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Prisão Domiciliar Automática para Mulheres após a Decisão do HC Coletivo n.º 143641, do STF?

Reflexões Necessárias sobre um Julgamento Histórico.

Agenda 23/09/2018 às 12:16

O presente artigo jurídico tem como objetivo refletir brevemente sobre alguns conceitos, entendimentos e normas aplicáveis para o julgamento de pedidos de Prisão Domiciliar em favor de Mulheres após a Decisão do HC Coletivo n.º 143641, do STF.

O presente artigo jurídico tem como objetivo refletir brevemente sobre alguns conceitos, entendimentos e normas aplicáveis para o julgamento de pedidos de Prisão Domiciliar em favor de Mulheres após a Decisão do HC Coletivo n.º 143641, do STF.

A decisão do HC Coletivo n.º 143641, do STF, acordada em 20/02/2018, foi muito celebrada à época por diversas entidades da sociedade civil organizada, defensoras dos direitos femininos, representando significativo avanço na interpretação constitucional para os julgamentos do casos de conversão de prisão preventiva em prisão domiciliar para mulheres mães e gestantes.

Ocorre que, em que pese a referida decisão, alguns operadores do Direito ainda entendem, com alguma razão, que deve-se verificar a existência de excepcionalidade comprovada para o estabelecimento de uma prisão domiciliar nos termos previstos em lei, não sendo, portanto, medida de deferimento automático.

Vejamos.

Argumenta-se que, se os filhos menores fossem argumento para se sempre substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar, praticamente se acabaria com aquele instituto jurídico, com a prole assegurando um salvo-conduto para a manutenção de atividades criminosas eventualmente perigosas, como as que envolvem o tráfico de drogas, garantindo a impunidade de diversas organizações criminosas. 

Ademais, a previsão insculpida na lei reformadora do art. 318, V, do Código de Processo Penal (CPP) não se mostra de caráter puramente objetivo e automático, cabendo ao magistrado avaliar em cada caso concreto a situação da criança e, ainda, a adequação da benesse às condições pessoais da presa. 

Demanda, ainda, a demonstração da imprescindibilidade do agente para os cuidados da criança ou da pessoa com deficiência, e, se ausente essa demonstração, impossível seria o deferimento do pleito de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar.

Ademais, observe-se que no HC Coletivo n.º 143641, do STF, restou-se concedida a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319, do CPP, excetuados, entretanto, os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Asseverou-se, ainda, que, quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, sendo que se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá, se for o caso, substituí-la por medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP, ou mesmo, para fins de se apurar a situação da atual guardiã dos filhos da mulher presa, é facultado ao juiz requisitar a elaboração de laudo social para eventual análise do benefício, o que é o ocorrido em diversos casos, nos quais não se tem notícia da atual guardiã dos menores.

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Para ratificar este entendimento, assim o STJ e outros Tribunais Pátrios vem se manifestando:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ARTS. 288, 273, §§ 1º, 1º-A E 1º-B E INCISOS I, III E V, AMBOS DO CÓDIGO PENAL E DO ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉU QUE PERMANECEU CUSTODIADO AO LONGO DO PROCESSO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. PROIBIÇÃO DECORRENTE DE TEXTO LEGAL E DE NORMA CONSTITUCIONAL. SENTENCIADA CUMPRINDO PENA NO REGIME FECHADO. DIREITO À AMAMENTAÇÃO. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 117, LEP.
(...)
IX - A prisão domiciliar, em princípio, só é admitida quando se tratar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi do art. 117 da Lei de Execução Penal.
X - Excepcionalmente, porém, esta Corte tem entendido que, mesmo no caso de regime prisional diverso do aberto, é possível a concessão de prisão domiciliar, em face de comprovada doença grave, se o tratamento médico necessário não puder ser ministrado no presídio em que se encontra o apenado (Precedentes).
XI – Na hipótese dos autos, contudo, não obstante as afirmações feitas pelo impetrante da necessidade de a paciente ser colocada em prisão domiciliar, em face de suposta deficiência física de seu filho menor, essa exigência não encontra amparo nos elementos constantes nos autos, porquanto conforme anotado pelo e. Tribunal a quo ao denegar a ordem anteriormente impetrada, os cuidados indicados por meio de laudo médico (v.g.: amamentação contínua) estão sendo criteriosamente observados, o que, por si só, afasta a possibilidade de se excepcionar a regra do art. 117 da LEP. Ordem denegada.
(STJ - HC 133287 / SP HABEAS CORPUS 2009/0065142-5; Relator: Ministro FELIX FISCHER; Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA; Data do Julgamento: 02/03/2010; Data da Publicação: 03/05/2010)

