Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Danos morais ante a recusa dos planos de saúde em atender o paciente.

Uma análise jurisprudencial

Exibindo página 1 de 4
Agenda 10/12/2018 às 05:56

Os planos de saúde negam atendimento ou cobertura aos seus usuários, sendo que tal conduta enseja o dano moral, conforme julgados do STJ.

Resumo: O entendimento do surgimento da relação de consumo se dá no vínculo jurídico entre o consumidor e o fornecedor, que é regulada pela Lei 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor – o qualtrata da proteção do consumidor. O fornecimento de prestabilidade de plano de saúde é regida por princípios característicos de norma pública, que por sua vez estabelece de preceitos através do Estado. Vale ressaltar que o escopo maior das operadoras de planos de saúde é proporcionar aos seus segurados ampla cobertura em seus respectivos tratamentos, de modo a minimizar o sofrimento causado pela situação de saúde em que se encontra o segurado. Contudo, muitos fornecedores não observam os preceitos legais, mormente a normatização inserta nas legislações, que, precipuamente, dispõem acerca dos planos de saúde, bem como no Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, levando em consideração os diversos direitos dos usuários, percebe-se desvantagem quando as operadoras de plano de saúde recusam atendimento ao paciente; fazendo com que, a aludida conduta ocasione danos psíquicos aos consumidores, quedevem ser reparados. Contudo, o problema gerado diante dessa situação é a viabilidade de indenização por danos morais decorrente da recusa de cobertura ao usuário. Assim sendo, busca-se solucioná-lo com a hipóteses de baseio na proteção do consumidor em prol da reparação de danos sofridos pela fornecedora do serviço, e, uma análise acerca de julgados que tratam de situações em que a seguradora de plano de saúde nega atendimento ao paciente, deixando o mesmo desamparado e com sua saúde psíquica abalada. Percebe-se que em muitos casos julgados, os Tribunais se manifestam favoravelmente a respeito da possibilidade de indenização por danos morais acerca da conduta das seguradoras. Desse modo, o objetivo do presente trabalho é abordar os fundamentos jurídicos da indenização por dano moral, relacionado-os acerca da recusa de plano de saúde em atender o paciente, fazendo análise de julgados inerentes ao tema. Objetivou-se também em explanar a relação de consumo e os itens que a compõe, tais como os diversos princípios que regem essa relação; explicar a abrangência do dano moral em relação ao Direito do Consumidor e os Planos de Saúde; Analisar as jurisprudências existentes acerca da problemática, bem como exemplificar a possibilidade do dano moral pela recusa de atendimento em relação aos Planos de Saúde, respaldando o Direito do Consumidor. Para tanto, O método de abordagem utilizado é dedutivo, já que este tem como propósito, embasamento das leis (Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9656/98), além dos julgados do Superior Tribunal de Justiça para a análise da proteção dos consumidores em relação à possibilidade de danos morais mediante recusa de atendimento em específico.Trata-se de assunto de suma importância no âmbito jurídico e social, já que estão relacionados em termo de proteção e cuidado à saúde, respectivamente. Foi possível demonstrar que em muitos casos, o Superior Tribunal de Justiça é favorável à reparação de tal situação, tornado-se cabível a possibilidade de danos morais perante a conduta de recusa das seguradoras de plano de saúde em atender o paciente.

Palavras-chave: Saúde. Dano Moral. Atendimento. Planos de saúde.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO E PROTEÇÃO CONTRATUAL. 2.1 Direito do Consumidor e CDC. 2.1.1Relação de consumo. 2.1.2 Consumidor. 2.1.3 Fornecedor. 2.2 Dos princípios e direitos básicos do consumidor. 2.2.1 Vulnerabilidade do Consumidor. 2.2.2 Informação. 2.2.3. Segurança. 2.2.4Equilíbrio nas Prestações. 2.2.5 Boa Fé Objetiva. 2.2.6 Modificação das prestações desproporcionais. 2.2.7 Harmonia nas Relações de Consumo. 2.2.8 Princípio da prevenção e reparação dos danos. 3. DA CARACTERIZAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE E CONSIDERAÇÕES GERAIS. 3.1 Plano de Saúde e a Lei n. 9.656/1998. 3.2 Função Social dos Planos de Saúde. 3.3 Obrigação do Plano de Saúde em suprir as necessidades de atendimento ao paciente. 4. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS MEDIANTE A RECUSA DOS PLANOS DE SAÚDE EM ATENDER O PACIENTE. 4.1 Pressupostos para a Caracterização do Dano Moral. 4.1.1. Conduta e Nexo de Causalidade. 4.2 Possibilidade de dano moral ante a recusa dos Planos de Saúde em prol de cobertura de atendimento. 4.3Análise Jurisprudencial. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

