6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal pela natureza de crime, de acordo com o princípio da legalidade, o artigo 28 caracteriza infração sui generis, tendo em vista que afasta as penas privativas de liberdade e aplica penas restritivas de direitos como advertência, medida educativa de comparecimento a programas ou cursos educativos e prestação de serviços à comunidade, buscando alcançar uma justiça restaurativa, fugindo da determinação legal da Lei de Introdução ao Código Penal que considera crime as condutas apenadas com reclusão e detenção.
O uso de drogas não é tipificado e é possível entender que punir o indivíduo que porta pequena quantidade de droga para consumo pessoal é uma afronta ao princípio da lesividade, eis que é um comportamento que infringe somente a individualidade do usuário e o moralismo social, sem causar dano a bem jurídico de terceiro.
Ao contrário do que pregam os discursos governamentais e midiáticos, a perpetuação da Guerra às Drogas não traz qualquer benefício social por se tratar de uma estratégia de alto custo financeiro e, em contrapartida, de baixa eficácia, tendo em vista que o verdadeiro inimigo da sociedade não é o usuário de drogas, mas aqueles que auferem grandes lucros com o tráfico ilícito destas substâncias.
Além disso, é errôneo acreditar que a descriminalização da conduta irá implicar no aumento do consumo de drogas ou na elevação dos índices de criminalidade, já que não há qualquer efeito significativo direto sobre o uso, bem como inexiste correlação comprovada com a prática de outros crimes. Em oposição, o abolitio criminis pode vir a contribuir com a queda nos indicadores de marginalidade, já que serão evitadas as prisões em excesso e sem fundamento plausível.
Ademais, à medida em que a diferenciação de usuário e traficante é feita de forma subjetiva, sendo a legislação absolutamente omissa quanto à quantidade de droga que caracteriza traficância, a tendência é o aumento do número de injustiças cometidas pelos julgadores ao determinar penas privativas de liberdade aos indivíduos que necessitam de orientações, tratamento e recuperação.
A política criminal deve levar em consideração que a criminalização e a busca pela penalização dos usuários de forma equiparada aos traficantes, sendo considerados como seres periculosos, além de contribuir à superlotação do sistema carcerário, é equivocada e ineficaz, não sendo dever do Estado agir de forma paternalista.
Tendo em vista a ineficácia da política proibicionista e a ausência de efetividade nas medidas alternativas previstas pela legislação, é necessária a eliminação dos dispositivos penais que caracterizam o paternalismo estatal.
Portanto, é necessário compreender que a política do encarceramento que aplaude a restrição de liberdade como forma de solução para os problemas sociais é utópica e impede o tratamento e recuperação dos usuários e dependentes dos entorpecentes. A criminalização vai em sentido contrário aos princípios norteadores do ordenamento jurídico penal contemporâneo, tais como a alteridade, a intervenção mínima, a fragmentariedade e a insignificância.
Em uma sociedade onde a política do encarceramento faz com que a polícia tenha metas de prisões e o número de usuários enquadrados como traficantes e privados de sua liberdade seja altíssimo, a descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal é a medida cabível para que seja possível a recuperação do usuário.
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