PROCESSO PENAL. DENUNCIADA PRESA. GESTANTE. PLEITO DE CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM DOMICILIAR. ASSISTÊNCIA MÉDICA SATISFATÓRIA. INDEFERIMENTO. RECURSO PROVIDO.
-  Não há nos autos a demonstração da necessidade de transferência da denunciada gestante, presa preventivamente, do presídio no qual se encontra recolhida para sua residência, tendo em vista que a mesma já vem recebendo tratamento médico adequado no próprio estabelecimento prisional.
-  Prisão domiciliar que se mostra desnecessária e inadequada, diante da necessidade de assegurar-se a aplicação da lei penal, ainda mais diante das evidências que apontam para a participação da recorrida em organização criminosa, de âmbito internacional, voltada ao tráfico de mulheres.
- Decisão que merece reforma, mantendo-se a recorrida presa no estabelecimento prisional onde se encontra.
-    Recurso provido. (PROCESSO: 200584000095450, RSE901/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 06/04/2006, PUBLICAÇÃO: DJ 05/05/2006 - Página 1249)

EMENTA. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE HOMOLOGADO POR JUÍZO INCOMPETENTE, QUE O CONVERTEU EM PRISÃO PREVENTIVA. PACIENTE PRESO NO DISTRITO DE ICOARACI, MAS APRESENTADO PARA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA PERANTE O JUÍZO DA 1ª VARA DE INQUÉRITOS POLICIAIS DE BELÉM. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. RATIFICAÇÃO PELO JUÍZO COMPETENTE DE TODOS OS ATOS ANTERIORES. PRECEDENTES. AUSENCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPPB. CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR. FILHOS MENORES DE 12 (DOZE) ANOS. ART. 318, V, DO CPPB. IMPROCEDÊNCIA. BENEFÍCIO NÃO AUTOMÁTICO. IMPRESCINDIBILDIADE DOS CUIDADOS DA MÃE PARA COM OS FILHOS NÃO COMPROVADA NOS AUTOS. RÉ FLAGRADA EM LOCAL DE VENDA E FABRICAÇÃO DE DROGAS. PERICULOSIDADE COMPROVADA. ORDEM DENEGADA DECISÃO UNÂNIME.  1. Não há falar em constrangimento ilegal quando a decisão que homologou o flagrante e converteu a prisão em preventiva, embora prolatada por autoridade incompetente, atende os requisitos legais e é convalidada pelo juízo competente, afastando assim, a nulidade eventualmente arguida, desde que observado o princípio do devido processo legal, como no caso sub examine, no qual não se observa qualquer prejuízo à defesa da paciente, passando o processo a seguir seus trâmites normais.  2. A previsão insculpida na lei reformadora do art. 318,  inciso V, do Código de Processo Penal não se mostra de caráter puramente objetivo e automático, cabendo ao magistrado avaliar em cada caso concreto a situação da criança e, ainda, a adequação da benesse às condições pessoais da presa. Demanda, ainda, a demonstração da imprescindibilidade do agente para os cuidados da criança ou da pessoa com deficiência. Ausente essa demonstração, impossível é o deferimento do pleito de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar.  3. No caso, não demostrada, por meio de qualquer prova, a imprescindibilidade da paciente para os cuidados de seus filhos, que não possam ser realizados por outra pessoa; diante, ainda, da gravidade do delito de tráfico de drogas e da vultosa quantidade do material apreendido (droga e produtos de fabricação); havendo informações de que a ré foi presa em local tido como ponto de venda e fabricação de entorpecentes, não vejo ilegalidade na negativa de substituição da preventiva por prisão domiciliar.   4. Ordem denegada, à unanimidade, recomendando-se, no entanto, que o Juízo a quo, procure garantir, seja por meio de familiares ou do próprio estado, a assistência necessária aos infantes. (TJPA; 2017.03268388-92, 178.775, Rel. VANIA LUCIA CARVALHO DA SILVEIRA, Órgão Julgador SEÇÃO DE DIREITO PENAL, Julgado em 2017-07-31, Publicado em 2017-08-03)

Portanto, a decisão do HC Coletivo n.º 143641, do STF, muito celebrada por diversas entidades defensoras dos direitos femininos, ainda que representando significativo avanço na interpretação constitucional para os julgamentos do casos de conversão de prisão preventiva em prisão domiciliar para mulheres mães e gestantes, é comumento entendida com reservas, devendo ser verificada a existência de excepcionalidade comprovada para o estabelecimento de uma prisão domiciliar nos termos previstos em lei, não sendo, portanto, medida de deferimento automático, podendo demandar a cabal demonstração do alegado e até mesmo laudo social.

Sobre o autor
Francisco Carlos Gomes de Castro Filho

Especialista em Direito Penal, com Habilitação em Docência para Ensino Superior, pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bacharelando em Engenharia de Produção pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado do Pará. Experiente na Área do Direito, com ênfase em Investigação Criminal e Justiça Penal. Interessado em Docência, Atuação e/ou Linhas de Pesquisa que envolvam: Direito Penal, Direito Processual Penal, Sociologia Jurídica, Antropologia Jurídica, Hermenêutica Jurídica, Política e Planejamento Governamentais, dentre outros.

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