Resumo: O presente artigo trata dos crimes de colarinho branco, cujo termo surgiu para classificar condutas delituosas praticadas por pessoas de alto “status” social, objeto de estudo de Edwin Sutherland, sociólogo americano que apresentou a problemática da desigualdade decorrente da punição desses ilícitos em diferentes classes sociais. Por meio de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, buscou-se entender por que as penas contra membros da camada de maior poder econômico e político não são efetivas, mesmo quando as condutas estão tipificadas na legislação. Observou-se que os autores dos crimes de colarinho branco não possuem, para o senso comum, o estereótipo de pessoas perigosas e que as penas aplicadas a eles possuem um caráter meramente simbólico, promovendo a impunidade.
Palavras-chave: : Crimes de Colarinho Branco. Criminoso. Direito Penal.
INTRODUÇÃO
Sutherland estabeleceu como crime de colarinho branco, os crimes cometidos por pessoas de respeitabilidade no exercício de sua atividade econômica e que atentam diretamente contra a economia de um país. A expressão está estreitamente ligada aos colarinhos brancos das camisas dos altos executivos.
Os métodos empregados por estes criminosos foram aprimorados e várias tipificações foram criadas e definidas em lei. Todavia, não obstante de existirem diversas leis tratando sobre a punição dos criminosos, os mesmos não são punidos de modo eficaz.
Para a população é um crime complexo de ser vislumbrado, visto que, distintivamente dos crimes comuns, os crimes de colarinho branco não precisam de violência direta e são praticados por aqueles que dispõem de credibilidade da sociedade e que exercem cargos de influência.
Para proceder à análise, este estudo está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo aborda a definição dos crimes e as espécies de delitos da legislação brasileira que se enquadram no conceito do sociólogo estadunidense Edwin Sutherland, bem como, a explicação da Teoria da Associação Diferencial, que esclarece a origem destes delitos.
O segundo capítulo se reserva a analisar o perfil do delinquente, que com seu semblante benévolo e destituído de qualquer ética, possui um amplo prestígio na sociedade, influenciando, inclusive, na aplicação da norma penal.
O terceiro e último capítulo versa sobre o enquadramento penal, analisando como a impunidade dos criminosos de colarinho branco serve de estímulo à criminalidade e à prática permanente de novos crimes.
Enfim, objetivando aprofundar-se no tema seletividade e impunidade nos crimes de colarinho branco, adotando como procedimento os métodos histórico e bibliográfico, com a aplicação da doutrina, legislação brasileira e artigos, a presente pesquisa apresenta um discurso combatente que denuncia a existência destas práticas no seio da sociedade brasileira e aponta a necessidade de rever a forma como as penas contra essas condutas delituosas são aplicadas na prática.
1. WHITE COLLAR CRIMES: UMA BREVE ANÁLISE NA TEORIA DE SUTHERLAND
Os crimes de colarinho branco se desenvolveram diferentemente dos demais crimes. Sendo que, apenas no começo do século XX eles se tornaram um dos focos de estudo da criminologia. Em 1930, a criminalidade ainda era explicada como resultado de alguns elementos, tais como classe, idade, fatores sociais e contato com a marginalidade. Assim, ilustra Sutherland (1949, p.22):
[...] as patologias sociais que têm sido enfatizadas são pobreza e, relacionada a ela, condições precárias de habitação, falta de recreação organizada, falta de educação e perturbações na vida familiar. As patologias pessoais que têm sido sugeridas como explicações do comportamento criminal eram, de início anormalidades biológicas [...] a próxima explicação foi inferioridade intelectual, e mais recentemente instabilidade emocional. Algumas dessas escolas acreditavam que patologias pessoais eram herdadas e eram a causa da pobreza assim como o comportamento criminal, enquanto outros acreditavam que as patologias pessoais eram produzidas pela pobreza e que esta patologia pessoal contribuía para a perpetuação da pobreza [...].
A terminologia “Crime do Colarinho Branco” ou “White Collar Crime” como ficou conhecida, ganhou força em 1939 por Edwin Hardin Sutherland, professor de sociologia da Universidade de Indiana, EUA, que durante o seu pronunciamento no 34º American Sociological Association, apresentou a problemática da existência da decorrente desigualdade na punição desses ilícitos em diferentes classes sociais. Sutherland continuou desenvolvendo suas pesquisas e apenas dez anos depois, em 1949, publicou a clássica obra White Collar Crime, em que tratou sobre o assunto com a devida complexidade (SUTHERLAND, 1949).
