INTRODUÇÃO
A partir do século XX, a farmacoterapia (tratamento mediante uso de medicamentos) despontou como a ferramenta mais empregada no tratamento das doenças, de sintomas e para a recuperação da saúde.
Por conseguinte, a grande disponibilidade de medicamentos industrializados e prontos para o uso tornou-se um suporte essencial à prática médica contemporânea.
Antes de 1950, as possibilidades de uma efetiva utilização de medicamentos eram muito pequenas. Desde então, as pesquisas sobre fármacos e medicamentos e o consequente desenvolvimento tecnológico deram enormes contribuições à Medicina, com grande aumento das opções terapêuticas.
Concomitantemente, criou-se na população uma expectativa cultural e social da existência de um remédio para todos os males. A prescrição de medicamentos tornou-se o produto final ou o ato final de uma consulta bem sucedida, portando-se como símbolo da habilidade profissional do prescritor e de sua atenção para com o paciente.
Do ponto de vista mercantil, a indústria de medicamentos continuou e continua crescendo significativamente. De igual modo, nas farmácias, aumenta de forma acelerada o número de produtos não medicamentosos vendidos, fato este que vem se intensificando mais ainda nos últimos anos.
Nesse sentido, a farmácia tem se tornado um estabelecimento cada vez mais voltado para fins lucrativos, e com isso a permissão da venda de correlatos farmacêuticos só tem estimulado este crescimento.
Por outro lado, o estudo da farmácia enquanto estabelecimento de saúde demonstra que a saúde é um direito constitucional esculpido entre os fundamentais, especificamente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Não podemos falar de direito à saúde sem comentar o inseparável direito à vida.
Um complementa ao outro e, indubitavelmente, assumiram eminente posição na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF), sendo que a imprescindibilidade de ambos cresce gradativamente.
Ainda sob a luz da Lei Maior, toda a empresa, seja pública ou privada, para desenvolver atividade econômica, seja esta indústria ou comércio, ou, ainda, prestação de serviços, regem-se pelos princípios contidos no artigo 170 da CF.
Assim, encontramos a livre iniciativa como princípio norteador do ramo farmacêutico, tendo em vista que o exercício dessa atividade comporta aspectos jurídicos de exploração econômica.
Vale dizer também que a legislação atinente a essa área da saúde preceitua que as empresas e estabelecimentos farmacêuticos estão obrigados a manter responsável técnico durante todo o período de funcionamento.
Em todo caso, para viabilizar o trabalho desse profissional precisaram ser implementadas políticas farmacêuticas no Brasil, por meio da Política Nacional de Assistência Farmacêutica e da Política Nacional de Medicamentos.
Além disso, busca-se aprovação de um projeto de lei no Congresso Nacional que tramita há duas décadas, propondo mudança na legislação que regulamenta os estabelecimentos farmacêuticos.
Seja como for, o fundamento está no fato de que a dispensação de medicamentos é uma atividade de interesse social e não apenas um comércio lucrativo.
Dessa forma, a pesquisa discutirá questões intrínsecas à abordagem que visa analisar a farmácia sob a ótica de um estabelecimento de saúde que, dada a sua natureza, comercializa, dentre outros, um insumo essencial para a manutenção da saúde, qual seja: o medicamento.
1. O DIREITO À SAÚDE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (A SAÚDE NÃO É UM MERO SETOR)
Antes de entrar no mérito da discussão do trabalho, se faz necessário tecer uma breve ponderação constitucional sobre a macro área à qual está vinculada a função social da farmácia, qual seja: a saúde.
A Constituição de República Federativa do Brasil de 1988 (CF) constitui um marco histórico da proteção constitucional à saúde, de cujo direito apenas uma parcela da população efetivamente gozava, visto que, antes de sua promulgação, o desamparo social do Estado era patente.
Na prática, o direito à saúde estava vinculado a algum requisito, como possuir carteira assinada, ficando de fora as pessoas que não possuíam condições financeiras para custear determinado tratamento de forma particular e os que não contribuíam para a Previdência Social.
Com o advento da Carta Magna brasileira, a saúde passa a figurar entre um conjunto de direitos denominado como direitos sociais, esculpidos no caput do art. 6º, sendo adiante transcrito seu excerto:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)
É oportuno lembrar que o direito em epígrafe é inspirado no valor da igualdade entre as pessoas. Com relação ao princípio da igualdade, acolhido pela atual Constituição Federal, dispõe o artigo 5º que:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. (grifei)
Além disso, o art. 1°, inciso III, da Constituição Federal trouxe a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Tal valor, justamente por ser um fundamento, irradia-se pela própria CF e, por conseguinte, deve igualmente nortear toda espécie de regulamentação de direito que vise à saúde.
Como se observa, há quase 26 (vinte e seis) anos a Lei Maior do país determinou a inexistência de diferenciação entre as pessoas em respeito absoluto à dignidade.
