RESUMO: A atividade registral possui princípios próprios que a regem. Tais princípios podem ser facilmente identificados na Lei de Registros Públicos e sua obediência refletirá diretamente na eficácia do registro. Os dois princípios mais relevantes do ponto de vista estrutural do segmento registral são os princípios da continuidade e da especialidade, os quais devem ser analisados e ponderados derradeiramente para que o sistema seja mais bem compreendido em suas múltiplas interferências. Os princípios, ademais, assumem especial relevo por atuarem como vetores para toda a formação legislativa infraconstitucional, além de direcionarem as interpretações normativas, conferindo o sentido sistêmico do segmento em estudo. O sistema registral, que é um subgrupo do sistema administrativo, estrutura-se com base em seus princípios, que devem ser extraídos e colhidos do próprio ordenamento, do próprio sistema registral.
Sumário: 1. Introdução.- 2. O Registro de Imóveis e sua Eficácia.- 3. Princípios do Direito Registral Brasileiro.- 3.1. Princípio da Continuidade.- 3.2. Princípio da Especialidade.- 3.3. Princípio da Disponibilidade.- 3.4. Princípio da Publicidade.- 3.5. Princípio da Prioridade.- 3.6. Princípio da Instância.- 3.7. Princípio da Unitariedade da Matrícula.- 3.8. Princípio da Legalidade.- 3.9. Princípio da Presunção e da Fé Pública.- 3.10. Princípio da Inscrição.- 4. Considerações Finais.- 5. Bibliografia.-
1 INTRODUÇÃO
O Sistema do Registro de Imóveis surgiu no Brasil em 1864, com a Lei Hipotecária, a fim de atender uma necessidade do mercado financeiro emergente, visando a total publicidade das hipotecas, a fim de conceder uma maior segurança aos negócios imobiliários.
Portanto, inicialmente o Registro de Imóveis no Brasil limitava-se a ser mero instrumento de publicidade.
No transcorrer dos anos, vislumbraram-se várias transformações e evoluções no registro de imóveis, originando com isso um sistema dirigido à própria eficácia constitutiva de direitos reais e a transmissão da propriedade imóvel por ato "inter vivos", as quais culminaram no atual sistema registrário, instituído desde a promulgação do Código Civil Brasileiro em 01.01.1917, onde a aquisição da propriedade imóvel passou a se concretizar no momento em que o título aquisitivo é registrado em nome do adquirente, junto ao Cartório de Registro de Imóveis, conforme dispunha o artigo 530, I do já revogado Código Civil Brasileiro:
"Adquire-se a propriedade imóvel:
I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel."
Hoje, no novo Código Civil Brasileiro, tal instituto é abraçado pelo artigo 1245, que reza in verbis:
“Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.”
Pela análise dos artigos transcritos, observa-se que quando a lei refere-se a "título de transferência" ou a “título translativo”, ela determina a forma em que se processa a transação do negócio imobiliário.
Portanto a Escritura Pública lavrada em notas de tabelião, referente à aquisição da propriedade, apesar de ser dotada de fé pública, consubstanciando título hábil a transferência da propriedade, por si só, não faz prova de domínio, para tanto deve ser levada a registro junto ao Registro de Imóveis.
Mormente, a posse do imóvel é transacionada através de instrumentos públicos (Escritura Pública de Cessão de Direitos Possessórios) ou mesmo particulares. Tal transação não integrará o sistema de registro de imóveis, porquanto se tratar de transferência da posse do imóvel, e não da propriedade.
Todavia, aquele que detém meramente posse de imóvel, de acordo com os ditames legais (Artigo 1196 e seguintes do Novo Código Civil Brasileiro), poderá eventualmente adquirir a propriedade, por intermédio de procedimento judicial denominado de Ação de Usucapião.
Relevante mudança no sistema nacional de registro de imóveis foi à introdução do Princípio da Continuidade, com o advento do Decreto nº 18.542, de 1928, determinando o imprescindível encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas nele interessadas. Por esse princípio, só a pessoa nominalmente referida no registro como titular do domínio de um imóvel pode transmitir a outrem seu direito ou onerá-lo de qualquer modo. Atualmente o sistema do Registro de Imóveis é regulado pela Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos ou LRP). A partir da vigência da referida lei, foi introduzido no sistema a figura da matrícula, em substituição ao antigo sistema da transcrição dos títulos.