O discurso do sociólogo estadunidense foi resultado de uma pesquisa que investigou as decisões judiciais e administrativas, contra 70 empresas dos Estados Unidos, nos ramos de mineração, manufatura e comércio e, chegou ao desfecho de que o fator econômico não poderia servir como a única causa para justificar a criminalidade, provando que os motivos convencionais sobre os crimes eram insubsistentes, principalmente porque as provas eram resultado de referências tendenciosas, porque os estudos eram dirigidos somente à análise das classes mais baixas da sociedade (SUTHERLAND apud VERAS, 2010).
Sendo assim, Sutherland definiu como sendo crime de colarinho branco: “[...] un delito cometido por una persona de respeitabilidad y estatus social alto en el curso de su ocupación” (SUTHERLAND, 2009, p. 9). Ou seja, um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e elevado status social, em razão da função que exerce (PIMENTEL, 1973).
Fundado em tais resultados, Sutherland remeteu-se que não há crime ocasionado pela pobreza ou por fatores biológicos, já que pessoas de classe social mais elevada também praticavam crimes (SHECAIRA, 2012).
Partindo dessa premissa, Sutherland promoveu a “Teoria da Associação Diferencial”, estabelecendo que o comportamento delituoso se aprende com o convívio entre indivíduos no mesmo meio social. Ou seja, a conduta delituosa não é oriunda de aspectos biológicos específicos à pessoa, é algo que se aprende por intermédio da socialização (BARATTA, 2004).
Conforme assenta, Mônica Castagna Molina:
Os fundamentos da conduta humana são o resultado do aprendizado proporcionado pela experiência cotidiana; ou seja, o comportamento é constantemente promovido e remodelado a partir das reações heteronômicas que a conduta do agente provoca. A conduta criminal, pois, é um hábito adquirido: num complexo processo de comunicação social, o indivíduo aprende um comportamento criminoso, os valores criminais, as técnicas específicas e os mecanismos subjetivos de racionalização de seu agir desviado. (MOLINA, 2006, p. 274).
Com base da Teoria da Associação Diferencial, foi possível revelar a delinquência nas classes sociais mais elevadas, suprindo a falta de justificativa que até então não havia (FELDENS, 2002).
A intitulação white collar crime afastou as teorias clássicas firmadas por criminólogos e sociólogos anteriores à Sutherland, diante da distinção entre os fundamentos e decorrências inerentes aos delitos tradicionais e os econômicos (ANYIAR DE CASTRO, 1983).
Assim, o real objetivo do autor era introduzir os crimes de colarinho branco nas estatísticas criminais da época que só incluíam crimes comuns praticados por indivíduos desfavorecidos, era fundamental que a lei considerasse as condutas de colarinho branco como crime, para que a partir da tipificação houvesse a punição (FRANÇA, 2014).
A partir do trabalho de Sutherland, o termo crime de colarinho branco se propagou pelo mundo. No Brasil, a disciplina de Direito Penal Econômico é atribuída a estudar os crimes relacionados com a ordem econômica, e os delitos conexos (PRADO, 2013).
No direito brasileiro, a proporção de ocorrências socioeconômicas e as particularidades dessa delinquência, ajustou alcunhar o Direito Penal Econômico, tendo o Estado o dever e a proteção da ordem econômica, não meramente por estar previsto na Constituição Federal, mas também por versar interesses difusos pertinentes a toda população (CORREIA, 1998).
O Código Penal Brasileiro de 1940, segundo Correia (1998), expandiu consideravelmente o rol dos crimes econômicos ao converter delitos administrativos ou civis em delitos criminais. Com o surgimento de modificações sociais, o Estado deparou-se com o dever de criminalizar outras condutas, que não estavam em evidência na época da elaboração do Código Penal.
Tais modernizações foram essenciais para a legislação progredir e se desenvolver simultaneamente com os avanços da tecnologia e da respectiva sociedade. Assim, importantes leis penais extravagantes apareceram a partir da segunda metade do último século, demonstrando o impulso desenvolvimentista no Brasil (SOUZA, 2007).
Para alguns doutrinadores, o crime de colarinho branco deve ser considerado restritivamente, consistindo nas infrações penais cuja objetividade esteja na ordem econômica. (FRAGOSO, 1982).
