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O art. 28 da Lei 11.343/2006: descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal

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4 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Apesar da corrente de pensamento exposta, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 430105 (BRASIL, 2007) é no sentido de que não houve abolitio criminis, sendo que a lei ordinária superveniente pode adotar outros critérios gerais de distinção, estabelecendo para determinado crime, pena diversa da privação ou restrição da liberdade.

Mirabete (2015, p. 44) aduz que “ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei nova já não incrimina o fato que anteriormente era considerado como ilícito penal”. Isso se dá em virtude da disposição legal do artigo 2º do Código Penal (BRASIL, 1940) que prevê, in verbis, que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

Contudo, o relator o Ministro Sepúlveda Pertence, em fevereiro de 2007, proferiu decisão com a seguinte ementa:

EMENTA: I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado (BRASIL, 2007)

O voto do Relator expõe de maneira expressiva as passagens fundamentais:

A conduta antes descrita no art. 16 da L. 6.368/76 continua sendo crime sob a lei nova. Afasto, inicialmente, o fundamento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a L. 11.343/06 criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou detenção. A norma contida no art. 1º do LICP – que, por cuidar de matéria penal, foi recebida pela Constituição de 1988 como de legislação ordinária – se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção. Nada impede, contudo, que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da “privação ou restrição da liberdade”, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de serem adotadas pela “lei” (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). IV De outro lado, seria presumir o excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado – inadvertidamente - a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo denominado “Dos Crimes e das Penas” (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). Leio, no ponto, o trecho do relatório apresentado pelo Deputado Paulo Pimenta, Relator do Projeto na Câmara dos Deputados (PL 7.134/02 – oriundo do Senado), verbis (www.camara.gov.br): “(...) Reservamos o Título III para tratar exclusivamente das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Nele incluímos toda a matéria referente a usuários e dependentes, optando, inclusive, por trazer para este título o crime do usuário, separando-o dos demais delitos previstos na lei, os quais se referem à produção não autorizada e ao tráfico de drogas – Título IV. (...) Com relação ao crime de uso de drogas, a grande virtude da proposta é a eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e dependente. Conforme vem sendo cientificamente apontado, a prisão dos usuários e dependentes não traz benefícios à sociedade, pois, por um lado, os impede de receber a atenção necessária, inclusive com tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a conviver com agentes de crimes muito mais graves. Ressalvamos que não estamos, de forma alguma, descriminalizando a conduta do usuário – o Brasil é, inclusive, signatário de convenções internacionais que proíbem a eliminação desse delito. O que fazemos é apenas modificar os tipos de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade, como pena principal (...).” Não se trata de tomar a referida passagem como reveladora das reais intenções do legislador, até porque, mesmo que fosse possível desvendá-las – advertia com precisão o saudoso Ministro Carlos Maximiliano –, não seriam elas aptas a vincular o sentido e alcance da norma posta. Cuida-se, apenas, de não tomar como premissa a existência de mero equívoco na colocação das condutas num capítulo chamado “Dos Crimes e das Penas” e, a partir daí, analisar se, na Lei, tal como posta, outros elementos reforçam a tese de que o fato continua sendo crime (BRASIL, 2007).

Sepúlveda (BRASIL, 2007) deixa claro o entendimento de que não ocorreu a descriminalização da conduta de portar a droga para o consumo pessoal, caracterizando-se apenas uma penalidade mais branda. O ministro afirma: “estou convencido de que, na verdade, o que ocorreu foi uma despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade” (BRASIL, 2007).

Finaliza o voto dizendo:

 O uso, por exemplo, da expressão “reincidência”, não parece ter um sentido “popular”, especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a incidência da regra geral do C.Penal (C.Penal, art. 12: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”). Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata de pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do 107 e seguintes do C.Penal (L. 11.343/06, art. 30). Assim, malgrado os termos da Lei não sejam inequívocos – o que justifica a polêmica instaurada desde a sua edição –, não vejo como reconhecer que os fatos antes disciplinados no art. 16 da L. 6.368/76 deixaram de ser crimes. O que houve, repita-se, foi uma despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento – antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, § 3º) e L. 9.605/98, arts. 3º 21/24) – da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal (BRASIL, 2007).

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Portanto, resta claro que a Suprema Corte Brasileira possui entendimento no sentido de manter a conduta criminalizada.


