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A geoeconomia como determinante nas relações internacionais da nova ordem mundial

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Agenda 06/08/2005 às 00:00

Sumário:1. Introdução; 2. Conceito de Geopolítica e seus principais expoentes; 3. As transformações da geopolítica clássica e suas novas tendências; 4. A Guerra Fria sob a ótica geopolítica e ascensão do capitalismo; 5. A geoeconomia como determinante das relações internacionais da nova ordem mundial e o papel do Estado; 6. Considerações finais; Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

            A geopolítica foi uma ciência de salutar importância no início do século XX, tendo encontrado em alguns teóricos adeptos da geografia política razão de ser para esta nova tendência, que determinaria, naquele contexto histórico, as ações de inúmeras políticas externas e suas relações com os demais Estados.

            Com as constantes transformações ocorridas no cenário mundial sob o impacto das duas guerras mundiais, primordialmente com a Guerra Fria e a estruturação do capitalismo, a geopolítica entrou em uma fase de mudanças [01], mantendo ainda sua importância, mas necessitando da guarida de outras áreas do conhecimento para se solidificar.

            Sob nova roupagem, a geopolítica ainda é atual e determinante no ordenamento das relações internacionais, devendo ser visualizada sob suas diversas facetas.

            A geopolítica clássica teve razão de ser em um mundo precedente de movimentos expansionistas onde os Estados ainda eram o único ator no cenário mundial em busca de redefinições oriundas da divisão de territórios, sendo a guerra adequada para o embate entre as nações.

            Com o surgimento de novos atores no cenário mundial, a disputa por novos espaços, o surgimento de tecnologias, a globalização, a geopolítica necessita adequar-se às novas demandas.

            Em um mundo onde a economia é a linha mestra de atuação, discute-se se essa não passa a visualizar as estratégias dos Estados, mas principalmente dos novos atores na política internacional.

            É o que se pretende neste trabalho, buscando na geopolítica a continuidade de sua ação sob novas formas, novos filtros, uma nova geopolítica, que encontra na economia parte desta justificativa.


2. CONCEITO DE GEOPOLÍTICA E SEUS PRINCIPAIS EXPOENTES

            É interessante observar como a geopolítica mostra-se importante num contexto histórico, que procura explicar através da geografia a forma como funciona a política e estratégia de expansão das nações.

            Na análise da maioria dos autores o que se observa é a difusão de idéias intrinsecamente ligadas por teorias que procuram traçar linhas de atuação para seu próprio Estado Nacional ascender à condição de potência expressiva. [02]

            Isso é fácil de ser visualizado em um período que a história se mostra seqüencial, com Estados inspirados por idéias imperialistas e pela própria necessidade de crescimento, utilizando-se da defesa de sua nação para expandirem suas linhas de fronteiras.

            Após um período de conquistas erige-se à necessidade de adequações daqueles que foram prejudicados na divisão do poder.

            Na prática com o fim do poderio britânico no século XIX encerrando a concepção do período colombiano, surgiu uma nova fase inaugurada pelo século XX de redefinições dos espaços de poder, haja vista os Estados prejudicados pela tardia colonização clamavam por novas divisões.

            A geopolítica surge como forma de explicar neste início de século XX e de certa forma entender as correlações de forças no âmbito territorial, com ênfase no espaço mundial. [03]

            Segundo Golbery, a geopolítica "nada mais é que a fundamentação geográfica de linhas de ação política, quando não, por iniciativa, a proposição de diretrizes políticas formuladas à luz dos fatores geográficos, em particular de uma análise calcada, sobretudo, nos conceitos básicos de espaço e de posição". [04]

            A geopolítica retira da geografia política fundamento histórico para sua solidificação enquanto área do conhecimento, que para alguns autores não passa da aplicação deste ramo da geografia, para outros explicará o jogo de forças estatais projetado no espaço [05] fundamentalmente neste novo cenário inaugurado por guerras, que diferenciavam-se do período precedente estruturado num sistema monopolar equilibrado.

            Em sua concepção clássica de geopolítica se dispõe analisar o Estado sob a ótica geográfica com ênfase nas relações de poder no espaço mundial servindo como parâmetro para traçar a atuação de um Estado frente aos demais sob aspectos, dos quais destacamos: segurança e poder.

            Em sua primeira vertente a geopolítica se dispõe a traçar as linhas mestras de defesa do território interno através de estratégia de proteção de suas fronteiras.

            Na segunda vertente, visa se projetar perante os demais Estados, a uma como forma de exortar e de certa forma impor sua política externa, a duas como forma de aquisição de novas áreas.