Assim, com a inovadora legislação, todos os atos de registro referente a imóveis, passaram a ser lançados na matrícula específica de cada imóvel, espécie de registro matriz, que permanecerá indefinidamente, enquanto não desintegrado o imóvel matriculado em virtude de desmembramentos ou alienações parciais.
Com isso, o imóvel passou a ser individualizado e caracterizado através do novo instituto, de modo a estremá-lo de dúvida em relação a outro para, a contar dela, serem feitos os registros referentes ao bem.
É certo que a instituição da matrícula no sistema de Registro Imobiliário, tem por finalidade a constituição, para o futuro, de um registro fundiário, a partir do qual, quando afinal completo, poderá tornar-se possível à adoção de um regime semelhante ao do atual direito alemão, ou seja, um sistema cadastral.
Todavia, o sistema brasileiro diverge do alemão, no sentido de que entre nós, a transcrição do título aquisitivo da propriedade imóvel produz efeitos limitados, pois relativa, e não absoluta, a presunção de pertencer o imóvel a pessoa cujo nome figura na transcrição como adquirente (artigo 1245, parágrafo 2o, do Novo do Código Civil Brasileiro), admitindo-se prova em contrário, enquanto que no sistema alemão essa presunção é absoluta, porquanto não se admite prova em contrário.
2 O REGISTRO DE IMÓVEIS E SUA EFICÁCIA
A pergunta sempre é a mesma: Qual a finalidade do registro imobiliário? Quase sempre é a prática de atos que determinam a situação jurídica dos imóveis, seja quanto à sua titularidade, seja quanto aos ônus reais que os gravam. O artigo 167 da LRP elenca os atos que são praticados no Registro de Imóveis, dividindo-os em duas espécies: os registros e as averbações. De modo geral, podemos dizer que os primeiros – os registros – são aqueles que criam, instituem, declaram e transferem os direitos reais sobre os imóveis, e que os segundos – as averbações – são aqueles que alteram a situação jurídica espelhada pelo registro, seja em relação ao imóvel, seja em relação ao titular do direito real.
Para exemplificar: a venda e compra, o compromisso, a hipoteca, a servidão, a doação, o usufruto, a partilha, a arrematação, a divisão, a permuta, etc. – são registrados (artigo 167, I, LRP). A mudança de estado civil, o cancelamento da hipoteca ou do compromisso, a extinção do usufruto, etc. – são averbados (artigo 167, II, LRP). As averbações, que na vigência da legislação anterior, eram manuscritas em coluna apropriada nos antigos “livrões”, na margem dos registros, são hoje escrituradas, como os registros, na matrícula, em ordem seqüencial.
Claramente demonstrada no introdutório, a importância do registro imobiliário para a transferência do domínio do imóvel pode ser reforçada pelo fato de que a escritura pública lavrada em tabelião, enquanto não registrada, gera apenas obrigação entre as partes (uma se obriga a transmitir e a outra a adquirir o imóvel), mas efetivamente não transmitem a propriedade enquanto não for devidamente registrada. O registro da venda e compra tem na verdade uma tríplice eficácia: além de transmitir a propriedade ao adquirente, leva ao conhecimento público o ato praticado e confere ao novo titular do domínio um direito real oponível contra todos.
Cabe, entretanto, ressaltar que no caso de transmissão causa mortis, o artigo 1784 do Novo Código Civil apregoa que com a morte de uma pessoa, seus bens são automaticamente transmitidos aos herdeiros, independente do registro da partilha, mas o formal de partilha deverá ser registrado no competente Registro de Imóveis, não só para dar publicidade ao fato, mas para possibilitar as futuras transmissões pelos novos proprietários.
Igualmente registráveis são os direitos reais sobre as coisas de outrem, ou direitos reais sobre as coisas alheias, os quais igualmente são enumerados no artigo 1225 do Novo Código Civil: a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito de promitente comprador, o penhor, a hipoteca e a anticrese.
