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O Tribunal Penal Internacional entrelaçado com os Direitos Humanos

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Agenda 17/10/2018 às 13:48

CAPITULO 3 - Crimes de competência do Tribunal Penal Internacional.

O Tribunal Penal Internacional guarda para si a competência para fins de julgamento, ostentando as características de permanência e independência no que toca aos crimes de maior gravidade que repercutem na sociedade internacional, manchando de sangue e dor a humanidade.

Ditos crimes, imprescritíveis que são, podem ser elencados da seguinte forma: 1) crime de genocídio; 2) crimes contra a humanidade; 3) crimes de guerra; 4) crimes de agressão. No que tange ao instituto ora versado (competência) aplicável que é aos referidos crimes há que se dizer que a mesma só remanesce no que toca àquelas violações praticadas em época anterior a entrada em vigência do Estatuto de Roma. Assim, após a entrada em vigor do respectivo Estatuto estará o Tribunal Penal Internacional apto ao julgamento dos crimes que ocorrerem nele.

É importante ressaltar no que toca a questão da imputabilidade penal, também denominada capacidade penal, que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, na forma do disposto no art. 26 do Estatuto, alcança somente os seres humanos maiores de dezoito anos de idade, em plena compatibilidade com que a apregoa a Constituição da República Federativa do Brasil. As regras penais e procedimentais encampadas no Estatuto de Roma, interpretadas apressadamente, podem levar a falsa interpretação de estarem em dissonância com o texto constitucional brasileiro. Todavia, dita incompatibilidade é meramente aparente no que concerne à entrega de nacionais ao Tribunal; a instituição da pena de prisão perpétua; a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativa de função; a questão da reserva legal e, por fim, a questão no que toca a coisa julgada.

Cumpre dizer que a aparente antinomia desaparece logo que se utiliza de um método dialógico (diálogo das fontes) para a sua eficaz superação.

Há que se argumentar que a assinatura brasileira lançada ao tratado que instituiu o Tribunal Penal internacional desabrochou a necessidade de análise de validade de sua ratificação, considerando-se os conflitos meramente aparentes de normas do Estatuto de Roma e a Constituição da República Federativa Brasileira.

Passemos, pois, a análise da questão de sua ratificação e o direito interno brasileiro.

Trata-se a ratificação de forma de expressão de consentimento sucessiva à assinatura do tratado, ou seja, denota a manifestação de assentimento da autoridade incumbida para tanto, revelando, pois, externamente a vontade de obrigar-se em seara internacional. Confere assim uma maior segurança no que tange as relações internacionais, propiciando, dessa forma, um maior controle democrático ao Estado, visto sob o aspecto interno e externo.

As nuances preliminares a serem destacadas concernem à entrega de nacionais pátrios ao Tribunal Penal Internacional, disposição essa tipificada no art. 89, parágrafo primeiro, do Estatuto de Roma - segundo a qual o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e a entrega de um cidadão a qualquer Estado, em cujo território se encontre, e solicitar a cooperação estatal no que toca a detenção e entrega da pessoa em tela, sendo, pois obrigatório aos Estados-partes o dever de prestar satisfação ao Tribunal em face de tais pedidos, em consonância com o Estatuto, bem como com o seu direito interno.

Há que se atentar que o proibido pela Constituição da República Federativa do Brasil é a extradição de brasileiro nato e não a entrega. Entrega não se confunde com extradição. A entrega de uma pessoa (qualquer que seja a sua origem: nacionalidade e lugar onde resida) ao Tribunal Penal Internacional consiste ao mero repasse do indivíduo a uma jurisdição estrangeira competente para julgá-lo e puni-lo, se necessário for. Em outras palavras: submete-se o acusado ou condenado à própria justiça, ainda que sob o auspício de uma instância internacional.

Resta consagrado no texto constitucional brasileiro, nas disposições de seu art. 5º, LI e LII, que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”; e também que” não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Tais dispositivos constituem direitos fundamentais dos países, constituem, pois, cláusulas pétreas e não podem ser modificados por legislação infraconstitucional, face ao seu elevado grau de estabilidade dentro do sistema.

Já o instituto da extradição, ensina-nos Jacob Dolinger: “é o processo pelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, nacional do país solicitado”.[23]

Por tais razões é que o Estatuto de Roma, levando em conta disposições semelhantes de vários textos constitucionais modernos faz diferença ontológica entre os termos entrega e extradição. Nas precisas palavras de Chapus de Medeiros: “a diferença fundamental consiste em ser o Tribunal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais atrozes contra a dignidade humana de forma justa, independente e imparcial. Na condição de órgão internacional, que visa realizar o bem estar da comunidade mundial, porque reprime crimes contra o próprio Direito Internacional, a entrega ao Tribunal não pode ser comparada à extradição”. [24]

Daí estar correta a assertiva de que o ato de entrega é aquele realizado pelo Estado a um Tribunal Internacional de jurisdição permanente, diversamente do instituto da extradição, que é feita de um Estado a outro, a pedido deste, em plano de absoluta igualdade em relação a indivíduo, nesse último processado ou condenado e lá refugiado. Em outras palavras: a extradição envolve sempre dois Estados soberanos, sendo ato de cooperação entre ambos na repressão internacional de crimes, diversamente do que o Estatuto de Roma chamou de entrega, em que a relação de cooperação se processa entre um Estado e o próprio Tribunal.

Já no que concerne a pena de prisão perpétua, outro instituto de grande celeuma por trazer em seu bojo aparente antinomia entre a Lei Maior do país e o disposto no Estatuto de Roma dispõe o Tratado de Roma em seu art. 77, b: se o crime for extremamente grave e considerando as circunstâncias pessoais do condenado caberá prisão perpétua. Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, XLVII: “Não haverá penas: de caráter perpétuo”.

Vale ressaltar que a respectiva previsão constitucional pátria nem mesmo pode ser alterada por emenda constitucional, tendo em vista tratar-se de cláusula pétrea, direito e garantia fundamental do indivíduo. E já que o Estatuto de Roma não admite ratificação, assinatura e adesão com reservas pelos países, o problema parece insolúvel. Mas afirmamos: tal conflito é meramente aparente e não real.

A origem da regra esculpida pelo Tribunal Penal Internacional descende aos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, onde se estabeleceu a pena de morte, tendo continuidade aos Tribunais ad hoc para a antiga Iugoslávia e Ruanda, que previa não a pena de morte, mas a pena de prisão perpétua, em uma clara gradação da pena de morte dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio. Com um rigor ainda menor (gradação), chega-se ao Tribunal Penal Internacional onde a pena de prisão perpétua ficou restrita a crimes de extrema gravidade, e, ainda assim, com a possibilidade de revisão decorrida 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do art. 110 do Tratado de Roma.

