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Direitos reais:

noções gerais

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Agenda 14/07/2005 às 00:00

3. Classificação dos direitos reais.

            Embora existam inúmeras formas de se classificarem os direitos reais, revela-se de maior importância para nosso estudo a que os divide em jus in re propria, ou direito na coisa própria, e jus in re aliena, ou direitos na coisa alheia.

            A fim de melhor visualizar a classificação em exame, imperioso recordar que a maneira mais comum, embora criticada por alguns autores (55), de se compreender a propriedade é como uma soma de direitos elementares decomponíveis, a saber, os direitos de usar, gozar e dispor da coisa (56). Dentro dessa concepção, a propriedade é tida como uma reunião de faculdades, que podem ou não estar reunidas nas mãos do proprietário do bem.

            A partir do momento em que se destaca algum desses direitos elementares das mãos do proprietário e se o transfere a um terceiro, surge para este um direito real na coisa alheia ou jus ir re aliena. Há, então, uma concorrência de direitos em relação a uma mesma coisa: o direito de propriedade e o direito real sobre coisa alheia.

            Tais direitos reais na coisa alheia são, por isso, também chamados de direitos reais limitados, na medida em que limitam, oneram o direito de propriedade e, ao mesmo tempo, são por ele limitados, restringindo-se a certas utilidades da coisa (57).

            Extinguindo-se o direito real limitado, pelo advento do termo ou por qualquer outra causa de extinção, consolidam-se novamente na pessoa do proprietário todos os poderes jurídicos ou faculdades inerentes a seu direito de propriedade, falando-se, assim, em propriedade plena (58).

            Alguns autores explicam o fenômeno por meio do que denominam princípio do desmembramento – como o brasileiro Arruda Alvim (59) -, ou princípio da elasticidade – caso dos portugueses Álvaro Moreira e Carlos Fraga (60). Qualquer que seja a nomenclatura adotada, tais princípios visam explicar, exatamente, essa possibilidade de múltiplas divisões do domínio em diversos direitos reais, os quais podem ser transferidos a terceiros - limitando a própria propriedade e sendo, ao mesmo tempo, por ela limitados.

            Fala-se em jus in re propria, ou direito real na coisa própria, em referência à propriedade; ao passo que jus in re aliena, ou direitos na coisa alheia, ou, ainda, direitos limitados, são, entre nós, segundo o Código Civil, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a anticrese, a hipoteca e o direito de superfície.

            Esses direitos reais sobre coisa alheia, por sua vez, subdividem-se em diversos grupos, tomando-se em conta o objetivo econômico, a função com que são constituídos (61). Assim, distinguem-se os direitos de garantia, voltados a conferir a seu titular segurança para o cumprimento de uma obrigação, como a hipoteca, o penhor e a anticrese; os direitos reais de aquisição, caso do promitente comprador do imóvel, a quem assiste o direito real à aquisição da coisa; e os direitos de gozo ou fruição, que dão ao titular a possibilidade de participação efetiva sobre a coisa, que são todos os demais, inclusive o direito de superfície (62).

            Interessante observar que o Código Civil de 1916 prestigiava a classificação acima exposta, dedicando o Título III do Livro II aos direitos reais sobre coisas alheias, abordando primeiro os direitos de gozo e fruição (Capítulos II a VII) e, em seguida, os direitos reais de garantia (Capítulo VIII). Com o novo Código Civil, a classificação passa a ser apenas doutrinária, uma vez que não mais consta da legislação codificada – o que não representa redução em sua importância.


4. Fechamento.

            Muito longe de esgotar o tema, nosso breve texto procurou tecer algumas considerações acerca dos direitos reais em geral – seu conceito, suas principais características e peculiaridades. Com tais comentários, buscamos demonstrar que o estudo dos direitos reais necessita de uma prévia compreensão das noções básicas da categoria, em especial confrontando-a com a dos chamados "direitos pessoais", a fim de, distinguindo-se com clareza os institutos, perceber-se que são verdadeiramente inconfundíveis.


5. REFERÊNCIAS.

            ALLENDE, Guillermo L. Panorama de Derechos Reales. Buenos Aires: Sociedad Anônima Editora e Impressora, 1967.

            ALVIM, Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said. Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.

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            PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas. 1. ed. atual. Campinas: Russel Editores, 2003. T. I.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 5.


NOTAS

            01

Nada obstante a distinção feita por alguns autores, iremos usar as expressões como sinônimas, para designar tanto o ramo do Direito Civil quanto as relações por ele reguladas.

            02

Depois de expor as linhas mestras das doutrinas monistas, afirma Menezes Cordeiro: "A crítica às teorias monistas [...] passa pela demonstração da diversidade essencial entre os direitos reais e os direitos pessoais. O que é dizer, passa pela comprovação da existência de um dualismo essencial no seio dos direitos patrimoniais que impliquem coisas". (CORDEIRO, Menezes A. Direitos Reais. Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993. p. 261).

            03

GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 11.

            04

MOREIRA, Álvaro; FRAGA, Carlos. Direitos Reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C.A. da Mota Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-71. Coimbra: Almedina, 1971. p. 28.