A leitura integral desse artigo mostra que, da mesma forma que o direito de propriedade, tais direitos reais sobre imóveis que pertencem a terceiros também só se adquirem por meio do registro.
3 PRINCÍPIOS DO DIREITO REGISTRAL BRASILEIRO
Para a consecução dos fins a que se destinam, os registros devem obedecer a algumas diretrizes, a certas proposições diretoras das quais não pode se afastar. Tais princípios gerais são diversos, muitos deles aplicáveis a todos os ramos do direito, outros em especial ao registro imobiliário, e são eles: o princípio da continuidade, o princípio da especialidade, o princípio da disponibilidade, o princípio da publicidade, o princípio da prioridade, o princípio da instância, o princípio da unitariedade da matrícula e o princípio da legalidade.
Esse princípios normalmente acham-se expressos em inúmeros artigos da LRP, e devem ser observados nos títulos que são apresentados ao Registro de Imóveis, sejam eles de natureza pública (escrituras lavradas em Tabeliães), sejam de natureza particular (instrumentos particulares firmado pelos contratantes), e até mesmo nos títulos judiciais (formais de partilha, cartas de sentença, mandados, etc.), que se sujeitam, tal como os demais, à qualificação registraria, ou seja, ao exame de sua regularidade formal pelo Oficial do Registro Imobiliário. A falta de observância dos princípios descritos a seguir muitas vezes impossibilita o registro do título, ocasionando devoluções inevitáveis, quase sempre recebidas com desagrado e inconformidade pelos interessados.
3.1 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
O princípio da continuidade é, sem dúvida alguma, a viga mestra do nosso sistema registral, aquele que garante a segurança dos registros imobiliários.
Segundo Afrânio de Carvalho (2001, p.253):
"o princípio, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente."
Igualmente, na LRP esse princípio vem expresso em diversos de seus artigos. O artigo 195 determina que “se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior (...) para manter a continuidade do registro”. Também no artigo 236 afirma que “nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado”, devendo a matrícula mencionar obrigatoriamente ao número do registro anterior. Ordena ainda, no artigo 237 que “Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará o registro que dependa da apresentação do título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
Vemos, portanto, como a LRP reiteradamente, determina a observância desse princípio, que mais fácil se tornou com a instituição da matrícula do imóvel, na qual os registros são lançados cronologicamente, permitindo uma rápida visualização da situação jurídica do imóvel e a titularidade de seu proprietário. Disso fundamentalmente decorre a segurança dos registros imobiliários.
Existe uma regra básica para o exame inicial de um título apresentado a registro: o imóvel, ou direito a que ele se referir, tem de estar registrado em nome do disponente, ou seja, do outorgante (transmitente, devedor, cedente, etc.).
Essa verificação é aparentemente simples, mas requer muita atenção. Não basta ser a mesma pessoa o outorgante e o titular do direito. É preciso verificar como se acha qualificado no registro existente e comparar essa qualificação com a declarada no título apresentado para ser registrado. Se era ele solteiro e casou-se, deve-se averbar tal fato. Se era casado e aparece como separado ou divorciado, igualmente deve ser averbada a separação e o divórcio. Se era casado, hoje viúvo, deve ser exigido o registro do formal de partilha. Resumindo: sempre que houver qualquer modificação no estado civil do proprietário, essa alteração deve ser averbada para que ele possa dispor do imóvel, ou onerá-lo.
Com relação às pessoas jurídicas, cabe observar que qualquer alteração da razão social ou do tipo de sociedade deve ser também averbada, para que seja preservado o princípio da continuidade.
Também com relação ao imóvel tal princípio encontra teto, uma vez que ao se examinar o título apresentado e encontrar nele como objeto uma casa construída, e na matrícula constar somente um terreno, é preciso previamente averbar-se a construção desta. O mesmo procedimento deve ser adotado quando houver reforma do prédio, com ou sem aumento de área, ou sua demolição.