5 A FALÊNCIA DA POLÍTICA PROIBICIONISTA

A base da Guerra às Drogas se deu nos Estados Unidos em 1968 pela campanha de Richard Nixon em restaurar a “lei e a ordem” no país, a qual foi totalmente inspirada na Lei Seca implantada em meados de 1920. Os discursos governamentais e midiáticos investiram firmemente em uma política proibicionista ao uso e porte de substâncias ilegais e de combate ao tráfico de drogas, criando a sensação de perigo coletivo e implantando posturas repressivas.

Desde então os demais países adotaram tal ideal disseminando o falso discurso de preocupação com a saúde e segurança pública, diante da suposta periculosidade social causada pelos usuários.

Ocorre que tal guerra não é especificamente contra as drogas, mas contra as pessoas que as utilizam e consomem. Em suma maioria, os mais desfavorecidos pela política da absoluta proibição são os pobres, negros e marginalizados.

A ideia de proibição tem origem com as penas e o direito de punir e, segundo Beccaria (2015, p. 23-24):

As leis foram as condições de reunir os homens, a princípio independentes e isolados, sobre a superfície da terra. Cansados de só viver no meio dos temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do restante com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado, pelas leis, do depósito de liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado soberano do povo.

Sica (2002 apud REALE JÚNIOR, 2005, p. 186) menciona que “na guerra, qualquer medida excepcional é admitida, mesmo que ela seja excrescente, mesmo que contrarie princípios legais consagrados, mesmo que sacrifique direitos fundamentais do homem”. A guerra é considerada, portanto, um estado de exceção que admite qualquer medida para o combate do inimigo.

A pena sempre foi idealizada como a mais eficaz das sanções educadoras, uma punição disciplinar, um elemento de gratificação-sanção, “de modo que o efeito corretivo que dela se espera apenas de uma maneira acessória passa pela expiação e pelo arrependimento; é diretamente obtido pela mecânica de um castigo. Castigar é exercitar” (FOUCAULT, 1987, p. 150).

A restrição de liberdade é a pena mais adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro sendo extremamente criticada pelo filósofo Michel Foucault (1987, p. 196) que acredita que as prisões são instrumentos utópicos de ressocialização que foram criados apenas para manter as perspectivas capitalistas, as quais tira a visibilidade das mazelas sociais e, além de não recuperar o infrator, ainda não contribuem para a eliminação das práticas criminosas.

Neste mesmo sentido, Zaffaroni (2010, p. 139) defende que “colocar uma pessoa numa prisão e esperar que ela aprenda a viver em sociedade, é como ensinar alguém a jogar futebol dentro de um elevador”.

Entre as penas e na maneira de aplica-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado. [...] Quem poderia deixar de tremer até o fundo da alma, ao ver os milhares de infelizes que o desespero força a retomar a vida selvagem para escapar a males insuportáveis causados ou tolerados por essas leis injustas que sempre acorrentaram e ultrajaram a multidão, para favorecer unicamente um pequeno número de homens privilegiados? (BECCARIA, 2015, p. 53)

Ademais Beccaria (2015, p. 31) defende que a prevenção do crime é mais eficaz que sua punição, devendo o legislador agir com sabedoria ao redigir leis simples e claras para promover o maior bem-estar social possível. De acordo com suas palavras, “se proíbem os cidadãos de atos indiferentes, não tendo tais atos nada de nocivo, não se previnem crimes: ao contrário, faz-se que se surjam novos”.

Nucci (2016) afirma que em 10 anos de vigência da Lei de Drogas, inexistem motivos para comemorações, tendo em vista que o advento da lei em nada contribuiu para a diminuição do índice de criminalidade ou para o combate efetivo às drogas, apenas fomentando o aumento do volume de processos criminais gerados, sendo que mais de 50% das demandas envolvem o tráfico ilícito de drogas.

Mister se faz que o legislador busque ser claro e reforme a lei estabelecendo uma quantidade para o porte de cada espécie de droga existente, permitindo ao judiciário presumir relativamente o usuário e o traficante, proferindo a decisão pelas provas concretas efetivamente produzidas nos autos (NUCCI, 2016).

Uma alternativa ao proibicionismo é a adoção de uma política de redução de danos, tendo em vista que “é melhor prevenir crimes do que ter de puni-los” (BECCARIA, 2015, p. 104).

Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Paloma Renata Rodrigues

Graduada em direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORIGON, Alessandro; RODRIGUES, Paloma Renata. O art. 28 da Lei 11.343/2006: descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5940, 6 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70974. Acesso em: 22 dez. 2024.

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