A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS
Com o surgimento da Constituição de 1988, uma constituição eminentemente principiológica, os princípios constitucionais passaram a ser aplicados a todo o Direito. A visão moderna é no sentido de que o princípio tem força normativa e, no momento de dizer o direito o intérprete deve somar preceito e princípio. Os pilares básicos do Direito Constitucional que são a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a isonomia, vão permear todo o ordenamento jurídico
Os juristas empregam o termo princípio em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro sentido seriam super normas, ou seja, normas que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas, ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois sentidos iniciais, tem o termo tem uma conotação prescritiva; no último, a conotação é descritiva: trata-se de uma abstração por indução.
Entretanto, em que pese o vocábulo princípio ter como uma de suas características essa indeterminação conceitual e dimensional, o certo é que, atualmente, os princípios jurídicos, sob qualquer prisma que lhe seja atribuído o enfoque, ganharam, ou melhor, tiveram reconhecido seu intenso grau de juridicidade. Ou seja, deixaram de desempenhar os princípios um papel secundário, para passar a cumprir o papel de protagonistas do ordenamento, ganhando, nessa medida, o reconhecimento de seu caráter de norma jurídica potencializada e predominante. Tanto que a doutrina prescreve que violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.
É inegável que os princípios possuem positividade e vinculatividade, o que lhes confere a qualidade de normas que obrigam e possuem eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados, bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, tais como as regras, ou mesmo os princípios derivados de princípios mais abstratos.
Historicamente, a normatividade dos princípios jurídicos perpassa por três distintos capítulos: o jusnaturalismo, o juspositivismo e o pós-positivismo. O jusnaturalismo moderno inicia sua formação a partir do século XVI. E tal escola tinha por objetivo deixar para traz o dogmatismo medieval, bem como escapar do ambiente teológico em que se formou e desenvolveu. Na fase jusnaturalista, os princípios ocupavam uma função meramente informativa (para valorar como certo ou errado, conforme a norma de direito positivo se conformasse ou não às diretrizes dos princípios), mas sem qualquer eficácia sintática normativa. Nesta fase os princípios jurídicos eram situados em esfera metafísica e abstrata, sendo reconhecidos como inspiradores de um ideal de justiça, cuja eficácia se cinge a uma dimensão ético-valorativa do Direito. Tamanha foi a influência histórica da escola jusnaturalista que, já no século XIX, com o advento do Estado Liberal muitos dos preceitos seguidos pelos jusnaturalistas foram incorporados em textos escritos. Era a superação histórica do naturalismo.
Com a promulgação dos Códigos, principalmente do Napoleônico, o Jusnaturalismo exauria a sua função no momento mesmo em que celebrava seu triunfo. Transpondo o Direito racional para o Código, não se via nem admitia outro direito senão este. O recurso a princípios ou normas extrínsecos ao sistema do direito positivo foi considerado ilegítimo. Surgia o positivismo. Nesta fase, tinha-se a pretensão de criar uma Ciência Jurídica com objetividade científica e características similares das conferidas às Ciências Exatas. Apartava-se, assim, o Direito da Moral, de modo a inseri-los em compartimentos estanques para fins científicos.
O grande impacto do positivismo e o culto velado a seus dogmas legitimou, ainda que sob vestes travestidas, a feitura de autoritarismos dos mais diversos. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram uma barbárie em nome da lei. A queda do Positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social.
Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios, analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo, se ressalte, para garantir os direitos humanos. No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.
A superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acercado do Direito, sua função social e sua interpretação. O Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação explícita ou implícita pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
Os princípios têm uma dimensão de peso de tal forma que quando dois princípios incidirem sobre o caso concreto e apontam em direções diferentes, o intérprete não é necessariamente forçado a escolher por um princípio em detrimento do outro. Com princípios não há propriamente antinomia. Existem tensões entre princípios que se equaciona através de uma ponderação. O princípio não define de antemão, ao contrário da regra, quais são as hipóteses em que ele vai incidir. A regra permite uma subsunção do fato à norma, ao contrário do princípio. A característica dos princípios é que eles são fluidos, têm um teor mais aberto, permitem arejar o direito, permitem que ele se adapte às mudanças que ocorrem na sociedade, humanizam a aplicação do direito e tornam mais relevante o papel do intérprete.
Os princípios estão associados a direitos. Os princípios são instrumentos que permitem uma leitura moral da Constituição. Moralidade da Constituição vem, sobretudo, em virtude dos princípios. São exemplos de princípios em sentido amplo as diretrizes políticas e os direitos previstos nas constituições.
Eles são um mandado provisório, isto é, a resposta dada por eles não é necessariamente a resposta definitiva, eis que você pode perquirir que outros princípios incidem, ponderar, aquilatar diante das circunstâncias específicas que cercam o caso concreto qual a melhor solução. As regras, ao contrário, são comandos definitivos. Assim, pensar em princípio seria pensar em proporcionalidade, a resolução de conflitos principiológicos se resolve através de uma ponderação que vai se pautar na proporcionalidade.
