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O assédio moral sob a ótica do atual Código Penal brasileiro e o Projeto de Lei 4.742/2001

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Agenda 15/12/2018 às 13:00

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

Quando suscitada, a liberdade individual responde pela capacidade do indivíduo de se autodeterminar, uma forma de poder de escolha para decidir sobre o que melhor convier ao próprio indivíduo. Nas palavras de Victor Eduardo Rios Gonçalves:

A liberdade individual consiste na faculdade de autodeterminação, de fazer o que quiser, dentro, evidentemente, dos limites legais. Refere-se não apenas ao direito de ir e vir mas também ao direito de realizar ou não realizar condutas de acordo com a própria escolha, de ter paz de espírito por não se sentir ameaçado, de não ter sua residência devassada, senão por ordem legal ou em situações específicas, de não ter devassada sua correspondência ou seus segredos etc. (GONÇALVES 2011 p.266)

Quanto aos crimes contra a liberdade pessoal, estas estão circunscritas no rol de crime contra liberdade individual, localizados na Seção I do Capítulo VI do CP, e são o (i) constrangimento ilegal (art. 146); (ii) a ameaça (art. 147); (iii) sequestro ou cárcere privado (art 148); e (iv) redução à condição análoga à de escravo (art. 149). Tendo em vista a natureza das condutas relacionadas ao assédio moral, analisar-se-á mais detidamente os crimes de constrangimento ilegal e ameaça.


CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Tipificada no art. 146 do CP, o constrangimento ilegal apresenta respaldo constitucional, tendo em vista o disposto no inciso II do art. 5o da Constituição Federal. Nos dizeres de Greco (2017), procura punir a conduta do indivíduo que "constrange alguém (...) a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda". Este mesmo doutrinador estabelece que constranger significa "impedir, limitar ou mesmo dificultar a liberdade de alguém". Já para a violência ou grave ameaça, Gonçalves (2011 p.267) estabelece-os, respectivamente, como sendo "o emprego de força física ou de atos agressivos sobre a vítima (so­cos, pontapés etc.)" e "a promessa de mal grave a ser causado no próprio agente ou em terceiro que lhe é querido".

Um ponto pacífico entre os doutrinadores é a de que o constrangimento ilegal apresenta natureza subsidiária tendo em vista a pena prevista (três meses a um ano de detenção e multa), o que, nos dizeres de Gonçalves (2011 p. 267) faria este crime ceder "lugar sempre que a violência ou grave ameaça empregadas visarem fins específicos, descritos em outro tipo penal". Desta forma, em casos como extorsão, estupro, tortura e cárcere privado, o constrangimento ilegal seria absorvido por estes outros tipos penais.

A consumação do crime de constrangimento ilegal é outro ponto pacífico na doutrina e se dá no momento em que o indivíduo coagido faz o que o agente o constrangeu a fazer ou a deixar de fazer. Nas palavras de Gonçalves (2011 p. 271), trata-se de "crime diferenciado, na medida em que a consumação do crime se dá no momento da ação ou omissão da vítima". É por este mesmo motivo que é plenamente possível a modalidade tentada do crime de constrangimento ilegal, pois basta o indivíduo coagido não fazer ou não deixar de fazer aquilo a que foi coagido a fazer ou deixar de fazer. Situações disso, trazidas pela doutrina são, por exemplo o indivíduo que consegue fugir do local onde a coação está sendo realizada, não fazendo ou deixando de fazer aquilo a que foi coagido.