Porém a doutrina contrária, aceita um conceito amplo, compreendendo a criminalidade de colarinho branco não apenas as violações à ordem financeira e econômica, mas também a qualquer outro bem jurídico, como administração pública, bastando que o autor aja no âmbito prevalecendo-se de seu status social privilegiado (BOULLANGER, 2002).
Assim, de acordo com conceito originário de Sutherland e aos doutrinadores que se valem do conceito amplo, os crimes de colarinho branco, englobam, os seguintes crimes:
Os crimes contra a ordem econômica (Lei nº. 8.176/91); economia popular (Lei nº. 1.521/51); crimes financeiros (Lei nº. 7.492/86); crimes contra o consumidor (Lei nº. 8.078/90); crimes contra o mercado de valores imobiliários (Lei nº. 6.385/76); crimes falimentares (Lei nº. 11.101/05); crimes licitatórios (Lei nº. 8.666/93); crimes econômicos, tributários e contra as relações de consumo (Lei nº. 8.137/90); crimes contra a ordem econômica (Lei nº. 8.176/91); crimes ambientais (Lei nº. 9.605/98); crimes de lavagem de dinheiro (Lei nº. 9.613/98).
Os mencionados delitos representam, em termos de legislação penal brasileira, a categoria do white collar crime, já que frequentemente são praticados por pessoas de considerável prestígio social, no desempenho de suas funções, e abusando de alguma relação de confiança (BARATTA, 2004).
2. O ESTEREÓTIPO DO SUJEITO CRIMINOSO
Com a formação do capitalismo, a classe social em que o indivíduo está estabelecido é primordial para a sua inserção social. No âmbito em que tudo tem um valor, possuir recursos é o principal atributo para ser respeitado e ter prestígio, além do mais, pouco implica a origem dos recursos utilizados para esbanjar dinheiro, dos quais na maioria das vezes são oriundos de crimes contra a ordem econômica, financeira e tributária (BATISTA, 2003).
Diante disso, o criminoso do colarinho branco não se percebe como tal, de acordo com Sutherland (apud GIRON, 2008), o agente de tal crime se considera um mero violador da lei.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Mir (1987 apud FELDENS, 2002) leciona que este tipo de delinquente denota pouca culpa, uma vez que sua consciência se identifica com a dos homens de negócio, buscando obter lucro a qualquer preço. Sua obsessão por sucesso, seus desejos de riqueza e poder, se sobressaem ao seu julgamento de certo ou errado.
O autor prossegue, citando a doutrina alemã de Mergen, que criou o Psicograma de Mergen, que identifica os principais pontos a respeito do criminoso de colarinho branco:
materialismo: o delinquente de colarinho branco apenas concede valor aos bens materiais, apreciando os valores ideais, intelectuais ou morais unicamente como meio de enriquecer-se. Tal como o toxicômano, necessita aumentar, sem cessar, a dose da droga. Sua tensão psicológica se libera com a ganância, sendo a sua psicologia, neste sentido, similar a de um jogador;
egocentrismo e narcisismo: sua personalidade não passa pelo primeiro estágio do egocentrismo, sem desenvolvimento de sua afetividade e sem abertura à vida racional. Seu narcisismo lhe faz sentir-se medida e critério dos demais, soberano e insensível a críticas;
dinamismo e audácia: são dotados de um extremo dinamismo, próprio de seu caráter primário e de seu otimismo egocêntrico, que o impede de dosar os riscos. Essa vitalidade lhes outorga facilidade de persuasão;
inteligência: são refinados, quiçá inteligentes, mas raramente cultos. Sua inteligência é dirigida ao êxito imediato. Não são violentos, mas usam a sua inteligência contra o que seja preciso sem inibição alguma;
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periculosidade: em que pese observador superficial os tenha como honoráveis cidadãos favorecidos pelo destino, o certo é que a combinação de uma forte potencialidade criminal e uma grande capacidade de adaptação social lhes faz um dos criminosos mais perigosos. Sua periculosidade se acentua ao ignorar todo limite ético;
hipocrisia: sua imoralidade contrasta com seu papel social de mecenas e homem alentador de grandes causas;
neurose: a mania de lucro provoca deficiências graves de afetividade que permite encontrar neuróticos com dificuldades de comunicação humana e com um característico comportamento sexual de impotência;
carência de sentimento de culpabilidade: comparado com o delito comum, o delito econômico não provoca reação social, o que explica que o autor careça de consciência de culpabilidade. (BACIGALUPO apud FELDENS, 2002 p. 139-140).
