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A (in) possibilidade de inquérito policial pela policia civil no crime doloso contra vida de civil.

Agenda 07/10/2018 às 11:47

O presente artigo busca por meio de uma construção lógica mostrar a (in) possibilidade de instauração de inquerito policia pela policia civil nos casos de crime doloso contra vida de civil, mesmo após a lei 9299/96 e 13.491/17

A (in) possibilidade de inquérito policial pela policia civil no crime doloso contra vida de civil.

Introdução

Passando ao largo da (in) constitucionalidade da lei 9299/96 ou da lei 13.491/17, o presente artigo busca demonstrar se é cabível ou não que a polícia civil instaure inquérito policial nos casos de crime dolosos contra vida de civil ou como alguns propagam a possibilidade de instauração de dois inquéritos com o pueril argumento do inquérito ser um peça dispensável e meramente administrativa, quando na verdade com o inquérito se suprime muito dos direitos e garantias do indiciado.

Natureza do Crime Doloso Contra Vida de Civil

Para conclusão lógica do presente artigo é de extrema importância identificar a natureza do crime doloso contra vida de civil, pois a partir dai em harmonia com a Constituição Federal chegaremos a quem tem atribuição para investigação pré-processual.

Tenho pra mim que  tanto a lei 9299/96 bem como a lei 13.491 não retirou a natureza jurídica de militar do crime, apenas por um movimento midiático e preconceituoso de um pseudo corporativismo dos militares na investigação e julgamento “dos seus” o legislador apenas queria que o julgamento se desse pela justiça comum, melhorando sua redação com a EC/45 e posteriormente com a lei de 2017 que deixou bem claro que o julgamento é de competência do júri e não da justiça comum, e estou alinhado com a doutrina que defende a possibilidade do júri na justiça militar.

O TJM/SP em 2010 no julgamento de arguição de inconstitucionalidade da resolução 110 da SSP, deixou claro a natureza militar do crime doloso contra vida de civil assim ementado; “[...] A Lei 9.299/96 e a EC nª 45/04 apenas deslocaram a competência para o Júri, para processar e julgar crimes militares dolosos contra vida, com vítimas civis- Manutenção da natureza de crime militar [...]”[1]

A doutrina processual comum na pena de Aury Lopes “Em que pese ser considerado crime militar (previsto no CPM) a Lei nª 9.299/96 deslocou a competência para o tribunal do júri” (Lopes Jr, 2016, pag. 270) grifo meu.

Para Sylvia Helena Ono, “O advento da Lei 9.299/96, posteriormente constitucionalizada pela EC nº 45/2004, em nada alterou a natureza do crime militar de homicídio doloso contra civil praticado por policiais militares, porquanto a alteração legislativa ter operado somente a transferência da competência de seu processo e julgamento para o Tribunal do Júri.” [2]

Para o professor Jorge Cesar “Como nem a Lei 9.299/1996, nem a Emenda Constitucional 45, nem muito menos a Lei 13.491/2017 retiraram a qualidade militar do crime de homicídio, que permanece íntegro no art. 205 do CPM, ainda que praticado contra civil [...]”[3]

Na pena de Cícero Robson

Avaliando a nova redação, tem-se em primeiro plano a ratificação de que o crime doloso contra a vida de civil, enquadrado em uma das hipóteses do art. 09º, é um crime militar que, em algumas situações, é processado e julgado pelo Tribunal do Júri, ou, se assim não se concluir, os incisos do novo § 2º são inconstitucionais em cotejo com o disposto no art. 124 da Constituição Federal, já que estaria atribuindo a essa Justiça Especializada a competência para processar e julgar crimes não militares.[4] Grifo Meu

Logo, não há qualquer margem de dúvida de que o crime doloso contra vida de civil ainda é um crime militar, sendo um crime militar veremos que a própria CF proíbe o inquérito pela polícia civil.

Inquérito Policial como procedimento administrativo

Continuando a construção lógica da (in)possibilidade de instauração de inquérito policial pela policia civil nos casos de crimes dolosos contra vida de civil, é necessário deixar claro a natureza do inquérito.