    A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:

Quadro 9 - Classificação doutrinária do crime constrangimento ilegal

Classificação doutrinária

Simples, quanto à objetividade jurídica

Comum, quanto ao sujeito ativo

De ação livre e comissivo, quanto aos meios de execução

Material e instantâneo, quanto ao momento consumativo

Doloso, quanto ao elemento subjetivo

Fonte: Gonçalves (2011 p. 272)


AMEAÇA

A doutrina de Rogério Greco traz um olhar interessante sobre o crime de ameaça. Segundo ele, ao se analisar esta conduta a partir da pena cominada, pode-se chegar à conclusão pela sua baixa importância. No entanto, Greco complementa que:

(...) a experiência demonstra que, na verdade, a ameaça é o primeiro degrau para o cometimento de infrações penais efetivamente graves (...) Deve merecer especial importância porque, em decorrência do pavor infundido na vítima pelo autor da ameaça, gera, em muitas situações, a hipótese de legítima defesa putativa por parte daquele que foi ameaçado; por outro lado, se não contida pelas autoridades competentes, geralmente, a promessa do mal é cumprida, e a vítima acaba sofrendo os danos que tanto temia. (GRECO 2017 p. 457)

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Tipificado no art. 147, o crime de ameaça apresenta, expressamente e como rol exemplificativo, a forma escrita, falada e gesticulada como meios de execução. Nesse sentido, outro ponto interessante ressaltado por Greco (2017 p. 458) é o cuidado que o legislador demonstrou ao elaborar o comando do artigo, tendo em vista que a "imaginação das pessoas é fértil, e não tendo o legislador condições de catalogar todos os meios possíveis ao cometimento do delito de ameaça" optou-se por generalizar o meio de cometimento com a expressão 'ou qualquer outro meio simbólico'.

Ademais, conforme doutrina de Gonçalves (2011 p. 275) o mal prometido deve ser, ao mesmo tempo grave e injusto. Significa dizer que ele deve "se referir à promessa de dano a bem jurídico relevante para a vítima, como a vida, a integridade física, o pa­trimônio, a honra etc" e "contrário ao direito".

Este mesmo doutrinador elenca ainda quatro possíveis classificações da conduta: duas em relação ao alvo da promessa do mal e outras duas com relação à forma a esta promessa de mal é apresentada. Assim, a ameaça pode ser:

1) Direta — quando se refere a mal a ser provocado na própria vítima. Ex.: João diz a Pedro que irá matá-lo, fazendo a intimidação chegar ao seu conhe­cimento por um dos quatro meios de execução anteriormente mencionados(escrito, por palavras etc.).

2) Indireta — quando se refere a mal a ser causado em terceira pessoa que­rida pela vítima. Ex.: dizer à mãe que irá sequestrar seu filho ou estuprar sua filha. Entendemos, ainda, que o próprio filho pode cometer o crime quando, para intimidar o pai, diz seriamente que irá se suicidar.

3) Explícita — é a ameaça feita às claras, não deixando o agente qualquer dúvida quanto à sua intenção de intimidar. É o que se dá, por exemplo, quan­do o agente aponta uma arma para a vítima ou quando diz claramente quepretende matá­la.

4) Implícita — em que o agente dá a entender, de forma velada, que está pro­metendo um mal à vítima. Ex.: dizer que a última pessoa que o tratou assim“não comeu peru no Natal”. (GONÇALVES 2011 p. 276)

À semelhança do crime de constrangimento ilegal, é pacífico na doutrina que a ameaça é "eminentemente subsidiário", sendo possível a absorção da conduta por outra como, por exemplo, o próprio constrangimento ilegal, extorsão, estupro etc. Ademais, no que concerne à consumação do crime, a doutrina de Gonçalves (2011 p. 279) defende que ela ocorre no "No momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ameaça (...)  Trata-se de crime formal, bastando que o agente queira intimidar e que a ameaça proferida tenha potencial para tanto.".

Por fim, mas não menos importante, esta conduta admite a forma tentada, tendo em vista os meios de execução (falada, escrita, gesticulada etc), bastando, para tanto, que determinado bilhete contendo a ameaça não chegue ao encontro da vítima, por exemplo.

A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:

Quadro 10 - Classificação doutrinária do crime de ameaça

Classificação doutrinária

Simples, quanto à objetividade jurídica

Comum, quanto ao sujeito ativo

De ação livre e comissivo, quanto aos meios de execução

Formal, e instantâneo quanto ao momento consumativo

Doloso, quanto ao elemento subjetivo

Fonte: Gonçalves (2011 p. 280)


O PL 4.742/2001

De autoria do então Deputado Federal Marcos de Jesus, referido projeto de lei pretende incluir o artigo 146-A no CP,  cujo teor reproduz-se a seguir:

Assédio Moral no Trabalho

Art. 146-A. Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral.

