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A atuação do ente público na persecução criminal, à luz da Constituição Federal

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Agenda 11/06/2005 às 00:00

3.– A ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO

3.1 – CONCEITO E LEGITIMIDADE

Trata-se, basicamente, do direito colocado à disposição daquele que figura como sujeito passivo nos crimes de ação penal pública, de, facultativamente, auxiliar o Ministério Público na acusação (CPP, art. 268).

No que diz respeito a natureza jurídica do instituto da assistência, não é pacífico o entendimento doutrinário, uns afirmando que caracteriza-se como uma mera parte contingente ou adesiva, eventual, cuja única finalidade é a obtenção de futura indenização, e outros entendendo que o assistente pode intervir de forma ampla no processo, auxiliando e reforçando a acusação pública e, secundariamente, visando posterior reparação de danos.

O artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece que pode intervir como assistente do Ministério Público o ofendido ou seu representante legal, ou na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31.

O citado artigo 31, por sua vez, dispõe que "No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão".

É de bom alvitre lembrar que detem também esta legitimidade as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, eis que, conforme já asseverado acima, quando se demonstrou a titularidade para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública, podem, obviamente, figurar como vítima ou sujeito passivo de crimes (item 2.4).

Ressalte-se, por fim, que não cabe recurso da decisão que indeferir o pedido de assistência, nos termos do art. 273 do Código de Processo Penal.

Todavia, os tribunais vêm admitindo o ingresso de assistente, através de mandado de segurança (RT 577:386).

3.2 - A LEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO PARA ATUAR COMO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO NOS PROCESSOS RELACIONADOS AOS CRIMES QUE CAUSAM OU POSSAM CAUSAR LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO.

O artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece: "Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou o seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31".

A despeito do dispositivo acima, doutrina e jurisprudência tem se dividido acerca da possibilidade do ente público intervir como assistente em processos penais instaurados em face da prática de crimes que lhes tenham provocado lesão ou ameaça de lesão.

Admitindo a assistência do ente público, trazemos o entendimento do Prof Vicente Greco Filho:

"...divergência quanto aos crimes contra a administração pública. Poderia a fazenda, em crime, por exemplo, de peculato, ingressar como assistente? Entendemos que sim, porque o interesse patrimonial e a qualidade de ofendido da Fazenda não se confundem com a função institucional do Ministério Público de titular da ação penal. O ministério Público não representa a Administração, logo não se esgota nele o interesse de intervir para preservar a reparação civil e colaborar na aplicação da lei penal" (grifei). [19]

Em sentido contrário, o entendimento do Prof. Júlio Fabrini Mirabete, ao dispor que: "O Poder Público não pode intervir como assistente, uma vez que o Ministério Público, parte acusadora, atua sempre em seu nome, sendo a ingerência da administração uma superafetação prejudicial à defesa". [20]

Ao que tudo indica, não há razão para tal divergência, eis que se o ente público pode ser titular da ação penal privada subsidiária da pública, conforme lhe garante a própria Carta Magna, muito mais pode figurar como assistente nos aludidos processos criminais.

Além do que, como bem asseveram os Professores Vicente Greco Filho e Airton Rocha Nóbrega nos textos retro transcritos, a qualidade de ofendido da Fazenda não se confunde com a função institucional do Ministério Público.

Ora, o interesse da Fazenda Pública que, de regra, é garantir futura indenização, não só legitima a sua intervenção processual, como também, evidencia a sua distinção com o Parquet.

Acerca deste interesse especial da Fazenda, que a diferencia do Ministério Público, é oportuno destacar, neste momento, as lições de Rômulo de Andrade Moreira:

A consumação de uma infração penal não acarreta, tão-somente, o aparecimento da pretensão punitiva do Estado.

Como o crime poderá vir a surgir, também, a pretensão individual de ressarcimento do dano causado à vítima.

Assim, a princípio, ao lado da pretensão punitiva, de regra (pois nem toda ação delituosa é necessariamente ressarcível) a prática da infração penal dá ensejo ao direito de alguém a ser indenizado civilmente pelo dano provocado. Entre nós esta norma vem expressa no art. 159 do Código Civil:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

...........................