A relação de consumo se dá no vínculo jurídico entre o consumidor e o fornecedor, que é regulada pela Lei 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor – o qual trata da proteção do consumidor. Essa relação jurídica é direcionada por princípios que regem valores tutelados e protegidos no ordenamento jurídico.

O fornecimento de prestabilidade de plano de saúde éregida por princípios característicos de norma pública, que por sua vez estabelece de preceitos através do Estado.

Embora a Lei 9656/98 seja então específica, nota-se que esta nãorefere-se sobre todas as questões, e, desta forma as seguradoras de plano de saúde tiram vantagem de tais oportunidades para não prestar mais assistência aos que o utilizam o serviço. Diante disso, destaca-se as o devido atendimento das seguradoras em relação ao paciente, considerado assunto principal neste contexto.

No setor de saúde suplementar, por exemplo, o setor cresceu significativamentesem qualquer intervenção ou controle estatal, em face à ausência de órgão regulador, previamente àinstalação e crescimento do setor de planos de saúde privados no Brasil. Por vezes, esse processo deregulação inverso ocorrido no Brasil faz com que os consumidores sofram os efeitos negativos daefetiva concretização da outorga da prestação dos serviços públicos, sem a devida criação, demaneira antecipada, de mecanismos de controle da garantia da prestação e qualidade dessesserviços.1

No que se refere a prestação efetiva dos serviços oferecidos pelas seguradoras de plano de saúde, têm-se como problema: É cabível a indenização por danos morais diante da negativa de atendimento ao paciente por parte das seguradoras de plano de saúde?

Cujo Objetivo Geral se dará em abordar os fundamentos jurídicos da indenização por dano moral, relacionado-os acerca da recusa de plano de saúde em atender o paciente, fazendo análise de julgados inerentes ao tema. Já os Objetivos Específicos abrangem: Explanar a relação de consumo e os itens que a compõe, tais como os diversos princípios que regem essa relação; explicar a abrangência do dano moral em relação ao Direito do Consumidor e os Planos de Saúde; Analisar as jurisprudências existentes acerca da problemática, bem como exemplificar a possibilidade do dano moral pela recusa de atendimento em relação aos Planos de Saúde, respaldando o Direito do Consumidor.

A resolução de tal problema se dá na hipótese de que o Código de Defesa do Consumidor trata do direito em questão, qual seja o direito à saúde, resguardando o consumidor diante do fornecedor, observando-se que a Lei 9656/98 também regulamenta essa relação de consumo. Ademais, se fez necessário uma análise acerca de julgados que tratam de situações em que a seguradora de plano de saúde nega atendimento ao paciente, deixando o mesmo desamparado e com sua saúde psíquica abalada. Percebe-se que abundante casos julgados dos Tribunais que se manifestam a respeito da possibilidade de indenização por danos morais acerca de tal conduta das seguradoras.

O método de abordagem utilizado é dedutivo, já que este tem como propósito, embasamento das leis (Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9656/98), além dos julgados do Superior Tribunal de Justiça para a análise da proteção dos consumidores em relação à possibilidade de danos morais mediante recusa de atendimento em específico.

A pesquisa justifica-se na esfera jurídica devido a questão das bases legais para o processo de indenização acerca da negativa das seguradoras de plano de saúde em atender o consumidor, que são previstas principalmente no Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça também se manifesta claramente a respeito do assunto em estudo.

A justificativa do trabalho também é relevante no âmbito social em razão da importância da saúde na vida de cada indivíduo, bem como o resguardo da mesma, e, em geral estarem diretamente ligadas às relações consumeristas; que por sua vez está diretamente ligado à sociedade.


2. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO E PROTEÇÃO CONTRATUAL

Podemos dizer que quando maior a produtividade de produtos e serviços colocados na sociedade, maiores são os riscos em que a sociedade está submetida a comportar, tendo em vista que ao aparecimento de falhas e erros técnicos em alguma fase no processo de fabricação ou fornecimento dos produtos e serviços.

Com a globalização, a diminuição das fronteiras, o aumento da oferta2 e, por consequência, da procura e do consumo, faz-se necessário uma maior preocupação com a defesa e os direitos do consumidor.

2.1. Direito do Consumidor e CDC

Com o passar dos anos, verificando-se o grande desequilíbrio que estava se formando na sociedade, em decorrência da introdução no mercado de produtos cada vez mais modernos e com isso aumentando os riscos inerentes da colocação desses produtos do mercado, os consumidores começaram a clamar juntamente aos seus respectivos governos a criação de normas que regulassem tais relações, tendo em vista o grande desequilíbrio e também o aumento desenfreados dos grandes fornecedores monopolistas que buscavam somente o lucro e o crescimento econômico de suas respectivas empresas industrializadas.

Assim, conforme palavras de João Calvão da Silva:

Despertando da sua letargia e aproveitando a liberdade da associação, agora amplamente reconhecida, o consumidor revolver pôr termo à inércia e desorganização que o isolavam e o tornavam mais débil perante o produtor dotado de organização e informações poderosas. Para se defender, e defender não só os interesses individuais como os interesses comuns e difusos contra os abusos do produtor e do distribuidor, o consumidor passa a agir sob diversas formas, desde os movimentos de cariz espontâneo à organização de associações, e a multiplicar os escritos, as transmissões radiofônicas e televisivas e os debates públicos dedicados à sua causa. O impacto desta ação na opinião pública, cada vez mais favorável à ideia de bem-estar individual e social que norteia o consumeirismo.3

No Brasil, o advento do Código de Defesa do Consumidor, se dá após a evolução nacional e internacional citada anteriormente, e tem como objeto a concretização de princípios constitucionais, sendo promulgado por determinação constitucional (artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). A existência do Código de Defesa do Consumidor se dá em virtude davulnerabilidade do consumidor, frente ao fornecedor, quer dizer, o consumidor é oelo fraco da relação jurídica, ainda mais quando se fala em poder econômico4.

Frente às consideráveis importâncias de existir uma lei regulamentadora das relações de consumo, a Constituição Brasileira de 1988 abrange os direitos dos consumidores em um de seus primeiros artigos, mas somente dois anos mais tarde, em 1990, foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor tem também seus direitos elencados no CDC, em seu art. 6º,que dispõe:

Art. 6º – São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – (Vetado); X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.5

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Dentre esses direitos, consta, no inciso I, o direito da vida, saúde e segurança. Considera-se o direito mais importante dos elencados pelo CDC, pois vive-se numa sociedade de riscos, onde as pessoas são egoístas e agem pensando sempre levar vantagem nos negócios. Assim, há sempre uma parte mais frágil e vulnerável que é prejudicada. O CDC protege esse indivíduo contra os riscos oferecidos pelos produtos ou serviços contratados ou os abusos cometidos. No tocante à saúde, essa proteção se estende também aos contratos estabelecidos pelas seguradas dos planos privativos de saúde, onde observa-se que há cláusulas abusivas, lesando o direito do consumidor.

2.1.1. Relação de consumo

Em consequência do grande fluxo de consumo, as preocupações com os assuntos que tratassem do modo de como organizá-lo aumentou, tornando imprescindível a regulamentação para a relação de consumo.

Diante deste importante aspecto, Luiz Antônio Rizzatto Nunes6 esclarece que “Haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos pólos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços.”

Relações de consumo são aquelas em que existe em tal, ao menos, um consumidor, um fornecedor, os quais sãoligados por um produto ou serviço.Assim, a relação de consumo é caracterizada na existência desses três elementos.