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            A geopolítica encontrou em juristas, militares, geógrafos fonte de sua propagação, sendo Rudolf Kjellén, um jurista sueco, o pioneiro a utilizar oficialmente o termo geopolítica em seu ensaio datado de 1905 denominado "As grandes potências", encontrando em Friedrich Ratzel os primeiros estudos sobre a sistematização da geografia política em 1897, inspirando assim este a abordar a diferenciação entre esta e a geopolítica.

            As geopolíticas clássicas para ele "eram antes de mais nada propostas de ação no sentido de fortalecer o Estado, logo não só feita por eles, mais para eles" [06], haja vista que eram os únicos atores no cenário mundial, sendo que disputavam entre si o controle pelo poder.

            Segundo Kjellén "geopolítica é a ciência que estuda o Estado como organismo geográfico" [07]. Para ele a geopolítica deveria preocupar-se apenas com o primeiro elemento constitutivo do Estado, ou seja, o território em todas as suas acepções, quais sejam, situação em relação ao mar e outros Estados, alteração decorrente de aumento ou diminuição de poder de um Estado, a importância do papel da geografia na política exterior. [08]

            Com propriedade Vesentini nos relata que "inúmeros pensadores se engajaram na tarefa apelidada de geopolítica por Kjellén de compreender o equilíbrio de forças no espaço mundial e as condições pelas quais um determinado Estado pode se tornar uma grande potência." [09]

            Em que pese o mérito da denominação geopolítica restar a Kjellén, os primeiros ensaios a despeito da aplicação da geografia partir de Ratzel, o almirante norte americano Alfred Mahan é considerado um dos precursores da geopolítica, apesar de nunca ter utilizado o termo, em que pese seus estudos antecederem as obras de Kjéllen.

            "A influência do poder marítimo sobre a história", publicado em 1890 é a obra mais importante, onde descreve como o uso estratégico do poderio naval e seu controle seriam determinantes para hegemonia mundial, haja vista ser este as vias por onde circulam os fluxos comerciais. [10]

            O controle do poder naval era a chave para o Estado que almejasse a ascensão de potência mundial.

            Seus estudos apontam os Estados Unidos como fonte de análise, tendo em vista que com o declínio da Inglaterra naquele período os Estados Unidos despontavam como uma potência em emergência isolada de outros Estados terrestres apresentavam grande possibilidade de expansão pelo mar, principalmente pelo fato de tratar-se de período das rotas comerciais.

            Observa-se que os Estados Unidos encontram-se protegido continentalmente por Estados que vem sendo adquiridos por ele desde 1818, transformando-o numa verdadeira redoma, isolado por terras, banhado por dois oceanos, estabelecem um domínio geopolítico peculiar a qualquer outro Estado.

            As concepções teóricas sobre o poder naval encontraram aplicabilidade na criação de uma das marinhas mais poderosas, a construção de bases navais fora dos EUA, bem como na construção do canal do Panamá, que concretizaram as idéias de Mahan.

            A teoria do poder marítimo de Mahan é contraditada pela introdução da teoria do poder terrestre do geógrafo britânico Halford Mackinder, quando em 1904 profere sua conferência intitulada "The Geographical Pivot of History". Sua teoria traz implícita a constante rivalidade entre estes dois poderes que disputam a supremacia mundial a muito tempo.

            Como Mahan, Mackinder também não usou a expressão geopolítica em seus estudos sobre estratégia, sendo entretanto considerado o grande teórico da geopolítica clássica.

            Para Mackinder não somente os elementos geográficos exerciam influência, bem como sua relação com a história eram fundamentais para explicar sua teoria conhecida como heartland, coração continental ou área pivô.

            "Mackinder construiu toda uma teoria que tem na geoestratégia a chave para hegemonia mundial." [11]

            A noção do heartland é o conceito chave, uma idéia estratégica que saiu da esfera teórica e encontrou nas duas guerras mundiais aplicabilidade.

            Segundo sua teoria o controle do mundo ensejaria domínio sobre determinado espaço terrestre no coração do Velho Mundo, o que ele chamou de ilha mundial, e dentro dessa ilha havia uma área central localizada entre a Europa e a Ásia e nela a região geoestratégica ou heartland, que corresponde a Europa Oriental, permitindo a disseminação do poder daquele que a detivesse.