            05

CORDEIRO, Direitos Reais, p. 225-227 passim.

            06

Aliás, o autor português Menezes Cordeiro aponta uma recente tendência de retorno à teoria clássica, citando, inclusive, da doutrina brasileira, a posição de Orlando Gomes (CORDEIRO, Direitos Reais, p. 226).

            07

PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas. 1. ed. atual. Campinas: Russel Editores, 2003. p. 25-26, grifo do autor. T. I.

            08

Não se vai adentrar aqui a discussão referente à possibilidade de direitos reais incidirem sobre coisas não corpóreas, por se tratar de tema complexo e que foge ao objeto do trabalho.

            09

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 5. p. 20.

            10

Cf. CORDEIRO, Direitos Reais, p. 232.

            11

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 34.

            12

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 4. p. 02-03.

            13

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 38.

            14

Nesse sentido: "Não obstante o desfavor que perante bons autores envolve a doutrina personalista, ela continua, do ponto de vista filosófico, a merecer aplausos. Sem dúvida que é muito mais simples e prático dizer que o direito real arma-se entre o sujeito e a coisa, através do assenhoreamento ou dominação. Mas, do ponto de vista moral, não encontra explicação satisfatória esta relação entre pessoa e coisa. Todo direito se constitui entre humanos, pouco importando a indeterminação subjetiva, que, aliás, em numerosas ocorrências aparece, sem repulsa ou protesto [...]. A teoria realista seria então mais pragmática. Mas encarada a distinção em termos de pura ciência, a teoria personalista é mais exata" (PEREIRA, Instituições..., p. 03-04, grifo do autor).

            15

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 37-38.

            16

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Reais. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 609-610, grifo do autor.

            17

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 611-612.

            18

Não se pode deixar de assinalar que a indicação da eficácia absoluta como nota distintiva dos direitos reais é majoritária, mas não unânime, entre os estudiosos do assunto. Menezes Cordeiro (Direitos Reais, p. 302-311 passim), por exemplo, nega tal característica, por afirmar a existência de direitos reais que não são oponíveis erga omnes e de direitos de crédito que podem sê-lo.

            19

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 44.

            20

Note-se que a menção ao caráter absoluto não é suficiente para se identificar um direito real, havendo direitos absolutos que não são reais, como os direitos da personalidade.

            21

Mesmo para aqueles que refutam a teoria personalista, como o já mencionado José de Oliveira Ascensão, o direito real se inclui entre os direitos absolutos, na medida em que cria para seu titular uma posição "[...] independente de quaisquer outros sujeitos, pois ele pode validamente fazer triunfar a sua situação sobre todas as oposições [...]". (Direito Civil..., p. 613). Em outras palavras, mesmo os autores que recusam a idéia de obrigação passiva universal reconhecem que, em se tratando de direito real, não há necessidade de mediação de outra pessoa para que o titular possa obter a utilidade da coisa.

            22

ALVIM, Arruda. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said. Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 49.

            23

GOMES, Direitos Reais, p. 14, grifo do autor.

            24

É essa a idéia manifestada por Oliveira Ascensão (Direito Civil..., p. 614): "[...] Direito absoluto é simplesmente o direito não relativo".

            A ênfase a esse ponto tem o objetivo de afastar a objeção usualmente apontada ao absolutismo dos direitos reais, no sentido de que "[...] nenhum direito é absoluto (Josserrand), mas todos têm o seu exercício condicionado às implicações sociais que conduzem à sua relatividade [...]" (PEREIRA, Instituições..., p. 02). Quer-se deixar claro que não é a isso que o texto se refere, quando proclama o caráter absoluto dos direitos reais.

            25

ALLENDE, Guillermo L. Panorama de Derechos Reales. Buenos Aires: Sociedad Anônima Editora e Impressora, 1967. p. 265.

            26

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 49.

            27

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 50.

            28

Rendemo-nos às observações de Menezes Cordeiro (Direitos Reais, p. 317) e de Oliveira Ascensão (op.cit., p. 623), para quem não é correto falar em "direito de seqüela" como se fosse um direito autônomo, uma vez que integra o próprio conceito de direito real. Melhor falar em seqüela enquanto prerrogativa, característica ou faculdade dos direitos reais.

            29

VENOSA, Direito Civil..., p. 22.

            30

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 625.

            31

CORDEIRO, Direitos Reais, p. 318-319.

            32

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 49-51.

            33

Há quem atribua o direito de preferência a todos os direitos reais, afirmando que, mesmo nos direitos reais de gozo, a transmissão sucessiva da propriedade sobre a mesma coisa a dois sujeitos diferentes resolve-se pelo direito de preferência do direito real anterior. Dentro desse posicionamento, no caso da transmissão sucessiva da propriedade a dois sujeitos, prevaleceria a que primeiro ocorrera, em virtude do direito de preferência conjugado com a prioridade temporal (MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 63-64).