...o certo é que, via de regra, a prática do delito também faz surgir a pretensão da vítima a um ressarcimento pelo respectivo dano. Como escreveu Bettiol, o crime ocasiona, portanto, não apenas um dano penal, mas também um dano civil eu deve ser reparado. Assim, gravita em torno do crime toda uma série de interesses e de disposições não penais que, por se referirem ao crime, poderiam agrupar-se sob a denominação de "direito criminal civil’....(grifo nosso) [21]

Aliás, diga-se de passagem, não é estranho ao direito brasileiro, a intervenção da Fazenda Pública, no pólo ativo, juntamente com o Ministério Público, como ocorre na ação civil pública.

Como leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:

"Sob o critério da "imperatividade da citação" de todos aqueles implicados, o litisconsórcio passivo será do tipo necessário (embora não unitário), salvo, pensamos, com relação à Administração, já que à esta é facultado "atuar ao lado do autor (§ 3ºdo art. 6º), e, por assim dizer, "recusar" o litisconsórcio passivo". Assim, com relação ao Poder Público, parece que se forma um curioso litisconsórcio passivo secundum litis, conforme ele se decida a: 1. contestar a ação; 2. abster-se de fazê-lo; 3. assistir o autor popular (art. 6º, § 3º da Lei 4.717/65). [22]

Poderia se argumentar, ainda, que a Fazenda Pública não teria esta legitimidade, pelo fato de que o Ministério Público, por ser titular da ação civil para a apuração de atos de improbidade administrativa, teria esta missão, qual seja, a de promover o ressarcimento dos danos ao Estado, eis que este é um dos efeitos daquela ação (art. 12 da Lei n. 8429/92).

Tal argumento, todavia, não merece prosperar, pelo simples fato de que a Fazenda Pública também é titular da aludida ação civil destinada a apuração de improbidade administrativa.

Exatamente essa é a lição do Professor Pedro Roberto:

Particularmente, acreditamos que, tratando-se de crime que haja ocasionado direto prejuízo patrimonial para o Poder Público, este, considerando que também em seu benefício se aplicam as regras do art. 91, inciso I, do Código Penal e do art. 63 do Código de Processo Penal, pode habilitar-se como assistente de acusação, nos processos destinados à apuração de tais ilícitos penais. No ponto, deve-se inclusive considerar a regra constitucional segundo a qual ao Ministério Público é vedado, no Brasil, empreender a defesa judicial das pessoas jurídicas de Direito Público, muito embora nesse ponto se deva fazer também a ressalva de que, normalmente, o crime que causa prejuízo ao Poder Público configura também um ato de improbidade, o que, face a essa particular situação, faria nascer de todo modo a legitimidade do Ministério Público para a ação destinada à imposição ao seu autor das sanções previstas pelo art. 12 da Lei n. 8429/1992, entre as quais se inclui o ressarcimento integral do dano. Mesmo nesse caso, porém, como a legitimidade é também da pessoa jurídica de Direito Público prejudicada, tratando-se de situação de legitimidade concorrente e disjuntiva, somente tal circunstância, só por si, já faria surgir o interesse da pessoa jurídica de Direito Público prejudicada, em atuar na ação penal como assistente do Ministério Público. (grifo nosso) [23]

Cumpre lembrar, ainda, apenas para enfatizar a importância da intervenção do ofendido no processo penal, que, no Brasil, adota-se a independência ou separação entre a ação penal e a civil: Vale dizer: a ação civil que visa a indenização por danos decorrentes de uma determinada prática delituosa pode ser proposta antes, durante ou depois da ação penal correspondente.

Todavia, como é sabido, tal independência é relativa, eis que a ação penal - procedente e, em determinados casos, a absolutória -, gera importantíssimos e decisivos efeitos na área cível.

Vejamos, a respeito, a lúcida exposição de Rômulo de Andrade Moreira:

...Estas possibilidades resultam claras nos arts. 63 e 64 do Código de Processo Penal:

Art. 63: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros."

Art. 64: Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para o ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil".

