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A atuação do ente público na persecução criminal, à luz da Constituição Federal

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Agenda 11/06/2005 às 00:00

4– OS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

4.1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS

Primeiramente, é de bom alvitre lembrar que o Capítulo I do Título XI do Código Penal (Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral), não esgota, naturalmente, todos os crimes que podem ser praticados por funcionário público no exercício de suas funções (crimes funcionais: próprios ou impróprios).

Aliás, é extenso o número de tipos penais que podem ser por estes praticados, nesta condição, ou seja, na condição de servidor ou funcionário público, tais como aqueles definidos nos artigos 150, § 2º, 296, § 2º, ambos do Código Penal; na Lei 8666/93, etc.

É interessante ressaltar, também, que, para os efeitos penais, funcionário público, nos termos do artigo 327 do Código Penal, é todo aquele que "embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública".

4.2 – SUJEITO PASSIVO – ESTADO ADMINISTRAÇÃO

Não se pode negar que o Estado-Administração (Fazenda Pública ou Ente Público) especificamente, e não o Estado em sentido amplo, figura como sujeito passivo imediato nos crimes que são praticados por funcionários públicos (crimes funcionais), mesmo na hipótese em que não ocorra lesão ao seu patrimônio físico, eis que, a despeito disso, é o ofendido na ação delituosa, pela caracterizada violação do dever de integridade funcional, bem jurídico de que é titular.

Por esse motivo, aliás, o ente público (e não o Ministério Público) instaura imediatamente, processo administrativo disciplinar, quando da prática de crime funcional.

No crime de corrupção passiva (CP, art. 317), por exemplo, malgrado não ser necessária para a sua consumação a ocorrência de dano ao erário, o Estado-Administração é o sujeito passivo imediato ou direto.

Neste sentido é o entendimento doutrinário, ao referir-se acerca da condição de sujeito passivo do ente público no crime supracitado:

"1.02 – Sujeito passivo (Estado – Administração Pública).

Sujeito passivo é o Estado, ou, particularmente, a Administração Pública, pois ele é o titular do bem jurídico ou do interesse penalmente tutelado. É bem de ver que o Estado é sempre o sujeito passivo primário de todos os crimes, pois o direito penal é direito público, que somente tutela interesses particulares, pelo reflexo que sua violação acarreta no corpo social. A lei penal tutela, em primeiro lugar, o interesse da ordem jurídica legal, de que é titular o Estado. Todavia, o que na doutrina se considera sujeito passivo é o titular do interesse imediatamente ofendido pela ação delituosa ou do bem jurídico particularmente protegido pela norma penal, ou seja o sujeito passivo particular ou secundário. Há crimes, porém, como o que ora estudamos, em que o próprio Estado aparece como sujeito passivo particular, pois a ele pertence o bem jurídico diretamente ofendido pela ação incriminada". [39].

4.3. – A INTERVENÇÃO DO ENTE PÚBLICO, TAMBÉM NAS PERSECUÇÕES RELACIONADAS AOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO QUE NÃO CAUSAM LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO MATERIAL.

Conforme visto acima, nos crimes praticados por funcionário público, no exercício de suas atribuições (crimes funcionais), o ente público figura como sujeito passivo direto ou imediato, a despeito de não ter ocorrido ofensa ao seu patrimônio material, como ocorre, repita-se, na figura típica descrita no art. 317 do CP (Corrupção Passiva).

Assim, em princípio, não obstante esta condição (sujeito passivo) do Estado-Administração, poderia se pensar que não teria interesse que justificasse sua intervenção na persecução penal, eis que não haveria danos materiais a serem reparados.

É evidente que referida assertiva seria totalmente equivocada, tendo em vista a plena e categórica legitimidade tanto para a propositura da ação penal subsidiária como para a atuação como assistente, à luz da Carta Magna; do Código Penal e do Código de Processo Penal (CF, art. 5º, inc. LIX; CP, art. 100, § 3º e CPP, arts. 29; 31 e 268), em face da condição do ente público em tais crimes, de ofendido; vítima ou sujeito passivo imediato, conforme já mencionado nos tópicos anteriores.