            A maior parte da doutrina entende, todavia, que a questão não envolve a aplicação da preferência, mas sim a da existência ou não existência do direito. Para essa corrente, no mesmo caso da transmissão sucessiva da propriedade a dois sujeitos, a primeira transmissão prevaleceria porque, ao fazê-la, o alienante ainda era proprietário. Já ao realizar a segunda transmissão o alienante já teria se despojado de seu direito de propriedade, logo, não poderia tê-lo transferido a outrem (ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 628).

            34

Nos direitos pessoais, via de regra, nenhum credor pode reclamar preferência na satisfação de seu crédito pelo fato de ser este mais antigo que os créditos dos demais credores (GATTI, Edmundo. Teoria general de los Derechos Reales. Buenos Aires: Abeledo Perrot. p. 70).

            35

ALVIM, Breves anotações..., p. 49.

            36

CORDEIRO, Direitos Reais, p. 331.

            37

CORDEIRO, Direitos Reais, p. 331-332.

            38

ALVIM, Breves anotações..., p. 48-49.

            39

Cf. GATTI, Teoria general..., p. 116.

            40

Aqui há que se consignar a existência de divergência no seio da doutrina. Menezes Cordeiro (Direitos Reais, p. 338), por exemplo, conclui que a adoção da tipicidade fechada dos direitos reais é "[...] hoje em dia, mera questão técnica que pode ser resolvida pelos legisladores diferentemente, dentro de sistemas econômico-sociais, ou semelhantemente, no âmbito de sistemas contrários".

            41

GOMES, Direitos Reais, p. 19.

            42

GOMES, Direitos Reais, p. 19.

            43

É certo que existem defensores de um sistema aberto dos direitos reais, como o multicitado José de Oliveira Ascensão (Direito Civil..., p.154-155), para quem a tipologia taxativa preocupa-se excessivamente com a segurança, mas revela pouca capacidade de adaptação a uma evolução social que não deve ser dificultada. Afirma que, traçando-se cuidadosamente os limites da atuação da autonomia privada e exigindo publicidade de todo direito real inominado (como se exige dos direitos reais previstos em lei) estariam afastados quaisquer inconvenientes que poderiam ser apontados à adoção do esquema numerus apertus.

            44

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 156-157.

            45

GOMES, Direitos Reais, p. 14.

            46

ALVIM, Breves anotações..., p. 50.

            47

GATTI, Teoria general..., p. 68.

            48

É essa, basicamente, a objeção feita pelos portugueses José de Oliveira Ascensão (ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 622), Álvaro Moreira e Carlos Fraga (MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 76-81).

            49

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 99.

            50

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 631.

            51

ALVIM, Breves anotações..., p. 51.

            52

Art. 1.226 do Código Civil: "Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição".

            Art. 1.227, também do Código: "Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código".

            53

VENOSA, Direito Civil..., p. 24.

            54

GATTI, Teoria general..., p.68.

            55

Criticando essa maneira de se compreender a propriedade, e propondo uma outra forma de se entender os direitos reais em coisa alheia, Orlando Gomes afirma: "Esta concepção sôbre o modo por que se formam os ‘jura in re aliena’ enraíza no equívoco, ainda hoje difundido, de se considerar a propriedade uma soma das faculdades, direitos ou podêres. Modernamente, não pode mais ser concebida sob o ângulo dêsse fracionamento, próprio da superada concepção feudal de domínio. Hoje, o conceito de propriedade é unitário. O domínio configura-se, realmente, como um direito único, embora complexo. Há, portanto, manifesto abuso em qualificar os direitos reais na coisa alheia como formas de propriedade limitada. Não são propriedade, mas, sim, limitações do direito único do proprietário. Melhor se qualificam, pois, como direitos limitados. A limitação varia de extensão e intensidade, permitindo, em conseqüência, a formação de diversos direitos reais na coisa de outrem. [...] Constituído um direito real limitado, o direito do proprietário não se destrói, não se fraciona, não se desmembra, mas apenas se limita por fôrça da constituição de outro direito sôbre a mesma coisa, que restringe a ação do proprietário" (GOMES, Direitos Reais, p. 24-25, grifo do autor).

            56

O próprio Código Civil de 2002, assim como o diploma de 1916, esquiva-se de fornecer um conceito de propriedade, partindo das faculdades a ela inerentes, como se nota em seu art. 1.228: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". Trata-se, com efeito, da tradicional classificação romana do jus utendi, jus frendi e jus abutendi.

            57

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 133.

            58

Nesse sentido é que o art. 525 do Código Civil de 1916 (em dispositivo sem correspondente no novo Código) afirma ser plena a propriedade "quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário".

            59

ALVIM, Breves anotações..., p. 66.

            60

MOREIRA, FRAGA, Direitos Reais..., p. 113-114.

            61

ASCENSÃO, Direito Civil..., p. 176.

            62

VENOSA, Direito Civil..., p. 36.
Sobre a autora
Diana Gomes Carvalhinho

Servidora da Justiça Federal/ES e Pesquisadora Voluntária do Instituto Capixaba de Estudos (ICE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHINHO, Diana Gomes. Direitos reais:: noções gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6995. Acesso em: 22 nov. 2024.

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