4. MEDICAMENTOS
4.1 Breve histórico sobre o medicamento
Na lição de Maria Ruth dos Santos, os fazeres ligados à produção de medicamentos, com a utilização de plantas medicinais para produção de beberagens, unguentos ou emplastros, têm suas raízes em práticas místico-religiosas nas quais a concepção de doença está estreitamente ligada à noção de males provocados por divindades ou como castigo pelos pecados.25
No Brasil, antes da chegada dos portugueses, a concepção dos indígenas sobre os males que os afligiam também tinha essa natureza. Segundo a mencionada pesquisadora, no período colonial, esse quadro se alterou com a introdução no país de uma nova concepção de saber e prática de saúde semelhante à existente na Idade Média europeia, quando profissionais como cirurgiões, cirurgiões-barbeiros e boticários exerciam o controle da assistência à saúde.
A autora ainda ensina que os boticários, por exemplo, constituíam uma classe de artesãos reconhecida no regime corporativo a partir do século XII, cujo saber estava relacionado ao conhecimento das plantas e drogas mais usadas.
Apesar do pequeno número, as boticas tinham atuação importante no período colonial, caracterizando-se por serem estabelecimentos ligados aos cuidados da saúde da população, sendo também locais de socialização.
A propósito, não havia uma separação higienista entre as práticas de saúde e a vida da população local. Na botica os homens se encontravam para conversar, jogar e eventualmente tratar de política.26
Situadas nas ruas principais, as boticas ocupavam dois compartimentos da casa. O boticário residia nos fundos. Em uma das salas, a da frente, ficavam as drogas expostas à venda. Na outra, longe dos olhos do público, fazia-se a manipulação. Além dos remédios, oferecia-se para consumo as sanguessugas, apisteiros27, semicúpios28, comadres e até frangos para caldo de dietas.29
No século XVIII, o Estado português passou a legislar sobre o fazer farmacêutico. Com a instituição do Regimento de 1744, estabeleceram-se dispositivos parecidos com as nossas normas atuais. Dentre eles, uma legislação sobre o profissional responsável, a exigência da existência de balança, pesos, medidas, produtos químicos, vasilhames e livros elementares na botica.
Em 1782, surgiu outra legislação para fiscalização da prática médica e farmacêutica. Criou-se uma junta que controlava a venda de medicamentos, obrigando todo boticário a requerer licença.
Porém, como destaca Maria Ruth dos Santos, apesar de todo o aparato técnico-administrativo existente nos textos legais da época, os abusos e irregularidades continuaram a ser praticados e encobertos pelas autoridades. As atividades exercidas pelos boticários continuaram estruturando-se como ofício laico. A prática profissional embasava-se na experiência, legado da tradição oral e treinamento.
Quanto à produção de medicamentos, podemos dizer que até metade do século XIX, a maioria dos fármacos empregados era de origem vegetal. A sua fabricação se constituía numa atividade de bases artesanais, de caráter familiar, voltada para a manipulação de fórmulas oficinais.
Essa realidade só iria se transformar no século XX, com o início do processo de industrialização, em larga escala, dos produtos farmacêuticos. Segundo o pesquisador João Rui Pita, a principal inovação farmacêutica, no que diz respeito à produção de medicamentos, foi o desenvolvimento de sua indústria.
O citado autor anota que, com o surgimento de grandes laboratórios, como Merck, Bayer, Parke-Davis, Sandoz e Ciba, as especialidades farmacêuticas30 começaram a retirar o lugar dos medicamentos manipulados.
Paralelamente, surgiram novas formas farmacêuticas, fruto dos avanços tecnológicos e científicos, como foi o caso dos medicamentos injetáveis, que necessitavam de condições de assepsia rigorosa para o seu desenvolvimento e fabricação.
No entanto, no início do século XX, a maioria dos medicamentos era ainda obtida a partir de produtos naturais. Logo depois, passaram a predominar na terapêutica os produtos biológicos.
Até 1930, o modelo tecnológico de produção de medicamentos no Brasil não se distanciava do existente nos Estados Unidos e na Europa. O Brasil tinha até então uma indústria farmacêutica menor que a norte-americana – o Censo de 1920 registrava 186 laboratórios31 –, mas sua tecnologia e os produtos fabricados eram praticamente os mesmos.
Aliados à produção dos pequenos laboratórios nacionais existiam, ainda, os laboratórios oficiais, que foram criados com o objetivo de combater algumas epidemias e capacitados para a produção de soros e vacinas.
Esses laboratórios, a exemplo do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e do Instituto Butantã, em São Paulo, transformaram-se em importantes centros de pesquisa biológica. Segundo Jacob Frenkel:
antes da guerra a produção manufatureira de medicamentos reservava-se aos remédios populares e a elaboração de produtos éticos em sua forma final era quase que exclusivamente feita pelos farmacêuticos [...]. Desta forma, já que a habilidade do farmacêutico tinha um papel tão importante na qualidade do produto final quanto o do produtor da matéria-prima, as marcas comerciais tinham, em conseqüência, uma influência bem menor na comercialização do medicamento do que hoje em dia tem32.
Assim, quer no campo do conhecimento ou da técnica, os farmacêuticos ainda dominavam o processo de produção dos medicamentos, fosse ele realizado na esfera das boticas, farmácias ou na incipiente indústria que despontava, confeccionando produtos de matérias-primas importadas ou oriundas da flora nacional.
Entretanto, não podemos compreender o processo de desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil desvinculado do processo de expansão industrial mais amplo e das políticas públicas destinadas a promover seu desenvolvimento. A introdução de uma política de industrialização, após 1930, favoreceu a constituição de uma indústria de base no país.
A conjuntura internacional, afetada primeiramente pela grande crise de 1929 e em seguida pela Segunda Guerra Mundial, permitiu a substituição de importações principalmente no setor de bens intermediários, como borracha, cimento, mobiliário, siderurgia e papel.
Por conseguinte, o Estado passou a dar máxima prioridade ao desenvolvimento do mercado interno, adotando uma estratégia em que a industrialização aparece como instrumento para tornar a economia nacional menos dependente do mercado externo.
O desenvolvimento tecnológico proveniente dos investimentos em pesquisa, feitos durante a Segunda Guerra Mundial, fez com que os Estados Unidos da América assumissem a dianteira na produção de medicamentos sintéticos. Essa expansão da indústria farmacêutica mundial deu-se devido a que:
Nas décadas de 30 e 40, com a introdução dos derivados da sulfa e depois com a descoberta da penicilina, a produção de remédios passa a ser feita com bases mais científicas, o que exigia uma escala de produção maior que a necessária para fabricar os antigos remédios populares, como o conhecidíssimo Biotônico Fontoura, por exemplo. Foram poucos os laboratórios nacionais que conseguiram sobreviver e dar o salto técnico necessário [...] Depois da Segunda Grande Guerra, quando surgiram os antibióticos de largo espectro (remédios eficazes contra um conjunto de infecções), a pesquisa científica tornou-se a principal fonte de lucro na indústria farmacêutica mundial. Através do sistema de patentes, estabeleceram-se verdadeiros monopólios sobre as novas descobertas33.