Na relação de consumo são identificados determinados sujeitos, onde se tem como escopo a finalidade de obter um produto ou serviço como elementos da relação de consumo. Assim, mediante tais elementos, entende-se que o consumidor é o último recebedor desta relação:

São elementos da relação de consumo, segundo o Estatuto Protetivo: a)como sujeitos: o consumidor e o fornecedor; b) como objeto: produto ou serviço; c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleológico das relações de consumo; a aquisição do produto ou serviço por parte do consumidor, como destinatário final.7

De acordo com o autor Bonatto, que a relação de consumo está relacionada com o envolvimento de ao menos duas pessoas, que possuem o mesmo objetivo, que o de realizar algo em comum, bem como extinguir relações. Têm se embasamento nos direitos fundamentais, que reforçam o resguardo com as cláusulas fundamentais.

Resumindo brevemente o conceito, é possível delinear em síntese que relação de consumo é a aquisição de bem ou contratação de serviços para proveito ou uso de quem adquire ou contrata os mesmos.

2.1.2. Consumidor

Quanto à proteção do consumidor, este considerado a parte mais frágil da relação de consumo, têm-se normas que garantem além da proteção, a saúde e segurança. Tal proteção viabiliza que a relação de consumo não acarrete prejuízos à segurança ou saúde dos consumidores, uma vez que assim é determinada uma responsabilidade objetiva ao fornecedor que então, fica obrigado a reparar os danos que ocasionar ao consumidor.

A Constituição Federal de 19888 determina que o Estado promova a proteção e defesa ao consumidor, porém não determina quem é esse sujeito de direitos. Encontra-se esta definição a partir do CDC, que conceitua o consumidor em seu artigo 2º.

Ou seja, é todo aquele que adquire ou, pelo menos, utiliza um serviço ou produto para consumo e uso próprio, familiar ou doméstico, e até para terceiros, desde que não seja por revenda. Ademais, é consumidor, também, a coletividade de pessoas, ainda que não seja determinada, se estiver presente a relação de consumo, isto é, esta coletividade é considerada consumidor por equiparação. Nesse raciocínio, Maria Antonieta Zanardo Donato explana que:

Enquanto pelo caput do art. 2º cuida dos consumidores e a concessão da proteção de seus direitos individualmente considerados, está o seu parágrafo único, ao ampliar a gama dos protegidos, a tratar da proteção dos interesses e direitos da coletividade, ainda que esta se apresente de modo indeterminável.9

Em sequência, o CDC10 complementa o conceito em seus artigos 17 e 29, dispondo que se equiparam a consumidores “todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

Dessa forma, a coletividade de pessoas, a pessoa física e a pessoa jurídica, ao adquirirem ou utilizarem produtos e serviços como destinatárias finais, com o consequente encerramento da cadeia de produção, são consideradas como consumidores equiparados por necessitarem de proteção, já que podem ser prejudicadas pelos atos dos fornecedores.

Ao cuidar da explicação do conceito de consumidor, a doutrina discorda em relação ao que seria “destinatário final” explicitado no art. 2º do CDC, instituindo três correntes doutrinárias divergentes para determiná-lo: a finalista, a maximalista e a mista.

Para os autores Bessa e Moura11 o consumidor realmente é o lado mais frágil da relação de consumo, ressaltando quem podem ser os consumidores:

O consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º, caput, CDC). Assim fazendo, a Lei de Consumo não deixa dúvidas de que o cidadão individualmente considerado (pessoa física ou natural) é consumidor nos termos da Lei. Crianças e adolescentes também são consumidores, bastando que o atendimento de suas demandas e pleitos ocorra com o acompanhamento de um responsável. Porém, cumpre observar que, no tocante às empresas (e pessoas físicas que exercem atividades profissionais) existe alguma dúvida, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, quando o assunto é definir qual o sendo e alcance da expressão destinatário final.

Ademais, os autores ressaltam que é discutido ainda sobre o destinatário final, tendo em vista que há dúvidas sobre quem pode ser considerado consumidor, visto que podem ser tanto pessoas físicas como jurídicas, e que neste caso têm – se o questionamento acerca daquelas pessoas físicas que exercem atividades profissionais.