Vê-se, portanto, que não se faz necessária um sentença penal condenatória transitada em julgado para se pretender, no cível, a reparação do dano.

.....................................

O certo, porém, é que a ação penal e a ação civil são autônomas, ainda que a sentença penal seja determinante no cível em relação a determinados aspectos. A autonomia, portanto, não é absoluta, como queria Toullier.

Prevaleceu na doutrina a teoria de Merlin, adotada, inclusive, pelo nosso Código Civil, ao dispor no seu artigo 1.525 que:

"A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime".

...........................

Por sua vez, complementando esta relativa independência entre as duas instâncias, o Código de Processo Penal proclama:

Art. 65 - Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito".

Este artigo guarda estreita relação com o disposto no art. 160, I e II do Código Civil, in verbis:

"Art. 160 – Não constituem atos ilícitos:

I- Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

II- A deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.519 e 1.520).

Vê-se, portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e a existência do delito prevalece o decidido no crime (art. 1525 do Código Civil), bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude (art. 23 do Código Penal); exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 "faculta" ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se decida definitivamente a ação penal. [24]

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Outro fator que demonstra ainda mais a importância do processo criminal para o sujeito passivo direto, diz respeito ao prazo prescricional para a obtenção de indenização, com base na sentença penal condenatória, que inicia-se apenas após o seu trânsito em julgado.

Analisando esta questão, destaca Yussef Said Cahali que:

O prazo que flui desde a prática delituosa é da prescrição da ação ("a") e o que principia do trânsito em julgado da eventual sentença penal condenatória é da prescrição da actio iudicati autônoma ("b"). E, como se trata de pretensões autônomas, exercitáveis mediante ações processuais distintas e alternativas ("a" e "b"), guarda não menor aceito notar que, embora prescrita a ação de ressarcimento ("a"), pode a vítima, ou seus sucessores, valer-se com o mesmo objetivo prático, da execução não prescrita de eventual sentença condenatória ("b"), cujo termo inicial do prazo prescritivo é, a toda evidência, sempre muito posterior ao do mesmo prazo da ação de ressarcimento.[25]

Assim, não se pode negar que impedir a atuação do ente público nos processos criminais decorrentes de crimes que lesam o seu patrimônio, em face, ainda, da escancarada distinção entre este e o Ministério Público significaria, de pronto, afrontar, também, os princípios constitucionais da isonomia e do livre acesso à justiça.

Acertado, a propósito, o posicionamento do eminente Juiz Federal da 12ª Vara do Distrito Federal, Sidney M. Monteiro Peres, em face do pedido formulado no interesse da fundação pública federal, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, citado por Airton Nóbrega no artigo supracitado:

.........................

3. Entendo que a assistência requerida pelo CNPq, que é uma fundação pública, objetiva coadjuvar a atuação do Ministério Público Federal, apenas para auxiliá-lo sobre fatos que possam lhe ser desconhecidos, sobre o caso deste processo.

4. Por outro lado, o pretendente à assistência é sujeito passivo do crime que está sendo apurado na ação penal.

5. Sobre a hipótese, a jurisprudência nos dá as orientações, como inter plures, o aresto:

EMENTA

"Tratando-se de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado, sendo lesada a Prefeitura Municipal de São Paulo, é admissível o ingresso desta como assistente. É que o interesse do bem público geral do órgão ministerial não coincide com o interesse secundário da ofendida municipalidade."

(JSTJ 20/224 e RT 667/334)

6. No mesmo sentido: STJ: JSTJ 39/313; RT 688/295; RJTJESP 137/567. Crime de Peculato. Caixa Econômica Federal – STF: Admissibilidade de assistência: RTJ 78/923.

7. Isto posto, defiro o pedido de fls. 1239, e admito o CNPq como assistente do Ministério Público Federal nesta ação penal, com apoio no art. 268 do CPP. (grifei) [26]

Cumpre ressaltar, ainda, que a legitimidade do ente público para figurar como assistente da acusação, encontra respaldo no próprio direito positivo, mais especificamente no Decreto-Lei n. 201/67, que trata da responsabilidade de prefeitos e vereadores.