Eis que se inicia o processo de expansão internacional e de centralização de capitais promovidas por essas empresas. No Brasil, segundo a autora Raquel Abrantes Pêgo, ocorreu uma aceleração da instalação de subsidiárias de empresas farmacêuticas estadunidenses dedicadas à produção local daqueles produtos desenvolvidos pela matriz.
Desde esse período o Brasil alcançou uma posição de destaque no mercado mundial, ao mesmo tempo em que apresentava forte dependência de matérias-primas importadas e incipiente produção e pesquisa de novos fármacos.
Nesse contexto, as antigas boticas e farmácias deixam gradativamente de ser o espaço de produção de medicamentos, sendo substituídas pela produção industrial e pelos produtos químico-sintéticos que passam a dominar nas indicações médicas, modificando as características da profissão de farmacêutico e das farmácias, que se transformam em locais destinados meramente ao comércio de medicamentos.
A união física entre consultório médico e farmácia, que muitas vezes funcionava no mesmo estabelecimento, desaparece. Dissocia-se a estreita relação entre o médico e o farmacêutico, baseada na cooperação e fiscalização de sobre o outro, competindo ao farmacêutico corrigir e acertar as fórmulas antes do aviamento. Em decorrência da expansão industrial, Maria Ruth dos Santos nos diz:
Saem os médicos das farmácias, pouco depois, os receituários de fórmulas e, mais tarde, os próprios farmacêuticos, descaracterizando aquelas como estabelecimento de saúde [...] Na medida em que a farmácia-oficina deixou de ser necessária e dela prescindiram os médicos e os doentes, gradualmente foram desaparecendo, cedendo lugar às modernas drogarias (p. 69).
De modo geral, podemos dizer que esse momento da industrialização no Brasil, do qual o desenvolvimento da indústria farmacêutica faz parte, deu-se pela importação de tecnologia, tanto sob a forma de novos produtos quanto de mudança de processos, marcando forte dependência quanto à importação de insumos e maquinários. A ação do Estado se fez no sentido de ocupar setores considerados estratégicos para o desenvolvimento, como o caso da metalurgia e depois o petróleo.
Na década de 1950, o capital monopolista se faria expandir não apenas no setor estatal, mas também na esfera privada sob controle do capital estrangeiro. Em 1960, 100% da produção de veículos a motor e de pneus, 90% da produção de vidro e 86% da indústria farmacêutica se encontravam nas mãos do capital estrangeiro. Em 1969, todos os grandes laboratórios farmacêuticos europeus e estadunidenses estavam instalados no Brasil34.
No período de 1957 a 1975, o número de empresas de capital local, entre as vinte maiores, cai de cinco para apenas uma. Em 1977, dos vinte e três laboratórios instalados no país, que respondiam por 50% do faturamento total do setor, apenas 01 (um) era nacional.35
Tabela 1 – Principais Laboratórios Farmacêuticos no Brasil na década de 1970
Laboratório |
País |
Faturamento* |
Roche |
Suíça |
685,5 |
Johnson |
EUA |
551,6 |
Schering |
EUA |
460 |
Aché |
Brasil |
423,2 |
Merck |
Alemanha |
382,7 |
Fontoura |
EUA |
371,7 |
Merck Sharp |
EUA |
339,6 |
Merrel |
EUA |
337,5 |
Hoechst |
Alemanha |
335 |
Rhodia |
França |
323,7 |
Sandoz |
Suíça |
312,8 |
Sarsa |
França |
312,7 |
Laborterápica |
EUA |
311,6 |
Geigy |
Suíça |
309,6 |
Squibb |
EUA |
286,6 |
Ciba |
Suíça |
283,9 |
Lilly |
EUA |
274 |
Andrômaco |
Espanha |
261,5 |
Lepetit |
EUA |
245 |
Organon |
Holanda |
240,7 |
Bayer |
Alemanha |
236,6 |
Berlimed |
EUA |
230,3 |
Bochringer |
Alemanha |
223,7 |
*Em milhões de cruzeiros (1977). Fonte: The Pharmaceutical Market Brazil: Publicação Editada pela I.M.S AG Zurique – Suíça, apud Raquel Abrantes Pêgo, 1982. |
Nesse período, o Brasil ostentava a posição de sexto maior mercado entre os países capitalistas, com um faturamento que ultrapassava um bilhão de dólares.36 Porém, não se deve buscar a compreensão do processo de desnacionalização da indústria farmacêutica no Brasil apenas sob a ótica da desvantagem tecnológica. Internamente, a década de 1950 se caracterizou por uma política econômica bastante liberal quanto à co-participação do capital estrangeiro no intenso crescimento industrial que então se verificava. Segundo Jacob Frenkel,
Nesse período não foi acionado por parte do governo nenhum tipo de política industrial que implicasse num apoio econômico às empresas nacionais do setor farmacêutico, ou mesmo que dificultasse sua venda a grupos estrangeiros. A estes, por sua vez, interessava a compra de laboratórios locais e de preferência grandes. Isto porque a maioria dos laboratórios estrangeiros que entraram no país neste período vieram desenvolver aqui sua produção de especialidades farmacêuticas. A compra de laboratórios locais lhes era conveniente por duas razões: primeiro, a utilização da marca comercial do laboratório local facilitaria a penetração de seus produtos junto à classe médica do país; e segundo, poderiam contar com uma rede de distribuição já montada37.
Para Hésio Cordeiro, a política adotada para o comércio exterior nesse período, que se expressou nas Instruções nº 70 (1953-1961) e nº 113 (1955-1961), da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), teve resultados sobre a indústria farmacêutica, pois a primeira encarecia as importações de medicamentos acabados, estimulava a instalação, no país, das plantas industriais de origem estrangeira, ao mesmo tempo em que a segunda, criava consideráveis facilidades para o investimento do capital estrangeiro no país38.
Segundo a análise desse autor, de 32 (trinta e duas) aquisições de indústrias farmacêuticas nacionais por estrangeiras, ocorreram 08 (oito) transferências de controle acionário entre 1957 e 1963, 08 (oito) entre 1965 e 1970 e 16 (dezesseis) entre 1971 e 1975.
Ele ainda pondera na direção de que a desnacionalização foi acompanhada da perda de competitividade de empresas nacionais entre 1957 e 1975. Em 1957, 05 (cinco) empresas nacionais estavam entre as 21 (vinte e uma) de maior faturamento; em 1960 eram 04 (quatro) e em 1975 apenas 01 (uma).
Tal movimento caracteriza um nítido processo de centralização, em escala internacional, de capitais antes dispersos. Karl Marx aponta esse processo como uma das características da acumulação capitalista em que a reunião de capitais individuais se dá pelo acirramento da competição entre empresas, que termina com a ruína dos capitalistas menores. O desenvolvimento do crédito favorece, em grande escala, a acumulação nos setores mais ricos.
