A Relevância da Palavra da Vítima nos Casos de Violência Doméstica contra a Mulher

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4. A PALAVRA DA VÍTIMA EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Violência doméstica, como qualquer outro tipo de violência é crime, onde a ultima fase desse tipo de violência é o feminicídio, por se tratar de um crime contra a vida, é julgado pelo Tribunal do Júri, porém não se pretendeu abordar tal tema com profundidade, pois este artigo se limita a abordar questões torno da violência doméstica.

Pretende-se apresentar as nuanças que esta relevância pode trazer. Sabemos que violência doméstica acontece no âmbito familiar, onde os fatos ocorrem na maioria das vezes sem testemunha, a respeito disso tem se várias jurisprudências a respeito, como será exposto a seguir:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A Corte de origem, após acurado exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela existência de prova apta a amparar o édito condenatório, de modo que, para afastar o entendimento do aresto recorrido, seria necessária incursão na seara probatória, vedada no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte. 2. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios. 3. Agravo regimental improvido. [2]

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR DE QUATORZE ANOS. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. 1. Nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima adquire especial relevância, mormente quando corroborada pelos demais elementos de prova contidos nos autos. Precedentes. 2. O Tribunal de origem, amparado pelas provas dos autos, entendeu pela manutenção do édito condenatório. Rever esse posicionamento demandaria a inevitável incursão no acervo probatório, hipótese vedada pela Súmula n. 7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. [3]

APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL (ART. 129, § 9º, DO CP C/C OS ARTS. 7º, INCISO I, E 41 DA LEI Nº 11.343/2006. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. DESCABIMENTO. ACERVO PROBATÓRIO CONCLUDENTE. PALAVRA DA VÍTIMA TEM ESPECIAL RELEVÂNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE COMPROVADAS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I – Inviável o pleito absolutório fundamentado na ausência de provas, se a condenação está lastreada em prova robusta colhida sob o crivo do contraditório. II – Nos crimes praticados mediante violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância para fundamentar a condenação, quando coerente com os demais elementos dos autos. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0526404-91.2015.8.05.0001, Relator (a): Nágila Maria Sales Brito, Segunda Câmara Criminal - Segunda Turma, Publicado em: 21/06/2018 ) [4]

Assim, ao contrário do pensamento popular, por não ter testemunha, a palavra da vítima possui muita importância nesses casos.

Ademais, uma novidades oriunda da Lei Maria da Penha foi a Medida Protetiva de Urgência, prevista a partir do art. 18 da Lei 11.340/06, onde a palavra da vítima adquiri também grande relevância, permitindo tanto o deferimento de Medidas Protetivas de Urgencia , como para que a denúncia seja feita do Ministério Público.

Sabemos que os crimes de menor potencial ofensivo ora previsto na Lei 3.688 ora os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos , cumulada ou não , se ainda não feita a denúncia pelo Ministério Público, podem ser retratados e o processo é arquivado, como consta no art. 16 da Lei Maria da Penha. Novidade trazida pela Lei 11.340/06 em seu art. 41, foi o afastamento da aplicação da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que prevê a ação penal pública condicionada não se aplica no caso de lesão corporal praticado contra a mulher no âmbito da violência doméstica. Logo, se tratando de lesão corporal no âmbito doméstico, por exemplo, a ação penal é sempre pública e incondicionada, sem a possibilidade de retratação.   

Ao contrário do que se pensam, a denúncia propriamente dita é feita pelo Ministério Público, o que acontece na Delegacia da Mulher, é o registro do Boletim de Ocorrência, que gera o Inquérito Policial, assim, o fato de haver uma Medida Protetiva em seu desfavor, não quer dizer que há uma denuncia contra você.