Elucidativa, a respeito, a lição de Jessé Torres Pereira Júnior:

Este confronto entre o interesse da Administração Pública e o posicionamento independente do Ministério Público não é desconhecido do direito positivo. O Decreto-Lei n. 201, de 27.02.1967, que trata da responsabilidade de prefeitos e vereadores, prevê, no § 1º do art. 2º, a possibilidade de "os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito" intervirem "em qualquer fase do processo, como assistente da acusação". Esta equiparação do Estado ao particular, como ofendidos intervenientes adesivos na ação penal, é forma de reconhecimento entre o conflito in fieri existente entre os interesses defendidos pelo Ministério Público e aqueles esposados pela Administração Pública. (grifo nosso) [27]

Têm-se, pois, estreme de dúvidas, a plena legitimidade do Estado-Administração, de intervir como assistente de acusação nos processos criminais de seu interesse, em face, inclusive, da aplicação do disposto no art. 3º do Código de Processo Penal, adiante transcrito, c/c o § 1º do art. 2º do Decreto-Lei supracitado:

"art. 3º do CPP: "A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

Para terminar este tópico, é de se trazer à baila O Projeto Oficial de Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, aliás, prevê, em seu art. 3º, inc. "X", adiante transcrito, que, a Procuradoria do Estado deverá: "acompanhar inquéritos policiais sobre crimes funcionais, fiscais ou Contra a Administração Pública e atuar como assistente de acusação nas respectivas ações penais, quando for o caso".

3.3 - O ÂMBITO DE ATUAÇÃO DO ENTE PÚBLICO NOS PROCESSOS EM QUE ATUA COMO ASSISTENTE

Inicialmente, vejamos o que dispõem os artigos 268 e 271, ambos do Código de Processo Penal:

"art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31."

"art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º., e 598.

No entanto, parte da doutrina e da jurisprudência, ao interpretar esses dispositivos, entende que a atuação do assistente nos processos criminais justifica-se tão somente em face do interesse por uma futura indenização.

Assim, o assistente teria uma participação reduzida no processo penal, limitando-se à prática dos atos tendentes a garantir o seu interesse na reparação de danos.

Ipso facto, não poderia, por exemplo, interpor recurso para agravar a pena imposta ao acusado.

Neste sentido, aliás, é o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Qual a função do assistente? Entendemos que a razão de se permitir a ingerência do ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério Público, repousa na influência decisiva que a sentença penal exerce na sede civil.

Segundo dispõe o art. 91, I, do CP, é um dos efeitos da sentença penal condenatória tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por isso mesmo dispõe o art. 63 do CPP que a sentença penal condenatória com trânsito em julgado constitui título certo e ilíquido em favor do direito à indenização.

Assim, ao que tudo indica, o Estado permitiu a ingerência do ofendido nos crimes de ação pública para velar pelo seu direito à indenização. Conclui-se, pois, que a função do assistente não é a de auxiliar a acusação, mas a de procurar defender seu interesse na indenização do dano ex delicto. [28]

Não parece retratar, data vênia, tal posicionamento, a melhor exegese do sistema processual.

Ora, da simples leitura do disposto no artigo 268 do CPP, acima transcrito, constata-se que o termo assistente, ali colocado pelo legislador, por si só, demonstra que o sujeito passivo pode atuar de forma ampla, eis que assistir significa auxiliar, ajudar, etc.

Além do que, se a vítima é detentora de legitimidade para propor ação penal privada subsidiária da pública, por qual razão não poderia ter uma ampla atuação no processo, equiparada àquela que o próprio Ministério Público desenvolve?

Esta questão fora detalhadamente analisada por Fábio Ramazzini Bechara e, pela importância, pedimos vênia para transcrevê-la parcialmente:

Qual o interesse que move a vítima no processo penal? Essa questão tem por base a dúvida suscitada em torno da possibilidade de o assistente recorrer para agravar a pena do réu já condenado. Parte da doutrina e dos tribunais sustenta que a presença da vítima no processo penal se justifica única e tão-somente em razão do interesse por uma futura indenização, o que acaba por limitar suas ações na relação jurídica processual, não podendo, portanto, recorrer para agravar a pena imposta ao acusado.