Além disso, é evidente o interesse jurídico da Fazenda em atuar como assistente da acusação, pois os crimes praticados por servidor ou funcionário público, que geram prejuízos materiais ou morais à terceiros (não para a administração), via de regra provocam a propositura de ação de reparação de danos em desfavor da Fazenda Pública, à vista da responsabilidade objetiva do Estado, prevista no § 6º do art. 37 da Carta Política: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

A respeito da mencionada responsabilidade objetiva, as lições de Hely Lopes Meirelles, ao comentar sobre o citado dispositivo constitucional:

"O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa do cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados." [40]

Não se pode negar, então, o interesse do ente público em acompanhar o processo, em face dos efeitos que exsurgem da sentença penal no processo cível de indenização, conforme ressalvado no item 3.2 deste trabalho.

Ademais, quando se afirma que a sentença penal condenatória ou absolutória, em algumas situações, prevalece sobre as decisões proferidas no cível, está se afirmando, também, que esta mesma sentença prevalece sobre o processo administrativo disciplinar instaurado em face do cometimento de crime por funcionário público.

A respeito da influência decisiva da sentença penal absolutória, por exemplo, nos citados processos administrativos, trazemos à baila o esquema muito bem elaborado por João Kleiber Ésper:

ABSOLVIÇÃO JUDICIAL

(Art. 386 e seus incisos, do CPP: hipóteses em que repercute ou não na esfera administraiva

1) Estar provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP)

Ex: Servidor acusado de peculato. O juiz absolve (art. 386, I, do CPP), posto que o bem tido como desviado, estava em outro setor da repartição (J. CRETELLA, Prática do Processo Administrativo, Ed. RT, SP, 1988, pág. 122)

Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (STF – RDA 94/86 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 130; STJ RMS 2.611-5 SP, DJU 23.08.93.

2) Não haver prova da existência do fato (art. 386, II, CPP)

Ex: Bibliotecário acusado de peculato (subtração de livros). Nenhum livro, entretanto, é encontrado com o funcionário. Não há prova contra o servidor. O acusado é absolvido pelo juiz (art. 386, II, CPP).

Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (STF – RDA 97/113 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)

..............................

4) Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (art. 386, IV, CPP).

Ex: Servidor é acusado de deixar a porta da repartição aberta, propociando a subtração de bens. Absolvido (art. 386, IV, CPP).

Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (RF 141/141; RF 94/281; J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)

5.a) Exclusão de crime: (de ilicitude ou de antijuridicidade) – art. 23, CP (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, e exercício regular de direito).

Obs: Servidor absolvido nessas hipóteses, no processo penal instaurado em torno dos mesmos fatos. A sentença penal repercute (prevalesce) na esfera administrativa (Cf. J. CRETELLA, obra citada, págs. 128 e 134).

Cumpre destacar, a propósito, que o citado autor adverte: Em outras palavras, as autoridades administrativas que instauram o processo administrativo, não poderão divergir do juiz do crime, afirmando que o fato não se deu em legítima defesa ou em estado de necessidade........

5.b)..........

6).............[41]

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No que concerne aos efeitos definitivos no processo administrativo disciplinar decorrentes da sentença penal condenatória, as lições do saudoso Hely Lopes Meirelles:

"...essas três responsabilidades são independentes e podem ser apuradas conjunta ou separadamente. A condenação criminal implica, entretanto, reconhecimento automático das duas outras, porque o ilícito penal é mais que o ilícito administrativo e o ilícito civil. Assim sendo, a condenação criminal por um delito funcional importa o reconhecimento, também, de culpa administrativa e civil, mas a absolvição no crime nem sempre isenta o funcionário destas responsabilidades, porque pode não haver ilícito penal e existirem ilícitos administrativo e civil". (grifei) [42]

Importante discorrer, ainda, sobre os reflexos das sentenças penais no que diz respeito à exoneração de servidores estáveis.

Consoante é sabido, as hipóteses de perda de cargo público estão previstas na Constituição Federal, no bojo do artigo 41, que prevê no inciso I do parágrafo primeiro, que o servidor público estável perderá o cargo "em virtude de sentença judicial transitada em julgado".

Assim, perderá o cargo o servidor público por meio do efeito da sentença penal condenatória, sempre que caracterizada a hipótese prevista na letra "a" do inciso I do art. 92 do Código Penal, adiante transcrito:

Art. 92: São também efeitos da condenação:

I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo:

a- quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

Como se vê, é fora de dúvidas que as sentenças penais geram importantíssimos efeitos junto à Administração Pública, o que, a par da sua condição de vítima ou ofendida, demonstra a presença dos pressupostos necessários à assistência qualificada ou litisconsorcial no processo criminal, conforme visto no tópico anterior, quais sejam:

a)Interesse Jurídico – existência de uma relação jurídica entre o terceiro e uma das partes;

b)Possibilidade da sentença influir na referida relação;

c)A existência de uma ação.