Ocorre que, assim como a palavra da vítima contém relevância, devemos considerar a possibilidade de haver o outro lado da situação, pois não devemos descartar a possibilidade da suposta vítima usar de má fé este dispositivo. Longe de desmerecer tal discurso, mas vejamos: se uma mulher sabe que se for na Delegacia da Mulher relatar uma situação de violência, há probabilidades da MPU (Medida Protetiva de Urgência) ser deferida.

Mas se a finalidade for de afastar o acusado da casa onde habitam, não porque sofre violência, mas porque tem interesse no imóvel ou quer prejudica-lo afastando-o de casa, por exemplo, pode solicitar nas Medidas Protetivas o afastamento do lar. Sabemos que a MPU tem até 48 para serem deferidas pelo juiz, e no ato que o oficial de justiça faz a intimação do acusado e dá ciencia das MPU´s ao acusado, cumpri o mandato fazedno o afastamento do lar. Se há um mandato judicial para que o acusado se retire do lar acusado violência doméstica, obviamente que oficial de justiça vai cumprir isto, pois nessa situação ele não quer saber se de fato a violência está acontecendo, pois quem vai averiguar isso é a delegacia, ou se feito a denuncia o Ministério Público, pois como o próprio nome diz é uma medida protetiva de “urgência”, é uma medida urgente.

Certo, mas se aquela situação nada tiver relação com violência doméstica, até o acusado conseguir a Revogação da Medida, já foi afastado da casa, será que não iria de contra o princípio da presunção de inocência?

O Registro do Boletim de Ocorrência, sabemos que tudo começa na delegacia, além da relato de violência doméstica, a dúvida é, se haveria outro filtro/ requisito para iniciar o Inquérito Policial, pois é duvidoso que todos os casos levados à delegacia sejam acolhidos.

Da denuncia, me refiro a denúncia do Ministério Público, devemos assumir que devido a relevância da vítima ser tão importante, a possibilidade de ser ofertada sem o cometimento do crime é pequeno mas existe, por exemplo quando na denúncia consta que o suposto agressor (marido, namorado, irmão, pai) cometeu vias de fato (art. 21 da Lei 3.688/41) ou ameaça (art. 147 do Código Penal), basta a requerente, caso ela queria usar isto de má fé para prejudicar o requerido, que ela alegue isto na Audiência de Instrução e Julgamento. Se basta a palavra da ofendida, há chances do acusado sem condenado, será que infringiria algum princípio do processo penal como o da verdade real?

A proposta é apresentar situações em que a relevância da palavra da vítima pode ser valorada de forma equivocada. Afirmo novamente, que violência doméstica existe, e em casos que há a violência doméstica contra a mulher, consequentemente a presença do ciclo de violência, de agressão física ou psicológia, sim , a palavra da vítima deve de fato ser valorada, por motivos já exposto, porém são exemplos de situações em que este dispositivo tão importante e usado de forma errada, nos convidando a refletir sobre esta problemática.


5. DADOS REFERENTE A VIOLENCIA DOMÉSTICA E FEMINICÍDIO

Para finalizar, se propõe apresentar dados relativos à violência contra a mulher e sobre o feminicídio tanto em nível internacional e nacional.

A começar, a nível internacional: O Relatorio Final da CPMI[5]  trouxe dados do Relatório Acesso à Justiça para as Mulheres Vítimas de Violência nas Américas , destaca que na Argentina, entre 1999 a 2003, os crimes de violência contra mulheres representaram 78 a 83% de todos os delitos ocorridos no país, na Costa Rica, 58% das mulheres sofreram algum incidente de violência física ou sexual depois de completarem 16 anos ou mais, nos Estados Unidos, em 2003, cerca de meio milhão de mulheres sofreram violência doméstica e aproximadamente 200 mil violações e agressões sexuais, na Republica Dominicana, 23,9% das mulheres afirmaram ter sofrido alguma violência desde os 15 anos de idade. Segundo o mesmo Relatório, o estado brasileiro informou não dispor de estatísticas sobre a quantidade de denúncias de violência contra mulheres que foram feitas no período solicitado pela Comissão.

