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A Relevância da Palavra da Vítima nos Casos de Violência Doméstica contra a Mulher

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Sabe-se que em casos de violência doméstica a palavra da vítima tem grande relevância, uma vez que a maioria desses casos acontecem no âmbito doméstico entre quatro paredes, logo sem testemunhas. Sendo assim, será estudado como esse mecanismo surte efeito

RESUMO: Este estudo teve como assunto principal a violência doméstica contra a mulher e em consequência o estudo de gênero que envolve o tema, bem como as lutas de movimentos sociais na busca de direitos para as mulheres, legislações em nível nacional e internacional sobre o tema e os mecanismos de coibição e prevenção desse tipo de violência. Ressaltando a importância de tratar desse assunto, sabemos que em casos de violência doméstica a palavra da vítima tem grande relevância, uma vez que a maioria desses casos acontecem no âmbito doméstico entre quatro paredes logo sem testemunhas. Sendo assim, será estudado como esse mecanismo surte efeitos e influencia no processo penal.

PALAVRAS-CHAVE: Violência;  Legislação; Prevenção;

RESUMEN: Este estudio tuvo como tema principal la violencia doméstica contra la mujer y en consecuencia el estudio de género que involucra el tema, así como las luchas de movimientos sociales en la búsqueda de derechos para las mujeres, legislaciones a nivel nacional e internacional sobre el tema y los mecanismos de cohibición y prevención de este tipo de violencia. Resaltando la importancia de tratar este asunto, sabemos que en casos de violencia doméstica la palabra de la víctima tiene gran relevancia, una vez que la mayoría de esos casos ocurren en el ámbito doméstico entre cuatro paredes luego sin testigos, portando será estudiado como este mecanismo surte efectos e influye en el proceso penal.

CONTRASEÑAS: La violencia; Legislación; Prevención;


1. INTRODUÇÃO

A lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, é mais conhecida como Lei Maria da Penha, tem esse nome em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que depois de uma série de atentados contra sua vida, denunciou seu parceiro por violência doméstica, visto que anos atrás, esse tipo de violência era extremamente naturalizado no meio familiar.

Nesse sentido, Carvalho (2018) trás o descaso que era feito a respeito dessa questão, atribuindo à luta dessa mulher, junto a movimentos sociais e organizações nacionais e internacionais que a apoiaram a causa do combate a esse tipo de violência, o seu desfecho quando o caso foi levado até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos dos Estados Americanos (CIDH/OEA), e a partir de então ganhou grande repercussão nacional.

Sabemos que violência é uma realidade nacional e internacional, que nos últimos anos vem sendo combatida, sendo a Lei Maria da Penha um grande marco nesse cenário. Desde sua criação, a referida lei foi uma importante ferramenta no combate à violência contra a mulher, uma vez que até então eram poucos os casos de violência doméstica punidos.

Nesse sentido, este artigo tem como objeto a referida Lei e os desdobramentos oriundos desse diploma legal. A seguir, no item dois, teremos a abordagem do estudo de gênero que envolve o tema, indispensável para entender as nuanças que a lei abarca, seguida das legislações e os mecanismos de coibição e prevenção desse tipo de violência, tanto em nível internacional como nacional. No item três veremos a análise da estrutura política de enfrentamento à violência contra a mulher, envolvendo o sistema de segurança pública, indicando como essa política de combate se aplica no Amazonas. No item quatro trataremos da discussão que envolve a problemática, a relevância da palavra da vítima e seus desdobramentos, finalizando com o item cinco, pela apresentação de dados relativos à violência contra a mulher, bem como os dados nacionais de feminicídios para demonstrar que a violência doméstica de fato é um problema social, presente na nossa realidade, sendo a aplicação correta de tal dispositivo crucial para o combate e prevenção à violência doméstica contra a mulher.


2. LEGISLAÇÕES EM NÍVEL INTERNACIONAL E NACIONAL SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Iniciamos pelo debate de gênero, devido a sua complexidade, entender seu conceito é o ponto de partida para compreender a posição firmada entre homem e mulher. A questão familiar se faz essencial nesta discussão, visto que é na família que a violência doméstica era vista como normal, onde em regra um pai bater na esposa mesmo que não aceito, tal ato era naturalizado entre as pessoas ao redor, pois é fato, violência doméstica sempre existiu.

Neste cenário que a influencia do patriarcado entra, conforme Rodrigues (2016), a ideia de que mulher deveria estar em posição inferior e submissa ao homem, deixou consequências sociais que ainda hoje são perceptíveis, tanto no meio profissional, econômicos, acadêmico e até jurídico. Percebemos que essas situações sempre beneficiam a figura masculina, fato perceptível no ambiente familiar, logo o estudo da instituição familiar também se faz necessária diante da problemática da violência doméstica contra a mulher.

Ademais devemos enfatizar ainda que “gênero” não se limita a sexo, ora masculino, ora feminino, pois se fosse assim, seria um tratamento dado somente a questão biológica, devido a isso a ideia de gênero vai além, como traz Teles (2012) “aborda diferenças socioculturais existentes entre os sexos masculinos e femininos, que se traduzem em desigualdades econômicas e políticas, colocando as mulheres em posição inferir à dos homens”. (TELES, 2012, P. 16).