            A escolha da Europa justificava-se por ter sido o espaço das maiores guerras e de grande parte da população mundial. Este espaço era a soma de 3 condições relevantes:

            ... a presença de uma porção importante da maior planície do mundo, que se prolongaria desde as estepes russas até a Alemanha, os Países Baixos e o norte da França, e que seria coberta de pastagens (grassland), o que favoreceria a mobilidade de povos e guerreiros; a presença de alguns dos maiores rios do mundo (sic); e a sua natureza mais ou menos fechada em relação as incursões marinhas. [12]

            Para Mackinder "quem controla a hertland [terra-coração] domina a pivot área e quem domina a pivot área controla a "ilha mundial", e quem controla a "ilha mundial" domina o mundo." [13]

            Deve ser recorrente a idéia que os teóricos geopolíticos clássicos apresentam seus estudos como linhas de ação para o Estado o qual pertencem, sendo certo que o contexto histórico que estamos inseridos nesta etapa é o entremeio da 1ª Guerra Mundial, dessa forma a teoria de Mackinder nada mais é que um estudo estratégico com vistas a proteger a Inglaterra que deveria criar um isolamento entre a Rússia e a Alemanha, impedindo uma aliança entre as duas, evitando um possível colapso no equilíbrio europeu, para o que sugeriu ainda a criação de um cordão sanitário, separando as duas potências continentais. [14]

            A ascensão da Inglaterra e a instauração da

Pax Britannica no sistema internacional representaram o coroamento dessa época de ouro do poder marítimo.

            Entretanto, as últimas décadas do século foram marcadas pelo advento de novas tecnologias que potenciaram o sistema de transporte terrestre: a invenção da locomotiva e a construção de ferrovias. O transporte ferroviário conectou os grandes espaços interiores entre si, estabelecendo também a ligação destes com as regiões costeiras de cada continente.

            Na visão de Mackinder, a generalização dessa tecnologia poderia significar o dobre de finados da era colombiana do poder marítimo e o começo da era pós-colombiana de preponderância do poder terrestre. [15]

            As idéias de Mackinder inspiraram o General alemão Karl Haushofer a aplicação das teorias geopolíticas, que adaptou às necessidades da Alemanha naquele período. Para Mackinder o fortalecimento da Inglaterra implicaria no constante isolamento da Alemanha da Rússia e assim controle do hertland.

            Segundo Vesentini, o militar alemão às avessas teorizou sobre as condições para se fortalecer o Estado germânico". [16]

            Haushofer dividiu o mundo em 4 blocos através de uma aliança entre Alemanha, Rússia e Japão X Inglaterra, França e China, sem mexer nos EUA.

            Existem contradições referente as idéias de Haushofer terem sido traçadas visando criar um plano de governo para Alemanha hitlerista ou simplesmente tê-la influenciado, sem grande participação. [17]

            Para finalizarmos o elenco teórico que utilizou a geopolítica como justificativa de ação da política externa e a linha mestra de atuação dos Estados encontramos Nicholas Spykman, que num período entreguerras, diante do perigo de guerra na Europa e agressão japonesa no Oriente, talvez inspirado pela política mahaniana do poder naval apresentou sua teoria sobre o rimland.

            Spykman participou dos debates sobre as idéias que pululavam na época com relação ao posicionamento dos EUA adotarem uma postura isolacionista ou intervencionista em política externa, sendo que referido autor posicionou-se como "adepto do realismo em Relações Internacionais e de intervenção em política externa americana." [18]

            Não somente adepto as idéias de Hobbes encontra em Maquiavel a justificativa para disputa de poder entre os Estados, através da manutenção de seu território e expansão de poder.

            O sistema internacional é visto pelo realismo de Spykman como essencialmente anárquico e potencialmente belicoso, semelhante ao "estado de natureza" hobbesiano. Este sistema padece da ausência de um governo centralizado em termos mundiais e nele a força é exercida sob um regime de livre-concorrência pelos únicos atores que realmente contam nas relações internacionais: os Estados Nacionais.

[19]

            Neste sentido para controlar e se expandir os EUA deveriam atacar na linha de frente do Atlântico e do Pacífico avançando sobre a Europa e Ásia, assegurando a hegemonia ocidental dentro da Europa.

            Na visão de Spykman, a estratégia de segurança dos Estados Unidos deveria pautar-se por uma política de equilíbrio de poder tanto na Europa como na Ásia. Para garantir a existência de forças divididas e compensadas nas duas pontas da Eurásia, era necessário para o poder naval anglo-americano manter a aliança com o Estado-pivô soviético. Potência dominante no

Hertland, somente a Rússia tinha os indispensáveis recursos de poder para equilibrar a Alemanha na Europa e a China no Extremo Oriente, neutralizando assim os principais poderes no Rimland eurasiano. [20]

            Rimland é o termo utilizado para definir as regiões costeiras ou fímbrias marítimas, que contornam a Eurásia, servindo como área tampão entre o poder marítimo e terrestre. Spykman também coloca em xeque esta dicotomia entre continentalismo e oceanismo, dizendo que as bases de luta ora eram entre algumas nações do rimland, ora numa aliança entre Inglaterra e Rússia contra uma terceira nação, ora uma luta entre elas, tentando dominar o continente europeu, como bem prova a 2ª Guerra Mundial.