Pena: Detenção de (3 (três) meses a um ano e multa. (BRASIL 2001 - p. 24176)

    Na exposição de motivos, o legislador preocupou-se em contextualizar a necessidade de se tipificar o assédio moral como crime a partir dos problemas verificados nos ambientes laborais. Trouxe, ainda, uma vasta coleção de dados estatísticos e pesquisas realizadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Não à toa, o tipo penal seria nomeado como "Assédio Moral no Trabalho".

    Por mais louvável que seja a iniciativa, este PL peca, primeiro, ao ter um ponto de vista estreito em relação ao problema do assédio moral. Como visto nas seções anteriores do presente trabalho, o assédio moral não se restringe ao ambiente laboral, podendo ocorrer também nos ambientes acadêmicos e até familiares. Decerto que o assédio moral no ambiente laboral é a vertente mais evidente deste mal que precisa ser mitigado e desestimulado, mas ignorar que ela possa ocorrer nos corredores das universidades e dentro do ambiente familiar é algo que não seria razoável.

    Em seguida, tem-se a questão: o que enquadrar no termo "desqualificar", trazido no comando do artigo? Como verificado anteriormente, conflitos existentes no ambiente de trabalho, decorrentes de posicionamentos e opiniões divergentes não são sinônimo de assédio moral. Um termo genérico como o sugerido no projeto de lei poderia dar ensejo a situações em que críticas e feedbacks comuns a determinados trabalhos ou pesquisas realizados possam ser encarados como formas de desqualificação, que se reiterados, poderiam caracterizar o tipo penal.

    Outro ponto em questão diz respeito ao termo "reiteradamente", constante no comando do artigo proposto. Conforme Bobroff e Martins:

(...) a repetição não deve ser considerada de forma isolada, pois (...) um único ato, mesmo repetido muitas vezes, pode não ser considerado como assédio moral, mas como violência psíquica (...) Para caracterizar a frequência, inerente ao assédio moral, a repetição deve ocorrer ao menos uma vez por semana; caso contrário, o episódio não será considerado assédio moral, conforme suas características atuais em âmbito internacional (...) No que concerne à duração, o tempo pode variar de uma semana até um a três anos. Vários estudos demonstraram que a duração média dos ataques do assediador é de aproximadamente seis meses.  (BOBROFF e MARTINS 2013 p. 254)

    Verifica-se, portanto, que não é possível definir objetivamente um período necessário para a caracterização do assédio moral. Assim, mais importante e efetivo que a questão do tempo ou a frequência de repetições, seria estabelecer nexo causal do dano (normalmente psíquico, podendo ser também físico) da vítima com a conduta do agente promotor do assédio, o que poderia ser feito por meio de laudo médico ou psiquiátrico.

    Conforme foi possível verificar na descrição e nos tipos de assédio moral, este se materializa, mormente, através do cometimento de condutas já tipificadas no CP como os crimes contra a honra e contra a liberdade pessoal. Desta forma, poderia ser proposta uma alternativa ao referido texto do projeto lei e, ao invés de se pretender incluir o artigo 146-A, poder-se-ia, no caso dos crimes contra a honra, incluir um inciso V, no art. 141, adicionando situações de assédio moral como causa de aumento de pena, como, por exemplo:

Disposições comuns

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

(...)

V - em razão de vínculo hierárquico funcional, laboral ou de qualquer outra  natureza, caracterizando assédio moral.

Para os crimes de constrangimento ilegal e ameaça, comandos semelhantes poderiam ser incluídos na forma de parágrafos adicionais nos artigos 146 e 147, respectivamente.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SASAKI, Rubens Makoto. O assédio moral sob a ótica do atual Código Penal brasileiro e o Projeto de Lei 4.742/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5645, 15 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70861. Acesso em: 5 nov. 2024.

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