Todavia, voltando ao que diz respeito à titularidade do imóvel, observamos que mesmo os títulos de origem judicial devem observar ao princípio da continuidade. É inadmissível, por exemplo, o registro de uma adjudicação compulsória cuja ação tenha sido proposta contra quem não é titular do domínio do imóvel. Esse título tem que ser recusado, da mesma forma que não poderia ser registrada escritura de venda e compra outorgada pelo cedente (no caso, promissário comprador), que não é proprietário do imóvel.
Devemos lembrar, entretanto, duas exceções a tal princípio: quanto ao usucapião e na desapropriação, que são denominadas aquisições originárias. Nesse dois casos, é farta a doutrina e a jurisprudência no sentido de que não existe um transmitente que realiza a transferência do imóvel. Não há vinculo entre o anterior titular do domínio e o possuidor que adquire o imóvel.
3.2 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
O princípio da especialidade significa que tanto o objeto do negócio (o imóvel), como os contratantes devem estar perfeitamente determinados, identificados e particularizados, para que o registro reflita com exatidão o fato jurídico que o originou. Com relação ao imóvel, princípio da especialidade objetiva, o artigo 176, parágrafo 1o, II, 3 da LRP aponta como requisitos da matrícula, sua identificação, feita mediante a indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver.
Leciona ainda Afrânio (2003, p.27), que
"o requisito registral da especialização do imóvel, vestido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial".
Nesse mesmo diapasão, o magistério de Ceneviva (2001, p.342) diz que:
"A indicação dos característicos e confrontações, em núcleos densamente habitados, não é das que ofereçam maior dificuldade. É diversa a situação nas área rurais. Nestas, a descrição exige particular cuidado. É de evitar referência, comum na tradição brasileira, às árvores, touceiras isoladas, cercas, vegetais, e acidentes facilmente removíveis. A tendência deve ser da clara delimitação, a contar de ponto inicial rigorosamente assinalado, de preferência evoluindo no sentido dos ponteiros do relógio, orientando-se segundo o meridiano do lugar, dados os rumos seguidos, levantados por instrumentos de precisão e mediante auxílio técnico especializado".
Antigamente, antes do advento da matrícula, era comum que, devido às sucessivas mudanças dos proprietários dos imóveis confrontantes, os títulos levados a registro indicassem, como confrontantes “Fulano de Tal ou seus sucessores”, ou usasse a vaga expressão “confrontando com quem de direito”. E os cartórios procediam aos registros utilizando essas fórmulas, inaceitáveis hoje em dia. No caso de imóveis urbanos, o número de contribuinte (inscrição cadastral da Prefeitura) pelo qual é lançado para pagamento do IPTU, torna o imóvel individualizado e inconfundível, podendo ser localizado sem erro em planta de setor fiscal da Prefeitura Municipal. Em se tratando de imóvel rural, o cadastro identificador é o do INCRA (CCIR).
No que diz respeito à pessoa física, princípio da especialidade subjetiva, cabe aqui ressaltar que se torna imperioso constar à qualificação completa do proprietário, número de identidade (RG), cadastro de contribuinte (CPF), e sendo casado, também do cônjuge. Igualmente necessário, dados do casamento, do regime de bens, e referência a ser ocorrido antes ou depois da Lei 6.515/77. Em havendo pacto antenupcial, deverá ser mencionado o número de seu registro junto ao Registro de Imóveis.
Com relação à especialidade para garantias reais e dívidas, o artigo 176, III, 5 da LRP, não deixa dúvidas ao enumerar os requisitos de qualquer registro: do valor do contrato, da coisa, da dívida, do prazo, das condições e das especificações, inclusive juros, se houver.
Igualmente, o artigo 241 da LRP prescreve que o registro da anticrese deve declarar o prazo e a época do pagamento, e o artigo 242 estabelece que o contrato de locação deve consignar o valor, a renda, o prazo, o tempo e o lugar do pagamento, bem como a pena convencional.
No registro da hipoteca, é imprescindível que conste o valor da dívida. Não havendo valor fixo, como no caso de abertura de crédito rotativo, deverá o título indicar um valor máximo, ou um limite até o qual o imóvel é dado em garantia.