Para os doutrinadores que se filiam à este entendimento, a interpretação de destinatário final deve ser extremamente restrita ao sentido literal da assertiva presente no artigo 2º do CDC. Cabe aqui apontar a lição de Marques, que defende esta linha de pensamento e assim expõe:

Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.12

Conclui-se que para quem segue esta linha de pensamento, consumidor é toda pessoa que adquire serviço ou retira o produto do mercado de consumo para seu próprio sustento ou de seus pares, inexistindo possibilidade de utilizar o bem ou serviço adquirido como sendo passo intermediário de sua atividade profissional com o intuito de revenda.

Ao contrário dos finalistas, os maximalistas não defendem uma interpretação restrita do sentido de destinatário final, mas, ainda que flerte com a obviedade por se tratar de teoria contrária, a linha de defesa aqui trata de maneira mais ampla a expressão final do artigo 2º. A ideia se dá no sentido de que o CDC não protegeria apenas o consumidor não profissional, mas regularia todas as relações de compra e venda dentro de toda a sociedade. Nos dizeres de Marques, encontramos a seguinte definição para a teoria maximalista:

A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior das relações de mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não um fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.13

Concluindo, para os adeptos da teoria maximalista consumidor é uma pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou contrata o serviço, independente de razão de seu uso, ou seja, ainda que seja meio para a produção final de outro bem ou prestação de outro serviço, o adquirente será consumidor por ser destinatário de fato do bem ou serviço.

Já em relação a teoria Mista, têm-se a noção de vulnerabilidade é ponto crucial para aplicação do CDC na relação entre as partes. O estudo de quem seria o destinatário final não é desprezado, mas sai do primeiro plano e dá lugar a uma análise que, ao nosso sentir, está mais ligada e se desenvolve de maneira coerente quando se volta ao espírito do legislador ao elaborar a legislação consumerista, que era o de dar proteção para a parte mais vulnerável na relação negocial.

Nesse sentido, vale destacar novamente os dizeres de Cláudia Lima Marques que assim afirma:

É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente.14

Pode-se dizer, então, que sob essa ótica a questão da vulnerabilidade presente no CDC tem extrema valia quando se busca solucionar eventual controvérsia sobre a aplicação ou não do CDC.

2.1.3. Fornecedor

Da mesma forma, define-se como fornecedor nos dizeres de Filomeno15 “é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil e de forma habitual”.

No mesmo sentido o artigo 3º do Código de Defesa de Consumidor define fornecedor como sendo:

Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviço.16

Desta forma, o mesmo artigo 3º em seu parágrafo 1º define produto com sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”.

Portanto, fornecedor é todo produtor, fabricante, comerciante, prestador de serviço, órgãos do Poder Público quando da execução de uma determinada atividade ou prestação de determinado serviço na relação deconsumo. Sendo também fornecedoras todas as pessoas que estão ligadas, de algum modo à, atribuição de serviços ou a venda de algum produto a outrem.

Assim sendo, Simão complementa:

Assim, independentemente da qualidade do que presta o serviço – profissional ou não - , havendo remuneração e habitualidade, o Código de Defesa do Consumidor considera- o fornecedor e a relação de consumo. A intenção do legislador foi, certamente, possibilitar a inclusão do maior número possível de prestadores de serviços no conceito de fornecedores, os quais, portanto, terão suas relações reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor.17

Deste modo, o autor esclarece que para a aplicabilidade do CDC, é necessário que exista os sujeitos da relação de consumo, pois caso contrário, será tratado por direito civil comum.

Quanto ao conceito de serviço está expresso no parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que define-o como sendo “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”18.

Percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor dispõe acerca, além dos serviços privados, também dos públicos. Também vale ressaltar que o fornecedor que firmou o contrato com o consumidor é o responsável pela execução do serviço contratado.

Com base no artigo 2019 do CDC, “o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e a sua escolha.”

2.2. Dos princípios e direitos básicos do consumidor

O direito à vida é o principal direito do ser humano, já que dele derivam os demais direitos. Mais do que se manter vivo, o direito à vida denota a possibilidade de que o ser tenha condições de alcançar o desenvolvimento pleno dos recursos físicos, mentais e sociais que lhe são inerentes. Dessa maneira, o direito à saúde deve ser compreendido como um conjunto de deveres do Estado para com todo cidadão, com o escopo não apenas de afastar as enfermidades, mas também, de garantir o desenvolvimento saudável da população. Para a Carta Magna20 a saúde é um direito social fundamental que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Tal direito, pensando fora de como o senso comum costuma apontar, não está limitado a apenas um sistema de saúde eficiente, massim, existe uma extensão dos efeitos aos seus protegidos conforme elucida o Código de Defesa do Consumidor.