Todavia, tal raciocínio apresenta-se incompleto e simplista. E por uma razão bem evidente. Na hipótese de a vítima promover a ação penal privada subsidiária da pública, que na essência é uma ação penal pública, a sua atuação é tão ampla quanto se o MP estivesse no pólo ativo da demanda. Ou seja, goza de ampla liberdade para recorrer e para produzir provas. Logo, não se pode afirmar que o interesse da vítima é de natureza meramente econômica, na medida em que faz as vezes do Estado-Administração, que num dado momento mostrou-se omisso dada a ausência de pronunciamento pelo MP no momento em que deveria fazê-lo. E no caso do assistente? Poderia sim apelar, uma vez que o recurso supletivo do assistente, tal qual a ação privada subsidiária, busca coibir e evitar as conseqüências maléficas provocadas pela omissão ou desídia do MP. Com efeito, qual seria a razão a justificar o tratamento diferenciado entre a vítima enquanto parte principal, na ação privada subsidiária, e a vítima enquanto assistente de acusação? Não há justificativa legalmente aceitável. A única restrição que se põe é que a atuação como assistente tem por finalidade complementar a atividade do MP na relação processual, ao passo que, enquanto titular da ação, a atuação mostra-se mais ampla. Tanto é verdade que se o MP atuar eficazmente, o assistente se posicionará na condição de mero coadjuvante".(grifei) [29]

No mesmo sentido os Professores Júlio Fabrini Mirabete, invocando Marcelo Fortes Barbosa, e Vicente Greco Filho:

Barbosa: "A assistência de acusação, em nosso Direito Processual Penal não é um mero correlativo direito do direito à reparação do dano, eis que o ofendido intervém para reforçar a acusação pública, figurando em posição secundária o interesse mediato na reparação do dano causado pelo delito". Mirabete: "É o que deixa entrever a escolha do termo "assistente" pela lei nos artigos 268 e ss. Do CPP. Sua função é auxiliar, ajudar, assistir o Ministério Público a acusar e, secundariamente garantir seus interesses reflexos quanto à indenização civil dos danos causados pelo crime [15].

Vicente Graco Filho: O assistente é o ofendido, seu representante legal ou seu sucessor, auxiliar da acusação pública. O fundamento da possibilidade de sua intervenção é o seu interesse na reparação civil, mas o assistente atua, também, em colaboração com a acusação pública no sentido da aplicação da lei penal. [30]

Ademais, não se pode negar que o ofendido, além de pretender um ressarcimento pelo dano sofrido, tem, também, o justo interesse de ver efetivamente punido aquele que lhe causou prejuízo, o que o autoriza, na ação penal, um desempenho colaborativo com a acusação pública, podendo, inclusive, suprir eventuais omissões, a exemplo do que ocorre quando da propositura da ação penal privada subsidiária da pública.

A esse respeito, vale trazer ao proscênio a opinião de Eduardo Espínola Filho:

Ao mesmo tempo que atinge, na sua pessoa ou nos seus bens, um ou mais indivíduos, que se apresentam, assim, como ofendido ou ofendidos, o crime causa um dano social, e, apenas em homenagem à predominância do interesse social sobre o particular, é estabelecida a preferência de iniciativa do órgão público, para instauração da ação penal, somente sendo lícito à parte privada apresentar a sua queixa, se, no prazo legal, o Ministério Público deixou de manifestar-se sobre o inquérito, a representação ou a peça de informações – salvo, naturalmente, os casos em que a ação penal toma corpo, exclusivamente, com a queixa do ofendido, do seu representante legal ou de quem o substitua.

Mas, seja qual for o interesse público e social, que haja, de apurar o delito e punir o ou os autores, persiste sempre o grande e muito ponderável interesse particular na apuração do fato e na punição dos responsáveis.