3.3 PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE
O princípio da disponibilidade está intimamente ligado ao direito de propriedade, que é direito de usar, fruir e dispor de determinado bem (artigo 1228 do Novo Código Civil Brasileiro). E o direito de dispor pode tanto significar a faculdade de transferir o imóvel para terceiro (alienações em geral: venda, doação permuta, etc.), ou de gravá-lo com algum ônus real (compromissando-o, oferencendo-o em garantia hipotecária, instituindo usufruto sobre ele em favor de terceiro, etc.).
O princípio da disponibilidade nada mais é do que a aplicação do aforismo “ninguém pode transferir mais direitos do que possui”. Esse princípio deve ser observado em relação aos dois elementos estruturais do registro dos quais já falamos antes: o objeto e os contratantes.
No que diz respeito ao imóvel, sua aplicação na prática registral parece relativamente simples: se alguém é proprietário de um terreno com 500 m2 não pode transmitir uma área de 550 m2. Assim como, sendo proprietário de terreno, não pode vender uma casa sem que antes tenha averbado sua construção.
Atualmente, com a instituição da matrícula, a verificação da disponibilidade tornou-se mais fácil. O imóvel está nela descrito e caracterizado, e eventuais modificações havidas terão sido averbadas. Basta cortejar a descrição feita no título com a descrição constante da matrícula.
A ideia de disponibilidade esta também associada com a titularidade do direito real e, portanto, com o princípio da continuidade, pois, para que alguém disponha de um imóvel, é preciso que ele esteja registrado em seu nome. É o caso anteriormente tratado com relação ao registro do formal de partilha na sucessão causa mortis, ele não transmite o direito, mas torna-se fundamental para que o novo proprietário exerça-o em plenitude.
O princípio da disponibilidade também está interligado com o princípio da legalidade, uma vez que só é válido o registro de um título se o negócio jurídico por ele formalizado for válido. É o caso de alienações por menores incapazes, onde imperiosa é a apresentação do alvará judicial, e também para os interditos.
Forçoso concluir, com Gandolfo (2000, p.32), que:
"Para a perfeita aferição da disponibilidade de um imóvel, ele não pode estar... indisponível. Seja por ter sido gravado com cláusula de indisponibilidade, testamentária ou em doação, que deve estar averbada na matrícula, ou na transcrição (artigo 167, II, 11, LRP), seja pela ocorrência de indisponibilidade nos caos previstos em lei (artigo 227, LRP).".
3.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Para examinarmos esse princípio é preciso que voltemos a refletir sobre a eficácia do registro, da qual já tratamos no introdutório.
Como vimos, o direito de propriedade e os demais direitos reais só passam a existir com o registro do respectivo título. E são direitos erga omnes. Isto é, enquanto o direito obrigacional diz respeito exclusivamente às pessoas participantes do ato, ou das partes (vendedor e comprador, credor e devedor), o direito real projeta-se sobre o imóvel, conferindo ao seu titular um direito oponível contra todos. O registro, portanto, dá ao direito adquirido uma publicidade constitutiva ou material.
Essa situação jurídica dos imóveis, criada ou alterada em razão dos atos praticados à vista dos títulos e documentos que são apresentados ao registrador deve, porém, ser do conhecimento público.
A essa publicidade denominamos formal. Ela tanto pode ser verbal como escrita, uma vez que o registrador tem obrigação legal de fornecer aos interessados as informações que lhe forem solicitadas e também expedir certidões quando requeridas. Tais certidões podem referir-se a registros e averbações constantes nos livros do cartório ou a documentos arquivados. Podem ser requeridas por qualquer pessoa sem a necessidade de indagação quanto à razão ou interesse do pedido (artigo 17 da LRP). Atualmente, estando o imóvel matriculado, tais informações encontram-se espelhadas na certidão da matrícula, expedida por processo reprográfico. Mesmo a existência de ônus pré-existentes, originários da transcrição anterior estarão presentes na nova matrícula, uma vez que a averbação de tais atos é imperiosa para a abertura da matrícula (artigo 230, LRP).