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Se tratando de pesquisas nacionais, temos o estudo da Fundação Perseu Abramo (2001), apontou que aproximadamente 20% das mulheres brasileira já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica; dados do Instituto de Pesquisa Economia Aplicada apresentado por GARCIA et al (2013) apontou que em média 5.664 mortes de mulheres por violências a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, tudo a cada 90 minutos, entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios: ou seja, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada 1h 30 min.

Dados do Mapa da violência de 2012, aponta que a violência fatal atingiu mais de 50 mil mulheres entre 2000 e 2010, com uma taxa de 4,6 por 100 mil feminicídios. A atualização do Mapa da Violência de 2015 aponta uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, ocupando a 5° posição em um grupo de 85 países, ficando explícita a gravidade do problema da violência contra a mulher no país, trás ainda dados do período que compreende os anos de 1980 e 2013, cerca de 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato, e em 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres registrados no Brasil, aproximadamente 13 homicídios femininos diários.

O Anuário de Segurança Pública de 2016, apresentou  aumento de 129% de registro de violências sexuais contra as mulheres, em comparação ao ano anterior. O documento Diretrizes Nacionais publicado em 2016 pela ONU Mulheres/Brasil, referente a taxa de feminicídio aponta que naquele ano o país ocupava o 5° lugar no mundo.  Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017) aponta que o Brasil registrou 1 assassinato de mulher a cada 2 (duas) horas, com taxa de feminicídios de 4,6 em 2015 e 4.4 em 2016.

Quanto a dados completos sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher no estado do Amazonas: dados Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017 , apontou que no Amazonas houve  uma taxa de 4,9 de feminicídio em 2015, diminuindo para 3,9 em 2016. Dados do Atlas da Violência de 2018 ,  apontou no Amazonas uma taxa de 36,3 femicídios por 100 mil habitantes no ano de 2016.

O estudo intitulado Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha do ano de 2017  apontou que o Amazonas apresentou 452 casos pendentes de conhecimento de feminicídio, 114 processos baixados de conhecimento de feminicídio e 55 sentenças de conhecimento de feminicídio, todos em 2016.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica contra a mulher assola ainda hoje muitas famílias, se tornando de fato um problema social que deve ser prevenido e punido. Tivemos nesse artigo a abordagem de legislações tanto em nível internacional bem como em nível nacional, para demonstrar que este é um problema que vai além das fronteiras, ressaltando a importância de tratar desde problema, pois uma norma não é criada do nada, consideramos que estudar o arcabouço legal que envolve o combate à violência contra a mulher, foi uma fase indispensável para entender o processo de conquistas normativas referentes a este tema.

Importante aliado nesta luta são as políticas públicas oriundas do sistema de segurança pública, abrangendo tanto a Rede de Enfrentamento como a Rede de Atendimento para oferecer condições às mulheres vítimas de violência, pois só é possível que haja a prevenção se os dispositivos criados com esta finalidade, surtirem efeitos.

A relevância da palavra da vítima nesses casos foi abordada no sentido de demonstrar situações em que este elemento tão importante na prevenção, em caso do deferimento de Medida Protetiva de Urgência, ou mesmo para que seja ofertada a denúncia contra o agressor, pode ter um efeito contrário daquele desejado, pois de fato é um importante dispositivo, porém que pode dar margens a erros.

Dessa forma, apesar do avanço nesse quesito, a violência contra a mulher tem apresentado um número crescente, como acabamos de ver, incluindo o feminicídio, que revela que o aparato repressivo ainda está se aperfeiçoando e não tem sido suficiente para inibir as diversas formas de violência contra as mulheres, o que requer o aprofundamento da questão, no que concerne às condições concretas de atendimento atual, à sua estrutura de segurança pública, cuja análise não foi possível obter nesse artigo.

Sobre os autores
Antonio José Cacheado Loureiro

Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Laura Garcia Alencar

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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