Uma Constituição que contivesse apenas regras não iria ter a maleabilidade suficiente para acomodar todas as infinitas variações do fato social. Por outro lado, uma Constituição que contivesse apenas princípios seria tão abstrata que geraria um clima de permanente insegurança jurídica. Os princípios acabam permeando a interpretação da regra. Todavia, o processo não é unilateral, no sentido de extrair as regras dos princípios. É um processo de esclarecimento recíproco, no qual você interpreta a regra à luz do princípio do qual ela decorre e por outro lado, o sentido do princípio é informado pelo conteúdo das regras que constituem os seus desdobramentos.
O importante é mostrar como é que a aplicação de um princípio envolve uma margem de indeterminação, de maleabilidade, muito maior. Só que não é subjetividade pura, não é arbítrio, exige o emprego da racionalidade prática, é argumentação jurídica, é uma lógica que não se confunde com a lógica matemática da subsunção. O que se deve observar é que nem princípio é menos nem princípio é mais. Regra é muito importante, já que o ordenamento jurídico precisa de segurança, previsibilidade.
No Brasil, o marco zero desse novo Direito que privilegia os princípios constitucionais sobre a regra posta, que fez com que todo o ordenamento jurídico passasse a ser analisado à luz da Constituição Federal, foi a Constituição de 1988. A carta passou a ser o centro do sistema jurídico, ocupando o trono de onde, até então, reinava o Código Civil. Em outros países, como a Alemanha, essa mudança começou a ser construída antes, no pós-guerra.
No novo patamar da Constituição, o juiz deixa de ser apenas “a boca que pronuncia a lei”, como um ser inanimado, e passa a aplicar à legislação as garantias fundamentais das pessoas. Conceitos como o jusnaturalismo (o homem tem direitos naturais que não dependem de leis para serem respeitados) e o positivismo (o direito é somente aquilo que diz a lei) quase saíram de circulação. Em seus lugares, surge o pós-positivismo, que é o fenômeno jurídico que hoje presenciamos. Sem desprezar a lei, o juiz a interpreta tendo como norte a Constituição, naqueles casos em que se entende que o direito não cabe integralmente na norma legislada. Os grandes valores da humanidade migram para o mundo jurídico pela porta dos princípios constitucionais reaproximando a ética e o direito. Neste caso, o juiz é participante do processo de construção do direito.
As teorias tradicionais não estão derrotadas, mas não são suficientes para resolver os graves problemas sociais presentes na realidade. Devido ao Constitucionalismo Democrático o Judiciário é agora chamado a impor, não a sua vontade, mas a vontade da Constituição aos agentes eleitos dos outros poderes da República para essas obrigações. A Constituição, nesse modelo, desempenha o papel de assegurar as regras do jogo democrático, propiciando participação política ampla e o governo da maioria e proteger valores e direitos fundamentais Os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Mínimo Existencial Humano, da Máxima Efetividade da Constituição, Força Normativa da Constituição, da Juridicidade e da Reserva do Possível são princípios explícitos e implícitos em nossa Constituição.
Quanto ao princípio do mínimo existencial, o principio corresponderia ao conjunto de situações materiais indispensável a existência humana digna, considerada não apenas como sobrevivência física mas também espiritual, intelectual e outros aspectos humanos fundamentais de um estado de direito. É como se todas as pessoas tivessem direito ao mínimo de direitos fundamentais necessários a uma vida digna e o fundamento axiológico deste principio é a dignidade da pessoa humana.
A aplicação do principio da reserva do possível na Administração Pública surge a partir da constatação que as necessidades humanas são infinitas enquanto os recursos são limitados para essa satisfação. O Estado não é o provedor universal de todas as necessidades humanas. No caso, a ponderação judicial precisa considerar o que é economicamente viável a ser prestado pelo Estado. O princípio é formado pelo binômio razoabilidade da prestação somado a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivos as prestações positivas dele emanadas. Importante asseverar que o principio não configura óbice ao implemento das políticas sociais pelo Poder Judiciário, salvo se o Estado conseguir comprovar a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível.
Quanto ao principio a vedação ao retrocesso social, a vontade do Estado, ente permanente, e não apenas do Governo, temporário por natureza, deve prevalecer. As políticas públicas são direitos públicos subjetivos como, por exemplo, o programa do atual governo federal conhecido por Bolsa- família de ajuda a milhões de famílias carentes, o programa Farmácia Popular e outros programas sociais. Expressa a ideia de que uma vez obtido um determinado grau de realização dos direitos sociais eles passariam a constituir simultaneamente uma garantia constitucional e um direito subjetivo que impediriam que novos governantes anulassem, ou revogassem conquistas sociais. Como o destino do país não é previsível e como a administração pública precisa de liberdade para conduzir o país, obviamente não se trata de um principio absoluto.
Sobre o principio da máxima efetividade, força normativa e juridicidade, esses princípios tem uma carga axiológica comum, tendo em vista que defendem a eficácia direta e imediata de todos os dispositivos presentes na Constituição, inclusive os que possuem conteúdo programático. São formados por uma legalidade material com suas regras e princípios em substituição a uma visão mais conservadora do direito alinhada a legalidade em sentido formal. Não se pode mais ter uma leitura rígida da separação de poderes. Mas deve haver uma preocupação com a Justiça.