Assim sendo, a simples leitura da matrícula revela quem é o proprietário e quais são os gravames existentes. Por fim, uma análise sobre a natureza jurídica da matrícula nos leva a concluir que “se trata de um ato de registro, no sentido lato, que dá origem à individualidade do imóvel na sistemática registral brasileira, possuindo um atributo dominial derivado, quase sempre, da transcrição da qual se originou” (Gandolfo, 2002, p.7).
3.5 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE
A observância do princípio da prioridade tem sua importância nitidamente percebida quando surge no Registro de Imóveis a preocupante situação da existência, para registro, de dois títulos que se referem a direitos reais contraditórios sobre um mesmo imóvel. Por exemplo, duas escrituras de venda e compra do mesmo imóvel, pelo mesmo proprietário, a compradores diferentes. Ou então, um mandato de penhora de determinado imóvel e a escritura de hipoteca desse mesmo imóvel.
O mestre Afrânio de Carvalho (2003, p.182) soberbamente colocou a questão:
"A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que se confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que ocorrem para disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, concedendo graduação inferior ao outro".
Assim, a prioridade deve ser aferida pela ordem de apresentação dos títulos ao registro, e não pela ordem de sua lavratura no Tabelião de Notas ou alhures, cujos elementos cronológicos se referem à criação do direito obrigacional e não do direito real. A adoção de um elemento estranho ao registro, como a data ou a hora em que a escritura foi lavrada, quebra, a rigor, a sistemática do registro.
Isto está expresso no artigo 183 da LRP que determina que “todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem respectivo e a data de sua prenotação”. E o artigo 186 preconiza que “o número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais”.
Gilberto Valente da Silva (1998, p.36) assim coloca a questão:
"A prioridade, a meu aviso, significa a melhor posição para o registro (do latim prior) e, uma vez praticados os atos registrários conseqüentes à apresentação, eles excluem a possibilidade de registro de outro título, constitutivo de direito real contraditório sobre o mesmo imóvel.
Assim, registrada uma escritura pública de venda e compra, em obediência à prioridade conseqüente à precedência na apresentação, outro título de transmissão do mesmo imóvel não poderá ser registrado na matrícula, não só porque deve respeitar a prioridade do anterior, mas em especial porque com o registro do primeiro cessou a disponibilidade do imóvel, que não mais pertence ao transmitente, uma vez já transcrito (registrado) em nome do primeiro apresentante.".
Já no caso da penhora ou da hipoteca, como se trata de direitos excludentes, ambos os títulos – desde que formalmente perfeitos, isto é, desde que contenham os requisitos exigidos pela lei – poderão ser registrados, e o devem ser na ordem de precedência de sua apresentação no Protocolo, em dias subseqüentes (artigo 190, LRP). A aplicabilidade do princípio da prioridade é bem aparente na hipótese de ser o imóvel executado e os credores habilitados para receberem seus créditos. O produto da execução servirá para pagar o credor que primeiro registrou seu título e, havendo sobra, o outro receberá o que lhe couber, ou parte daquilo que lhe caberia se o que restou não for suficiente.
3.6 PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA
O princípio da instância é aquele pelo qual, em regra, o registrador somente pode praticar registros e averbações se solicitado pelo interessado. Prescreve o artigo 13, II, da LRP que, salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos de registro serão praticados a requerimento verbal ou escrito dos interessados. E o artigo 217 da mesma norma prescreve que o “registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas”.
A primeira vista, esse dois artigos parecem contradizer-se: o primeiro fala em interessado e o segundo em qualquer pessoa. No saber de Elvino Silva Filho, a conciliação dessas disposições está na presunção de que qualquer pessoa que leve o título para registro tem interesse na realização do ato registral. Na verdade, o simples fato de o portador apresentar um título e efetuar o recolhimento dos emolumentos devidos, cria a presunção de que está solicitando seu registro e de que tem interesse nisso.