Passemos, pois, o estudo dos crimes em espécie.

3.1 - Crime de genocídio

No Dicionário Aurélio tem-se a seguinte definição para genocídio:

...crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus, causar-lhes graves lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de destruí-lo fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo; realizar a transferência forçada de crianças num grupo para outro. [25]

Sem qualquer dúvida o crime de genocídio destacou-se no cenário mundial como a problemática mais debatida, sobretudo, no período pós Segunda Guerra, fator esse que desencadeou a edição da Resolução 260 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas e que gerou a adoção da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do crime de genocídio (em vigor em 12 de janeiro de 1951), restando claro o entendimento de ser o genocídio alçado a categoria de crime internacional e, sem sobra de dúvidas, a mais grave espécie de crime contra a humanidade.

Na forma esculpida pelo art. 2º dessa Convenção, compreende-se por genocídio quaisquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) assassinato de membros do grupo; b) dano grave à integridade física ou mental dos membros do grupo; c) submissão intencional dos membros do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física, total ou parcial; d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.

Ensina-nos a Resolução da AGNU: “Também no âmbito da 1ª AGNU o genocídio havia sido reconhecido como crime contra o Direito Internacional, o que abriria caminho para a tipificação de crime que ofende a consciência da humanidade”. [26]

O homem é um animal racional e através da razão ele quer dominar todos os setores de sua vida, com necessidade de compreender e explicar as suas próprias fases. O seu aparato intelectual sempre fica aquém de sua mais rica realidade.

Há imprecisão no conceito de dignidade humana, que é vidente, mas gigante em sua capacidade de descrição pelo homem. Cotejando: o Direito Natural deve procurar enxergar as situações fáticas do cotidiano, derivadas de bens e de pessoas titulares ou não de direitos, tais como o direito a vida, que é um direito natural e que pré-existe ao próprio Estado. O Estado da natureza compreende o contexto social e individual. O ser humano isolado não subiste por si mesmo, nem o índio sexta-feira. Até Adão necessitou do companheirismo de Eva.

O Direito positivo é fundamental para o contexto social, mas não pode ser interpretado sem a análise do Direito Natural, que são direitos prévios a própria existência formal da lei e do Estado. O genocídio é, pois, a forma mais vilipendiadora de ultraje à dignidade do homem fazendo tabula rasa aos postulados do Direito Natural e desrespeitando o direito à vida em seu grau máximo.

Genocídio (por vezes designado por limpeza étnica), igualmente, definido como o assassinato deliberado de pessoas motivado por desigualdades étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, no mais das vezes, políticas. O genocídio pode se referir igualmente a ações deliberadas cujo objetivo seja tão somente a eliminação física de um grupo humano segundo as categorias já elencadas.

O termo genocídio foi criado por Raphael Lemkin, um judeu Polaco, em 1944, juntando a raiz grega génos (família, tribo ou raça) e caedere (latim - matar).

Com o advento do genocídio dos Judeus pelo regime nazista, o Holocausto, Lemkin fez campanha pela criação de leis internacionais, que definissem e punissem o genocídio. Esta pretensão tornou-se realidade em 1951, com a Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio.

A prática do crime de genocídio é tão antiga quanto à própria humanidade, e chega a se confundir com ela. A ideia de exterminar um grupo diferente é quase que inerente à condição humana, sendo, muitas vezes, reflexo de seu mais profundo egoísmo. Apesar de toda a proteção que vem sendo dada à pessoa humana em nível internacional, a categorização da humanidade como algo unitário ainda não é possível, e pode-se dizer que a história do genocídio é a história da intolerância contra a diversidade humana. Ocorreu ao redor do mundo, em todos os períodos da história.

O crime de genocídio foi previsto pela Convenção da ONU, aprovada em Paris, em 09 de dezembro de 1948, para entrar em vigor em 12 de janeiro de 1951, após a ratificação por 22 países. O Brasil a ratificou em 15 de abril do ano seguinte, promulgando-a através do decreto n. 30.822, de 06 de maio desse mesmo ano.

Com fonte nesse tratado e ainda sob os efeitos do Holocausto, foi editada, no Brasil, a Lei n. 2889, de 1º de outubro de 1956, definindo o crime de genocídio como o comportamento com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Esse diploma não considerou o genocídio como crime político, para efeito de extradição.

A lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (lei dos Crimes Hediondos), inspirada no inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, considerou o genocídio crime hediondo, ainda que apenas tentado, sendo, pois, insuscetível de anistia, graça ou indulto, cumprindo o réu a pena, segundo a redação original (posteriormente alterada pela lei 11.464/ 2007), integralmente em regime fechado.

Vale ressaltar que embora tenha aderido ao Estatuto de Roma o Uruguai não previu o crime de genocídio em sua legislação interna. Todavia, através da lei 18.026 o país firmou uma cooperação com a Corte Internacional em matéria de genocídio, devendo julgar tais crimes quando da ocorrência dos mesmos face ao princípio da complementaridade. Assim, o Uruguai, através de Convenção, reconheceu o genocídio como crime de direito internacional, todavia, jamais o incorporou em seu direito interno. Reconhece a necessidade de sua tipificação, mas nada foi feito até o presente momento.

Preleciona Oscar López Goldaracena: “La Resolución 96 (1) de 11 de diciembre de 1946  ha declarado que el genocidio es un delito de derecho internacional condenado por el mundo civilizado, contrario al espíritu y a los fines de las Naciones Unidas. La Convención para la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio, Resolución 260 A ( III), de 9 de diciembre de 1948, que entró en vigor el 12 de enero de 1951, entiende que se comete un genocidio cuando con la intención de destruir total o parcialmente a un grupo nacional, étnico, racial o religioso, se realiza cualquier acto de matanza de miembros del grupo; lesión a la integridad física o mental de los miembros del grupo; sometimiento intencional del grupo a condiciones de existencia que hayan de acarrear su destrucción física, total o parcial; medidas destinadas a impedir los nacimientos en el seno del grupo y traslado por fuerza de niños del grupo u otro grupo…La Convención para la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio obliga a los Estados a adoptar las medidas legislativas necesarias para asegurar la aplicación de las disposiciones de la presente Convención y especialmente a establecer sanciones penales eficaces para castigar a las personas culpables de genocidio. Uruguay ratificó dicha Convención por ley 13.482 de 30 de junio de 1966, pero jamás incorporó el crimen del genocidio al derecho interno. La tipificación de la figura en nuestro orden jurídico es un imperativo del derecho internacional por las obligaciones que dimanan del derecho internacional general (jus cogen) y de la propia Convención”.[27]

