicação do direito não a caracteriza como exercício de potestade discricionária, apenas serve de meio para que o aplicador reconduza o caso concreto às zonas de certeza positiva ou negativa do conceito impreciso e adote a solução juridicamente unívoca, subsumindo ou não o caso à hipótese legal. A intelecção da hipótese da norma disciplinar é, por sua vez, pressuposto para a fixação do mandamento respectivo, porquanto a gradação da severidade da sanção fixada deve obedecer à gradação da gravidade da infração que, valorada pelo julgador, foi reputada cometida.
A decisão de aplicar ou não uma sanção disciplinar, portanto, bem como a fixação do montante de tal sanção, quando fundadas na análise de um conceito jurídico indeterminado presente no pressuposto fático da norma, constituem-se como aspectos vinculados do ato sancionador, passíveis de serem examinados pelo juiz, que poderá valorar a conduta do servidor, bem como determinar a punição disciplinar que corresponder ao resultado de tal valoração.
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Notas
1
ARAÚJO, E. (1994, p. 28 e 56) distingue entre ilícito administrativo disciplinar e não disciplinar. No primeiro, atenta-se contra a relação de hierarquia e subordinação (tome-se, como exemplo, a desobediência à ordem não manifestamente ilegal de um superior hierárquico); no segundo, contra a boa ordem do serviço público (por exemplo, a infração ao dever de tratar com urbanidade os colegas). Este trabalho monográfico, entretanto, não fará uso da distinção acima mencionada e sempre utilizará a dicção "ilícito disciplinar" para se referir ao gênero "ilícito administrativo".2
Para maior aprofundamento, vide: LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar – Teoria e Prática. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 64; FREITAS, Izaías Dantas. "A finalidade da pena no Direito Administrativo Disciplinar". Revista de Informação Legislativa. Brasília, a.36, n.141, p. 119-128, jan/mar 1999, p. 120; CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Direito e Processo Dsciplinar. 2 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1966, p. 8; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, v. II. 4 ed. Madrid: Civitas, 1995, p. 169/170; COSTA, José Armando. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 2 ed. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 29; LIMA, Paulo Barros de Araújo. "Do Exercício do Poder Disciplinar e seu Controle". Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 70, p. 13-36, out/dez 1962, p. 21.3
Mister ponderar, entretanto, que, segundo entendemos, o elemento valorativo, pelos fundamentos que adiante exporemos, não pode ser excluído da atividade interpretativa e não se confunde com a tomada de decisão de vontade.4
Pondere-se, entretanto, que o mencionado autor nega a possibilidade de se extrair da lei uma solução unívoca para todos os casos, por meio da interpretação, de vez que esta, entendida como prudência, supõe a faculdade de o aplicador escolher uma entre as diversas exegeses adequadas. Diferentemente de ENTERRÍA, portanto, GRAU afirma interferir a decisão de vontade do aplicador na subsunção do fato ao conceito impreciso. A distinção entre discricionariedade e interpretação não residiria, portanto, no número de soluções justas, mas no fato de que cada uma de tais atividades enseja a emissão de juízos diversos (de oportunidade e de legalidade, respectivamente). Neste ponto, ousamos discordar de GRAU e perfilhamos o entendimento de ENTERRÌA, porquanto o que o primeiro reputa como decisão de vontade, a interferir no ato de subsunção do fato à norma, nós consideramos ser apenas atividade de valoração, a qual é ato intelectivo e, pelas razões que explanaremos infra, não se confunde, pois, com ato volitivo.5
"A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a "correta", não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito." (KELSEN, 1999, p. 393)