Há que se ressaltar, no entanto, que não se deve caracterizar o criminoso de colarinho branco como um delinquente comum. Pois, em consequência da camada social privilegiada que ocupa, o violador econômico desfruta de amplo acesso às informações jurídicas e possui, ainda, entendimento das consequências de seus atos ilícitos, possuindo mais condições de racionalizar suas ações, no sentido de se assegurar e presumir o efeito de sua ação delituosa, e com isto possui o menor risco de ser criminalizado (ARGÜELLO, 2012).
Assim, conforme afirma Sutherland (apud PIMENTEL, 1973, p. 119-120), os criminosos de colarinho branco são formados por uma “categoria à parte, composta de pessoas bem-nascidas e bem-educadas”, de boa vizinhança. O autor continua afirmando que esse indivíduo foi criado em lar bem constituído. “Frequentaram boas escolas e ingressaram no mundo dos negócios”, onde situações atípicas foram-lhes induzindo a adoção desses “comportamentos sistemático”, tornando-se, via de regra, como outro tipo qualquer de aprendizado.
Ainda em Pimentel (1973, p. 121), encontramos a formação do caráter do criminoso do colarinho branco, quando o autor comenta:
Corriqueiras infrações de trânsito, tais como a ultrapassagem de veículos em lugar inadequado; estacionamento em local proibido; abuso dos sinais acústicos; excesso de velocidade e a direção de veículo motorizado sem a competente habilitação, às vezes com a franca conivência dos pais, são comportamentos que preparam o terreno para o afastamento do jovem da esfera do respeito à lei e à ordem jurídica.
Neste raciocínio podemos inferir que, a partir de pequenas violações, onde o autor do delito se vê impune, sentindo-se glorificado ao infringir sem a devida punição, o violador terá seu comportamento reforçado, distorcendo sua visão de ética partindo, daí, para delitos mais graves, conforme descrito por Ferracuti (apud PIMENTEL, 1973):
Percebe-se, assim, que o criminoso de colarinho branco não se dá conta, inteiramente, da reprovabilidade do seu comportamento, pois o desvio ético é subjetivamente justificado pela prevalência dos motivos que levam o agente a desrespeitar as regras morais ou jurídicas que ordenam conduta diversa.
Em consequência de o criminoso passar quase que despercebido no meio social em que vive, sua ação delituosa é bem mais perigosa que a dos criminosos comuns, uma vez que nem sempre sabemos quem são estes. É este criminoso que deve ser realmente combatido, com bastante habilidade, pois qualquer ação errônea é capaz de isentá-lo cada vez mais, ante o imenso amparo que ele goza na sociedade (CASTRO apud FISCHER, 2006).
3. CRÍTICA AO ENQUADRAMENTO PENAL DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO
Na concepção da criminalidade do colarinho branco, se faz imprescindível entender a lógica da seletividade do sistema penal, considerando-se a baixa repercussão dos delitos cometidos pelos prestigiados da alta sociedade, nas diferentes dimensões do sistema penal, conforme asseverado pelo estudo produzido por Sutherland (ANDRADE, 2003).
De acordo com o que prevê a Carta Magna e a Lei Penal, não deve existir distinção, inclusive durante a incriminação de qualquer indivíduo, o Estado, sendo o detentor do direito de punir e o fazendo por meio do Direito Penal, determina um controle de ações consideradas desviantes socialmente, dando origem aos tipos penais (ANDRADE, 2003).
Contudo, as prioridades persecutórias do sistema penal brasileiro estão longe de uma proporcionalidade na distribuição da justiça penal, pois a própria legislação estabelece vantagens incompatíveis com a busca de uma sociedade pacífica. Tais benefícios por vezes são dirigidos a um determinado grupo de pessoas, excluindo-se outras (ARAÚJO, 2010).
Basta uma simples análise nas Leis que regulam a ordem financeira e econômica e o Código Penal, que se verifica a desproporcionalidade dos tipos penais. Não obstante que a consumação de crimes violentos, produz uma comoção significativa na sociedade, mas, os reflexos causados em toda a sociedade pelas práticas de condutas, especificamente contra o sistema financeiro, são lesivos a estrutura política do Estado, atingindo os interesses difusos e coletivos da sociedade (NEPOMUCENO, 2004).