No Brasil, a lei a tratar do assunto, é a lei 2889, de 1956, que preceitua de antemão em seu art. 1º:

“Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; será punido:

  • Com penas do art. 121, parágrafo 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
  • Com as penas do art. 129, parágrafo 2º, no caso da letra b;
  • Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
  • Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
  • Com as penas do art. 148, nos casos da letra e”.
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Assim, de braços dados com o art. 1º da lei 8072/90, o crime de genocídio é tido como crime hediondo, seja na sua forma consumada ou tentada, e consiste na destruição, total ou parcial, de grupo, nacional, étnico, racial ou religioso; de forma que não se pune o crime na modalidade culposa, tendo em vista que o próprio art. 1º faz menção em seu corpo na destruição intencional, daí defluindo-se, igualmente, o dolo como elemento subjetivo do tipo penal.

Para fins de caracterização do crime de genocídio em solo brasileiro é suficiente que o sujeito ativo pratique quaisquer das condutas especificadas no tipo contra uma única pessoa do grupo, desde que patente a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Assim, acaso o individuo pratique quaisquer das condutas descritas contra mais de uma pessoa, ser-lhe á aplicado o concurso de crimes.

É cediço que as expressões “grupo nacional, étnico, racial ou religioso” configuram um conjunto de pessoas ligadas pela proximidade e que reunidas formam um todo unitário, que possui características, traços, interesses e objetivos comuns. Pode ser visto sob a ótica nacional (como um grupo pertencente a uma determinada nação), étnica (como um grupo com uma mesma cultura, língua, origem e história, racial (como um grupo relativo às características físicas) e mesmo religiosa (como um grupo que adota a mesma crença)).

Faremos, pois, uma análise detalhada da legislação brasileira acerca do tema para, posteriormente, reportá-la ao cenário internacional a que se insere o Tribunal Penal Internacional.

Elenca-se como sujeito ativo do crime de genocídio qualquer pessoa, sem qualquer qualificação especial para tanto. Já o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que ligada a certo grupo nacional, étnico, racial ou religioso. No que toca à conduta elencada na alínea d, em casos específicos de aborto, o sujeito passivo também se cataloga como o feto ou o embrião.

Todavia, quando o sujeito ativo realizar especificamente a conduta de matar em solo brasileiro (pura e simplesmente) membros do grupo nacional, étnico racial ou religioso, será penalizado com as penas inerentes ao crime de homicídio qualificado, ou seja, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.

Situação diversa ocorre quando o sujeito ativo com a sua ação intentar a conduta de lesionar, ou seja, de causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo, seja ele nacional, étnico, racial ou religioso; será, pois, punido com as penas relativas à lesão corporal de natureza gravíssima, ou seja, de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão. Já, quando o sujeito ativo praticar a conduta de submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial, será punido com as penas relativas ao crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia.

No que concerne à conduta do sujeito ativo em adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo, o mesmo será punido com as penas relativas ao crime de aborto provocado por terceiro; qual seja de três (três) a 10 (dez) anos de reclusão. O que não se confunde com a conduta do sujeito ativo em efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo, fato esse punido com as penas relativas ao crime de seqüestro e cárcere privado, ou seja, de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão.

Importante se faz ressaltar que o genocídio perpetrado por brasileiro ou por agente que tenha domicílio no Brasil fica sujeito à legislação brasileira, ainda que cometido no exterior.

No que concerne ao instituto da competência é necessário que se diga que a competência no que toca ao processamento e julgamento do crime de genocídio varia de acordo com a conduta perpetrada pelo agente. Configurado o crime doloso contra a vida, a competência estará afeta ao Tribunal do Júri; sendo, pois, a competência do juízo singular estadual residual. Em havendo grave violação de direitos humanos a competência poderá ser redirecionada para a justiça federal, assim também ocorrerá quando o crime de genocídio visar ao extermínio de comunidades indígenas, podendo a pena ser agravada de um terço se a vítima de crime contra a pessoa, patrimônio ou costume for um índio, independentemente do fato do índio ser ligado a comunidade indígena ou não.

A lei nacional brasileira ainda possui a seguinte tipificação: “Art. 2º: Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para a prática dos crimes mencionados no artigo anterior: Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos”.

Assim, a associação para o cometimento de genocídio configura um tipo penal similar ao de quadrilha ou bando, tipificado no. Art. 288 do Código Penal Brasileiro, todavia, constituindo uma forma específica do mesmo. Dessa forma, se mais de três pessoas se associarem para fins de cometimento de qualquer outro crime, serão penalizadas pelas sanções inerentes ao crime de quadrilha ou bando; o que não se perfaz com a associação para o cometimento do crime de genocídio. Aqui não se pune a forma culposa exigindo-se como elemento subjetivo o dolo. Não se exige qualquer qualificação especial do sujeito ativo do crime de associação para o cometimento de genocídio. Já o sujeito passivo do mesmo pode ser qualquer pessoa, desde que ligada a certo grupo nacional, étnico, racial ou religioso, não obstando a que venha a ser a própria humanidade.

A lei nacional brasileira ainda tipifica a conduta de incitação ao crime em comento.

Dispõe em seu art. 3º:

“Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º.”. Pena: Metade das penas ali cominadas.

Trata-se de um tipo penal semelhante ao de incitação ao crime, tipificado no art. 286 do Código Penal Brasileiro. Todavia, previsto em forma específica. Assim, se um indivíduo instiga outro para o cometimento de qualquer outro crime, sua conduta se amoldará ao tipo do art. 286 do Código Penal; salvo se instigação for para fins de cometimento do crime de genocídio. Não há que se falar em punição culposa desse tipo de crime, restando, pois, o dolo como elemento subjetivo do crime; dolo este de destruição étnica e incitação para tanto. Instigação essa direta e pública.

Importante destacar que o sujeito ativo do crime de incitação para o cometimento do crime de genocídio poderá ser qualquer mortal. A lei não exige qualquer qualificação para tanto. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa ofendida, desde que ligada a certo grupo com as características acima descritas, ou até contra a humanidade.

O Brasil ainda tipifica a tentativa de genocídio da seguinte forma: “Art. 5º: Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a tentativa dos crimes definidos nessa lei”.

Assim, por se tratar de um tipo penal previsto em lei especial aplica-se o princípio da especialidade, de molde a não se aplicar o art. 14, parágrafo único do Código Penal Brasileiro.