2.2.1. Vulnerabilidade do Consumidor

Conforme o artigo 4º do Código de Defesa ao Consumidor21, inciso I, o consumidor é parte vulnerável perante as relações consumeristas, seja de produtos os serviços, sendo essa vulnerabilidade admitida tendo em vista o sistema capitalista, que delimita seu desejo no mercado de consumo, fazendo com que os consumidores, se sujeitem quando querem/podem/necessitam contratar as regras estabelecidas que vãodesde as limitações de escolhas por conta do padronização de produtos e serviços, até o modelo contratual estabelecido.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (...)22

Mediante decurso histórico, por diversos motivos, dentre quais destacam-se razões econômicas e pelo fato de o consumidor não possuir conhecimentos técnicos, foi preciso assumir que o consumidor é vulnerável frente ao fornecedor, que é considerado o lado com mais vantagens na relação de consumo.

Reconhecendo essa vulnerabilidade reconhecida legalmente na Lei Federal 8078/9023, o legislador procurou proporcionar ao consumidor, meios capazes de garantir seus direitos e mecanismos de defesa contra os fornecedores e prestadores de serviços no mercado consumidor em geral.

Essa presunção de vulnerabilidade é absoluta, sendo que, além de todo consumidor ser vulnerável conforme preceito legal, sua vulnerabilidade não depende de sua condição econômica, diferentemente do reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, já que a hipossuficiência diz respeito ao direito processual e a vulnerabilidade ao direito material.

2.2.2. Informação

O princípio da informação estabelece equilíbrio entre os que compõem a relação de consumo, sendoimprescindível para o aperfeiçoamento legítimo de qualquer relação entre seres humanos, pois aniquila acordos feitos às escuras.

Esse princípio está descrito no CDC (Lei 8078/90), alencado no inciso III do art. 6º, sendo considerado um direito básico do consumidor, conforme descrito abaixo:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.24

A informação é fundamental no sistema de consumo, sendo que todo consumidor tem expresso direito à informaçãocorretaacerca dos diversos produtos e serviços, sendo nesta, a descrição clara de qualidade, características, preço, bem como os riscos que apresentem.

O STJ já decidiu que informação adequada, nos termos do art. 6º, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor.25

O dever de informar, porém, vai além da informação presente em produtos e serviços, indo ao dever de informação em contratos, publicidades e qualquer tipo de informação que trate de proteger, prevenir ou informação as relações consumeristas existentes, sendo de extrema e fundamental importância nas relações.

Na definição deRizatto Nunes26 “o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca dos produtos ou serviço, suas características, riscos, preço etc., de maneira clara precisa, não se admitindo falhas ou omissões.”

No caso da publicidade, o CDC expõe sobre a informação que não deve ser veiculada ou sobre a forma que a mesma venha a ser veiculada, conforme segue:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.27

Atualmente, o dever de informar engloba grande parte do direito, atuando em todas as áreas.

A jurisprudência precisou alguns pontos relevantes. A obrigação de informação (CDC, art. 31) é desdobrada em quatro categorias, ligadas entre si: a) informação-conteúdo(características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (como se usa o produto ou o serviço), c) informação-preço (custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (riscos do produto ou serviço). O STJ, nessa linha, exige uma postura positiva do fornecedor no que se refere ao dever de informação. (...)28

Além da informação ser transmitida ao consumidor ou contratante, ela também deve ser compreendida, sendo que o fornecedor ou contratado deve passar a informação de maneira clara, apresentando toda a verdade sobre o que será adquirido, sendo nessas situações que a boa-fé do fornecedor se manifesta. Nos casos que tal transparência não ocorre e a informação não fica clara, o contratante dos serviços/produtos pode requerer seus direitos, alegando a falta de informação.