Alerta-se que o seu artigo 3º, inciso IV, trouxe como um dos objetivos fundamentais da república o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Além disso, ao regular o direito do trabalhador urbano e rural, uma vez mais a CF registra o direito à saúde em seu artigo 7º, inciso IV, demonstrando o modo prioritário com o qual os legisladores passaram a lhe tratar.
A inclusão desse direito na Constituição Federal de 1988 passou a obrigar a União, Estados e Municípios a prestar serviços na área de saúde de forma gratuita e, consequentemente, a formular políticas públicas sociais e econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.
É o que se vê nos artigos 23, 24 e 30 da Carta Magna, os quais dispõem, respectivamente, acerca da competência comum, concorrente e específica. Ao abordar a competência comum, a Constituição regulamenta que cabe à União, aos Estados e aos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.
Destaque para o artigo 24, que trata da competência para legislar, cabendo aos três entes federados a criação de leis que disciplinem sobre previdência social, proteção e defesa da saúde.
Como se observa, o direito em comento se concretiza, notadamente, por meio das ações de União, Estados e Municípios.
No que diz respeito à referida competência, o doutrinador Ingo Sarlet preconiza que:
é o Legislador federal, estadual e municipal, a depender da competência legislativa prevista na própria Constituição, quem irá concretizar o direito à saúde, devendo o Poder Judiciário, quando acionado, interpretar as normas da Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem. Com a indefinição do que seria o objeto do direito à saúde, o legislador foi incumbido do dever de elaborar normas em consonância com a Constituição Federal de 19881.
Por sua vez, o artigo 30 da CF versa da competência específica dos Municípios, determinando-lhes prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.
A relevância com que a saúde passou a ser tratada justifica sua inclusão entre as hipóteses de intervenção da União nos Estados, já que a alínea “e” do artigo 34 a autoriza nas ações e serviços públicos de saúde.
Mais adiante, o artigo 194 instituiu a seguridade social como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
O artigo 196 de forma clara e objetiva esclarece sobre a saúde, sendo oportuna a sua transcrição:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Como já debatido, o aludido direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, podendo-se destacar também nos termos do art. 5°, caput, o direito à vida como mais um vetor que nos deve orientar.
Sendo assim, percebe-se que a saúde é definida como um direito fundamental e, segundo o mesmo art. 5°, no seu § 1°, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Nesse diapasão, cabe mencionar que o § 2° do supracitado artigo amplia o rol dos direitos e garantias fundamentais, já que esses não se esgotam naqueles expressos no texto constitucional.
Desse modo, sob a luz dessa norma ampliativa dos direitos fundamentais, pode-se afirmar que o direito à saúde, garantido no art. 196, é também um direito fundamental, justamente pelos elementos valorativos que formam o seu núcleo, como a dignidade da pessoa humana e o direito à vida.
Ressalta-se que o artigo 196 define as ações e serviços de saúde como relevância pública, responsabilizando o Poder Público para dispor sobre a sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo a sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
A partir da edição do artigo 198 instituiu-se o SUS – Sistema Único de Saúde –, cuja redação reproduzimos abaixo:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: [...]
Por sua vez, o artigo 199 regulamentou que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, autorizando que as instituições privadas participem de forma complementar do Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
O citado dispositivo constitucional também proíbe a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos e a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei.
A seu turno, o artigo 200 relacionou a competência do SUS, além de outras atribuições, como a de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, assim como, as de saúde do trabalhador.
O mesmo artigo também estabelece as seguintes ações: ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde, participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Além disso, o artigo 227 da Constituição Federal trata da prioridade absoluta da criança e do adolescente ao direito á saúde:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.
É óbvio o avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 em relação ao direito à saúde, como amplamente demonstrando em linhas anteriores. Sabe-se também que o caminho para a efetivação desse direito é longo, sendo relevante que o debate sobre o conceito da saúde e a abrangência desse direito seja realizado não apenas pelos juristas, mas por toda a sociedade brasileira, buscando-se o aperfeiçoamento das políticas públicas promovidas pelo Sistema Único de Saúde e por maior investimento governamental.
1.2 O Supremo Tribunal Ffederal (STF) e o direito constitucional à saúde
Desde a sua inserção na Constituição Federal, o direito à saúde foi alvo de inúmeros debates em processos judiciais, muitos deles levados até a mais alta instância da justiça brasileira.
Especificamente sobre a matéria constitucional do direito à saúde, cumpre registrar decisões do Supremo Tribunal Federal abordando a temática em variados contextos:
Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos.
(AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012)
O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isso por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional.
(RE 607.381-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 31-5-2011, Primeira Turma, DJE de 17-6-2011.) No mesmo sentido: AI 553.712-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009; AI 604.949-AgR, Rel. Min. Eros Grau)
O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.
(AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.
Para efeito de suspensão de antecipação de tutela, não constitui decisão genérica a que determina fornecimento de medicamentos a pacientes usuários do SUS, residentes nos Municípios da comarca ou da seção judiciária, mediante prescrição expedida por médico vinculado ao SUS.
(STA 328-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 24-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.)