Por fim, a novel legislação brasileira é taxativa ao determinar que os crimes nela previstos não sejam considerados crimes políticos para o fim de extração. Preceitua em seu art. 6º: “os crimes de que trata essa lei não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição”.

Isso em razão de a Constituição da República Federativa do Brasil apregoar em seu art. 5º, LII que não será concedida à extradição de estrangeiro por crime político. Trata-se de um direito e garantia fundamental do indivíduo.

Feita, pois, uma análise detalhada da legislação brasileira acerca do tema nos reportamos ao cenário internacional. Vejamos: A Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do crime de genocídio foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 2, de 11 de abril de 1951, e promulgada pelo Decreto 30.822, de 6 de maio de 1952.

3.2 - Crimes contra a humanidade

Tal postulado “crimes contra a humanidade” consagra quaisquer atrocidades e supressões de Direitos Humanos cominados na terra em cujo princípio da retribuição deságua em uma jurisdição global ou universal.

Para os efeitos do [...] Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade” qualquer um dos atos [listados] quando cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque. [28]

Antes de nos determos ao estudo específico dos referidos crimes passemos ao que nos reporta o Estatuto de Roma sobre o assunto. O rol dos crimes é extenso o que equivale a dizer que não houve burla ao princípio da tipicidade que fora respeitado em sua integralidade. A base legal situa-se no capítulo II do mencionado diploma que assim dispõe:

Dos crimes contra a humanidade. Artigo 7º

1 - Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguinte, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

2. Para efeitos do parágrafo 1º:

Historicamente falando, os crimes contra a humanidade estão atrelados ao massacre dos turcos em face dos armênios, datados da Primeira Guerra Mundial, mais conhecidos, mundialmente falando, como um crime da Turquia contra a humanidade.

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli: “Foi somente no período pós-Segunda Guerra que se voltou a cotejar de tais crimes, em virtude das inúmeras atrocidades cometidas pelo Estado em que se converteu a Alemanha Nazista no Holocausto”. Como destaca Alessandra Palma, a elaboração dessa nova categoria se fazia necessária em virtude da impossibilidade de reconduzir tais crimes à categoria dos crimes de guerra e contra a paz, já conhecidos. A definição em plano convencional de tais crimes foi dada pelo art. 6º do Estatuto de Nuremberg, seguido pelo Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Tóquio. Havia, entretanto, um limite relevante no conceito de crimes contra a humanidade: para serem considerados como tais, esses deveriam ser conexos aos crimes de guerra e contra a paz, o que os tornava complementares em relação às outras duas figuras criminosas e não eram considerados suscetíveis de uma relevância internacional autônoma. [29]

A consagração de tal tipo “crimes contra a humanidade” veio a lume no art. 7º, parágrafo primeiro, do Estatuto de Roma. São catalogados como crimes contra a humanidade atos cometidos frente a um ataque em face de população civil, quais sejam:  homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, tortura, agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável, perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no Direito Internacional relacionados com qualquer um dos atos já mencionados ou qualquer crime da competência do Tribunal, desaparecimento forçado de pessoas, crime de apartheid e demais atos desumanos análogos aos acima descritos.

O caso Queniano desafiou o Tribunal Penal Internacional. De um lado, a atuação do Tribunal girou-se na perspectiva de evitar os massacres e crimes contra a humanidade perpetrados pela polícia queniana durante o período eleitoral. De outro lado, defende-se a força policial do Quênia ao argumento de que apenas atuou para salvar vidas, ao argumento de salvar o Quênia de uma anarquia absoluta, visando com as suas ações restabelecer a paz civil, até então violada. Fato é que o procurador do TPI Luis Moreno O'Campo  denunciou perante a Corte o major-general Hussein Ali pela prática de crimes contra a humanidade no Quênia, especificamente  em Naivasha e Nakuru, em que o Partido da Unidade Nacional (PNU), desejando manter o Presidente MwaiKibaki no poder, detonou massacres de toda ordem. A denuncia abarcou o chefe da Função Pública, Muthaura Francis, no sentido de ter exigido ao major-general Hussein Ali a criação de uma zona de segurança a favor da uma seita proibida, qual seja, Mungiki, visando ataques contra os civis de Naivasha e Nakuru, em face dos do partido político opositor. A defesa queniana é no sentido de que as provas produzidas pelo TPI restaram fracas e insuficientes diante da gravidade do caso e que nada restou comprovado de que a polícia queniana teria sido conivente com os crimes contra a humanidade pelo fato de ter recebido ordem para criar uma zona de segurança naquele país. A grande verdade é que crimes contra a humanidade foram praticados no Quênia e a Ordem Internacional visa a sua reparação para restabelecer a paz no Quênia e no mundo. Vale ressaltar que o TPI consentiu, em março de 2010, por maioria de votos, a abertura de investigações no que toca aos atos caracterizados como crimes contra a humanidade cometidos, pois, durante a violenta crise (1100 mortes, 3500 feridos, 600 mil deslocados, 100 mil propriedades destruídas) que se seguiu às eleições presidenciais de 2007. O Governo queniano havia concordado com o papel que o TPI viria a desempenhar no deslinde do caso, na hipótese de não ser estabelecida instância local dentro de determinado prazo. Em conseqüência: em meados de dezembro de 2010, o Promotor indiciou seis cidadãos quenianos, solicitando à Corte que fossem expedidas “intimações.”

No apagar das luzes do ano de 2016 surge mais um crime contra a humanidade.  Portando a rubrica de Ecocídio, a conduta de agredir o meio ambiente em larga escala, ganhou status de delito de repercussão internacional, a integrar o rol dos crimes contra a humanidade, ao lado do genocídio, do crime de guerra e do crime de agressão, nos termos dos Arts. 5º e 7º do Estatuto de Roma.

O homem, desbravador de matas, no afã da busca desenfreada por novas tecnologias, ao longo de décadas, atropelou o ecossistema e comprometeu a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações e, pasmem: até mesmo para as passadas!

Há muito o sistema da compensação (isto é, degradou versus compensou) não é mais satisfatório ambientalmente ao planeta - que vem sofrendo os impactos da degradação humana no próprio ambiente doméstico, quando, a título de exemplo, o cidadão sofre no bolso a multa pelo excessivo consumo de água, tal como ocorre no Estado de São Paulo, que, inclusive, estabelecendo a tarifa de contingência, normatizou a respeito (Lei 10.455/2007).