2.2.3. Segurança

Além da informação, as relações consumeristas devem ter a segurança nas relações, sendo que esse princípio também consta como princípio básico do consumidor, em muitos dos artigos do Código de Defesa ao Consumidor, tratam essa segurança como proteção ao consumidor.

Já no art. 6º do mesmo texto, a segurança vem como principio fundamental que rege todas as situações consumeristas, estando presente em qualquer demanda.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (...)29

É dever do fornecedor de produtos e serviços assegurar ao consumidor que as relações de consumo sejam dotadas de segurança e que, de forma alguma, causem danos aos consumidores, excluindo-se aqueles que, por sua própria natureza venham pelas suas características apresentar tal incerteza, sendo que nestes casos, porém, há de se ressaltar o principio básico da informação, obrigando os fornecedores a deixar claras tais informações de forma adequada e precisa, prevenindo qualquer dano que possa vir a ser causado.

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.30

Não obstante a lei prever casos em que o produto ou serviço possa vir apresentar riscos à segurança, nos casos em que essa segurança venha a ser comprometida de forma que possa causar dolo direto ou determinado, onde o fornecedor tenha consciência de tais atos, o fornecedor de produtos/serviços fica expressamente proibido de colocar no mercado consumerista seu produtoou serviço, de forma que possa ser penalizado pelo seu ato.

Nesses casos, em que a segurança do consumidor é colocada em risco31, o fornecedor, ciente da periculosidade de seu produto/serviço, deverá comunicar aos consumidores, através de publicidade clara e precisa, e retirar o produto do mercado consumerista, corrigindo-o quando for necessário ou realizando sua substituição.

Vale ressaltar que, a responsabilidade nesses casos, além de ser solidária, é objetiva, sendo que ambas as partes na relação de consumo respondera pelos danos causados.

2.2.4. Equilíbrio nas Prestações

Conforme CDC, deve haver nas relações consumeristas, a necessidade de equilíbrio entre as partes, sendo que tal equilíbrio deve ser visualizado na relação jurídica entre consumidor e fornecedor, no importe que se refere a imposição de cláusula contratual que venha a acarretar vantagem exagerada a quaisquer das partes.

O princípio do equilíbrio, porém, é importante matéria-prima da concepção do Código de Defesa do Consumidor, idealizado no sentido de que o universo das relações de consumo apresente elementos contributivos para a justiça em prol de seus partícipes e da sociedade como um todo.

Conforme ressalta Netto na 11ª edição do Manual de Direito do Consumidor à Luz da Jurisprudência do STJ:

Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem, maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa nosso país.32

Torna-se indispensável, todavia, o reconhecimento e a aplicação do princípio do equilíbrio nas relações de consumo, pois ele permite que, para o consumidor a satisfação das suas necessidades se efetive de forma adequada e justa e, para o fornecedor, exista o benefício de estabilizar o mercado e contribuir para que o contexto destas relações aconteça de forma profícua, produtiva e serena em prol de todos os envolvidos melhorando sua qualidade de vida.

2.2.5. Boa Fé Objetiva

No artigo 4º o CDC33 positivou, no inciso III,

o princípio da boa-fé como uma regra de conduta nas relações de consumo, sendo esse princípio caracterizado como um dever de agir respeitando certos padrões de honestidade e lealdade, mantendo o equilíbrio nas relações consumeristas.

Não obstante, o princípio da boa-fé possui, ainda, fundamentação constitucional, pois decorre dos princípios fundamentais da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, sendo um instrumento jurídico a ser utilizado na eliminação das desigualdades encontradas nas relações de consumo, sendo que a Constituição Federal34, em seu artigo 170, estabeleceu princípios e normas com a intenção de coibir e reprimir os abusos praticados no mercado de consumo, atuando como um dos princípios norteadores da atividade econômica, uma vez que é refletida em aspectos econômicos e sociais do contrato, onde, se busca respeitar a autonomia da vontade que está atrelada aos efeitos sociais que serão produzidos, permitindo assim, o restabelecimento da igualdade e do equilíbrio entre consumidor e fornecedor; como destaca o autor Felipe Peixoto Braga Netto:

O que vem a ser a boa-fé objetiva? É o dever, imposto a quem quer que tome parte em relação negocial, de agir com lealdade e cooperação, abstendo-se de condutas que possam esvaziar as legitimas expectativas da outra parte. Daí decorrem múltiplos deveres anexos, deveres de conduta que impõem às partes, ainda na ausência de previsão legal ou contratual, o dever de agir lentamente.35

O princípio da boa-fé é um dos princípios gerais do direito, denominado princípio da boa-fé objetiva, que representa o valor da ética, veracidade e correção dos contratantes, operando de diversas formas e em todos os momentos do contrato, desde a sua negociação até sua execução, sendo que ao regime das relações contratuais consumeristas impõe o respeito à boa-fé na formação e na execução dos contratos de consumo, confirmando o princípio da boa-fé como um princípio geral do direito brasileiro.

2.2.6. Modificação das prestações desproporcionais

O consumidor possui direito à modificação das cláusulas contratuais que, por sua vez,definam prestações desproporcionais ou que por algum motivo se torne inadequada ao consumidor diante do contexto, dando ensejo ao desequilíbrio contratual. Dessa forma, ainda que o fornecedor não tenha agido de má-fé, a revisão do contrato é direito do consumidor.

Trata-se de um subprincípio da equivalência das prestações. Decorre da possibilidade de modificação de prestações que se mostrem desproporcionais ao consumidor, conforme preceitua o Código de Defesa ao Consumidor em seu art. 6º:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (...)36

Nessa previsão legal, vislumbramos a possibilidade de modificação das cláusulas que estabeleçam, no momento mesmo da formação do contrato, prestações desproporcionais, o que caracteriza, devido à vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, o instituto da lesão, concedendo o direito à revisão contratual em razão de fatos supervenientes que tornem as prestações demasiadamente onerosas.

2.2.7. Harmonia nas Relações de Consumo

Embora todos os princípios vertam-se ao consumidor, há que se considerar que para uma boa relação de consumo entre as partes deve haver a harmonia nas relações consumeristas, sendo que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e de todos os princípios da Lei 8078/90 que o protegem, o fornecedor de produtos/serviços também deve ter tratamento digno e tratado com o princípio da boa-fé. O equilíbrio entre o tratamento das partes e o reconhecimento dos direitos e deveres de ambas as partes, facilitará a relação consumerista, garantindo o direito de ambos os participantes da relação.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.37

O que se prevê neste principio é o fato de estar previsto no Capítulo atinente à Política Nacional das Relações de Consumo do CDC, a qual engloba todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, composto por Órgãos de defesa do Consumidor como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e os diversos Procon'sda esfera municipal e estadual, significando que essas entidades devem observar, respeitar, implementar, promover e viabilizar a harmonização das relações de consumo entre consumidores e fornecedores.

Destarte, as relações de consumo são campo fértil para aplicação da concepção pós-moderna de que os contratos de consumo devem ser acordos de solidariedade, onde a boa-fé objetiva prepondere, afastando fatores de discórdia, sendo superadas com a utilização dos instrumentos apresentados ou facultados pelo CDC.

2.2.8. Princípio da prevenção e reparação dos danos

Em algumas ocasiões tais direitos não restam respeitados, efetivamente, na prática, momento em que entra em cena a responsabilidade civil, que, basicamente, tem o escopo de minimizar o sofrimento causado na vítima, mediante a reparação do dano causado.

Responsabilidade, para o Direito38, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada — um dever jurídico sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.

Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica39 repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, como estrutura de princípios de favore cimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha à ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar.

O referido princípio aborda o dever de se ter responsabilidade no quesito tanto de prevenir, e quando não for possível este,o de reparar os danos causados a outrem, como trazido no artigo 4° foi criado como forma de orientar o intérprete da norma na aplicação dos direitos do consumidor. É nele - artigo 4° - que serão encontrados os objetivos, princípios e deveres que vão nortear toda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. E um desses objetivos da Proteção e Defesa do Consumidor é exatamente o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor, onde o tema desse trabalho encontra guarida. Ao determinar que a dignidade, a saúde e a segurança do consumidor devem ser observadas na prática cotidiana de aplicação do Código, a Política quer preservar o consumidor da ocorrência de danos e impor a sua reparação, efetiva e integral, na hipótese de sua ocorrência.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!