Entretanto, para alguns atos a lei exige requerimento escrito do próprio interessado. São eles as averbações de construção, demolição, reforma e mudança de numeração de prédios, de desmembramento de lotes, enfim, averbações que alterem o imóvel da propriedade de determinada pessoa (artigo 167, II, 4 e 5, LRP). E igualmente as averbações que dizem respeito ao titular do direito registrado, tais como a mudança de nome por casamento ou separação, alteração de estado civil, etc.
Walter Ceneviva (2001, p.322) ilustra que:
"A averbação é feita com requerimento escrito da parte, salvo se, no título apresentado, as partes tenham inserido autorização genérica para todas as que se fizerem necessárias. Requerida pela parte ou em cumprimento de mandado judicial, subordina-se à existência de registro na serventia e, em certos casos, a satisfação de pressupostos legais. Serve de exemplo a sentença de divórcio (artigo 14, II, LRP), que só pode ser averbada depois de registrada a partilha (artigo 23, I, LRP)".
A própria LRP excepciona a instância em duas situações: para averbações de mudança de nomes de logradouros, decretada pelo Poder Público (artigo 167, II, 13) e as retificações que o registrador pode proceder ex officio nos casos de erro evidente contido no registro (artigo 213, d 1o.). Também ex officio o registrador pode cancelar as hipotecas convencionais peremptas, isto é, aquelas que foram inscritas (registradas) a mais de 20 anos, com base no artigo 1485 do Novo Código Civil Brasileiro.
3.7 PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA
O princípio da unitariedade da matrícula, consagrado no artigo 176, d 1o., I, da LRP, consiste resumidamente no seguinte: a todo imóvel deve corresponder uma única matrícula (ou seja, um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez) e a cada matrícula deve corresponder um único imóvel (isto é, não é possível que a matrícula descreva e se refira a mais de um imóvel).
Também em decorrência desse princípio é que não se pode abrir matrícula de parte ideal do imóvel, sendo indispensável, para a alienação ou oneração dessa parte ideal, que a matrícula seja do imóvel todo e aberta em nome de todos os proprietários.
Ceneviva (2001, p.341) relata que:
"A matrícula é o núcleo do registro imobiliário. Seu controle rigoroso e a exatidão das indicações que nela se contiverem acabarão dando ao assentamento da propriedade imobiliária brasileira uma feição cadastral. Cada imóvel (artigo 176, d 1o., I, da LRP) indica a individualidade rigorosa da unidade predial. Na sistemática da lei, cada é interpretado em sentido estrito, indicando prédio matriculado, estremando-o de dúvidas dos vizinhos. Tratando-se de imóveis autônomos, mesmo negociados em um só título, cada um terá matrícula individual".
Um ilustrativo exemplo da aplicação desse princípio na prática ocorre no registro de alienação de uma casa de vila e concomitantemente da fração ideal do terreno que constitui a passagem que lhe dá acesso. Nessa hipótese devem-se abrir duas matrículas: uma para a casa e outra para o terreno que corresponde à passagem, esta segunda em nome dos titulares das frações ideais que compõem o todo. E, em seguida, em cada uma das matrículas, proceder-se-á o registro da alienação: o da casa e o da quota parte ideal da passagem.
3.8 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O artigo 1245, parágrafo 2o, do Novo do Código Civil Brasileiro, já invocado quando falamos do direito de propriedade, afirma que se presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome está registrado. Trata-se de presunção juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. Em outras palavras: o fato de estar o imóvel registrado em nome de determinada pessoa não impede que um terceiro possa contratar sua aquisição. Isto porque a validade do registro depende da validade do negócio jurídico que o originou. E uma vez nulo o título que deu origem a um registro, esta poderá e deverá ser cancelado.
Exemplificando, a venda feita por um incapaz, sem estar devidamente representado pelo curador; a alienação de um imóvel por quem não é seu proprietário; a ausência da outorga marital ou uxória para a transmissão de qualquer direito real (excetuando-se os casos hoje previstos no Novo Código Civil); declarações falsas prestadas por um dos contratantes, etc.