Isto porque os reservatórios de água estão cada vez mais diminutos. A título de curiosidade, há inclusive um decreto paulista que veio a lume, a fim de regulamentar a referida legislação, no afã de impor multa para aquele cidadão que, em não sendo causa de deslizamento, lava, vez ou outra, a sua calçada. Já não era sem tempo! Basta uma experiência cotidiana e banal de seguir viagem pelas diferentes estradas do país para que se observe o quanto está em baixa o nível da água nos rios, lagos, represas, etc. Para tanto, o próprio consumo regular de água é passível de cobrança - frente ao princípio do usuário pagador, que vem de encontro ao combate a escassez, no Brasil, desde o ano de 1997. Base Legal: arts. 19 e 20 da Lei 9.433/97.

Os dados são preocupantes para não dizer alarmantes. Não vamos muito longe. Tempos atrás foi exibido na data de 09 de fevereiro do ano de 2017, no programa do Fantástico, na Rede Globo, o retrato da tragédia ambiental mais conhecida como desaparecimento do Lago Poopó, na Bolívia. Um lago de dimensão três vezes maior que a cidade de São Paulo no Brasil secou do dia para noite, dando lugar a um deserto. Tudo o que restou do Lago Poopó, de dimensão de três mil metros quadrados, subsumiu-se a uma miragem daquilo que um dia foi, na esperança de que as chuvas tragam de volta o que se perdeu, de forma repentina.

Pois bem caro leitor. Já se foi o tempo em que o Direito Penal de Intervenção cujo principal expoente é Windfried Hassemer  - que apregoava que o Direito Penal era voltado basicamente à tutela de bens jurídicos individuais - figurando acima do Direito Administrativo e abaixo do Direito Penal - caiu por terra.   A necessidade de sobrevivência da espécie humana rendeu-se a uma nova interpretação das teorias acerca da proteção ao bem jurídico e de seu corolário, qual seja: o princípio da ofensividade. Hoje, os anseios ambientais pugnam pela adoção do Direito Penal visto como proteção do contexto da vida em sociedade, capitaneado por Günter Stratenwerth - em que o Direito subsume-se a um Direito de gestão punitiva dos riscos gerais, numa radical mudança de enfoque, em que a proteção do bem jurídico individual ganha conotação secundária, abrindo espaço para a tutela direta dos direitos coletivos como contexto da vida, de forma a garantir a própria subsistência desta. O meio ambiente é direito fundamental do homem de terceira dimensão (direitos de fraternidade!) e, para que ganhe concretude, consubstanciada na força normativa da Constituição, deve o homem protegê-lo, inclusive, de si mesmo!

 Não é menos verdade, porém, que vozes contrárias surgem no contraponto da tese defendida por Günter Stratenwerth.

Por amor a didática, citamos que a doutrina critica, através da expressão princípio da liquefação, desmaterialização ou espiritualização do bem jurídico, a tipificação de condutas a bens transindividuais, ao argumento de ser tal tipificação formulada de maneira vaga.

Ensina-nos com a simplicidade de linguagem que lhe é peculiar o mestre Alexandre Salim :

“Parte da doutrina adota posicionamento crítico em relação à expansão inadequada e ineficaz da tutela penal em razão desses novos bens jurídicos de caráter coletivo. Argumenta-se que tais bens são formulados de modo vago e impreciso, ensejando a denominada desmaterialização (espiritualização, dinamização ou liquefação) do bem jurídico, em virtude de estarem sendo criados sem qualquer substrato material, distanciados da lesão perceptível dos interesses dos indivíduos (ex.: mercado econômico; ordem tributária; a moralidade pública; sentimento do povo; saúde pública etc.).O discurso crítico sustenta que não mais se protege bem jurídico, mas funções, consistentes em objetivos perseguidos pelo Estado ou, ainda, condições prévias para a fruição de bens jurídicos individuais” (AZEVEDO, Marcelo André de; SALIM, Alexandre. Direito Penal: Parte Geral. 6ª Ed. Rev., ampl e atual. Salvador: Jus Podvim, 2016, vol I (Sinopses para concursos).

Com a devida vênia à parte da doutrina que adota tal posicionamento, ousamos discordar. Atente-se o leitor para o seguinte fato: os crimes culposos, em geral, são fluidos e estão consubstanciados em tipos abertos e, nem por isso, os bens jurídicos merecem menor tutela. Uma pessoa que, de forma descuidada, atropela e mata dezenas de pessoas, ceifando dezenas de vidas, receberá uma resposta proporcional do Direito Penal e “ninguém” discute a (in) constitucionalidade dos tipos penais abertos. Ora, se a vida é protegida eficazmente de forma individual, com muito maior razão deverá sê-la de forma coletiva, pois a própria hermenêutica nos ensina que onde existe a mesma razão deve existir o mesmo direito. A vida deve ser preservada e esse é o ponto nodal de unidade do sistema, para que, com tal desiderato, se resguarde o binômio vida viável x saudável e, por conseguinte, a sobrevivência da própria espécie humana.

O Ecocídio constitui-se em um novo delito mundial, espécie do gênero crimes contra a humanidade, cuja base legal reside no art. 7º do Estatuto de Roma.   Trata-se de uma interpretação ampliativa realizada pelo Tribunal Penal Internacional, a fim de abarcar nos crimes contra a humanidade, consubstanciados nas lesões diretamente voltadas ao meio ambiente, e perpetradas por pessoas físicas e jurídicas, de maneira indiscriminada.

A título de exemplo, um desmatamento, ou seja, a retirada de árvores e recursos naturais impacta diretamente o ecossistema, constituindo-se, infelizmente, prática comum nas atividades de agropecuária e mineração. Após o desmatamento inicia-se todo um processo de degeneração ambiental.  Ensina-nos Feranside:

“Sob o enfoque da sustentabilidade da natureza com a retirada de uma vegetação, o equilíbrio ecológico daquele sistema fica completamente comprometido. Processos ecológicos são modificados, alterando todo o funcionamento normal do meio ambiente, criando uma série de modificações na estrutura do solo, agravando ainda mais o problema. (FEARNSIDE, P. M. Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural: Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo, SP: Editora Cortez, 1997)”.

 Em palavras simples: Estima-se que as florestas regulem em torno de 57% (cinquenta e sete por cento) das águas doces superficiais do mundo - trazendo umidade para o ambiente, sendo que a retirada delas afeta o equilíbrio climático de muitas regiões, e, por conseguinte, acarreta, dentre outros malefícios, a intensificação do efeito estufa, ou seja, a retenção de calor na atmosfera, o que gera o aquecimento global e, por via de conseqüência, viabiliza o próprio processo de desertificação, narrado por nós, na parte introdutória deste artigo.