Nesse sentido, a entrada no mercado brasileiro de grandes capitais ligados ao setor farmacêutico, sob a proteção de políticas estatais brasileiras que a favoreciam e a estimulavam, permitiu um largo processo de acumulação e centralização, por parte das indústrias de grande capital e com tecnologia de ponta, em detrimento do pequeno capital que ainda funcionava segundo padrões artesanais ou com processos industriais incipientes.
Há que considerarmos ainda que as políticas de saúde adotadas pelos governos desde os anos trinta enfocaram basicamente a medicina curativa, assistência médica, com baixos investimentos em medicina preventiva. A medicalização tornou-se a solução para os problemas de saúde da população e criou as bases para o fortalecimento e consumo indiscriminado de medicamentos. Segundo Clair Castilhos Coelho,
esta falta de ênfase nas ações de promoção da saúde e proteção específica levaram a uma hipertrofia das ações em nível da fase patogênica. A conseqüência disto tudo é uma medicalização intensa da sociedade. Estabelece-se dessa forma um vínculo, até agora indissolúvel, entre uma política econômica distorcida e uma política de saúde inadequada à realidade brasileira.
O fim do período democrático e início da ditadura militar não mudaram esse quadro. Pelo contrário, como podemos verificar pelos dados, teve continuidade o processo de centralização de capitais no setor farmacêutico.
Na década de 1970 as indústrias ligadas ao setor tiveram um crescimento expressivo e seu faturamento evoluiu de 2,6 bilhões de cruzeiros para 19,3 bilhões entre 1971 e 1977, um crescimento real de 76,6%.39
As políticas sanitárias, em que pese a criação da CEME – Central de Medicamentos – em 1971, não mudaram o processo de crescente monopolização da produção de medicamentos.
4.2 Produção de medicamentos e aspectos da indústria farmacêutica no Brasil
Consoante os pesquisadores Sérgio Queiroz e Aléxis Velazques, a produção de medicamentos segue 04 (quatro) estágios distintos, os quais relacionamos abaixo:
1º: pesquisa e desenvolvimento (P&D): é a fase mais cara do processo;
2º: produção dos fármacos: uma etapa basicamente de processos químicos em que se produz a matéria-prima dos medicamentos;
3º: produção de medicamentos propriamente dita: trata-se de processos físicos dos princípios ativos (trituração, mistura, dissolução, compactação), obtendo-se as formas comercializáveis – comprimidos, drágeas, cápsulas, injetáveis, xaropes, supositórios, pomadas e adesivos;
4º: comercialização e marketing40.
Esses autores entendem que a produção brasileira tem se centrado no terceiro e quarto estágios, com forte dependência tecnológica e de importação de fármacos.
Nas duas últimas décadas do século passado e início deste não ocorreu nenhuma mudança estrutural no que diz respeito ao lugar ocupado pela produção brasileira de medicamentos no mercado internacional, que se consolidou desde os anos de 1930.
Ao contrário, apesar de mudanças no que diz respeito à legislação sanitária, a lei de patentes, a produção de genéricos e às mudanças tecnológicas e organizacionais das empresas, o que se viu foi o aprofundamento da centralização de capitais no setor da produção de medicamentos impostas pela economia globalizada.
Na década de 1980, o Estado começou a abandonar a política desenvolvimentista assumida desde os anos de 1930 e passou a ter que se reajustar a outro modelo global de desenvolvimento econômico.
Nesse período, passam a coexistir, no Brasil, dois projetos econômicos, sendo um estatizante, em crise, e o liberal, em ascensão, que teve sua efetivação nas políticas que se seguiram nos anos de 199041.
De maneira geral, podemos caracterizar essa crise do modelo desenvolvimentista/estatizante pelos altíssimos índices de recessão vivida desde o governo Figueiredo (1979-1985), associados a uma situação de crescimento inflacionário.
Segundo Alkimar Moura, de 1982 a 1983, ocorreu a mais profunda queda do nível de atividade econômica dos últimos 60 anos. Em 1983, houve uma queda de 5,9% na produção industrial brasileira. Esse quadro, articulado à situação política internacional criada pela decretação da moratória mexicana em 1982, levou a uma dificuldade maior na obtenção de empréstimos e, por fim, resultou na tutela de nossa política econômica pelo Fundo Monetário Internacional.
No governo Sarney (1985-1990), a continuação do quadro de elevada inflação desencadeou sucessivas tentativas de estabilização econômica por meio de planos econômicos, como Cruzado I e II e o Plano Bresser. De modo geral, podemos dizer que essas tentativas redundaram em fracasso generalizado. Em 1988 a taxa de inflação chegou a 684,6% e no fim do governo Sarney atingiu a cifra diária de 2%, acumulando ainda um déficit público gigantesco.
O resultado dessa situação se fez sentir no setor de saúde. Apesar de a Constituição de 1988 apresentar avanços nas políticas públicas no que diz respeito ao capítulo da saúde, a década foi marcada por uma das piores crises do sistema previdenciário no Brasil, incluindo a atuação da CEME.
Durante o Plano Cruzado, a situação referente aos medicamentos chegou a um ponto crítico. Por um lado, porque os fabricantes deixaram de produzir vários produtos que estavam com preços congelados; por outro, havia também a falta de frascos e de vidros para embalagens.
No âmbito governamental, segundo a Fundação Oswaldo Cruz, a CEME sofria sérios reveses, enfrentando um forte lobby da indústria farmacêutica privada, que não desejava a autossuficiência do Estado na produção de medicamentos, nem mesmo daqueles considerados essenciais42.
Nos anos de 1990, sob os governos Collor (1990-1992) e FHC (1994-2002), teve início a implantação das políticas liberalizantes no Brasil, seguindo orientação adotada pelos organismos internacionais desde a década anterior e que tinham como referência o receituário ditado pelo Consenso de Washington, de acordo com o autor José Luís Fiori.
Ele ainda ensina que, no que diz respeito à produção industrial, a política de estabilização do Plano Real sob o governo Fernando Henrique Cardoso produziu efeitos negativos. Segundo dados do governo, a indústria nacional perdeu, de 1994 a 1997, um mercado de 17,7 bilhões de dólares, fechou 450 mil postos de trabalho e acumulou um déficit comercial de mais de sete bilhões de dólares em 199643.
Os dados sobre o Investimento Direto Estrangeiro no Brasil – IDE – são ilustrativos quanto ao processo de liberalização, abertura e internacionalização econômica dos anos de 1990.
Segundo Fernando Sarti e Mariano Laplane, desde a segunda metade da década de 1990 o IDE teve uma trajetória ascendente, chegando, em 2000, à casa dos US$32 bilhões líquidos. No caso brasileiro, parte considerável do IDE foi destinada à aquisição de empresas existentes, muitas delas empresas públicas cuja privatização em 1999, atingiu 30,7% do valor líquido do IDE.