Como bem lembra Afrânio (2001, p.225), o registro:
"não tem a virtude de limpar o título que lhe dá origem, sanando os vícios jurídicos-materiais que o inquinam, nem a de suprir a faculdade de disposição. A inscrição, não passa uma esponja no passado, não torna líquido o domínio ou outro qualquer direito real. Embora tenha efeito constitutivo, não o tem saneador, precisamente porque ocupa o lugar da tradição em virtude da qual o alienante não transmite senão o direito que lhe assista, pelo que, se nenhum lhe assiste, nenhum transmite. Assim, quem quer que, fiado na inscrição, adquire a propriedade ou outro qualquer direito real, está exposto ao risco de ver contestada a sua aquisição, se o alienante inscrito no registro não era o verdadeiro titular: a aparência registral é sobrepujada pela realidade jurídica.".
O que significa, então, para o registrador, atender o princípio da legalidade? Significa examinar a legalidade do título que lhe é apresentado para registro, mas sempre nos limites da sua competência. Não lhe cabe, por fim, pôr em dúvida declarações das partes perante o tabelião, ou entrar no mérito da partilha homologada pelo juiz.
3.9 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA
Esses dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados durante certo tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela. Ao passo que o primeiro reforça a eficácia da inscrição, sem a tornar, contudo, saneadora, pois mantém o primado final do direito subjetivo, o segundo abre uma brecha nesse primado ao admitir que a inscrição se torne saneadora relativamente ao terceiro de boa-fé que, confiando nela, adquire o direito. A regra é a tutela do direito subjetivo, ou a segurança jurídica, a exceção é a tutela do terceiro de boa-fé, ou a segurança do comércio.
De certa maneira, esse princípio reporta-nos ao princípio anterior, onde a presunção juris tantum admite prova contrária, uma vez que a aquisição feita não é frustrada por motivos que se ignora.
Nesse sentido, Afrânio (2001, p.178) comenta que:
"Embora o princípio de fé pública se circunscreva à transmissão negocial, a diferença de segurança que disso resulta entre os atos negociais e os atos judiciais de aquisição tende, entre nós, a dissipar-se na prática graças às cautelas tomadas para o processamento dos segundos. Para que os atos judiciais de aquisição não discrepem dos atos negociais na menção dos requisitos de inscrição, o Código de Processo Civil exige a especialização dos imóveis e a indicação do número de inscrição do título anterior tanto na descrição dos bens em inventário, como no edital de praça (CPC, artigo 993)".
A proteção do terceiro de boa-fé, que confia na inscrição ou no cancelamento, pressupõe que ele tome conhecimento do conjunto de assuntos relativos ao imóvel, em vez de ater-se a uma inscrição isolada. Essa proteção frustra-se se o terceiro ler apenas a inscrição originária do direito, seja da matrícula do imóvel, seja a de uma hipoteca, sem ter abaixo a inscrição preventiva de uma contradita de uma penhora ou a cessão de grau de uma hipoteca a ele referente. Além de prevenir malogro, a atual LRP preceitua que, requerida uma certidão, o registrador deverá consignar de sua iniciativa a qualquer alteração posterior, de sorte que, se for concernente a ônus de imóvel, alcançará aqueles inscritos após o requerimento (LRP, artigo 21).
3.10 PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO
O princípio da inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, na verdade só se consumará para produzir efeitos o deslocamento da propriedade ou de direito real do transferente ao adquirente pela inscrição. A mutação jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros.
Para Afrânio (2001, p.137):
"O princípio da inscrição justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de respeita-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o limite dual das partes e atinge a coletividade por exigir a observância geral. Daí o apelo a um meio que, ao mesmo tempo, a traduza e a torne conhecida do público".
A inscrição é sempre obrigatória, quer se trate da constitutiva (aquela que aufere direito real), quer da declarativa (aquela que divulga direitos auferidos antes dela); mas não é saneadora, conforme já vimos anteriormente. Pode ela ser promovida por qualquer dos interessados, já que a lei alude à “qualquer pessoa”. Algumas devem ter como fundamento título bilateral, isto é, em acordo de vontades que cria o jus ad rem (escritura), outras em título unilateral, oriundo de apenas uma das partes, daquela a quem a inscrição beneficia, prescindindo-se assim do consentimento da outra (cancelamento).