Assim, em caso de Ecocídio comprovado, a partir de setembro de 2016, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional, ampliando a interpretação dada aos crimes contra a humanidade, possibilita que os lesados diretos por condutas degradantes ao meio ambiente (citamos, a título de exemplo, o desmatamento, dentre uma de várias outras degradações!) possam valer-se de um recurso internacional, com o escopo de responsabilizar os autores de crimes ambientais por danos morais e por danos econômicos - que afetem diretamente o ecossistema.

O Ecocídio não se impôs ao Tribunal Penal Internacional com a majestade de um tipo autônomo. Embora digno de suma importância denota uma interpretação ampliativa aos crimes contra a humanidade, elencados no art. 7º do Estatuto de Roma.

Tal postulado “crimes contra a humanidade” consagra quaisquer atrocidades e supressões de Direitos Humanos cominados no planeta terra, em cujo princípio da retribuição deságua em uma jurisdição global ou universal.

Para os efeitos do Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade” qualquer um dos atos [listados] quando cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque. [30]

A base legal dos crimes contra a humanidade situa-se no capítulo II do mencionado diploma que assim dispõe:

Dos crimes contra a humanidade.

Artigo 7º

 Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguinte, quando cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

Em uma análise acurada acerca dos crimes contra a humanidade a pergunta que não quer calar é a seguinte: Ampliando-se a interpretação dos crimes contra a humanidade o Tribunal Penal Internacional não estaria realizando interpretação extensiva em desfavor do acusado e, com tal conduta, violando de maneira frontal o princípio da reserva legal?

A resposta negativa se impõe. Atente-se o leitor para o fato de que a degradação contínua ao meio ambiente afeta gravemente a saúde física da população e causa grande sofrimento a humanidade acarretando riscos a própria espécie humana. Ninguém duvida que um índice anormal de poluição (degradação antropocêntrica) derivado de uma indústria, a título de exemplo, intoxica a população local sendo, por conseguinte, causa direta e imediata de diversas doenças pulmonares e respiratórias, para se dizer o mínimo. Resta cabalmente abalado o binômio vida viável x saudável, comprometendo, outrossim, a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações e fazendo tabula rasa ao princípio do desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto a interpretação não é extensiva e sim declaratória, pois quando o Estatuto previu no art. 7º: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental” - abarcou em seu espírito, de forma implícita, condutas que comprometam a sobrevivência da espécie humana, a saúde e qualidade de vida dos indivíduos considerados em sua totalidade.

Assim, defendemos que não houve burla ao princípio da reserva legal, e sim, a realização de uma interpretação declaratória pelos operadores do direito, ou seja, aquela interpretação que coincide com o resultado da lei - no que toca aos crimes contra a humanidade, cujo rol de condutas que permeiam o tipo, por ser um rol extenso e aberto, chamou para si, o Ecocídio - sendo certo que, em caso de violação aos bens mais caros do ser humano, serão estes resguardados por uma jurisdição universal. É a nossa posição!

Para que o crime de Ecocídio possa ser reconhecido e que possa gerar efeitos em seara internacional (responsabilidade civil, administrativa e penal dos indivíduos: pessoas físicas ou jurídicas) a sentença proferida deve obedecer a uma condição específica de procedibilidade, qual seja: há que ser votada por, no mínimo, 1/3 (um terço) dos membros que compõem o Tribunal Penal Internacional. Trata-se de peculiariade que espelha a democracia como a forma mais singela de Justiça. Isso porque a soberania de um único magistrado é flexibilizada pelo consenso de alguns membros do próprio Tribunal, a fim de que se alcance uma decisão  com mais  plenitude, justiça e eficácia, e em consonância com os anseios do cenário internacional.

Assim, o poder judiciário amplia seu papel com relação aos demais poderes, interferindo nas barreiras que lhe foram impostas, a priori , que consistia na tarefa  de  mero reprodutor da lei, efetivando o papel democrático, não simplesmente como a boca da lei, mas como a boca da igualdade, através da aplicação justa da lei. Isso porque a democracia nada mais é que uma faceta material do princípio da igualdade.

O papel que o Judiciário internacional faz nada mais significa que dar concretude às vozes das ruas. Essa é a verdadeira essência da democracia.

Ensina-nos, com maestria, KIERKEGAARD :

“Para fins de argumentação, aceitemos que seja possível, em meio à nossa multiplicidade contemporânea, identificar uma voz das ruas, uma unidade em meio ao pluralismo. Parece-nos que, em meio a tantas diferenças, essa unidade só poderia ser apontada a partir de termos abstratos com os quais todos concordariam e que, por isso mesmo, poderiam justificar qualquer decisão que não se sustentaria a partir de argumentos jurídicos. Ilustrando em termos mais claros a partir de um exemplo: absolutamente ninguém se diz ou diria contra, digamos, a necessidade de justiça. Contudo, parece muito difícil visualizar qualquer situação minimamente aproximada de unanimidade que não seja assim: nada mais que uma redução a uma essência simplista que, em verdade, de tão abstrata, torna-se desprovida de sentido. Kierkegaard, sempre genial, já dizia que conceitos abstratos só não são invisíveis quando tornados concretos”.  (“Abstract concepts are as invisible as a straight line; they are only visible when they are made concrete”. Cf. KIERKEGAARD, Søren. Kierkegaard’s Journals and Notebooks, vol. 2. Editado por Niels Jørgen Cappelorn, Alastair Hannay, David Kangas, Bruce H. Kirmmse, Vanessa Rumble, e K. Brian Söderquist. Princeton: Princeton University Press, 2008, p. 42).

Cada vez mais é exigido do operador do direito um conhecimento interdisciplinar e, para tanto, uma interpretação sistemática dos temas jurídicos colocados em colisão. Se de um lado nos deparamos com um Direito Penal de Intervenção (na proteção de bens jurídicos individuais), de outro nos deparamos com um Direito Constitucional - que prima pela efetivação dos Direitos Fundamentais, exigindo do intérprete uma ponderação de interesses, de modo a dar primazia a defesa dos Direitos Fundamentais. Sendo o meio ambiente Direito Fundamental, a sua proteção resvala na própria dignidade do homem. 

A luta pela sobrevivência da espécie humana e sua proteção correlacionada à defesa do meio ambiente ganha status internacional através do crime de Ecocídio - que em respeito ao princípio da reserva legal (através de interpretação declaratória do próprio tipo dos crimes contra a humanidade), através de uma sentença democrática (votada por um 1/3 dos integrantes do Tribunal Penal Internacional), consagra a proteção à saúde humana como preocupação e respeito internacionais.