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Portanto, é preciso partir do entendimento conceitual, para entender seus reflexos na sociedade, uma vez que isso está ligado diretamente com a questão da submissão feminina, de tal forma o conceito de gênero e a violência de gênero oriunda disso, são figuras importantes para serem vistas na medida que são elementos diretamente ligado à questões que culminaram na violência contra a mulher. Notável é o fato que quem sai perdendo em todas as situações é a mulher, ou quem se assume como sendo do gênero feminino, logo a violência contra a mulher é fruto de um processo resultante da influencia do patriarcado e da dominação masculina, ambos presentes nas famílias, que depois foram exteriorizadas para o meio social.

Após a abordagem de tais conceitos partimos para o enfoque deste tópico, as legislações referentes ao combate à violência contra as mulheres.

Começando pelas normas em nível internacional, Rodrigues (2016) apresenta alguns marcos referente a conquista de direitos das mulheres, temos: A Carta das Nações Unidas (1945), A Declaração Universal dos Direitos Humanos; A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) (1979); A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994); A IV Conferencia Mundial sobre a Humanos.

Se tratando de legislação em nível nacional, temos a Constituição Federal de 1988, onde no art. 226, parágrafo 8º, dispõe que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, dando margens de interpretação para a proteção da mulher.

No mesmo sentido Kunzler (2015) cita algumas legislações que antecederam a Lei Maria da Penha, referente à assistência as mulheres, pois como a autora mesmo afirma, até o ano de 2004 a violência doméstica não tinha previsão legal no país, temos: decreto Legislativo n° 26 de 23/6/1994; Lei 8.930/94 1994; Decreto Legislativo 107/95; Lei 9.029/95; Lei 9.046/95  Lei Lei 9.520/97; Lei 9.455/97, tipificando a violência psicológica entre outros.

Ainda sobre legislações nacionais, de acordo com o site do governo Compromisso e Atitude da Secretaria Nacional de Política para as Mulheres, temos: Lei Orgânica da Defensoria Pública; Lei nº 10.778/2003; Lei nº 11.340/2006; Lei nº 12.015/2009; Lei nº 12.845/2013 e a Lei nº 13.505/2017, acrescentando o dispositivos à Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.

Primeiramente destacamos a lei 11.340/2006 mais conhecida como lei Maria da Penha e ponto central deste estudo, Carvalho (2018), menciona as transformações jurídicas que asseguram a proteção à mulher, apresentando em seguida a história por trás da Lei 11.340/2006, da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima duas vezes de tentativa de homicídio, o autor, seu próprio marido o economista Marco Antônio Herradia, da omissão do estado brasileiro até o ponto que o caso precisou ser levado para a Corte Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Quanto às novidades trazidas pela Lei Maria da Penha, segundo Kunzler (2015) é a criação de juizados; a possibilidade investigativa da polícia; a vítima estar acompanhada de um advogado e acesso a serviços da defensoria e assistência judiciária gratuita; a notificação não mais realizada pela vítima, pois até então, era a própria vítima quem realizava a notificação.

Mas tal lei, apesar de ser uma norma que é apontada por muitos autores como uma ferramenta para coibir a violência contra mulheres, ainda não foi suficiente, pois mesmo com uma lei que busca coibir a violência, um problema social, o número de caso de violência doméstica e o número de morte de mulheres, não deixou de ser um dado preocupante.

Então, como importante aliada dessa luta, em 9 de Março de 2015 é decretada e sancionada pela Presidenta da República a Lei 13.340/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, de igual forma será destacada da demais legislações.

Quanto a origem de tal termo “feminicídio”, Rodrigues (2016) atribui isso a Diana Russel em 1976 no Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres realizado em Bruxelas.

Na conceituação, Carvalho (2018) afirma que a Lei Maria da Penha, aliada à lei do feminicídio foi um importante elo para mudanças no cenário social, político e jurídico, possibilitando ferramentas para o combate e prevenção desse tipo de homicídio.

Assim Rodrigues (2016) destaca a relevância da tipificação da lei:

Ao tipificar o feminicídio no Código Penal brasileiro, consagrou o legislador não somente a ideia necessária de proteção, mas também reconheceu que a violência de gênero é uma realidade emergencial, sob a qual o Estado Democrático de Direito não pode se omitir, principalmente pela necessidade de proteção das garantias fundamentais e da concretização dos direitos humanos. (RODRIGUES, 2016, p. 71)

Sobre a Lei do Feminicídio Eluf (2017) menciona a alteração na Lei 8.072/1990 (Lei dos crimes Hediondos), que diz respeito a inclusão no rol dos crimes punidos com maior rigor penal. A autora aborda um problema, pois apesar da Lei ser de fácil entendimento, quando falamos de feminicídio, rapidamente concluímos que se trata da morte de uma mulher.