Comentando sobre esses pressupostos, o Professor Athos Gusmão Carneiro afirma que "Defendendo o interesse alheio, o assistente também defende o seu próprio interesse, pois sua situação jurídica é suscetível de ser influenciada, para melhor ou para pior, pelo decisão. [43]

Além do que, é de se lembrar que o Decreto-Lei n. 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, prevê, no § 1º do seu art. 2º que "Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação".(grifo nosso).

Ora, nem todas as figuras delitivas descritas no citado Decreto-Lei geram danos ao erário ou ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. Não obstante, o aludido Diploma Legal autoriza a intervenção do ente público como assistente da acusação.

Assim, pode-se afirmar que o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal, combinado com o Decreto-Lei supracitado, também legitima a aludida pessoa jurídica a atuar como assistente de acusação, mesmo nos crimes dos quais não lhe resulta o efetivo dano material.

Têm-se, pois, forçoso admitir que o Estado-Administração poderá propor ação penal subsidiária, bem como atuar como assistente, não só na persecução relacionada aos crimes nos quais é sujeito passivo direto, em face dos decorrentes prejuízos ao seu erário ou patrimônio físico, como também nos tipos penais praticados por funcionário público, no exercício de suas atribuições, a despeito de não lhe causarem os citados prejuízos materiais.


5 – A FORMA DE ATUAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO NO DESEMPENHO DE SUAS ATRIBUIÇÕES

5.1 – O PODER-DEVER DE AGIR

O agente público, naturalmente, independentemente da natureza de suas atribuições, sempre as exerce visando, ao final, o atendimento do interesse público.

Desta feita, por não estar zelando por seus bens particulares, mas sim, por bens ou interesses públicos, é inconcebível a omissão, diante de uma situação em que haja necessidade de agir, tendo ele poderes para tanto.

Tal omissão, aliás, poderá ensejar sanções de ordem administrativa e penal, tais como aquelas previstas nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação), ambos do Código Penal.

O Professor Diógenes Gasparini, ao comentar acerca do poder-dever de agir, invocando Hely Lopes Meirelles, ensina que:

"As competências do cargo, função ou emprego público devem ser exercidas na sua plenitude e no momento legal. Não se satisfaz o direito com o desempenho incompleto ou a destempo da competência e, puor ainda, com a omissão da autoridade. Não se compreende que o agente público pratique intempestivamente atos de sua competência, desde que ocorra a oportunidade para agir, como não se entende que só se desincumba de parte de sua obrigação ou se abstenha em relação a essa obrigação. A esse respeito ensina Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit., p. 85) que, "se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade." [44]

5.2 – O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Como o próprio nome está a indicar, nada mais é do que princípio pelo qual se exige do agente público, no exercício de sua atividade, não apenas a observância da legalidade dos atos, mas, além disso, um resultado que efetivamente possa atender aos interesses da administração pública ou da coletividade.

A esse respeito, ensina o Professor Hely Lopes Meirelles:

"O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros." [45].

5.3 – O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE

O princípio da indisponibilidade estabelece, em síntese, que os agentes públicos tem a incumbência de apenas administrar ou zelar pelos bens ou interesse públicos, tendo em vista que não são, obviamente, seus proprietários. Assim, inadmissível qualquer ato tendente à sua disposição, salvo se autorizado pelo próprio Estado, através de lei.

A propósito, assevera o Professor Diógenes Gasparini:

Não se acham, segundo esse princípio, direitos, interesse e serviços públicos à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus senhores ou seus donos, cabendo-lhes por isso tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar, para relevar a prescrição (RDA, 107:278) e para tantas outras atividades a cargo dos órgãos e agentes da Administração Pública. [46].

5.4 - A OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS NOS PROCESSOS CRIMINAIS

Conforme já exaustivamente colocado acima, tem a vítima legitimidade tanto para propor a ação penal privada subsidiária da pública, como para intervir nos processos criminais como assistente.

Todavia, é de se considerar que tais providências são meras faculdades concedidas pela lei às pessoas físicas e jurídicas de direito privado.