Tanto o inquérito policial militar como o comum são procedimentos administrativos, dirigidos por órgãos vinculados ao executivo na pasta da Segurança Pública, logo não podendo ser conduzido de forma e total discricionariedade seja do delegado ou do oficial militar.

 Cícero Robson afirma que “Em primeiro plano, o inquérito policial militar é um procedimento administrativo instrutório, ou seja, trata-se de cunho administrativo [...]”[5]

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Quanto a natureza do inquérito comum afirma Lopes Jr. e Gloeckner

Será administrativo quando estiver a cargo de um órgão estatal que não pertença ao Poder Judiciário, isto é, um agente que não possua poder jurisdicional. Destarte, podemos classificar o inquérito policial como um procedimento administrativo pré-processual, pois é levado a cabo pela Polícia Judiciária, um órgão vinculado à Administração- Poder Executivo- e que, por isso, desenvolve tarefas de natureza administrativa.[6]

Não resta dúvida que o inquérito policial militar e comum são peças administrativas, logo precisa preencher requisitos legais até mesmo para sua instauração.

Inquérito Policial Principio da Legalidade e o art. 144 § 4º da CF/88

Sendo o inquérito policial um procedimento administrativo está ele vinculado a legalidade em obediência a norma constitucional, “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

Enquanto o particular pode fazer tudo que não seja contrario a lei, a administração pública só pode fazer aquilo que a lei manda, nada a mais nem nada a menos, até os atos discricionários estão dentro dos limites e ditames legais.

Para Dirley Júnior e Marcelo Novelino, “Como decorrência da indisponibilidade do interesse público, a atividade administrativa só pode ser exercida em conformidade absoluta com a lei. O princípio da legalidade é uma exigência que decorre do Estado de Direito, ou seja, da submissão do Estado ao império da ordem jurídica.”[7]

Sendo o inquérito um procedimento administrativo os responsáveis por sua instauração somente podem fazer nos restritos termos da lei, sob pena de flagrante violação a legalidade.

A CF/88 disciplina a atribuição da policia civil e deixa bem claro que a mesma não detém atribuição de policia judiciaria no caso de crime militar, no art. 144, precisamente no § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

A Constituição proíbe portanto a policia civil de investigar crime militar, e não existe margem de dúvidas que o crime doloso contra vida de civil seja um crime militar, caso delegado instaure inquérito estará extrapolando suas atribuições legais, indo de encontro com o principio da legalidade e margeando o arbítrio já que a lei proíbe o mesmo  a função de polícia judiciaria no caso de crime militar.

Porém a constituição não diz quem tem atribuição para investigar o crime militar, ela apenas diz quem não tem e quem não tem é a polícia civil.

No caso para definir quem tem atribuição para apurar crime militar iremos nos socorrer da legislação infraconstitucional, precisamente no código de processo penal militar em seu art. 08º, aliena ‘a’, bem como o artigo 82, inciso II, § 2º do mesmo código, mesmo com a edição da Lei 9299/96, deixou claro sem margem de dúvidas que a investigação será feita por IPM.

Sendo assim, não há dúvidas de que o inquérito procedimento administrativo que é, e em harmonia com o principio da legalidade insculpido no art. 37 da CF se harmonizando com o art. 144, paragrafo 4º, não resta dúvida que a policia civil não possui legitimidade para instauração de inquérito no caso dos crimes doloso contra vida de civil.

Para além do discurso do inquérito ser um procedimento meramente administrativo.

Costuma-se justificar no que pese o crime doloso contra vida de civil ser crime militar, não existe problema algum ter dois inquéritos policias, em razão do inquérito ser uma peça meramente administrativa sendo inclusive dispensável.

Não podemos concorda com esse discurso, pois no que pese o inquérito ser uma peça meramente administrativa e dispensável, por meio de inquérito policia consegue invadir os mais sagrados direitos individuais do indivíduo, no que pese sejam esses procedimentos carecedores de reserva de jurisdição.