Para obtenção de medicamento pelo SUS, não basta ao paciente comprovar ser portador de doença que o justifique, exigindo-se prescrição formulada por médico do Sistema.
(STA 334-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 24-6-2010, Plenário)
Nesse sentido, vê-se que a saúde não é um mero setor atrelado às diretrizes políticas que preconizam a sua implementação. Pelo contrário, ela se constituiu em bem inalienável que o ser humano possui o que lhe confere uma posição transcendente e imprescindível no âmbito da discussão jurídica sobre o efetivo gozo do seu direito.
2. A LIVRE INICIATIVA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Os fundamentos do Estado brasileiro foram esculpidos no art. 1º da Magna Carta vigente. Dentre eles, encontram-se os valores da livre iniciativa. Antes, contudo, de adentrar nesse tópico, convém recordar o que dispõe a Constituição em seu artigo inicial:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - pluralismo político
Como se pode ver, aprouve, portanto, ao Poder Constituinte Originário elevar a livre iniciativa à condição de princípio fundamental em pé de igualdade com os valores sociais do trabalho.
Inegavelmente, é por meio do trabalho que o ser humano garante a sua subsistência e, por conseguinte, movimenta a economia do país, prevendo a CF, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador (por exemplo: art. 5º; XIII; 6º; 7º; 8º; 194-204).
Cabe acrescentar que, na lição de Alexandre de Moraes, a garantia de proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país2.
Em complemento, é oportuno mencionar que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho.
Sendo assim, impende apontar que o art. 170 da Constituição Federal estabelece os princípios da atividade econômica, nos seguintes termos:
Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (grifei)
Nota-se que o aludido artigo da norma constitucional introduz um modelo econômico baseado na liberdade de iniciativa, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações.
Dessa forma, independentemente de sua natureza, se pública ou privada, toda a empresa para desenvolver atividade econômica, seja esta indústria ou comércio, ou, ainda, prestação de serviços, regem-se pelos princípios contidos no artigo 170 da CF.
Nesse sentido, a livre iniciativa, vista também como princípio pelo STF3, atribui ao setor privado o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica.
Dessa maneira, recai sobre o Estado apenas uma função supletiva, pois a Constituição Federal determina que a ele cabe a exploração direta da atividade econômica somente quando necessária à segurança nacional ou relevante interesse econômico (CF, art. 173).
Nossa Constituição pátria dispõe em seu art. 174 que o Estado tem o papel primordial como agente normativo e regulador da atividade econômica exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento de acordo com a lei, no sentido de evitar irregularidades.
Logo, a nossa Constituição não coíbe o intervencionismo estatal na produção ou circulação de bens ou serviços, mas assegura e estimula o acesso à livre concorrência por meio de ações fundadas na legislação.
O professor José Afonso da Silva ensina que a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato4.
Cabe acrescentar que o parágrafo único do art. 170 da CF assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Dessa forma, o princípio da livre iniciativa, tal como qualquer outro, não pode ser considerado absoluto, uma vez que há restrições que a própria ordem econômica impõe sobre ele, como, por exemplo, quando há exigência legal para a obtenção de autorização para o exercício de determinada atividade mercantil, a cujo rol se inclui as farmácias.
Para elas, o comércio será exercido somente por estabelecimentos licenciados pelo órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal, em conformidade com a legislação local baixada pelos mesmos, respeitadas as disposições da Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973.
A citada legislação, da qual falaremos adiante, dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, de medicamentos, de insumos farmacêuticos e de correlatos.
Por oportuno, vale dizer que, segundo José Afonso da Silva, a partir do balizamento constitucional da livre iniciativa por valores de “justiça social e bem-estar coletivo”, a exploração de atividade econômica com puro objetivo de lucro e satisfação pessoal do empresário seria ilegítima sob o ponto de vista jurídico.
O aludido constitucionalista ainda pondera no sentido de que:
A natureza neoliberal da ordem econômica prevista na Constituição não tem, entretanto, tal extensão. A equiparação entre a livre iniciativa e os valores normalmente desconsiderados pelo empresário egoísta – que seria a defesa do consumidor, a proteção do meio ambiente, a função social da propriedade etc. – só afasta a possibilidade de edição de leis, complementares ou ordinárias, disciplinadoras da atividade econômica, desatentas a esses valores5.
Em acréscimo, o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho preconiza que dois aspectos relevantes se concluem da inserção da livre iniciativa entre os fundamentos da ordem econômica.
O primeiro seria a constitucionalidade de preceitos de lei que visem a motivar os particulares à exploração de atividades empresariais, como é o caso do primado da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas quando aplicado ao direito societário, tendo o sentido de limitar o risco de forma que as pessoas não receiem investir em atividades econômicas em razão da possibilidade de elevado comprometimento de seu patrimônio.
O segundo seria a aplicação do princípio da autonomia das obrigações cambiais que está destinado a viabilizar a ágil circulação de crédito, mesmo quando o devedor do título é um consumidor6.