Nesse sentido, o IDE aprofundou o grau de internacionalização produtiva da economia brasileira. No ano 2000, 46% das 500 maiores empresas, no Brasil, eram estrangeiras e em 1989 esse índice chegava a apenas 30%.
O processo de internacionalização por meio do IDE atingiu, particularmente, o setor de serviços, com a privatização dos setores financeiros e de telecomunicações. Esse processo foi preponderante no setor farmacêutico, com resultados diretos sobre sua estrutura.
A abertura comercial que facilitou a importação de matérias-primas (fármacos), a liberalização dos preços de medicamentos, bem como a Lei de Patentes e de genéricos marcam uma forte expansão do setor. O resultado desse conjunto de mudanças foi a retomada dos investimentos. Segundo Sérgio Queiroz e Aléxis Gonzáles:
Para o período de 1997/2000, a ABIFARMA previa investimentos de US$ 1,3 bilhão. A nova planta da Glaxowellcome, inaugurada em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, representou um investimento de US$ 20 milhões. A da SmithKine Beecham, inaugurada em fevereiro de 1999, também no Rio de Janeiro, custou US$ 80 milhões. A Roche investiu US$ 60 milhões em sua fábrica carioca. Os investimentos da Servier [...] deverão ser de US$ 50 milhões, apenas em sua primeira etapa (p. 142).
Nesse ritmo, verifica-se que a produção de medicamentos no Brasil encontra-se em expansão. O mercado brasileiro de medicamentos em 2003 foi o décimo primeiro do mundo, com vendas anuais superiores a R$ 16 bilhões e um volume de vendas em torno de 1,4 bilhão de unidades. O setor gerou, ainda, 47,1 mil empregos diretos e em torno de 120 mil indiretos44.
Nos anos de 1990, as mudanças na economia beneficiaram a produção de medicamentos. Dentre elas, podemos apontar o processo de abertura comercial, pois, especialmente as filiais das firmas estrangeiras passaram a desfrutar de maior liberdade de importação de matérias-primas. Nessa mesma década ocorreu a liberalização de preços.
Segundo Jacob Frenkel, esse período apresenta uma característica peculiar: o aumento do faturamento das empresas associado à diminuição das quantidades vendidas. Esse fato só ocorreu em virtude da elevação do preço médio dos medicamentos.
Cabe ainda lembrar que, à época, a população brasileira aumentou em cerca de quinze milhões de pessoas, o que denota uma forte restrição ao acesso a medicamentos45. Nesse período foram adotados alguns mecanismos de restrição ao abuso do aumento de preços. Diversos processos foram apresentados ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – em que se acusavam as empresas de práticas oligopolistas e de conduta anticompetitivas, mas não se obteve nenhuma punição.
A criação da Lei de Genéricos (9.787, de 10 de fevereiro de 1999) também buscou uma maior competitividade no mercado, não obtendo, porém, resultados relevantes sobre os preços dos produtos.
Na mesma linha, tem-se verificado o aumento do faturamento de medicamentos durante toda a década aliado à forte concentração dos lucros, uma tendência internacional nos anos de 1990.
Sobre essa questão, os autores Ricardo Romano e Pedro José Baptista Bernardo ressaltam que poderíamos supor que há um baixo grau de concentração na indústria farmacêutica, pois cerca de 40 laboratórios dominam 86% do mercado. Não obstante essa aparente fragmentação, a indústria apresenta características de monopólios e oligopólios.
Quando observamos que há necessidade de produtos específicos para cada tipo de doença e que o grau de substituição de um medicamento é lento, evidencia-se a existência de um elevado grau de concentração sendo comum o controle de mais de 80% do mercado de um medicamento pelas três ou quatro maiores empresas, atuando em cada classe farmacêutica, onde não possuem concorrentes e seus produtos encontram-se protegidos por patentes.
Ainda, segundo Sérgio Duarte Castro, com base em informações divulgadas pela Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais – ALANAC –, em 1998, das 350 empresas presentes no Brasil, 56 eram filiais de multinacionais e dominavam 72% da produção de medicamentos; 278 eram de capital privado nacional, controlando 19,6%, e 16 eram laboratórios estatais com o controle de 8,4%. O que aponta para a continuidade do processo de concentração de capitais em escala internacional.
Segundo Sérgio Queiroz e Aléxis Gonzáles, outros fatores, como a Lei de Patentes e o processo de reestruturação internacional das empresas, buscando uma racionalização da produção, também são indicados como importantes para o crescimento do setor. No que diz respeito aos processos de reestruturação, ocorreu o fechamento de plantas industriais menores e menos eficientes e o reforço das bases mais consolidadas.
O Brasil, devido à importância de seu mercado e da infraestrutura instalada, tornou-se um candidato a consolidar uma grande plataforma fabril para a América Latina. O resultado desse conjunto de mudanças foi a retomada dos investimentos, que podem ser compreendidos no quadro de expansão do IDE, no Brasil, e de consequente crescimento da internacionalização da economia.
Outro dado importante da produção de medicamentos, no Brasil, está ligado à produção de genéricos. Desde 1983 já era obrigatório constar na rotulagem do medicamento, juntamente com o nome da marca, a denominação genérica. No entanto, essa determinação era burlada constantemente pelas empresas.
Em 1993, o governo editou o Decreto nº 793, cuja principal exigência era que o nome genérico fosse três vezes maior do que o nome da marca do produto nas embalagens.
Em 1998, a Resolução CNS nº 280 considerava a necessidade do estabelecimento de uma política de medicamentos genéricos como uma das formas de ampliar o acesso a medicamentos e promover seu uso racional no país.
Em 1999 foi criada a Lei dos Genéricos (Lei nº 9.787), coincidindo com o momento de alta generalizada dos medicamentos. Essa lei possibilita a cópia de medicamentos, após o vencimento do tempo previsto pelo direito patentário, sobre os medicamentos de referência e visa substituir a produção de Similares.46
Essa produção, apesar de pequena, tem apresentado um crescimento significativo com relação ao restante dos medicamentos.
A Lei dos Genéricos atendia também as expectativas de uma parte do empresariado brasileiro ligado à produção de medicamentos47. Segundo Sérgio Duarte Castro,
As expectativas iniciais a indicavam como uma grande oportunidade de crescimento da indústria farmacêutica de capital nacional. Por um lado, com uma esperada expansão do mercado de medicamentos, através da inclusão de parcela dos 40% da população hoje excluída, possibilitada pelo preço mais baixo dos genéricos. Por outro lado, com uma ampliação, rápida e significativa, da participação dos genéricos no mercado de prescrição, a exemplo do que ocorreu em outros países, abrindo a possibilidade de uma ampliação do market share da indústria nacional. Com a produção de similares, os laboratórios privados de capital domésticos nunca conseguiram passar de uma participação entre 18% e 20% no mercado brasileiro (p. 47).