Ora, se fosse assim não seria preciso criar uma lei específica, o diferencial nesta lei é que ela usa o termo “razões de condição do sexo feminino”, sendo uma das situações narradas, a violência doméstica e familiar, além do menosprezo à condição de mulher ou discriminação à mulher.

Segunda Rubim (2017) a Lei 13.104/2015 qualifica o crime de feminicídio alterando o Código Penal Brasileiro em seu artigo 121, § 2°, IV passando a ter uma nova qualificadora: o feminicídio, ou seja, a morte dolosa de uma mulher em decorrência a questão de gênero, devido a menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ou da violência doméstica e familiar.

Destaca-se também, a Lei nº 13.641, de 3 de Abril de 2018, que altera a Lei 11.340/2006 introduzindo o art. 24-A para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, inserindo a primeira tipificação penal, pois até então, a norma só estabelecia mecanismos a serem aplicados na ocorrência de um crime mediante violência doméstica contra a mulher, Avila (2018) menciona o fato de ser a segunda alteração na supracitada lei, de acordo com o autor temos ainda a Lei 13.505/2017 que introduziu deveres de não vitimização pela autoridade policial. Além de enfatizar que o novo crime deve ser aplicado somente a fatos posteriores à nova lei, ou seja, mesmo que a decisão judicial seja anterior a lei 13.641/18, a conduta do descumprimento deve ser posterior a sua vigencia para ter validade.

Por fim, temos a mais recente lei 13.721/18 , alterando o art. 158 do Código de Processo Penal inserindo o parágrafo único que estabelece prioridades para a realização de exame de corpo de delito, de acordo com o Boletim CAOCrim[1], tem como objetivo a rapidez na elucidação de determinados crimes em virtude da condição da vítima, onde em sue inc. I, abrange a violência doméstica contra a mulher.


3. A POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO AMAZONAS

Oriundo do sistema de segurança público, Nascimento (2017) ressalta a importância da criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidencia da República (SPM/PR), e suas decorrentes políticas específicas ao atendimento às mulheres que se efetivaram desde então,como a Secretaria Executiva (SEPM), a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher entre outros, formando a Rede de Atendimento integrada à Rede de Enfrentamento.­

Conforme o documento da SPM/PR (2011) a Rede de Enfrentamento envolve a atuação de instituições e serviços governamentais e não-governamentais, que buscam fiscaliza e executar as políticas que amparam as mulheres, dividida em quatro áreas: saúde, justiça, segurança e assistência social, enquanto que a Rede de Atendimento estaria mais ligada a ações que visam a ampliação e melhoria da qualidade de atendimento, portanto a Rede de Atendimento faz parte da Rede de Enfrentamento à violência contra mulheres.

No Amazonas, de acordo com Nascimento (2017), coube a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (SEAS), coordenar, executar, acompanhar e avaliar sobre a efetiva aplicação das políticas para as mulheres.

Quanto às ações de medidas protetivas às mulheres oriundo da Lei Maria da Penha na cidade de Manaus, Santos (2016), menciona: o Serviço de Apoio Emergencial a Mulher; Serviço de atendimento a Vítimas de Violência Sexual; Conselho Estadual dos Direitos da Mulher; Vara Especializada em crimes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Maria da Penha); Núcleo de Atendimento Especializado a Mulher Vítima de violência da defensoria Pública do estado do Amazonas; Conselho Municipal dos Direitos da Mulher ; Núcleo de Promoção dos Diretos da Mulher.

Oriunda da Rede de Atendimento destacamos, um dos objetos essenciais do nosso estudo, a Delegacia Especializada de Crimes contra a Mulher. Em nível nacional, a primeira Delegacia Defesa da Mulher no Brasil foi criada em São Paulo, segundo Souza (2013) pelo Decreto nº. 23.769 em 06/08/1985 na cidade de São Paulo, já em Manaus, a primeira delegacia da mulher, conforme Cunha (2014) foi criada em 1987 pelo decreto estadual n° 10.347 de 07/07/1987.

Percebe-se que até então, a delegacia da mulher havia sido criada, mas não tinha uma padronização, sobre tal lacuna a autora menciona que nenhuma lei foi criada para regular a delegacia, devido a essa falta de padronização, a delegacia exercia um papel muito mais social, fato que muda com a Lei 11.340/2006. Sobre tal problema e a posterior solução com a lei, Oliveira (2016) destaca as atribuições que a delegacia passou a exercer, além dos atendimentos, o pedido de Medidas Protetiva de Urgência, exame de corpo de delito, transporte para a vítima, acompanhamento da vítima até um abrigo se necessário, bem como informar os direitos que a mulher vítima de violência possui, pois não é difícil deduzir que é somente após o contato com órgão desse tipo de órgão especializado que a mulher passa a ter ciência dos seus direitos.

As atribuições da delegacia da Mulher foram definidas , primeiro com a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres e fundamentalmente com a Lei Maria da Penha, abas de 2006, assim além de outras atribuições relevantes, a lei veio para definir as atribuições de uma Delegacia da Mulher, já que as delegacias foram cridas muito antes de Lei Maria da Penha.

Sobre os autores
Antonio José Cacheado Loureiro

Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Laura Garcia Alencar

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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