Com o inquérito é possível privar o indiciado do bem mais precioso após a vida com a representação pela decretação da prisão preventiva, com o inquérito se viola o sacrossanto domicilio do réu por meio de busca e apreensão, invade a privacidade pois com o inquérito é possível a interceptação telefônica, portanto fica claro por mais que o inquérito seja uma peça “meramente” administrativa e dispensável, o mesmo tem o poder de violar os mais sagrados direitos constitucionais do indivíduo, evidente que para isso precisa respeitar as normas legais, bem como a reserva de jurisdição.

Ora, imagine a instauração de dois inquéritos, o oficial encarregado do IPM representa por busca e apreensão no juízo militar e o delegado também representar no juízo do júri, defendendo o discurso de que não existe problema dos dois procedimento em razão do inquérito ser “meramente” administrativo, caso chegue o oficial e o delegado para fazer a busca e apreensão em tese os dois tem uma ordem judicial, e ai, como fica? Imagine o nível de violação da intimidade e constrangimento sofrido pelo indiciado.

Por esses e outros problemas esse nível de intervenção estatal na vida privada do indiciado que é necessário superarmos esse discurso de que o inquérito por ser uma peça “meramente” administrativa e dispensável que não existiria problema algum a instauração dos dois procedimentos.

No julgamento da Adi 1494, magistrais a cerca disso é o voto do ministro Sepúlveda Pertence.

Não se trata de impedir a apuração do fato. Apurar, a imprensa apura, o Ministério Público apura, o SNI apurava. O problema é o inquérito policial, que não é mera apuração, mas pressuposto condicionante de uma série de constrangimento. Não obstante, ainda na hipótese de evidentemente não haver sequer suspeita de crime militar, segundo a lei questionada, essa relevante função é entregue à Polícia Judiciaria Militar. Grifei[8]

Por isso precisamos superar esse discurso simplista de ser o inquérito uma peça “meramente” administrativa.

Conclusão

Já que as alterações legislativa a cerca do crime doloso contra vida de civil, não teve o condão de retirar a natureza jurídica de crime militar e como o inquérito trata-se de procedimento administrativo o mesmo é regido pelo principio da legalidade, e como a CF/88 é categórica em vetar a atribuição de policia judiciaria a delegado nos casos de crime militar, o mesmo só pode ser apurado por meio de inquérito policial militar, como também no que pese o inquérito ser peça administrativa o mesmo invade de forma severa os mais básicos direitos e garantias fundamentais do individuo, não podendo assim ser permitido a instauração de dois inquéritos.


[1] https://tjmsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/385483371/arguicao-de-inconstitucionalidade-12010/inteiro-teor-385483469

[2] ONO, Sylvia Helena. Da natureza militar dos crimes dolosos contra vida de civil praticados por militar e da competência do arquivamento do respectivo IPM. Coletânea de Estudos de Direito Militar- Doutrina e Jurisprudência do TJM/SP. São Paulo: IOESP, 2012, P. 280.

[3] Assis, Jorge Cesar de. Crime militar & processo; comentários à Lei 13.491/2017/ Curitiba: Juruá, 2018, p.87

[4] Neves, Cícero Robson Coimbra, Manual de direito processual penal militar-3. Ed.- São Paulo; Saraiva Educação, 2018, p.287

[5] Idem, p. 347

[6] Investigação preliminar no processo penal/ Aury Lopes Jr., Ricardo Jacobsen Gloeckner.- 5. Ed. ver, São Paulo; Saraiva, 2013, p. 93

[7] Novelino, Marcelo. , Júnior, Dirley da Cunha, Constituição Federal Para Concursos, 8ª Ed. 2017, JusPODIVM, P. 335

[8] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347091

Sobre o autor
José Osmar Coelho

Advogado, Especialista em Direito Militar na Universidade Cruzeiro do Sul e Especialista em Ciências Criminais na Universidade Cândido Mendes, Pós Graduado em Politica e Estrategia pela Universidade do Estado da Bahia em convenio com ADESG/BA

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