Em que pesem essas expectativas, vários problemas têm sido apresentados para a incorporação dos genéricos, dentre eles: a expansão do consumo, que tem se dado mais por substituição do que por incorporação de novas parcelas de consumidores; menor demanda por genéricos que o esperado, em razão da resistência das farmácias, que não se interessam pela sua venda, cujo retorno é menor do que se obtém comercializando medicamentos de marca; e a ausência de uma política industrial no setor de medicamentos que vise fortalecer a indústria nacional.
Mesmo frente a tais dificuldades, venda de medicamentos genéricos cresceu mais do que a de mercado de remédios em 2004. Em 2005 as vendas cresceram 23,2%, alcançando uma participação de 11,34% no mercado farmacêutico brasileiro. Em volume financeiro, a comparação com 2004 mostra que o aumento foi de 56,5% (Jornal Eletrônico Gazeta Digital).
Embora a introdução dos genéricos tenha aumentado a participação das empresas de capital nacional nas vendas, seu desempenho tem atraído também as multinacionais.
Três dos quatro maiores fabricantes de genéricos do mundo estão no Brasil. São elas: a israelense Teva, a número um do mundo, a Novartis e a alemã Ratiopharm, quarta maior do grupo.
4.3 Propaganda abusiva para o uso de medicamentos (remédio como insumo essencial à saúde e não simples “mercadoria”) e marketing
Para iniciar o tópico em epígrafe, citamos adiante o pesquisador José Ruben de Alcântara Bonfim, médico sanitarista:
Mas antes de respirar para o próximo paciente, surge aquele rapaz simpático com sorriso satisfeito da vida e ar crédulo, que, solícito, pede-me para entrar e adivinhem o que traz? Mais um brinde para não o esquecermos no dia de amanhã. Com o brinde, uma monografia geralmente assinada por um médico ou farmacêutico, aqueles “papas” que quando falam ou escrevem ninguém duvida. Acreditam tanto no que dizem que quase os vejo no campo de futebol com calção e camisa com logotipo da sua indústria farmacêutica [...]
Após uma jornada pesada de trabalho chego em casa com uma tremenda enxaqueca, procuro por uma bolsa de água para proporcionar-me refrigério e só encontro a cedida por um laboratório em que se destaca o nome do antienxaquecoso e a menção “alívio da dor” [...] Felizmente não sonhei com aquela moderníssima apresentação sublingual do antiinflamatório, que só para me desafiar, o propagandista trouxe em uma caixinha com dois comprimidos placebos que se dissolviam em segundos debaixo da língua simulando o original. Que tecnologia, não? Encaro o representante e pergunto pelo preço e descubro que custa alguns dias de trabalho do paciente que ganha salário mínimo
Com relação à propaganda e ao marketing empreendidos sobre os medicamentos, salienta-se o robusto investimento realizado pelas empresas farmacológicas.
Em 1980, 36% do custo do medicamento era gasto em marketing. Em 1990, entre 20 e 30% foram destinados a esse fim. Em 2005, a Febrafarma anunciou que o setor investiu US$ 313,8 milhões, sendo dois terços desse valor destinados à modernização das fábricas e US$ 35,7 milhões em marketing. Número superior à aplicação em pesquisa, de US$ 32,5 milhões, e em desenvolvimento de novos produtos de, US$ 19 milhões48.
Em 2006, a indústria farmacêutica planejava investir R$ 2,25 bilhões. As campanhas de marketing deveriam ficar com 43% e programas de pesquisa e desenvolvimento receberiam 13%, segundo pesquisa da Febrafarma49.
Os altos investimentos refletem a competitividade entre as empresas, principalmente no que diz respeito aos medicamentos de marca e similares. Os genéricos têm usado como estratégia de competição os preços mais acessíveis, porém, nota-se um movimento no sentido de realizar propaganda do laboratório responsável pela produção.
Esses investimentos se relacionam também às estratégias adotadas que não atingem diretamente o consumidor – a não ser no caso de medicamentos que são vendidos sem prescrição médica, os OTC50 – mas sim, o médico e o farmacêutico.
Algumas dessas estratégias são: o uso de marketing por meio de imprensa médica, utilizando artigos assinados por peritos reconhecidos no meio e que formam opinião, e a distribuição intensa de brindes junto à classe médica e farmacêutica.
Os excessos cometidos pelas indústrias farmacêuticas no que tange à divulgação de medicamentos sem a observação da ética e da legislação sanitária têm sido objeto de crítica51.
A indução à prescrição e ao consumo de medicamentos de forma intensiva sem avaliar o real impacto sobre a saúde do consumidor tem sido apontado como o maior dano.
A rotina de massacre publicitário vivenciada pelos médicos é agravada, muitas vezes, por uma formação deficiente dos profissionais da saúde, que não têm conhecimento preciso das substâncias ativas que prescrevem.
A subordinação da questão da saúde, no caso específico do consumo de medicamentos, aos interesses das indústrias tem gerado toda a série de distorções que vão desde a má prescrição, o consumo sem orientação médica, o encarecimento dos medicamentos, devido aos altos investimentos em propaganda – que compõem o preço final da produção capitalista de mercadoria –, até o lançamento de medicamentos aparentemente novos, mas que possuem o mesmo efeito de outros já conhecidos.
Por oportuno, reproduzimos a seguir a divulgação de um medicamento do Laboratório Knoll junto aos estabelecimentos farmacêuticos:
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Inegavelmente, percebe-se que a propaganda e o marketing das grandes empresas farmacêuticas sobre os prescritores tornou a utilização excessiva do medicamento uma prática comum, gerando problemas, ao invés de combatê-los. Esta questão é ainda agravada pela prática da “empurroterapia”.
Conforme o Fascículo III: Serviços Farmacêuticos, do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, “empurroterapia” é justamente a indução ao consumo desnecessário e irracional de medicamentos.
A propaganda de remédios representa um dos principais recursos de marketing utilizados pela indústria farmacêutica para persuadir as pessoas a comprarem produtos farmacêuticos, ainda que não tenham real necessidade de consumi-los.
De forma geral, a propaganda de medicamentos não alerta os usuários sobre os riscos sanitários envolvidos no consumo indiscriminado de substâncias farmacológicas e nem para o fato de que todo medicamento, mesmo de venda sem prescrição médica, deve ser consumido com consciência e responsabilidade.
O anúncio publicitário, ao divulgar os medicamentos como produto de consumo, tende, entre outras coisas, a induzir a automedicação, agravar patologias ou sintomas, incentivar a aquisição de produtos ineficazes ou inadequados e aumentar os gastos do sistema de saúde, inclusive no que diz respeito ao tratamento de intoxicação medicamentosa, que ocupa o primeiro lugar no ranking de intoxicações nos centros de controle de toxicologia e farmacovigilância do Brasil.
Segundo dados da Anvisa, a população brasileira está entre as que apresentam maior tendência para comprar medicamentos sem consultar o médico, entre os países da América Latina – 35% desses produtos consumidos no Brasil são adquiridos sem nenhuma orientação médica52.