Dessa forma, conclui-se que a proteção aos bens transindividuais resvala na proteção à vida vista sob o enfoque coletivo. Não é um processo fácil e o Direito Internacional está a nos ensinar, através da democracia plural de suas decisões, que a dignidade humana perpassa a valores meramente individuais. Associar a vida humana à simples lesão individual é manipular a vida de forma egoística, desprezando o semelhante, em verdadeiro retrocesso aos Direitos Fundamentais duramente conquistados ao longo de décadas.  

3.3 -  Crimes de guerra

Os crimes de guerra com nomenclatura de crimes contra as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados, derivam de lenta evolução no que tange ao direito internacional humanitário, ganhando status no cenário mundial através do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com contornos de juridicidade a partir das Convenções de Genebra, lastreadas em teorias do direito costumeiro de guerra. Os crimes de guerra são violações praticadas contra as convenções de Genebra, de 1949 e contra o direito da guerra. As convenções de genebra de 1949 estabelecem regras sobre o direito humanitário, ou seja, sobre o atendimento e socorro aferidos em período de guerra. O direito internacional da guerra estabelece, por exemplo, os tipos de armas, projéteis, bombas, mísseis que podem ser utilizados e como um prisioneiro de guerra pode ser tratado. Enfim, o direito de guerra estabelece um código de conduta mínima no período das hostilidades, no período de conflitos armados. Se houver a violação de qualquer dessas regras haverá a caracterização de um crime de guerra e o indivíduo pode, então, ser levado a julgamento perante o TPI.

          O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.

Os crimes de guerra estão tipificados no artigo 8º do Estatuto de Roma. São eles:

         A - As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente:

b - Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: ·.

 c - Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido à doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:       

  d - A alínea c) do parágrafo 2o do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante;

        E - As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos:

 f - A alínea e) do parágrafo 2o do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.

O disposto nas alíneas c e do parágrafo 2o, em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.

O Estatuto de Roma consagra diversas variedades no que toca aos crimes de guerra. A título de exemplo, quando inclui, no campo dos crimes dessa espécie, os conflitos armados não internacionais, que consagram boa parte dos conflitos existentes na atualidade. São exemplos em que várias violações de direitos humanos não foram causadas simplesmente por um inimigo externo, mas por arbitrariedades e atrocidades advindas do próprio Estado, no que vão muito além de algumas tensões internas.

Os elementos dos crimes de guerra são: aqueles cometidos dentro de um contexto de guerra.

O que diferencia os crimes de guerra dos crimes contra a humanidade é a necessidade de existência de um conflito, tenha ele caráter internacional ou não. O objetivo do Estatuto é defender o direito dos Estados de manter a ordem interna e defender a soberania e unidade do país. Daí a razão da proteção às pessoas e aos bens protegidos pela Convenção de Genebra, ou seja, os feridos, os enfermo, os náufragos, o pessoal sanitarista e os serviços sanitários, o pessoal e os serviços de proteção civil, os bens civis e culturais, o meio ambiente, e as obras e instalações que contêm forças perigosas”. [31]

Entendemos, pois, que os crimes de guerra não se identificam com os crimes militares em tempo de guerra, pois nos crimes militares em tempo de guerra há uma exigência, qual seja: se faz necessário que haja uma guerra declarada. Antes que o Tribunal tenha ciência do fato é imprescindível que o caso seja apreciado por uma pré-câmara. Também aqui outro ponto que merece destaque é o de que o TPI poder aplicar ao crime tentado a mesma pena do crime consumado, como é o caso do genocídio. Também há grande dificuldade na apresentação de provas nesse tipo de crime, pois os países alegam em defesa que tal exposição de provas prejudicaria a segurança nacional. Ainda há muito que ser melhorado em tal seara, mas não podemos ignorar os avanços até então realizados, internacionalmente falando.

3.4 -  Crime de Agressão.

Após longa discussão o crime de agressão foi inserido no Estatuto, mas não foi definido, de plano, fato esse que impossibilitou a sua aplicação por um longo período de tempo, sob pena de se ferir, à época, o princípio da reserva legal.

A sua definição, pois, foi relegada para uma etapa posterior.

Ensina-nos Valério de Oliveira Mazzuoli:

O crime de agressão sempre foi problemático em sede doutrinária e no contexto da prática das relações internacionais. E isto vem desde as primeiras questões envolvendo a licitude ou ilicitude da guerra como meio de solução de controvérsias internacionais. Atualmente, no plano internacional, a guerra foi declarada um meio ilícito de solução de controvérsias internacionais... Como destaca Tarcisio Dal Maso Jardim, a discussão da abrangência de recorrer a ameaça e ao uso da força rendeu várias correntes doutrinárias, como a do direito de ingerência por razões humanitárias. A confusão se dá porque essa abstenção deve ser contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado ou outro modo incompatível com o objetivo das Nações Unidas. A não existência de uma definição precisa de agressão, suficientemente abrangente para servir como elemento constitutivo do crime de agressão e, conseqüentemente, para fundamentar a responsabilidade penal internacional dos indivíduos, dificultou, portanto, a inclusão dessa espécie de crime no estatuto de Roma de 1998. Foi na conferência de Versalhes, de 1919, que criou a Sociedade das Nações, que surgiu pela primeira vez a ideia de qualificar os atos de agressão bélica como crimes contra a paz internacional. [32] P. 65. 2009.

Registre-se que no ano de 2010, após quase dez anos de profundos debates, o Tribunal Penal internacional, por força de um acordo firmado entre os Estados membros do organismo definiu o crime de agressão da seguinte maneira: “planejamento, preparação, iniciação, ou execução, por uma pessoa numa posição de exercício de controle ou direção da ação política ou militar de um Estado, de um ato de agressão que pelo seu caráter, gravidade ou escala constitui uma manifesta violação da Carta das Nações Unidas”.

Exemplificativamente, são considerados como sendo atos de agressão sob o manto do Estatuto o bloqueio de portos ou costa marítima de um Estado por forças armadas de outro Estado, assim como a invasão ou ataque por forças de um Estado contra o território de outro Estado. Tais exemplos foram expressamente citados em resolução do TPI em Kampala, no Uganda. Seria interessante citá-la.

Todavia, nem sempre a norma válida e existente produz efeitos. A norma tem existência (porque já foi promulgada). A norma tem validade (porque passou por todo o processo legislativo e foi publicada), mas a norma não produz ainda seus efeitos.

Destaque-se que até o ano de 2010 havia a previsão do crime de agressão, mas por não ter sido regulamentado, era uma norma com vigência, mas despida de eficácia no cenário internacional.