A propósito, Júlio Fabrini Mirabete afirma que: "...Além disso, o art. 268 lhe concede o direito de, facultativamente, auxiliar o Ministério Público na acusação referente aos crimes que se apuram mediante ação pública, incondicionada ou condicionada, dando-lhe, então, a denominação de assistente.(grifei) [47]

Não se pode, porém, falar o mesmo, especialmente, com relação às pessoas jurídicas de direito público, em face dos princípios que norteiam a Administração.

Assim, o representante legal do Poder Público, que tem o dever de zelar pelo interesse da Administração Pública, representando-a tanto judicial como extrajudicialmente, bem como lhe prestando consultoria jurídica, não tem o livre arbítrio de, frente a um processo criminal instaurado em face de condutas que lesionaram o erário, por exemplo, manter-se inerte, diante de uma legislação que lhe autoriza a agir, quer propondo a ação penal subsidiária, quer intervindo como assistente no citado processo, visando, pelo menos, futura reparação de danos.

É que o representante do ente público, na verdade, encarna o próprio Estado-Administração judicial e extrajudicialmente. Assim, não está obrigado a apenas defendê-lo em situações de conflito. Tem também o dever de agir, tomando a iniciativa de promover ataques judiciais para a defesa do patrimônio público, tendo em vista os princípios constitucionais que norteiam este mesmo Estado-Administração que ele representa, dentre os quais, por exemplo, o da indisponibilidade.

Sobre este tema, trazemos à lume a manifestação da Dra. Fides Angélica Ommati, que ressalta, dentre outras questões, a aplicação do princípio da indisponibilidade no exercício da advocacia pública:

A advocacia tem um compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF), é o advogado "defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce (Código de Ética, art 2º ).

Ainda tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de "função pública", a advocacia pública propriamente é denominação que se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu exercício.

Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente, mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição Institucional. Revista de Informação Legislativa, n. 117, p. 191). Por tal circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento processual..."

...........................................

O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário, restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos outros em que se evidencie o principio democrático de atendimento segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.

A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos. (grifei) [48].

Essa postura do Procurador do ente público torna-se ainda mais evidente, ao considerarmos que o seu papel é o de presentar a pessoa jurídica e não de representá-la, conforme razões já esposadas no item 1.2.

Neste sentido é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:

Os Procuradores de Estado não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o órgão da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e do ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não representam a pessoa jurídica estatal...[49]

Vale repetir, neste momento, as lições de Athos Gusmão Carneiro:

A substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.

O substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o interesse do substituído.

Já o representante defende "em nome alheio o interesse alheio".

Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado.......

Também inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é substituto processual e nem representante legal: "A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica.......

..................................

A presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente...(...)...O que a vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas". (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (grifo nosso) [50]

Realce-se que além do princípio da indisponibilidade, o da eficiência, atrelado, aliás, ao poder-dever de agir do agente público, também conduz à obrigatoriedade do representante da pessoa jurídica de direito público atuar nos aludidos processos penais.

A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hely Lopes Meirelles, comenta que:

A Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.

Hely Lopes Meirelles (1996:90-91) fala na eficiência como um dos deveres da Administração Pública, definindo-o como "o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros".

.........................

O princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar (grifei) [51].

Outro princípio previsto na Carta Federal que determina o dever do Procurador do ente público de intervir nos mencionados processos, é o da legalidade, eis que, como já visto acima, é possuidor da relevante atribuição legal de representar o Estado judicial e extrajudicialmente, bem como de prestar-lhe consultoria jurídica.

É evidente que representar não significa, pois, manter-se numa conduta inibida, apenas defendendo o Estado em situações de conflito, e sim, também, agir quando se fizer necessário para se preservar o patrimônio público.

O Professor Hely Lopes Meirelles, ao comentar o citado princípio, deduz afirmativas que se aplicam ao tema em apreço:

"Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer assim".

As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade comjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa". (grifo nosso) [52]

Sobre o autor
Antônio José dos Reis Júnior

procurador do Estado de Rondônia, lotado na Procuradoria Regional de Vilhena (RO), pós-graduado em Direito Constitucional pela Avec - Associação Vilhenense de Educação e Cultura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Antônio José. A atuação do ente público na persecução criminal, à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 706, 11 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6880. Acesso em: 23 dez. 2024.

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