Eis porque, embora movimentada, normalmente, pelo Ministério Público, a ação penal, com o oferecimento da denúncia, é permitido à parte privada tomar uma posição acusatória auxiliar; que o Código de Processo Penal encara como assistência ao Ministério Público, na ação criminal por este promovida. (grifei) [31]

Também merece transcrição, as opiniões de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes: O assistente também intervem no processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente do MP "ad coadjuvantum". Assim, com relação à condenação, o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena. [32]

No mesmo sentido, o entendimento jurisprudencial:

O assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público, se dá quando a sentença absolveu o réu, ou postulado aumento de pena. A hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima como o réu, tem direito a decisão justa. A pena, por se turno, é a medida jurídica do dano social decorrente do crime. [33]

Além do que, é de se lembrar que a sentença penal poderá, em determinadas hipóteses - conforme se demonstrará de forma mais detalhada no transcorrer deste trabalho -, influir decisivamente nos processos administrativos disciplinares, via de regra instaurados concomitantemente com os processos penais para apuração de responsabilidade do funcionário público, o que legitima ainda mais a intervenção do ente público a desenvolver-se de uma forma mais ampla, e não a de atuar somente quando relevante para a obtenção de futura indenização.

Frise-se, ainda, que a assertiva de que a intervenção deve ser correspondente àquela desenvolvida pelo Ministério Público, decorre, também, da interpretação teleológica ou sociológica que se deve aplicar aos dispositivos legais pertinentes (CPP, artigos 268 e 271), à vista de que aquele que imediatamente sofrera as conseqüências do ato ilícito, visando, não só futura indenização, como também, uma justa aplicação da lei em desfavor do autor do crime, aprimora a ação estatal em benefício do atendimento ao interesse público.

Veja-se os esclarecimentos de Maria Helena Diniz a respeito, citando Ihering e Ferrara:

"...E a sociológica ou teleológica objetiva, como que Ihering, adaptar o sentido ou finalidade da norma às novas exigências sociais, adaptação esta prevista pelo art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, que assim reza: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Os fins sociais e o bem comum, portanto, sínteses éticas da vida em comunidade, por pressuporem uma unidade de objetivos do comportamento humano social. Os fins sociais são do direito; logo, é preciso encontrar no preceito normativo o seu telos (fim). O bem comum postula uma exigência, que se faz à própria sociabilidade; portanto, não é um fim do direito, mas da vida social... .A interpretação, como nos diz Ferrara, não é pura arte dialética, não se desenvolve como método geométrico num círculo de abstrações, mas perscruta as necessidades

práticas da vida e a realidade social." [34]

Por isso mesmo, e até porque se trata de norma garantidora de direitos do ofendido, impõe-se que também seja aplicada ao artigo 271 do Código de Processo Penal, a interpretação extensiva ou progressiva, para se considerar o rol de medidas à disposição do assistente ali constantes, apenas exemplificativa e não taxativa.

Sobre a aludida interpretação no processo penal, as lições do Professor Mirabete:

"A interpretação extensiva, referida expressamente pelo art. 3º do CPP, ocorre quando é necessário ampliar o sentido ou alcance da lei...Fala-se, ainda, em interpretação progressiva para se abarcarem no processo novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que devem permear a lei processual estabelecida." [35].

Ao lecionar acerca da interpretação das normas, Maria Helena Diniz adverte:

"A interpretação é uma, não se fraciona; é, tão-somente, exercida por vários processos que conduzem a um resultado final: a descoberta do alcance e sentido da disposição normativa. Há hipóteses em que o jurista ou o juiz devem lançar mão da interpretação extensiva para complementar uma norma, ao admitir que ela abrange certos fatos-tipos implicitamente. Essa interpretação ultrapassa o núcleo do sentido norma, avançando até o sentido literal possível desta, concluindo que o alcance da lei é mais amplo do que indicam seus termos. [36]

A propósito, não é demais lembrar, como afirmam os Professores Sérgio Demoro Hamilton e Christiano Fragoso, respectivamente, que a vítima, no processo penal, funciona, na verdade, como fator de controle externo do Ministério Público:

"salutar a presença do particular no processo penal, quer atuando como legitimado extraordinário para agir, quer como simples assistente de acusação.Vislumbro na presença do particular, naqueles casos, uma eficiente forma de controle externo do Ministério Público."