Na tentativa de inverter este quadro, a Anvisa regulamentou a propaganda de medicamentos através da Resolução da Diretoria Colegiada nº 102/2000 e implantou o Projeto de Monitoração de Publicidade e Propaganda de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária.
O projeto visou, além da monitoração de peças publicitárias veiculadas nos mais diversos meios de comunicação; desenvolver ações de educação, informação e divulgação sobre o uso racional de medicamentos e os riscos das propagandas de medicamentos.
A informação e a educação continuada sobre o uso racional de medicamentos para a população é de extrema importância. A publicidade e a propaganda são elaboradas para que os consumidores tenham uma resposta emocional ao recebê-la.
Os estrategistas de marketing sabem que as pessoas têm necessidade de sentimentos e não de produtos. No caso de medicamentos os sentimentos são as necessidades básicas de segurança e bem- estar. A exploração do novo também é um recurso muito comum nas propagandas e publicidade de medicamentos.
Por isto, a educação é o caminho para evitar a influência de propagandas na aquisição e no uso indiscriminado de medicamentos. Uma vez que a única interferência no momento da compra do medicamento deve ser a indicação médica adequada para a patologia que o paciente apresenta.
4.4 Lei de Patentes
De acordo com o Relatório Final da CPI dos Medicamentos, a Convenção de Paris fundou, em 1884, a União Geral para proteção da Propriedade Industrial, a qual incluía o setor farmacêutico na proteção às invenções e à propriedade industrial. Os produtos e processos da área farmacêutica ficaram patenteáveis no Brasil até 1945, com prazos de quinze anos para patentes de medicamentos e de dez anos para processos.
A partir do Decreto Lei nº. 7.903, de 28/08/45, os produtos químicos farmacêuticos de qualquer tipo passaram a não ter mais patente reconhecida. O patenteamento de processos, porém, vigorou até 1969, quando foram revogadas todas as formas de patentes existentes na área farmacêutica, por meio do Decreto-Lei nº 1.005, de 196953.
Posteriormente, foi promulgada, em 1971, a Lei nº 5.772, que proibia a concessão de patentes, no Brasil, para os setores da indústria química, de alimentos, farmacêutica, nuclear, de misturas metálicas, técnicas operatório-cirúrgicas e terapêuticas e usos de microorganismos. Conseqüentemente, qualquer invenção nessas áreas era de domínio público no Brasil.
Tal política visava à permissão de um salto tecnológico no setor. Na área de transformação obteve-se significativa transferência de tecnologia, mas o mesmo não ocorreu com a produção de fármacos.
Os Estados Unidos da América, desde os anos de 1970, passaram a exigir mudanças na forma de concessão de patentes. As discussões sobre a propriedade industrial passaram a ser feitas pelo GATT (sigla em inglês para Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), que era um ambiente favorável aos estadunidenses. Segundo Jorge Bermudez,
Em Abril de 1994, encerrou-se a mais longa e complexa rodada de negociações sobre o comércio internacional – conhecida como Rodada Uruguai – no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), culminando na assinatura de uma série de acordos multilaterais e na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Dentre os diversos acordos assinados pelos 123 países signatários, está o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio (Agreement on Traderelated Aspects of Intellectual Property Rights) – o Acordo TRIPS (p. 69).
Para fazer parte da OMS, os países tiveram que aceitar as condições impostas sobre a propriedade industrial. A adesão do Brasil à OMC levou à aprovação da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, conhecido por Lei de Patentes, por tratar de proteção da propriedade industrial.
Pelo acordo firmado a partir da TRIPS (sigla em inglês para Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio), os países não poderiam excluir nenhuma área tecnológica da concessão de patentes. No caso brasileiro, isso significava que teria que conceder patentes de medicamentos, substâncias químicas e alimentos.
Quanto à Lei nº 9.279/1996, ela instituiu o patenteamento de produtos e processos de forma generalizada pelo prazo de 20 anos. O objetivo político dessa adesão era atrair investimentos externos. Segundo Jorge Bermudez, foi o setor de medicamentos que esteve por detrás das pressões estadunidenses para a inserção do tema da propriedade industrial no âmbito do GATT.
Vale a pena destacar que, na indústria farmacêutica, a proteção patentária é um forte instrumento de apropriação dos resultados de inovação, uma vez que os produtos recentemente lançados e protegidos por patente atingem um alto preço de comercialização e podem retardar a concorrência por parte de outras empresas.
4.5 Venda de produtos correlatos e outros insumos nas farmácias
Adicionalmente, frisa-se o aumenta de forma acelerada do número de produtos não medicamentosos vendidos em farmácias e drogarias, fato este que vem se intensificando ainda mais nos últimos anos.
Nos dias atuais a farmácia tem se tornado um estabelecimento industrial muito voltado para fins lucrativos, e com isso a permissão da venda de correlatos farmacêuticos só tem estimulado este crescimento.
De acordo com Lei n. 5.991/ 1973, entende-se por:
IV - Correlato - a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários.
Exemplos de correlatos são os produtos de higiene pessoal, cosméticos, perfumes, produtos dietéticos, óticos, entre outros.
A legislação com mais de 40 (quarenta) anos de existência também conceituou insumo farmacêutico, indicando-o como droga ou matéria-prima aditiva ou complementar de qualquer natureza, destinada a emprego em medicamentos, quando for o caso, e seus recipientes.
De acordo com a norma federal, o comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definidos na referida legislação.
O comércio de correlatos como, aparelhos e acessórios, produtos utilizados para fins diagnósticos e analíticos, odontológicos, veterinários, de higiene pessoal ou de ambiente, cosméticos e perfumes, exercido por estabelecimentos especializados, poderá ser extensivo às farmácias e drogarias, observado o disposto em lei federal e na supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Por sua vez, a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1973, sujeita às normas de vigilância sanitária os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei n 5.991/1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos, os perfumes, os saneantes domissanitários e os produtos destinados à correção estética.
Sobre a fiscalização, a Lei nº 6.360/1973 define que as drogas, os medicamentos e quaisquer insumos farmacêuticos correlatos, produtos de higiene, cosméticos e saneantes domissanitários, importados ou não, somente serão entregues ao consumo nas embalagens originais ou em outras previamente autorizadas pelo Ministério da Saúde.
Ainda com fulcro na legislação em estudo, o registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos, ante as suas características sanitárias, medicamentosas ou profiláticas, curativas, paliativas, ou mesmo para fins de diagnóstico, fica sujeito, além do atendimento das exigências próprias, a observar o seguinte dispositivo legal:
Art. 5º - Os produtos de que trata esta Lei não poderão ter nomes ou designações que induzam a erro. (Redação dada pela Lei nº 6.480, de 1.12.1977)
§ 1º - É vedada a adoção de nome igual ou assemelhado para produtos de diferente composição, ainda que do mesmo fabricante, assegurando-se a prioridade do registro com a ordem cronológica da entrada dos pedidos na repartição competente do Ministério da Saúde, quando inexistir registro anterior.
§ 2º - Poderá ser aprovado nome de produto cujo registro for requerido posteriormente, desde que denegado pedido de registro anterior, por motivos de ordem técnica ou científica.