O criminoso de colarinho branco é detentor de benefícios estipulados em lei, tais como penas menores para condutas análogas às cometidas por pessoas desfavorecidas, já o indivíduo tachado como indesejável é escolhido para ser o cliente apto da repressão penal do Estado, promovendo assim a seletividade do sistema penal, não somente pelos tipos de comportamentos descritos na lei, mas também pela própria formulação técnica dos tipos legais (ZAFFARONI, 2015).
O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quanto pune as ofensas aos bens essenciais faz com intensidade desigual e de modo fragmentário; b) a lei penal não é igual para todos; o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos; e c) o grau efetivo de tutela e a distribuição do status de criminoso é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade. (BARATTA, 2011, p. 45).
Tem-se, por exemplo, o art. 34. da Lei 9.249/95 que prevê a extinção da punibilidade em crimes contra o sistema tributário caso o valor seja devolvido antes do recebimento da denúncia:
Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Do artigo supracitado, pode-se verificar que para os provenientes da classe economicamente elevada, é permitida a “oportunidade” de pagar o tributo, que é o objeto da infração penal, e assim será extinta a sua punibilidade.
Mas para os provenientes da classe social inferior a consequência do crime é a provável reclusão, de acordo com o art. 16. do Código Penal que versa sobre o arrependimento posterior, que ocorre após a consumação do delito, quando cometido sem violência ou grave ameaça, mas se o agente repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia, aplica-se apenas a redução da pena de um a dois terços (FELDENS, 2002).
A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo sonegado faz com que haja a impressão de que pessoas com melhor poder aquisitivo podem pagar para não serem punidos. Reforçando a ideia de que o ladrão comum será processado e julgado pelo Estado mesmo que devolva o dobro do que roubou, mas o sonegador fiscal que lesou toda sociedade sairá impune se pagar o valor omitido (FELDENS, 2002, p. 69).
Assim, é possível perceber que ao não estabelecer penas adequadas aos crimes de colarinho branco, favorece a classe social elevada e não os rotula como criminosos, pois suas condutas delituosas são consideradas sem importância cominando assim a penas mais brandas (NEPOMUCENO, 2004).
Feldens (2002, p. 180) leciona que:
Este processo representa uma verdadeira despenalização de condutas que ofendem de forma inescrupulosa os bens jurídicos coletivos mais “caros” à sociedade brasileira. Curiosamente, esse episódio de ‘civilização’ do Direito Penal aproveita exclusivamente aos autores dos crimes de colarinho branco. As modificações legislativas que veiculam essa civilização vêm dar-se concidentemente em momento histórico em que o Direito Penal principia por alcançar sua maturidade, lançando-se ao sancionamento de crimes praticados em detrimento da ordem econômico-tributária e do sistema financeiro.
Nesse sentido, percebemos que a população prisional, principalmente no Brasil, é composta em sua quase totalidade por um público pouco detentor de bens. Assim, num contexto de manutenção de sociedade capitalista, o sistema penal tolera algumas ilegalidades, simplesmente por serem úteis. Dessa forma entende-se por que os criminosos do colarinho branco “não detêm de espaço” para fazer parte das estatísticas criminais, haja vista serem eles os geradores do capital, e nesse âmbito, não haveria razão para a sua criminalização e consequentemente o encarceramento (ZAFFARONI, 1991).
Para Mellin (2016, p. 40) discorre que:
Com base em uma ótica criminológica que parte da orientação marxista, é possível perceber a existência de um Direito Penal de classes, que aprofunda cada vez mais as desigualdades entre as pessoas, no que se refere às classes a que pertencem, no tratamento dispensado às variadas naturezas delitivas consolidadas no Código Penal e em leis esparsas. O que se afirma é que a sujeição desses aparatos legais ao capital parece tornar a repressão à criminalidade econômica um embuste, deslegitimando o próprio Direito e seu discurso igualitário, na medida em que torna inócua sua finalidade precípua, que consiste em reprimir as práticas delituosas existentes na sociedade independentemente da condição pessoal de seus autores.
Por fim, pode-se concluir que há um tratamento legislativo e jurisdicional que tem privilegiado a camada social mais elevada, se valendo da justificativa de que no caso de tais discrepâncias se tornarem diferenciadas pelo sistema penal, haveria um enfraquecimento das classes dominantes, tornando-as fragilizadas (ARAÚJO, 2010).