            Ocorre que por ter a geopolítica clássica surgido num período entreguerras e se desenvolvido em sua grande maioria por militares e estrategistas, a geopolítica terminou por atrelar-se àquela, tendo encontrado dificuldades de manutenção em certo período da história, sendo resgatada após certo tempo sob novas tendências.


3. AS TRANSFORMAÇÕES DA GEOPOLÍTICA CLÁSSICA E SUAS NOVAS TENDÊNCIAS

            É interessante que observemos como o cenário mundial das relações entre as nações nestes três séculos, objeto sintético do presente estudo, demonstram como a lógica internacional funda-se no constante e recorrente antagonismo entre dois lados que se opõe e se recompõe como uma estrutura dicotômica.

            Face às transformações ocorridas na concepção da geopolítica clássica propiciada pela latente crise que ficou subjugada à periferia das universidades encerrou também a idéia de oposição de oceanismo x continentalismo, emergindo uma nova forma de contraposto açabarcada pela nova ideologia que os auspícios da Guerra Fria trazia, qual seja capitalismo x socialismo.

            Segundo a maioria dos autores referida geopolítica entra em crise pelo fato de seu conteúdo ter inspirado subversivamente as maiores atrocidades da humanidade ligadas as tendências fascistas e nazistas do período, passando dessa forma ser execrada como ciência, mas também devido seu contexto histórico limitar-se a atuação do Estado, atrelando-se a questão militar.

            Vale observar que entre os vários fatores que conduziram a crise da geopolítica clássica não foram somente os já elencados, mas o surgimento de novos atores que alteram a órbita das relações internacionais, e aqui ressaltamos um outro ponto determinante a preocupação com apenas um único elemento do Estado, o território.

            As novas geopolíticas além de não centralizarem o Estado como a única fonte de poder, contextualizam com outros sistemas no espaço.

            Quando se preocupa apenas com o território esquece-se fundamentalmente da soberania elemento garantidor do poder estatal, e que é a principal arma dos Estados Nacionais na nova ordem mundial.

            Outra situação propensa a crise foi exatamente a ausência de guerras, conflitos armados envolvendo Estados.

            Durante o período do pós-guerra mundial a geopolítica perde um pouco de seu relevo, voltando ter certa razão com a Guerra Fria.

            Neste entremeio de século XX o sustentáculo permearia as razões de ser da iminente 3ª Guerra Mundial numa constante busca armamentista que encetou a Guerra Fria e não passou dos limites do campo da ideologia.

            Com o fim da Guerra Fria, a estruturação do mundo em uma ordem mundial sem qualquer alinhamento, o encerramento da possibilidade iminente de grandes conflitos, onde o surgimento de novos atores delineiam as normas, a geopolítica se reergue sob nova roupagem.

            O século XXI marca uma nova era para geopolítica que após um período de ostracismo ressurge em um novo cenário adaptando-se desta forma, haja vista que o Estado não é o único a regular as relações, e como se observará mais a frente talvez não seja mais o principal ator, relegado a posição secundária no novo tabuleiro internacional.

            O Estado deixa de ter o papel principal e participa desta nova ordem como ator secundário, regulando as relações através de diretrizes para estes novos atores, e suprindo as lacunas deixadas pelo modus vivendi proporcionado pelo capitalismo, corroborado por uma globalização que no seio da sociedade se mostra negativa.

            O secundarismo do Estado denota-se também pelo surgimento da revolução técnico-científica que desponta não mais para um Estado com grande território, população e capacidade armamentista, mas para um poder que chega ser invisível e emerge às antigas fronteiras físicas.

            Neste novo contexto destacamos fundamentalmente as empresas transnacionais, ONGs em defesa do meio ambiente, direitos humanos etc, sendo atualmente as empresas o ator que detém o principal papel, haja vista que o fim da Guerra Fria e a sedimentação do capitalismo permitem isso, sendo certo que os demais atores ou procuram ainda se manter, como os Estados que se adaptam através da regulação das normas de mercado, ou procuram se estruturar que como ONGs, passam a ter um papel relevante.

Sobre a autora
Tatiane Mendes Ferreira

advogada, pós-graduda em Direito Internacional e Relações Internacionais pela UNIMEP de Piracicaba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Tatiane Mendes. A geoeconomia como determinante nas relações internacionais da nova ordem mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 763, 6 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7109. Acesso em: 31 out. 2024.

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