§ 3º - Comprovada a colidência de marcas, deverá ser requerida a modificação do nome ou designação do produto, no prazo de 90 (noventa) dias da data da publicação do despacho no "Diário Oficial" da União, sob pena de indeferimento do registro.
§ 4º - Sem prejuízo do disposto neste artigo, os medicamentos contendo uma única substância ativa sobejamente conhecida, a critério do Ministério da Saúde, e os imunoterápicos, drogas e insumos farmacêuticos deverão ser identificados pela denominação constante da Farmacopéia Brasileira, não podendo, em hipótese alguma, ter nomes ou designações de fantasia. (Incluído pela Lei nº 6.480, de 1.12.1977)
Além disso, faz-se necessário que o produto, por meio de comprovação científica e de análise, seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e que possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias.
Tratando-se de produto novo, exige-se que sejam oferecidas amplas informações sobre a sua composição e o seu uso, para avaliação de sua natureza e determinação do grau de segurança e eficácia necessários.
Exige-se ainda a apresentação, quando solicitada, de amostra para análises e experiências que sejam julgadas necessárias pelos órgãos competentes do Ministério da Saúde, quando houver substância nova na composição do medicamento, entrega de amostra acompanhada dos dados químicos e físico-químicos que a identifiquem.
A mesma lei disciplina que, quando se trate de droga ou medicamento cuja elaboração necessite de aparelhagem técnica e específica, prova de que o estabelecimento se acha devidamente equipado e mantém pessoal habilitado ao seu manuseio ou contrato com terceiros para essa finalidade.
Por fim, o inciso VII do art. 16 regulamenta a necessidade de apresentação das seguintes informações econômicas, a saber:
a) o preço do produto praticado pela empresa em outros países;
b) o valor de aquisição da substância ativa do produto;
c) o custo do tratamento por paciente com o uso do produto;
d) o número potencial de pacientes a ser tratado;
e) a lista de preço que pretende praticar no mercado interno, com a discriminação de sua carga tributária;
f) a discriminação da proposta de comercialização do produto, incluindo os gastos previstos com o esforço de venda e com publicidade e propaganda;
g) o preço do produto que sofreu modificação, quando se tratar de mudança de fórmula ou de forma;
h) a relação de todos os produtos substitutos existentes no mercado, acompanhada de seus respectivos preços54.
Especificamente sobre o registro de correlatos, a lei dispõe que os aparelhos, instrumentos e acessórios usados em medicina, odontologia e atividades afins, bem como nas de educação física, embelezamento ou correção estética, somente poderão ser fabricados, ou importados, para entrega ao consumo e exposição à venda, depois que o Ministério da Saúde se pronunciar sobre a obrigatoriedade ou não do registro.
De toda sorte, impende registrar que a Anvisa, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada da Agência n° 17/201355, autorizou que farmácias possam atuar como lojas de conveniência para vender cosméticos, perfumes, produtos de higiene, alimentos e plantas medicinais, reformulando o seu entendimento formado em 2009, que regulou a venda apenas de produtos ligados diretamente à saúde.
4.5.1 Regulamentação da venda de correlatos em Rondônia
O governo de Rondônia editou a Lei nº 2.248, de 23 de fevereiro de 2010, que dispõe sobre o comércio de artigos de conveniência e prestação de serviços de utilidade pública em farmácia e drogarias em âmbito estadual56.
Por meio dessa legislação, permitiu-se, aos estabelecimentos farmacêuticos instalados no território do Estado, comercializar determinados artigos de conveniência, que a seguir listamos:
I - leite em pó e farináceos;
II- cartões telefônicos e recarga para celular;
III- meias elásticas;
IV- pilhas, carregadores, filmes fotográficos, cartão de memória para máquina digital, câmeras digitais, filmadoras. colas rápidas;
V- mel e derivados, desde que industrializados e devidamente registrados;
VI- bebidas não alcoólicas como: refrigerantes, sucos industrializados, água mineral, iogurtes. energéticos, chás. lácteos e refrigerantes orais, em suas embalagens originais;
VII- sorvetes, doces e picolés, nas suas embalagens originais;
VIII- produtos dietéticos e light;
IX- repelentes elétricos;
X- cereais tais como: barras, farinhas láctea, flocos, e fibras em qualquer apresentação;
XI- biscoitos, bolachas e pães. todos em embalagem originais;
XII- produtos e assessórios ortopédicos;
XIII- artigos para higienização de ambientes;
XIV- suplementos alimentares destinados a desportistas e atletas;
XV- eletrônicos condicionados a cosméticos, tais como: secadores, prancha, escovas elétricas e assemelhados;
XVI- brinquedos educativos; e XVII- serviço de fotocopiadora.
Ademais, autorizou-se a instalação de caixa de autoatendimento bancários nas dependências das farmácias e drogarias, bem como a prestação de serviço de utilidade pública, podendo, por exemplo, realizar o recebimento de conta de água; energia, telefone, boletos bancários, além de possibilitar a venda de recarga de créditos de telefonia celular e de bilhetes de transportes públicos.
Por outro lado, contra a legislação em comento foi proposta, pela Procuradoria-Geral da República, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4950).
Ante a pertinência do assunto, transcreve-se, nesta oportunidade, recente decisão da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, acerca do tema judicializado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI RONDONIENSE N. 2.248/2010. COMERCIALIZAÇÃO DE ARTIGOS DE CONVENIÊNCIA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA EM FARMÁCIAS E DROGARIAS DO ESTADO DE RONDÔNIA. ADOÇÃO DO RITO DO ART. 12 DA LEI N. 9.868/1999. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Relatório
1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada em 30.4.2013 pela Procuradoria-Geral da República contra a Lei rondoniense n. 2.248/2010.
2. As normas impugnadas dispõem:
LEI N° 2248, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2010.
(...)
A Autora argumenta, em síntese, que o artigo 1º “importa em usurpação da competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, §§ 1º e 2º, da CR) e em afronta ao direito à saúde (arts. 6º, caput, e 196 da CR). Esse vício acaba por contaminar os demais artigos da lei, que com aqueles guardam relação de acessoriedade (art. 2º e 3º) ou de instrumentalidade (art. 4º), razão por que sua inconstitucionalidade deve ser declarada por arrastamento”.
Alega que “a Lei Federal n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, regulamentada pelo Decreto n. 74.710/1974, dispôs de modo abrangente sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Não facultou ao legislador estadual editar ato capaz de disciplinar aspectos de caráter geral referentes a esse tema”.
Informa que “a Lei n. 9.782/1999 conferiu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a atribuição de normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde e de autorizar o funcionamento de empresas de fabricação e distribuição de medicamentos, como farmácias e drogarias. No âmbito de suas competências, a ANVISA editou a Resolução n. 328/1999, com a redação Dada pela Resolução n. 173/2003, que, no anexo de boas práticas de dispensação para farmácias e drogarias, veda expressamente a venda de artigos de conveniência como condição para seu funcionamento”.