Vigência e eficácia simbolizam um casal de namorados, de mãos dadas. Andam lado a lado. Caminham no mesmo passo. Agora, todo casal pode brigar. E daí pode acontecer de a norma ter vigência e não ter eficácia. Foi o que ocorreu, por quase uma década, com o crime de agressão.

Há que se ressaltar que os países formadores do acordo encamparam o entendimento de que o Tribunal Penal Internacional pode exercer jurisdição sobre crimes de agressão, mas tão somente sobre aqueles crimes perpetrados após o lapso temporal de um ano, após trinta Estados terem ratificado a alteração pactuada.

É importante que se diga que o crime de agressão, no entanto, deverá subsumir-se à Carta das Nações Unidas, que estipula alguns exemplos de guerra justa, tais como a intervenção para prevenir ou reprimir ameaças a paz.

Assim, a Assembléia Geral da ONU, por via da Resolução 3.314 que fora aderida em sua Sessão de 14 de dezembro de 1974, já havia vislumbrado a definição do crime de agressão, nos seguintes moldes: “Art. 1º:” Agressão é o uso de força armada por um Estado contra a Soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou qualquer outra atitude que seja inconsistente com a Carta das Nações Unidas”.[33]

O aplicador do direito, que está inserido como membro do Tribunal Penal Internacional, deve fazer uma interpretação restritiva do crime de ameaça, ou seja, deve diminuir o alcance da lei em seu trabalho interpretativo, concluindo-se que a vontade da norma, manifestada de forma abrangente, não permite que seja atribuída a sua letra todo o sentido que, em tese, aparenta ter. Não se deve perder de vista que, na atualidade, o crime de agressão encontra-se definido, porém, trata-se de um tipo penal aberto.

Ensina-nos Cleber Masson:

Tipo aberto é o que não possui descrição minuciosa da conduta criminosa. Cabe ao Poder Judiciário, na análise do caso concreto, complementar a tipicidade mediante um juízo de valor. É o caso da rixa (CPB, art. 137), pois somente na situação prática poderá se dizer se alguém participou da rixa, ou nela ingressou para separar os contendores. [34]

A Comissão de Direito Internacional (CDI) introduziu outra definição do crime de agressão, tal como tipificado no artigo 16 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade: “Aquele que, na qualidade de líder ou organizador, participar activamente ou ordenar o planejamento, preparação, iniciação ou declaração de agressão cometida por um Estado deve ser responsável pelo crime de agressão”.

Cláudio Foguiço, em artigo publicado em periódico da revista eletrônica Triagem Sócio Jurídico ensina-nos: “A CDI inspirou-se na Carta de Londres conforme interpretado e aplicado pelo Tribunal Militar Internacional. No entanto, esta definição, em si, é melhor que a anterior, mas também padece de limitações, na medida em que ela não cumpre com dois elementos fundamentais dos crimes internacionais existentes: (i) o ato criminoso, e (ii) a consciência criminosa. Com efeito, o artigo 30 do Estatuto do TPIJ claramente prevê que ‘salvo disposição em contrário, uma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da competência do tribunal se apenas os elementos materiais são cometidos com intenção para além dos elementos materiais. O elemento mental também é relevante para a determinação da responsabilidade criminal, pois isto significa que a pessoa têm que ter a intenção de causar danos e está consciente sobre as conseqüências e os danos que advirão com o curso de suas ações. A conduta do indivíduo é extremamente indispensável para a determinação da responsabilidade criminal do indivíduo. Porém, a definição supra se limita nos elementos materiais e não é suficiente para abarcar e responsabilizar criminalmente os indivíduos. Há um outro aspecto que não está claro, a definição parece presumir que o crime de agressão é intrinsecamente ligada à responsabilidade do Estado. Por exemplo, na situação em que um grupo de rebeldes esteja sobre o controlo e domínio de uma parte do país, como são os casos de Uganda, República Democrática de Congo e o Sudão e, se eventualmente atacar os países vizinhos será que o tal ato deve ser atribuído ao Estado? Prima facie, o Estado em causa é responsável por um ato de agressão antes de se efetuar investigações exaustivas com vista a apurar a verdade material. Embora, assim seja, há outras questões que se colocam no âmbito do procedimento criminal.”[35]

Nossa conclusão acerca dos crimes de competência do Tribunal Penal Internacional é a de que tal rol não deveria ser taxativo e sim ampliativo. Assim, defendemos, pois, que tal rol deveria ser ampliado para abarcar crimes contra o sistema financeiro nacional, com repercussão internacional, tendo em vista que os danos por eles causados ganham repercussão internacional, assolando a segurança internacional obstruindo a crença populacional de todo o mundo no mercado financeiro supranacional. O desequilíbrio do sistema financeiro internacional, impulsionado pelo fenômeno da globalização, produz graves crimes financeiros mundiais e, embora tais condutas, hoje, não sejam criminalizadas pelo TPI, afetam a ordem econômica internacional. Os crimes financeiros são filhos legítimos dos crimes políticos. Defendemos, pois, a ampliação de tal rol  - já que o preâmbulo do Estatuto de Roma delineia os crimes que compõem o Tribunal Penal Internacional como os crimes de maior gravidade para a comunidade internacional e, tendo em vista, a ineficácia de leis nacionais no combate aos crimes do sistema financeiro internacional, mecanismo de maior potencialidade como o TPI deveria funcionar no combate as lesões que colocam em risco a ordem econômica mundial e, por conseqüência, a comunidade internacional como um todo (globalização).

O mesmo defendemos no que concerne aos crimes contra o meio ambiente, em que se movimentam bilhões de dólares por ano, dinheiro esse usado para o financiamento de grupos armados e terroristas que ameaçam a segurança e o desenvolvimento de vários países do mundo. Exemplo ilustrativo que podemos citar é o tráfico de carvão que é responsável por uma das maiores movimentações financeiras ilegais em nível internacional, juntamente com o comércio ilegal de marfim. Assim, o crime organizado internacional ligado ao meio ambiente inclui o corte ilegal de madeira, a caça furtiva, o tráfico de espécies, a pesca ilegal, as minas selvagens e os resíduos tóxicos. Comprometem a segurança internacional, na medida em que potencializam menores chances de sobrevivência da espécie humana, como consequência maior da degradação ambiental, sendo palco para o fomento de tráfico de armas, a desencadear crimes de guerra no cenário internacional.

Sobre o autor
Paula Naves Brigagao

Advogada.Mestre em Direito das Relações Internacionais.

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