(grifei) [36-a]

É altamente democrática a participação da vítima no processo criminal, constituindo fator de transparência para a Justiça e de controle da atividade ministerial, devendo ser mantida. A admissão de terceiros no processo constitui um dos mais eficazes modos de garantir o acesso à justiça."

(grifo nosso) (M. Cappelletti/B.Garth). [36-b]

Assim, não seria demais, então, afirmar-se que o ente público, na persecução relacionada aos crimes em que figura como ofendido, atua, em última análise, como fiscal do fiscal da lei.

Essa linha evolutiva permite, pois, inferir, também, que a intervenção da pessoa jurídica de direito público caracteriza-se como aquela que se assemelha à assistência litisconsorcial, tendo em vista o que dispõe o art. 54 do Código de Processo Civil.

Como leciona Athos Gusmão Carneiro:

Já nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente é direta e imediatamente vinculado à relação jurídica (rectius, ao conflito de interesse) objeto do processo; como disse Atílio González, "es cotitular de la misma relación sustancial invocada em juicio por lãs partes originarias". (La intervención voluntária de terceros em el processo, B. Aires, Ed. Ábaco, 1994).

A teor do art. 54 do Código de Processo Civil, considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, "toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido" (rectius, houver de influir no "conflito de interesses" entre o assistente e o adversário do assistido).

Todavia, vale ressaltar que o assistente litisconsorcial não é parte: "nada pede e em face dele nada se pede: não é autor nem réu e, conseqüentemente, litisconsorte não é. Na locução assistente litisconsorcial prevalesce o substantivo (assistente) sobre o adjetivo que o qualifica (litisconsorcial)" (Cândido Dinamarco, Intervenção de terceiros, cit., n.13).

.........................

A distinção entre a assistência meramente adesiva e a litisconsorcial reflete-se no âmbito dos poderes processuais concedidos ao assistente.

..............................

Nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente atua processualmente "como se" fosse um litisconsórcio do assistido, aplicando-se-lhe de regra o disposto no art. 48 do Código de Processo Civil: "salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros".

....................................

Assim, o assistente não é parte, mas o direito do assistente litisconsorcial está na causa. Por tal motivo, pode o assistente litisconsorcial agir no processo, e conduzir sua atividade, sem subordinar-se à orientação tomada pelo assistido: pode contraditar a testemunha que o assistido teve por idônea; pode requerer o julgamento antecipado da lide, embora o assitido pretenda a produção de provas em audiência; pode impugnar a sentença, não obstante o assistido haja renunciado à faculdade de recorrer. (grifei) [37]

Finalmente, no que concerne à atuação do assistente no inquérito policial, a jurisprudência tem firmado o entendimento de que as normas processuais ou regimentais não o autorizam (STF – Tribunal Pleno – IP n. 381-DF – Rel. Min. Célio Borja – 18.11.88).

Todavia o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contrariamente, entendeu admissível a assistência antes do oferecimento da denúncia:

Ministério Público. Assistente. Intervenção nos autos antes do recebimento da denúncia. Admissibilidade, embora rejeitada aquela peça. Voto vencido. Inteligência dos arts. 268, 269 e 29 do CPP. O interesse do ofendido na apuração do fato e punição do responsável nasce desde o momento em que, pela lesão sofrida, surge o direito subjetivo, que mais tarde se transmuda no jus persequendi in juditio, cuja titularidade, em face de razões sociais, pertence ao Estado quando se trata de ação pública. Não pode, portanto, seu ingresso nos autos como assistente ficar condicionado ao recebimento da denúncia, quando se instaura a instância. [38]

Sobre o autor
Antônio José dos Reis Júnior

procurador do Estado de Rondônia, lotado na Procuradoria Regional de Vilhena (RO), pós-graduado em Direito Constitucional pela Avec - Associação Vilhenense de Educação e Cultura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Antônio José. A atuação do ente público na persecução criminal, à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 706, 11 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6880. Acesso em: 5 nov. 2024.

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