Assevera que “a competência legislativa reservada aos Estados e ao Distrito Federal quanto aos bens comercializados em farmácias e drogarias limita-se, portanto, à regulamentação do comércio de correlatos, não sendo possível à norma local conferir interpretação extensiva aos arts. 4º e 6º da Lei n. 5.991/1973, como fez o Estado de Rondônia, ao tratar do comércio de produtos não farmacêuticos e da prestação de serviços de menor complexidade na Lei n. 2.248/2010”.
Aduz que “a restrição do comércio de produtos não farmacêuticos em drogarias e a proteção do direito à saúde são, sem dúvida, temas essenciais que deve ser submetidos a normação mais rígida, não podendo os Estados legislarem livremente, em contrariedade às normas federais”.
Afirma que o “periculum in mora resulta da possibilidade de ocorrência de danos irremediáveis à saúde dos cidadãos do Estado de Pernambuco, além de tais dispositivos consistir numa afronta permanente aos arts. 6º, caput, 24, XII, §§ 1º e 2º, e 196 da Constituição da República”.
Requer a suspensão cautelar da Lei rondoniense n. 2.248/2010.
No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei rondoniense n. 2.248/2010.
4. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Governador do Estado de Rondônia e do Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de dez dias.
Na sequência, vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99).
Publique-se.
Brasília, 7 de maio de 2013.
Ministra CÁRMEN LÚCIA.
Em agosto de 2013, foi proferida decisão analisando pedidos de participação no processo da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico – ABCFarma, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – ABRAFARMA57,
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI RONDONIENSE N. 2.248/2010. COMERCIALIZAÇÃO DE ARTIGOS DE CONVENIÊNCIA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA EM FARMÁCIAS E DROGARIAS DO ESTADO DE RONDÔNIA. ADMISSÃO NA CONDIÇÃO DE AMICUS CURIAE. PEDIDO DEFERIDO. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Relatório
1. A Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico - ABCFarma (Petição n. 33697/2013, doc. 19), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Petição n. 39758/2013, doc. 24) e a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – ABRAFARMA (Petição n. 39955/2003, doc. 23) requereram a sua participação na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade como amici curiae.
2. As petições vieram acompanhadas das respectivas procurações com poderes específicos para ingressar nesta ação direta, conforme decidido no julgamento da Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.187: “É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (Relator o Ministro Octavio Gallotti,Plenário, DJ 12.12.2003). Apreciada a matéria trazia na espécie, DECIDO.
3. Reconhecida a relevância da matéria, a representatividade dos postulantes e a circunstância de estarem representados por procuradores habilitados especificamente para a finalidade, admito o ingresso da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico - ABCFarma e da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, como amici curiae (art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/99), observando-se, quanto à sustentação oral, o art. 131, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (alterado pela Emenda Regimental n. 15/2004).
4. Defiro prazo de 10 dias para a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – ABRAFARMA regularizar sua representação processual, juntando procuração com poderes específicos do advogado subscritor para atuar nesta Ação.
5. À Secretaria Judiciária deste Supremo Tribunal para que proceda à nova autuação com a inclusão dos nomes dos Peticionários e de seus representantes legais na condição de amici curiae.
Publique-se.
Brasília, 30 de agosto de 2013.
Ministra Relatora CÁRMEN LÚCIA.
A última movimentação processual registrada no site do STF sobre a ADI em comento reporta-se ao dia 04 de outubro de 2013, quando os autos foram conclusos à relatora, Ministra Cármen Lúcia58.
Para a Associação Brasileira de Redes de Farmácia e Drogarias, o fator econômico e social do crescimento da renda dos brasileiros refletiu no comércio de não medicamentos das farmácias.
De acordo com a ABRAFARMA, a venda de itens de higiene pessoal, perfumaria, cosméticos e produtos como os de primeiros socorros e ortopedia movimentou R$ 7 bilhões entre abril de 2011 e março de 201259.
4.6 Consumo desnecessário e irracional dos medicamentos
O acesso, de forma racional, a medicamentos no Brasil, figura como um dos maiores desafios a ser superado no campo da saúde, o que requer maiores cuidados sob o ponto de vista da racionalidade do uso deste insumo.
Dados da OMS, um terço da população mundial não tem acesso regular a medicamentos. Por outro lado, há também o problema da falta de racionalidade na sua utilização. Segundo a Organização, estima-se que cerca de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos inadequadamente e que, aproximadamente, 50% dos usuários não os usam corretamente60.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológico (SINITOX), vinculado ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)61, os medicamentos ocupam a primeira posição entre os três principais agentes causadores de intoxicações em seres humanos, desde 1996. Nos últimos 5 anos, quase 60 mil pessoas foram internadas por intoxicação causada por medicamentos. Em 2010, os casos registrados (27.710) representaram 26,85 % de um total de 103.184 casos de intoxicação humana no país (Fonte: Ministério da Saúde / FIOCRUZ / SINITOX).
Em 2014, a comemoração do dia do farmacêutico (20 de janeiro) foi marcada por uma campanha promovida pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) para conscientizar os brasileiros sobre os riscos de automedicação.
Um dos objetivos dessa campanha foi mostrar à sociedade a importância do farmacêutico como agente de saúde responsável pela orientação sobre o uso racional de medicamentos.
Para tanto, o referido conselho confeccionou um vídeo de 02 (dois) minutos, visando ilustrar:
O brasileiro faz uso responsável de medicamentos? Cerca de 25 mil medicamentos são comercializados no Brasil. O que pouca gente sabe é que os medicamentos são uma das principais causas de intoxicação do mundo. Nos últimos 05 anos, o Brasil registrou quase 60 mil internações causadas por intoxicação com medicamentos (tarjados e de venda livre). Só no ano de 2010, foram registrados 27.710 casos. No Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, são 600 internações por automedicação todo mês. Usar medicamento sem orientação de farmacêutico é realmente um grande risco. Mas será que os brasileiros têm consciência disso? O Conselho Federal de Farmácia foi às ruas para conferir. Criamos um medicamento fictício (denominado Dornein). Atores foram contratados para fazer a distribuição. Enquanto o medicamento era distribuído, pesquisadores observavam o comportamento das pessoas. Os resultados impressionaram: 85% não perguntaram para que o medicamento era indicado; 99% não perguntaram quem era o fabricante; e menos de 1% perguntou sobre as contraindicações. Podemos concluir que boa parte da população desconhece ou não dá a devida importância aos riscos da automedicação. Medicamento é coisa séria. Antes de usar, consulte sempre um farmacêutico. Uma campanha dos Conselhos Federal e Regionais de Farmácia.62
Portanto, nota-se que os riscos que se corre ao fazer uso de medicamentos de forma incorreta, podendo acarretar o agravamento de uma doença, uma vez que a utilização inadequada pode esconder determinados sintomas, ou, ainda, consequências como reações alérgicas, dependência e, em última instância, até a morte.